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Ética da advocacia

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Agenda 15/10/2024 às 18:55

A LIDE TEMERÁRIA

Ocorre a lide temerária quando o advogado coligar-se com o cliente para lesar a parte contrária, sendo solidariamente responsável pelos danos que causar. A lide temerária funciona como meio indevido de pressão e intimidação, estando destituída de qualquer fundamentação legal, consistindo em instrumentalização abusiva do acesso à justiça, para fins impróprios ou ilícitos.

A lide temerária, no entanto, não se presume, nem pode a condenação decorrente ser decretada pelo juiz na mesma ação. Tampouco basta a prova da temeridade, que pode ser resultado da inexperiência ou da simples culpa do advogado. Para responsabilizar o advogado é imprescindível a prova do dolo. Caracterizando-se a lide temerária, pode a parte prejudicada ingressar em juízo com ação própria de responsabilidade civil contra o advogado que, coligado com o cliente, causou-lhe danos materiais ou morais, ante a evidência do dolo. A competência para a ação própria de responsabilidade civil é da justiça comum, ainda que a lide temerária tenha outra origem, como a Justiça do Trabalho.

O dolo, entendido como intenção maliciosa de causar prejuízo a outrem, é espécie do gênero culpa, no campo da responsabilidade civil. Aproxima-se da culpa grave. O dolo é qualificado em caso de lide temerária. É gravíssima infração à ética profissional. Ao contrário da culpa, onde o dano terá de ser indenizado na dimensão exata do prejuízo causado pelo advogado, o dolo em lide temerária acarreta um plus ao advogado, porque é obrigado solidário juntamente com o cliente, inclusive naquilo que apenas a este aproveitou indevidamente.


AS REGRAS DEONTOLÓGICAS

A necessidade em se regulamentar a ética profissional, mediante códigos de conduta rigorosos, vem de longa data. Como toda atividade humana, a advocacia conheceu e conhece seus momentos de indignidade cometidos pelos maus profissionais. A lei Cíntia (de 204 a.C.), em Roma, puniu os advogados com impedimento para receber remuneração em virtude do procedimento reprovável de muitos práticos. Ordenanças dos reis espanhóis, em 1495, foram editadas para “evitar a malícia e tirania dos advogados que usam mal de seus ofícios”.

A Lei n. 8.906/1994 evitou a duplicidade de tratamento legal dos deveres éticos, remetendo-os inteiramente ao Código de Ética e Disciplina, editado pelo CFOAB. A duplicidade de tratamento dos deveres éticos, havida entre o anterior Estatuto da Advocacia e da OAB e o Código, foi a principal razão para o quase desconhecimento do antigo Código de Ética Profissional no seio dos advogados, com parca aplicação pela própria OAB.

As regras deontológicas do Código de Ética e Disciplina dizem respeito à retidão de conduta pessoal e profissional, às relações com o cliente, com o colega, com os agentes políticos, as autoridades, os servidores públicos e os terceiros; ao sigilo profissional; à publicidade; aos honorários profissionais; ao dever de urbanidade; à advocacia pro bono; ao exercício de cargos e funções na OAB e na representação da classe. Outras matérias são pertinentes, notadamente quanto ao sigilo profissional, à independência, aos honorários, à divulgação de atividade de advocacia, à renúncia ao mandato judicial, à imunidade profissional, aos símbolos privativos, à idoneidade moral, à atividade de estagiário, ao domicílio profissional, às sociedades de advogados, ao advogado empregado.

Cada caso é um caso, na modulação razoável dos deveres de conduta profissional, como se pode depreender das seguintes decisões do CFOAB, aplicando o Código de Ética: a) Não fere a ética o advogado que, “depondo perante a Seccional, refere acusação feita por seu cliente a outro advogado, mormente quando este, por força do aludido fato, vem a ser réu em ação penal” (Proc. 1.252/93/SC); b) “Não deve o advogado aceitar procuração de quem já tenha advogado constituído, e tampouco procuração para revogação do mandato, sem anuência do anterior procurador ou sem a sua inequívoca notificação a este dos motivos apresentados como justos a tanto pelo constituinte” (Proc. 1.521/94/SC); c) Não fere o dever de urbanidade o advogado que, na defesa dos direitos de seu constituinte, “lança em petição palavras e expressões firmes que refletem o comportamento da parte contrária” (Proc. 1.461/94/SC); d) Fere o dever de urbanidade a cobrança efetuada pelo advogado em correspondência redigida com termos intimidativos e ameaçadores (Proc. 1.523/94/SC).

