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O princípio da liberdade de expressão nas relações privadas

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Agenda 18/10/2024 às 16:30

6. Liberdade de expressão e direito de resposta e retratação

O exercício do direito de resposta, na forma da Lei nº 13.188/2015, pode ser muito mais satisfatório para o lesado pelo abuso ou excesso da liberdade de expressão, por seu efeito simbólico, que a reparação pecuniária, a qual terá função complementar. Na antes referida ADPF nº 130, o STF decidiu que o direito de resposta, “que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada, é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal”.

É sempre oportuna a advertência de Hannah Arendt, expressada em suas obras, de que devemos diferenciar entre verdades factuais e opiniões, porque a liberdade de expressão é uma farsa se não se garantir a informação objetiva e os próprios fatos não forem aceitos.

Em relação ao art. 20 do CC/2002, tem sido discutida a constitucionalidade da proibição nele contida de divulgação ou publicação de dados e informações de uma pessoa, “salvo se autorizadas, ou necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública”, ante a possível colisão entre a liberdade de informação e de imprensa e a garantia da intimidade e da vida privada, que a CF tutela. A tese de ser possível a interpretação constitucionalmente adequada desse artigo terminou vencedora no STF, em 2015, no caso das biografias não autorizadas (ADI nº 4.815), tendo o Tribunal dado interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais.

Também nessa decisão o STF pendeu para a liberdade de expressão, em detrimento da inviolabilidade da intimidade, da privacidade e da honra da pessoa biografada, restando a esta a reparação pelos danos decorrentes e o direito de resposta, a posteriori. Reafirmamos que a Constituição não determina essa prevalência. Ao contrário, a CF, art. 220, remete expressamente ao inc. X de seu art. 5º, que garante a inviolabilidade do direito à privacidade. A reparação dos danos apenas a posteriori importa negativa da prevenção ou da não continuidade do dano, em virtude da publicação da biografia comprovadamente ofensiva e danosa à pessoa do biografado.

As empresas provedoras de dados de informações pessoais e de redes sociais têm atitude ambígua em relação à privacidade: de defesa, no interesse do business of privacy, e de negação, quando dificulta ou impede a pretensão das pessoas em suspender a divulgação dos dados pessoais e de informações ofensivas. Todavia, o art. 8º da Lei do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) estabelece que a “garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”, não estabelecendo qualquer primazia a priori de uma sobre outra.

O direito de resposta, gratuito e proporcional à matéria ofensiva, foi regulamentado pela Lei nº 13.188/2015, facultado ao ofendido em qualquer meio de comunicação social, distribuição, transmissão ou plataforma de distribuição, inclusive na internet. Considera-se matéria ofensiva o conteúdo que atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação. Não são consideradas matérias ofensivas os comentários realizados por usuários da internet nas páginas eletrônicas dos veículos de comunicação social. A retratação espontânea ou a retificação não impedem o exercício do direito de resposta. É de sessenta dias o prazo, que a lei qualifica como de decadência, para o exercício do direito de resposta, mediante ação judicial, se não for atendido no prazo de sete dias pelo meio de divulgação e transmissão, o qual ainda responderá por perdas e danos.

Para muitos, o direito de resposta constitui verdadeiro corolário do direito de informação e da liberdade de expressão, na medida em que permite a reposição da verdade. Sob outra perspectiva, expressa a necessidade de limite do exercício do poder privado de comunicação e informação, o qual, como os demais poderes, não pode ser considerado ilimitado.

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Além do direito de resposta, impõe-se o direito à retratação, quando matéria divulgada pela mídia ofende injustamente a honra de pessoa, seja figura pública ou privada. Nesse sentido, decidiu o STJ (REsp nº 1.771.866) que o direito à retratação e ao esclarecimento da verdade possui previsão constitucional, não tendo sido afastado pelo STF no julgamento da ADPF nº 130/DF; para o STJ o direito à retratação tem fundamento nos arts. 927 e 944 do CC.


7. Quando os princípios incidem, se aparentam colidir entre si?

Cabe ao intérprete e aplicador identificar se o princípio de liberdade de expressão incidiu ou não, isto é, ante as circunstâncias, se seu suporte fático se concretizou no mundo dos fatos, ou se foi outro princípio que incidiu, como exemplo, o da garantia da privacidade, afastando o primeiro.

Quando um princípio aparenta entrar em colisão com outro, resolve-se essa aparente antinomia de acordo com as circunstâncias do caso concreto, que indicarão qual deles incidirá. Esclareça-se que a análise das circunstâncias não é espaço para o arbítrio judicial, pois o aplicador não deve substituir o juízo jurídico por suas convicções de moralidade, de política ou de ideologia. Nesse sentido, estabelece o CPC, art. 489, §2º, que no caso de colisão entre normas o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada.

