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Documento de identificação e impossibilidade de visitar familiar hospitalizado. Dignidade e burocracia

Agenda 16/08/2023 às 13:16

A vida é como é. A espécie humana tenta sobreviver pelos seus mecanismos psíquicos, emocionais, intelectuais e espirituais, no último não se confunde com "religião".

Sigmund Freud é o considerado "o pai da psicanálise". Suas contribuições sobre os processos psíquicos da espécie humana revolucionou os tratamentos dos "problemas orgânicos". Se antes, de Freud, o corpo físico era o causador dos males, com o "pai", a mente tem profundas e substanciais influências sobre o corpo físico, os órgãos e a própria mente.

Freud também avaliou que tanto o próprio indivíduo quanto a sociedade interferem na saúde humana.

2023. Muito antes desse ano, o Direito se valia dos conhecimentos da medicina, psiquiatria, psicologia e psicanálise.

O ano de 2023 possui diferencial; a Era dos Direitos Humanos norteia o Direito. Na CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 (CRFB de 1988), o princípio da dignidade humana.

Imaginem esta situação. Fábio passa mal; é internado no Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Um dos filhos, Gustavo, reside em outro estado. Com o próprio automotor viaja para ver o seu pai. No hospital, por medida de segurança, Gustavo deve apresentar algum documento de identificação pessoal. Infelizmente, Gustavo esqueceu todos os documentos em sua residência. Por sorte, não foi parado numa blitz da Polícia Federal.

Fábio, no "box" do CTI, quer ver Gustavo. Pode o hospital deixar entrar sem apresentar algum documento de identificação pessoal? Por motivos de segurança, para o hospital, para os pacientes, enfim, de todos, a obrigatoriedade de apresentação de documento.

Gustavo é filho. Os outros irmãos confirmam que Gustavo é filho de Fábio.

Razoabilidade.

Saúde é, segundo OMS, "bem-estar físico, emocional e espiritual". Fábio, por saber da impossibilidade de Gustavo entrar, apresenta "agitação psicomotora". Entre documento de identificação, segurança no hospital e saúde de Fábio, qual deve preponderar? Tudo é importantíssimo, contudo, a exigência de documento é passível de causar complicações no quadro clínico de Fábio.

Temos, então, a dignidade humana e a burocracia. A burocracia não é ruim, por motivos já mencionados (segurança etc.), mas se mostra irrazoável quando é possível comprovar quem visita Fábio, pois há expressa comprovação, por parte dos outros irmãos, de que Gustavo é filho do paciente Fábio.

Para segurança de todos os pacientes, dos funcionários do hospital etc., a necessidade de comprovação de que Gustavo é filho de Fábio. Pode a administração do hospital pedir que algum dos filhos desça até a recepção para confirmação. No caso de simples acreditar, por parte da administração hospitalar, na veracidade de quem se diz ser, e não é realmente quem diz ser, o hospital é responsável pelos prejuízo provocados pelo (suposto) filho de Fábio. Exemplos: furtos, roubos.

Negar entrada de Gustavo, e o paciente Fábio ter complicações em seu quadro de saúde, o hospital poderá ser responsável. Antes da Era dos Direitos Humanos, tanto a vontade do paciente quanto dos familiares ficavam atrelados aos ditames da equipe médica e, dependendo das normas do Estado de Direito, o corpo não era do próprio paciente e, sim, da vontade do Estado.

Razoabilidade para a dignidade do paciente e dos familiares e para a segurança de todos.

Outro exemplo. Gustavo perdeu todos os documentos. A equipe médica informa que Fábio poderá morrer a qualquer momento. Todos os cuidados médicos para evitar mais sofrimento ao paciente são disponibilizados. Fábio está inconsciente. Pela burocracia, irrazoável, Gustavo sofrerá por não estar com os seus irmãos em momento de extrema tristeza familiar.

AMPARO LEGAL 

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 (CRFB de 1988) 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

II - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

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LEI N 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003

Art. 2º A pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022)

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022)

§ 1º A garantia de prioridade compreende: (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022)

 I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;

§ 2º Entre as pessoas idosas, é assegurada prioridade especial aos maiores de 80 (oitenta) anos, atendendo-se suas necessidades sempre preferencialmente em relação às demais pessoas idosas. (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022)

Art. 8º O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente.

CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA (VERSÃO DE 1988)

Capítulo V: Relação com pacientes e seus familiares

Art. 59 – Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Negar entrada de Gustavo, e o paciente Fábio ter complicações em seu quadro de saúde, o hospital poderá ser responsável. No Código de Ética Médica, no art. 59, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal. Fábio, a pessoa idosa internada e sobre cuidados da equipe médica, tem como responsável legal a filha Ana. Ana é médica. Todavia, Gustavo, por motivos pessoais de Fábio, é o suporte emocional de Fábio. A proporcionalidade é a graduação do excesso; a razoabilidade, a adequação das medidas adequadas. Exige-se uma medida pela necessidade.

Vejamos:

PARECER CFM nº 36/15

 INTERESSADO: CRM-PA 

ASSUNTO: Visita social de médico em ambiente hospitalar – UTI RELATORES: Cons. Dilza Teresinha Ambros Ribeiro Cons. Hermann Alexandre Vivacqua von Tiesenhausen EMENTA: Ao médico são permitidas visitas sociais em unidade hospitalar. 

Nenhuma norma estatutária ou regimental pode restringir o livre acesso do médico às unidades de saúde, respeitando-se o disposto no Código de Ética Médica. 

DA CONSULTA 

Por meio de documento encaminhado ao Conselho Regional de Medicina do Pará, o médico A.F.C.C. solicita Parecer-Consulta sobre questões éticas referentes a visita social médica em unidade de terapia intensiva e faz o seguinte questionamento: “Há alguma orientação no Código de Ética Médica sobre privilégio ao profissional médico para visitas sociais (não técnicas) no setor?”. 

Informa, ainda, que a motivação deste questionamento tem por base a sistemática visita por profissionais médicos neste setor, na qualidade de amigo ou parente de pacientes internados, fora dos horários pré-definidos, aumentando o risco de transmissão cruzada de infecção, devido ao aumento do fluxo de pessoas, e comprometendo o controle de ruídos e cuidado ostensivo com a lavagem das mãos, assim como a continuidade da atenção ao doente por parte dos profissionais do setor. Essas repetidas interrupções perturbam o ambiente como um todo, desviando o foco para os visitantes em detrimento do paciente. 

Invoca, em seu documento, o art. 5º da Constituição Federal, que veda qualquer tipo de discriminação e questiona: fazer concessão ao médico não seria discriminar outros visitantes não médicos? O que dizer ao paciente ao lado quando ele reclama do fluxo excessivo de pessoas, ruídos e quebra da privacidade (hora do banho, por exemplo) quando da presença de pessoas estranhas ao setor e fora do horário regulamentar destinado a visitas? O que dizer aos outros familiares que, mesmo não sendo médicos ou amigos de médico, não podem ter um tempo extra ou mais flexibilidade de horário e não podem obter tal benefício? O médico pode ser impedido de visita nesta situação? Será que nas Câmaras Técnicas das Cooperativas, ou nas reuniões de colegiado do CRM, todos podem requerer acesso a qualquer momento pelo fato de serem médicos? Será que no centro cirúrgico, reconhecidamente um setor que requer rigoroso controle de circulação de pessoas, terão de ser abertas exceções para médicos que não estejam envolvidos no ato cirúrgico? Finaliza alegando que o acolhimento desses profissionais médicos como  obrigatório ou de legitimidade põe o plantonista em condição muito desconfortável e pode trazer enfado, abuso e desequilíbrio ao funcionamento de um setor crítico, gerando prejuízos ao paciente. 

CONCLUSÃO

Ora, como visto, não se pode colocar no mesmo patamar de acessibilidade aos centros médicos o cidadão comum e o médico de profissão assim reconhecido legalmente.

 Não se pode igualar um cidadão médico com um outro cidadão comum quando se está tratando de acesso a nosocômios.

 Evidentemente, o acesso não pode trazer transtorno ao serviço que tem por finalidade o tratamento, nem preocupações que discriminem o médico apenas porque não está no exercício de uma função específica ligada ao local e aos pacientes internados, uma vez que ele é médico, sempre, no exercício de sua função e de seu múnus público.