As regras de deontologia devem estar internalizadas no cotidiano profissional dos advogados. Por essa razão, exige-se seu estudo na formação prática do estudante de direito, especialmente no estágio, e para o conteúdo do Exame de Ordem. Em última instância, ao profissional inspirado nos princípios éticos, especialmente os da probidade, da dignidade e do decoro, o Código de Ética resulta desnecessário; mas é grande sua importância na orientação da conduta a ser seguida.

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De maneira geral, os códigos de deontologia profissional apelam à consciência dos profissionais para fazerem de seus enunciados as diretrizes voluntárias de suas condutas. Não é catálogo de más condutas. É orientação de boas condutas ou boas práticas profissionais. Tem natureza de autorregulamentação, confiada pelo legislador à prudência da categoria profissional. Assim é, por exemplo, o Código Internacional de Deontologia Forense da International Bar Association. O Código de Ética e Disciplina brasileiro não apenas cumpre esse papel tradicional como assume a natureza de autênticas normas jurídicas, cuja infração acarreta a aplicação da sanção disciplinar de censura (art. 36, II, da Lei n. 8.906/94).

É regra geral deontológica a vedação de oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela. Impõe-se ao advogado o emprego de linguagem escorreita e polida, sendo-lhe vedado o uso de expressões intimidatórias que possam constranger e ameaçar o destinatário, especialmente em serviço de cobrança.

O Código tem funções abrangentes, porque, além de absorver o conjunto dos deveres éticos, cuida dos procedimentos disciplinares necessários para sua plena efetividade. As normas gerais sobre o processo disciplinar, em virtude de serem entendidas como de reserva legal, foram previstas no Estatuto. Os ritos e procedimentos, no entanto, foram destinados ao Código de Ética e Disciplina para permitir sua adaptação às mudanças que se façam necessárias.

Seu guardião é o Tribunal de Ética e Disciplina, instalado em todos os Conselhos Seccionais, com atribuições ampliadas. Cabiam-lhe, pelo anterior Estatuto, objetivos mais modestos de promoção da ética profissional e de órgão de consulta, nesta matéria, do Conselho Seccional. Na vigência da Lei n. 8.906/94 é órgão indispensável do Conselho, porque atribuído de competência para julgar todos os processos disciplinares contra os inscritos na OAB.

O Código de Ética e Disciplina alcança o advogado no foro, na rua, em seu escritório, enfim, em todos os espaços públicos onde seu comportamento possa repercutir no prestígio ou desprestígio da advocacia.

O Código de Ética e Disciplina também alcança a conduta do advogado como membro de órgão da OAB ou como representante da classe em órgãos colegiados, como o CNJ e o CNMP. Considera-se utilização de influência indevida, vedada pelo Código, a atuação de diretores e conselheiros da OAB, de dirigentes da Caixa de Assistência e de membros do TED, perante órgãos da OAB, na defesa de partes interessadas em processos ou no oferecimento de pareceres em seu favor, exceto se for em causa própria.

Na aplicação do Código devem ser observados os limites estabelecidos pelas garantias constitucionais dos direitos da personalidade, especialmente a intimidade e a vida privada, para que não se converta em instrumento abusivo de conduta.


OS LIMITES DA PUBLICIDADE DA ADVOCACIA

O Código de Ética e Disciplina define os limites da publicidade, que deve primar pela discrição e sobriedade, com finalidade exclusivamente informativa, estando vedada a utilização de meios promocionais típicos de atividade mercantil.

