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A segunda Conferência de Paz de Haia

Agenda 28/10/2007 às 00:00

"A paz não pode ser mantida à força. Somente pode ser atingida pelo entendimento" (Albert Einstein)


Pode-se não gostar da História, mas o ser humano não pode ignorá-la. A História retrata os momentos importantes, desastrosos ou heróicos da existência do homem. É a medida exata do que acontece e deve ser transcrito e rememorado para sempre.

Comemora-se neste ano o centenário da Segunda Conferência de Paz, realizada em Haia, na Holanda, em 1907, por convocação da Rainha da Holanda e do Czar da Rússia, a fim de evitar (o impossível!) a eclosão de uma guerra de proporções mundiais. Em 15 de junho, instalou-se solenemente a assembléia.

Afonso Pena sucedia a Rodrigues Alves na presidência da República, marcando seu governo pela participação do Brasil nessa Conferência. O Barão do Rio Branco, Ministro do Exterior, indicara Rui Barbosa para representar o Brasil nesse Conclave. O Brasil comparecia como expressão anã, ante os poderosos da época, mas a presença de Rui alçou-o ao primeiro plano, portando-se como Davi ante o gigante Golias.

Por sua significativa intervenção na defesa das nações exploradas e da absoluta igualdade jurídica dos Estados Soberanos, qualquer que fosse seu tamanho, recebeu o título de Águia de Haia, saindo o País engrandecido com a atuação deste advogado e notável tribuno.

Naquele ano, coincidentemente, Ernesto Teodoro Moneta, militante pacifista italiano, recebeu o prêmio Nobel da Paz. Num dos inúmeros congressos de que participou, pronunciou as seguintes palavras: "Quiçá não tarde o dia em que todos os povos, esquecendo os antigos ódios, se unam sob a bandeira da fraternidade universal e, deixando as disputas que os envolve, cultivem as relações pacifistas, estreitando sólidos laços entre si". Em 1887, doze anos antes da realização da primeira conferência de paz, em Haia, fundou a União Lombarda para a Paz e Arbitragem.

Juntamente com o pacifista Moneta, o eminente professor francês, Louis Renault, catedrático de Direito Internacional, da Universidade de Paris, também recebeu o prêmio Nobel da Paz, por seus esforços em prol da solução dos conflitos, pacificamente. Nomeado árbitro da Corte Permanente de Arbitragem, de Haia, foi um dos grandes nomes deste Pretório e emprestou sua inteligência e talento em favor da arbitragem internacional e da paz. Teve participação exemplar nas conferências de 1899 e 1907, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento do Direito Internacional.

O Brasil e outros países do hemisfério sul estiveram ausentes na primeira conferência, realizada em 1899, por não haverem sido convidados. Os latino-americanos sentiram-se, então, desprezados. Entretanto, graças à intervenção dos Estados Unidos da América, os países latino-americanos tiveram sua presença garantida em 1907, como afirmação da Doutrina Monroe de defesa da soberania e integridade dessas repúblicas.

A humanidade sempre se pautou pelas guerras, desde a pré-história. O século XIX europeu caracterizou-se pelas trincheiras e valas bélicas, que semearam entre seus povos o ódio e a destruição. Entretanto, no final desse século, reinava ironicamente relativa paz. Havia terminado a guerra entre a França e a Alemanha. Aqui e acolá brotavam pequenas lutas, embora as tensões estivessem sempre presentes, e que desencadeariam a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918) e, em seguida, a Segunda Guerra Mundial e as guerras regionais permanentes, com ameaças de destruição total do planeta, perdurando até o presente este horrendo e apocalíptico vaticínio.

Paradoxalmente, as grandes descobertas, o progresso das ciências, as ferrovias, a eletricidade (uma das mais importantes invenções, matriz de todas demais), a industrialização, em oposição à decadente agricultura, a economia nascente, a massificação, a migração do campo para as cidades, produziram grandes transformações nas sociedades. Seria o despertar para um mundo novo, jamais imaginado, não fossem a insensatez e as destruições trazidas pelas guerras.

Despontava, na década de 1870, um novo país que se tornaria, em breve, o mais poderoso da Terra e o sucessor dos grandes impérios de então: os Estados Unidos da América.

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Neste panorama, a Primeira Conferência da Paz palmilhava a criação de um foro internacional – corte arbitral – com o objetivo de mediar os conflitos entre os Estados, evitando, destarte, que estes resolvessem as disputas por meio das armas. Na segunda conferência cristaliza-se a idéia da criação de uma Corte Internacional de Justiça. A arbitragem surgia, então, como a melhor forma de solução pacífica dos conflitos internacionais.