Pelo simbolismo de sua presença no local, estando ele ou não como amigo ou como parente, não deixa de ser médica sua atuação, seja física, mental ou moral, sempre mantendo a postura adequada de zelo e de respeito ao paciente, aos profissionais e também à instituição de saúde. Nenhuma norma estatutária ou regimental pode restringir o livre acesso do médico às unidades de saúde. 

Vale ressaltar que não tem fundamento técnico a alegação de aumento de risco de transmissão cruzada de infecção por visita social de médico, já que cuidados na prevenção de infecção são obrigatórios para todos os visitantes, inclusive para visitantes profissionais de saúde que atuam em unidades hospitalares, não sendo justificável o possível enfado do plantonista. Este é o parecer, SMJ. (Conselho Federal de Medicina. PARECER CFM nº 36/15. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/BR/2015/36_2015.pdf

Matéria jornalística: 

Rio: Vacinados poderão visitar pacientes com Covid nos hospitais

Uma nova resolução da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, divulgada nesta segunda-feira (17), autoriza visitas aos pacientes com o novo coronavírus internados em hospitais da capital fluminense.

Para isso, os visitantes precisam ter completado o esquema vacinal, ou seja, ter recebido a segunda aplicação da vacina contra o novo coronavírus há pelo menos 14 dias, e devem apresentar um comprovante com foto. (CNN. Rio: Vacinados poderão visitar pacientes com Covid nos hospitais. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/rio-de-janeiro-libera-visita-a-pacientes-com-covid-19/

Temos a dignidade da pessoa humana e os protocolos de segurança para a equipe médica, para os visitantes e internados. Do Parecer:

Evidentemente, o acesso não pode trazer transtorno ao serviço que tem por finalidade o tratamento, nem preocupações que discriminem o médico apenas porque não está no exercício de uma função específica ligada ao local e aos pacientes internados, uma vez que ele é médico, sempre, no exercício de sua função e de seu múnus público.

(...)

Vale ressaltar que não tem fundamento técnico a alegação de aumento de risco de transmissão cruzada de infecção por visita social de médico, já que cuidados na prevenção de infecção são obrigatórios para todos os visitantes, inclusive para visitantes profissionais de saúde que atuam em unidades hospitalares.

Profissional médico, médica ou médique (1) é pessoa humana dotada de dignidade. A única diferença é a capacidade técnica entre profissional da área de saúde — médico, médica ou médique — e outras pessoas não da área de saúde. 

Pelo Parecer, não tem fundamento técnico a alegação de aumento de risco de transmissão cruzada de infecção por visita social de médico, já que cuidados na prevenção de infecção são obrigatórios para todos os visitantes, inclusive para visitantes profissionais de saúde que atuam em unidades hospitalares

Os cuidados na prevenção de infecções são obrigatórios para todos os visitantes. Por parte da administração hospitalar, o ingresso de Gustavo, no hospital, exige documentação de identificação, por questões de segurança. Todos os visitantes devem apresentar identificação pessoal; é o princípio da isonomia. No entanto, aplicando-se a razoabilidade — a adequação ao caso concreto —, a necessidade pela situação de Fábio, e o seu possível comprometimento de seu quadro emocional, a exigência de documento de identidade para Gustavo entrar e visitar seu pai (Fábio) se mostra desproporcional, uma vez que os irmãos de Gustavo comprovam que Gustavo é Gustavo. 

Tomemos o exemplo de profissional da área de saúde (Marcos) que trabalha no hospital. Marco perdeu todos os documentos de identificação. Há relação de vínculo trabalhista, e por isso a administração do hospital sabe quem é Marco. Ainda que Marco não possua nenhum documento comprovando que é Marco, todos os profissionais, desde profissionais da área de saúde até equipes de manutenção, sabem quem é Marco ao olhar. A proibição do excesso, pela proporcionalidade, deve ser analisada pela razoabilidade.

Dignidade e burocracia. Invocar dignidade humana como solução para tudo, sem se ater ao fato de que a burocracia também é importante para a proteção dos funcionários, prestadores de serviços, visitantes, profissionais da área de saúde etc., é irrazoável. Porém, os excessos sempre devem ser analisados em cada caso concreto.

Nota

(1) — MANUAL PARA O USO DA LINGUAGEM NEUTRA EM LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: https://portal.unila.edu.br/informes/manual-de-linguagem-neutra/Manualdelinguagemneutraport.pdf

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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