É vedada a veiculação por rádio e televisão ou espaços públicos, podendo ser utilizados os demais meios de imprensa, como revistas, ou aqueles cujo acesso depende do próprio interessado, como ocorre com a Internet, inclusive mediante sítio eletrônico próprio, em qualquer hipótese observados os limites de conteúdo, que deve ser exclusivamente informativo. Na publicidade profissional, nos cartões e material de escritório podem estar contidos o nome do advogado ou o da sociedade de advogados, seu número de inscrição, seus títulos acadêmicos regularmente obtidos em instituições de ensino superior (mestre, doutor, por exemplo), seus títulos honoríficos, suas especialidades desenvolvidas na área jurídica, sua condição de membro de entidades científicas e culturais, seus endereços profissionais e horários de expediente, seus números de telefone e demais meios de comunicação, como e-mail, página eletrônica, além dos idiomas em que o cliente pode ser atendido. Todavia é vedada a menção a cargos, empregos ou funções ocupados pelo advogado ou que tenha ocupado.

O Código avança no sentido de admitir a publicidade como direito do advogado, o que interessa especialmente aos mais novos. Porém a publicidade tem o escopo de ilustrar, educar e informar, não podendo ser usada para a autopromoção. A publicidade há de ser ostensiva, veraz e clara, não se admitindo a utilização de expedientes que configurem formas subliminares de merchandising, como a publicação de artigos jurídicos sem finalidade científica e com intuito não assumido de promoção profissional, ou a inserção de referências ao advogado ou a seu escritório em reportagens, notas sociais ou mensagens nos meios de comunicação.

A publicidade não pode adotar a ética empresarial, amplamente aceita nos Estados Unidos, contrariamente ao modelo europeu, que adotamos no Brasil, desde o primeiro Estatuto da Advocacia. Esse conflito de modelos de publicidade profissional tem repercutido em nosso meio. Até mesmo nos Estados Unidos, o conflito é patente entre os mandamentos deontológicos da American Bar Association e a Suprema Corte, que, em decisão de 1977, entendeu que a publicidade dos profissionais está constitucionalmente protegida pela Primeira Emenda. Para os deontólogos americanos a publicidade é vista como a manifestação de mercantilismo, estranha à quieta dignidade da profissão. Mas, para os advogados que promovem assistência judiciária (legal-aid lawyers), sustenta-se que a publicidade é essencial para viabilizar economicamente suas atividades (Seron, 1993, p. 403).

No Brasil, a publicidade assume contornos próprios mais adequados a uma profissão que deseja preservar-se em dignidade e respeito popular. O serviço profissional não é uma mercadoria que se ofereça à aquisição dos consumidores. No Brasil, a advocacia é serviço público, ainda quando exercido de modo privado, por força da Constituição e da Lei n. 8.906/1994.

É vedado ao advogado utilizar-se dos meios comuns de publicidade empresarial e a regra de ouro é discrição e moderação, divulgando apenas as informações necessárias de sua identificação, podendo fazer referência a títulos acadêmicos conferidos por instituições universitárias, a associações culturais e científicas, aos ramos do direito em que atua, aos horários de atendimento e aos meios de comunicação. Estes são os dados que pode conter a publicidade, conforme enuncia o Código de Ética e Disciplina. O Código Internacional de Ética do Advogado, da International Bar Association, estabelece regra muito rigorosa a respeito (regra 8): “É contrário à dignidade do advogado recorrer a anúncio”. O anúncio não pode conter fotografias, ilustrações, cores, figuras ou desenhos incompatíveis com a sobriedade da advocacia. Proíbem-se igualmente referências a valores de serviços, tabelas, formas de pagamentos e estrutura da sede profissional, ou o uso do brasão da República, ou do nome e símbolos da OAB.

A divulgação não pode ser feita em rádio, televisão ou em propaganda de rua, tais como cartazes ou outdoors. “Quando o advogado faz publicidade jornalística com o fito de captar e adquirir clientela, infringe o Art. 7º, do Código de Ética e Disciplina profissional, eis que o simples anúncio com tal finalidade já configura prática vedada, não sendo necessário efetivamente ter angariado clientes e interpostas ações em nome destes” (CFOAB, Ementa 008/2007/2ª T – SCA).