Texto jornalístico reproduziu trecho de afirmação gravada que acusava presidente de tribunal de mau uso de verbas públicas, nepotismo e tráfico de influência. A decisão recorrida condenou o órgão de imprensa em danos morais, com fundamento na inviolabilidade da honra, da intimidade e da imagem (art. 5º, X, da CF). Todavia, o STF (RE nº 208.685-1) reformou a decisão por entender que, no caso, a notícia reproduziu denúncia encaminhada ao TST, e que:

a colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou a importância relativa de cada um. A solução, portanto, não pode deixar de lado os conhecidos princípios da razoabilidade e da ponderação dos bens envolvidos. Na espécie, o dano moral pretendido pelo recorrido somente se justificaria se positivado o abuso do direito de informar.

Nessa decisão, o STF, ao contrário do que decidiu na ADPF nº 130, não atribuiu prevalência a priori à liberdade de expressão, optando pela necessidade de ponderação ou balanceamento com o princípio constitucional da inviolabilidade da privacidade. Nela é perceptível a repercussão da lição de Ronald Dworkin, para quem, se os princípios entram em colisão, deve-se resolver o conflito levando em consideração o exato peso de cada um deles. Um dos princípios prepondera sobre o outro no caso concreto, mas ambos permanecem válidos e integrados ao ordenamento jurídico.

Para nós, o peso, referido por Dworkin, é dado pelas circunstâncias da situação concreta, até porque não há “pesos” a priori entre os princípios jurídicos, pois estão situados no mesmo plano da hierarquia normativa. De qualquer forma, o sentido figurado de “peso” deve ser entendido como meio de identificação do suporte fático concreto, que provoca a incidência do princípio jurídico adequado (segundo a concepção de Pontes de Miranda), como norma jurídica que é, o que termina por afastar a própria ideia de colisão. Consequentemente, a colisão de princípios jurídicos é apenas aparente, pois somente o princípio jurídico adequado pode incidir sobre o suporte fático concreto, de acordo com as circunstâncias.

Devemos considerar uma categoria fundamental que explique a força normativa do princípio, tal como se desenvolveu no Brasil. Referimo-nos à incidência da norma jurídica, entre as categorias jurídicas sistematizadas por Pontes de Miranda, que sempre valorizou os princípios ao longo, por exemplo, do monumental tratado de direito privado, em seus sessenta volumes. Pontes de Miranda alude a todo momento aos princípios e ele previu, ou anteviu, soluções jurídicas que só vieram a se tornar comuns e pacificadas na jurisprudência brasileira algumas décadas após. A partir justamente dos princípios.

E aí ressurge a importância da categoria da incidência jurídica, no lugar de ponderação, ou de dimensão de peso, para a interpretação dos princípios. Ou a norma jurídica incidiu ou não incidiu. A incidência envolve a referência à hipótese normativa, que é o suporte fático hipotético, que toda norma contém. A ocorrência da incidência, para a interpretação, é essencial, em primeiro lugar. Verifica-se se a norma jurídica pode incidir, pois muitas vezes ela está obstada por uma razão temporal, em razão de o legislador ter postergado seu início de vigência.

Em segundo lugar, o intérprete há de verificar o âmbito de incidência da norma jurídica, inclusive do princípio jurídico, que diz com seus fins sociais e com a abrangência material (exemplo, direito civil, quando não pode incidir em matéria penal). Ainda: a abrangência de acordo com os limites da competência formal do legislador (federal, estadual ou municipal).

Em terceiro lugar, cabe ao intérprete a verificação da incidência adequada, que se dá quando demonstra que o suporte fático hipotético ou hipótese normativa se realizou no mundo da vida ou mundo dos fatos. Neste ponto, esclarecemos nossa divergência com Pontes de Miranda, que propugnava pela incidência automática, como se ocorresse relação de causa e efeito, sem necessidade de interpretação, de observância ou aplicação reais. Para nós, a incidência da norma jurídica (principiológica ou não) não pode dispensar a interpretação, que leva em conta não apenas a correspondência da situação fática com a hipótese normativa, mas também as circunstâncias que a cercam (fáticas, temporais, especiais).

A operação da incidência, assim esquematizada, é a mesma, tanto para os princípios jurídicos, quanto para as demais normas jurídicas. A maior ou menor determinação de conteúdo ou de aparente autonomia semântica são indiferentes para a incidência da norma jurídica, e não integram a natureza ou a estrutura desta. Não é requisito para existência, validade e eficácia da norma jurídica, seja ela princípio ou não, a determinação ou indeterminação do seu conteúdo.

A incidência da norma jurídica sobre o suporte fático que se concretizou provoca a emersão do fato jurídico no mundo do direito. E quando o fato jurídico surge, brotam suas eficácias todas: direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e situações passivas de acionados.

As consequências jurídicas sempre existem para todas as normas jurídicas, sejam elas princípios jurídicos ou não. No exemplo da liberdade de expressão, o abuso ou o excesso de seu exercício em violação dos direitos da personalidade acarretam a compensação pelos danos morais, sendo esta a consequência jurídica que não precisa ser explicitada, pois emerge do conjunto do sistema jurídico.

Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. O princípio da liberdade de expressão nas relações privadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7779, 18 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105899. Acesso em: 22 nov. 2024.

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