Desgraçadamente, não foi o que ocorreu. As guerras continuaram modelando o mundo de nossos avós, com requintes cada vez mais sofisticados e perversos, e assim prossegue o homem, sem se preocupar com o futuro daqueles que deverão sucedê-lo. O Século XX trouxe revolucionárias e novas esperanças de momentos de felicidade que ficaram apenas nas intenções.

Com o fim da guerra fria, a sociedade humana vive, hoje, paradoxalmente, ranços de um fundamentalismo de todas as correntes religiosas se alastrando, desastradamente, por toda a parte, o que é verdadeiramente aterrador. É tão nefasto quanto o era a discriminação político-ideológica e racial de tempos não tão longínquos. O que parecia sepultado, para todo o sempre, nas cinzas do passado, recrudesce com mais intensidade, atingindo as raias do absurdo e da insanidade. Os homens prosseguem se digladiando em nome da fé e os fundamentalistas de todos os credos, religiões e ideologias se dizem donos do Universo, como se a humanidade lhes houvesse outorgado o mandato e este lhes pertencesse.

No patamar em que se encontra a humanidade, somente o congraçamento e a solidariedade poderão afastá-la da tragédia de uma hecatombe, porque o ser humano ainda não aprendeu que, antes da guerra (e jamais esta), devem os homens sentar-se à mesa de conversações. Nunca depois, quando a destruição terá arrasado a civilização, pouco ou nada restando dela.

Os seres humanos podem perfeitamente viver em paz, se quiserem. Basta a vontade política, única capaz de remover fronteiras, etnias, barreiras religiosas e sólidas e antigas desavenças. Ainda há tempo. Ainda há pessoas lúcidas. Algumas vociferam. Outras, porém, – a maioria – encontram energia para o diálogo e para a diplomacia da palavra, da vida, e não da morte! A diplomacia, e não a guerra, deve resolver as crises entre nações e povos.

Haverá sempre a fé, a alegria de viver, a esperança.

O Professor Leon Frejda Szklarowsky é escritor, poeta, jornalista, advogado, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, mestre e especialista em Direito do Estado e metodologia do ensino superior, conselheiro e presidente da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, juiz arbitral da American Arbitration Association, Nova York, USA, juiz arbitral e presidente do Conselho de Ética e Gestão do Centro de Excelência de Mediação e Arbitragem do Brasil, vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex, acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (diretor-tesoureiro), da Academia de Letras e Música do Brasil, da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal, da Academia de Letras do Distrito Federal, da Associação Nacional dos Escritores, da Academia Brasileira de Direito Tributário e membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal, Entre suas obras, destacam-se: LITERÁRIAS: Hebreus – História de um povo, Orquestra das cigarras, ensaios, contos, poesias e crônicas. Crônicas e poesias premiadas. JURÍDICAS: Responsabilidade Tributária, Execução Fiscal, Medidas Provisórias (esgotadas), Crimes de Racismo, Contratos Administrativos, ensaios sobre arbitragem, religião, e Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade. Condecorações e medalhas de várias instituições oficiais e privadas.


Notas

01 Cf. Augusto Zimmermann, Rui Barbosa, o Águia de Haia, in www.achegas.net/numero/33/aug_zimmermann_33.pdf. Confere também www. casaruibarbosa.gov.br/template_01/default.asp?VID_Secao+2988VID_Materia=773. Consulta em 28.9.2002. Consulte-se, ainda, de Antônio Augusto Cançado Trindade, O Direito Internacional em um Mundo e Transição, Renovar, Rio de Janeiro – São Paulo, 2002.

Sobre o autor
Leon Frejda Szklarowsky

Falecido em 24 de julho de 2011. Advogado, consultor jurídico, escritor e jornalista em Brasília (DF), subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, editor da Revista Jurídica Consulex. Mestre e especialista em Direito do Estado, juiz arbitral da American Association’s Commercial Pannel, de Nova York. Membro da membro do IBAD, IAB, IASP e IADF, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Integrou o Conselho Editorial dos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais, e o Conselho de Orientação das Publicações dos Boletins de Licitações e Contratos, de Direito Administrativo e Direito Municipal, da Editora NDJ Ltda. Foi co-autor do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, que se transformou na Lei 6830/80 (secretário e relator); dos anteprojetos de lei de falências e concordatas (no Congresso Nacional) e autor do anteprojeto sobre a penhora administrativa (Projeto de Lei do Senado 174/96). Dentre suas obras, destacam-se: Execução Fiscal, Responsabilidade Tributária e Medidas Provisórias, ensaios, artigos, pareceres e estudos sobre contratos e licitações, temas de direito administrativo, constitucional, tributário, civil, comercial e econômico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. A segunda Conferência de Paz de Haia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1579, 28 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10582. Acesso em: 26 dez. 2024.

Mais informações

Publicado na Revista Jurídica Consulex, número 258, de 15 de outubro de 2007.

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