O anúncio do escritório ou da sociedade de advogados poderá ser veiculado em jornais, revistas, catálogos telefônicos, folders de eventos jurídicos ou outras publicações do gênero, bem como em sítios da internet, sendo vedado fazê-lo por meio de mensagens dirigidas a telefones celulares, publicidade na televisão ou no cinema, nem podendo ser a mensagem publicitária transmitida por outro veículo próprio da publicidade empresarial.

Formas indiretas, tais como programas de consulta em rádios e televisão, artigos pagos na imprensa, veiculação frequente de sua imagem e nome nos meios de comunicação social, marketing ou merchandising são atitudes que ferem a ética profissional. É proibida a publicidade sob forma de opinião sobre matérias jurídicas, salvo quando afirmada de modo geral ou em tese ou como trabalho doutrinário, e em nenhuma hipótese quando esteja patrocinando interesse concreto a respeito. A participação do advogado na imprensa, para que não incida em sanção disciplinar, deve ater-se exclusivamente a objetivos instrutivos, educacionais e doutrinários, sem qualquer intuito de promoção pessoal.

A influência dos meios de comunicação social passou a ser uma tentação aos advogados que buscam promover-se profissionalmente sob a aparência de esclarecimentos e reportagens desinteressadas. O Código de Ética e Disciplina, ao lado dos códigos deontológicos de outros países, procurou encontrar o ponto de equilíbrio entre a participação episódica do advogado nos meios de comunicação em matérias de cunho jurídico, sem intuito promocional e visando ao interesse geral, e aquela habitual, em que se presume a promoção indevida, vedando a habitualidade de respostas a consultas, o debate sobre causas sob o patrocínio de outro colega, o comprometimento da dignidade da profissão, a divulgação da lista de clientes e de demandas, a insinuação para reportagens e declarações públicas sobre questões jurídicas, neste caso com intuito de captação de clientela, o debate sensacionalista.

Como consequência, o advogado que se manifestar sobre determinado tema jurídico nos meios de comunicação fica impedido eticamente de patrocinar novas causas a ele relacionadas. Nas causas sob seu patrocínio deve limitar-se a se referir em tese a aspectos que não violem o sigilo profissional.

Questão controvertida é a que se refere à mala direta. Ou se admite ou se proíbe ou se limita. Depois de longos debates havidos no CFOAB, optou-se pela terceira alternativa, ou seja, a mala direta é admissível apenas para comunicar a clientes e colegas a instalação do escritório ou mudança de endereço. O Código de Ética e Disciplina de 2015 foi mais longe, ao admitir que a publicidade pela internet ou outros meios eletrônicos e pela telefonia pode ser utilizada para envio de mensagens, desde que para destinatários certos e que não impliquem oferecimento de serviços ou importem captação de clientela, direta ou indireta.

A Internet, a web e outros meios eletrônicos de comunicação favorecem violações das regras deontológicas sobre publicidade da advocacia, nas quais se enquadram as seguintes condutas: a) envio habitual de boletins informativos, que encobrem o intuito de divulgação do escritório ou sociedade de advogados; b) oferta de patrocínio ou assessoria jurídica em página da Internet; c) estampa de relações de clientes; d) utilização de e-mail ou página da Internet para envio de mensagem eletrônica voltada à captação de clientela; e) divulgação de páginas da Internet com artigos jurídicos e opiniões virtuais, com intuito de captação de clientela, salvo em revistas jurídicas eletrônicas; f) prestação de consultas a clientes eventuais, mediante pagamento, inclusive com cartão de crédito.


Referências bibliográficas

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TELLES Junior, Goffredo. Ética. Rio de Janeiro: Forense, 1988.


Abstract: The attorney ethics observes own rules, which stem from the experience gained during centuries of professional conduct considered appropriate, in addition to the peculiarities ot the exercise of the profession in each country. In Brazil, since the organization of the Bar Association, which received the legal delegation for this purpose, codes of ethics and discipline, which latest version was adopted in 2015, sought to be contemporary to the general conceptions of professional conduct, establishing the positive and negative ethical duties for the attorneys.

Keywords: attorney, attorney ethics, professional ethics

Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. Ética da advocacia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7776, 15 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105896. Acesso em: 22 nov. 2024.

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