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Direito à privacidade e sua autolimitação

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Agenda 08/10/2024 às 15:00

A retratação é inerente ao direito da personalidade que não pode ser disponível ou limitado em caráter permanente ou quando sua utilização resulte em dano ao titular, cuja extensão não se podia prever.

Resumo: O direito à privacidade destaca-se entre os direitos da personalidade, notadamente após o advento da sociedade da informação, que tornou exigente a tutela jurídica da utilização econômica e a exposição indevida dos dados pessoais. Impõe-se a definição mais clara dos limites da publicização voluntária da privacidade do titular, para a garantia de integridade de seus direitos da personalidade.

Sumário: 1. O mínimo inatingível; 2. Irrenunciabilidade dos direitos da personalidade; 3. Intransmissibilidade dos direitos da personalidade; 4. A extensão da privacidade; 5. Direito à intimidade e à vida privada; 6. Direito ao sigilo; 7. Direito à imagem; 8. Direito aos dados pessoais. 9. A doutrina das três esferas; 10. A privacidade em perigo: a sociedade da informação; 11. Alcance da autolimitação; 12. Tempo da autolimitação do exercício.


1. O mínimo inatingível

É possível a autolimitação do direito à privacidade? Na atualidade, verificam-se constantes exemplos de autolimitação, especialmente no que concerne à intimidade, à vida privada e aos dados pessoais, com ampla divulgação e estímulo pelas mídias tradicionais e sociais.

Um dos exemplos frisantes são os espetáculos televisivos de exposição do cotidiano de pessoas, cujas privacidades são propositadamente expostas, denominados big brothers ou reality shows, com transmissão aberta. Outro, é a exposição narcísica da própria pessoa em redes sociais virtuais, com divulgação de seus dados pessoais, de sua intimidade e de sua vida privada. Outro, ainda, é a concordância de uso de seus dados pessoais pelos provedores de conexão e de utilização de serviços pela Internet, que os convertem em mercadoria para obtenção de resultados financeiros vultosos. Até que ponto essas situações podem ser consideradas compatíveis com o sistema de tutela dos direitos à privacidade e, a fortiori, da personalidade?

Os principais desafios que a tutela jurídica do direito à privacidade enfrenta, inclusive no cotidiano do sistema judiciário, são: a) sua abdicação no inconsciente coletivo em prol da sensação de mais segurança, multiplicando-se aspectos de que já se denominou de sociedade de vigilância; b) o argumento da tutela da liberdade de expressão, que passa a ser tida, equivocadamente, como dotada de primazia a priori; c) a exposição pública dos dados pessoais, voluntária ou praticada ilicitamente por terceiros na sociedade de informação e do espetáculo, nos meios de comunicação e nas chamadas redes sociais.

Para que possamos encontrar a resposta jurídica adequada, temos à partida de resolver um dilema: os direitos da personalidade são direitos subjetivos individuais, exclusivamente, ou direitos subjetivos funcionalizados que incluem os interesses sociais?

Entendemos que os direitos da personalidade tutelam o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana. Todavia, a proteção à dignidade humana não é valor exclusivamente individual; não radica no juízo de valor subjetivo, do que cada pessoa entende como tal. O sentido, no tempo e espaço, é extraído dos valores que se desenvolveram e consolidaram no meio social, no tempo e no espaço, que podem contrariar os valores da pessoa que deve ser objeto de tutela jurídica. Assim, há um mínimo inatingível ou núcleo essencial, que é igual para todas as pessoas.


2. Irrenunciabilidade dos direitos da personalidade

Nenhuma pessoa pode renunciar a qualquer parte dos direitos da personalidade. A renúncia atingiria o núcleo essencial da dignidade da pessoa, onde se inscrevem os direitos da personalidade, pois quem renuncia a um direito o exclui de modo definitivo dos bens jurídicos de que é titular. É inconcebível, no direito atual, a renúncia à vida, à integridade física, à integridade psíquica, à identidade pessoal, a intimidade, a vida privada, por exemplo. Essa característica foi afirmada de modo expresso pelo Código Civil (art. 11) 3, sem abertura a qualquer exceção.

A renúncia a qualquer direito da personalidade afetaria sua inviolabilidade e significaria renunciar a si mesmo, para converter-se de sujeito em objeto. O direito de povos antigos, fundado na escravidão, admitia que uma pessoa pudesse renunciar à sua liberdade para degradar-se em escravo, como forma de pagamento de dívidas, o que é inadmissível na contemporaneidade. Como diz Pontes de Miranda, “a razão para a irrenunciabilidade é a mesma da intransmissibilidade: ter ligação íntima com a personalidade e ser eficácia irradiada por essa. Se o direito é direito de personalidade, irrenunciável é” 4.


3. Intransmissibilidade dos direitos da personalidade

Intransmissíveis são os direitos da personalidade, estabelece o Código Civil, no mesmo art. 11. Mas há certos aspectos que podem ser objeto de transmissão. Como conciliar essa aparente contradição? O direito de imagem-retrato é transmissível, por exemplo, principalmente nos casos de pessoas que vivem profissionalmente da exposição pública, como os modelos, os artistas, os desportistas. A Lei de Direitos Autorais admite expressamente o chamado direito de arena, para pessoas que não são criadores ou autores, mas cujas habilidades corporais, físicas ou dramáticas os singularizam, atraindo público e gerando renda para si e para as organizações que as utilizam; são situações essencialmente patrimoniais e, portanto, transmissíveis, não podendo terceiro fazer uso delas para proveito próprio, sem consentimento do titular.

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Porém, um esclarecimento se impõe para se ultrapassar a contradição, é dizer, o que se transmite não é o direito da personalidade, mas a projeção de seus efeitos patrimoniais, quando haja. O direito permanece inviolável e intransmissível, ainda que o titular queira transmiti-lo, pois o que é inerente à pessoa não pode ser dela destacado. A pessoa não transmite sua imagem, ficando dela privada durante certo tempo, o que acarretaria sua despersonalização. O que se utiliza é certa e determinada projeção de sua imagem (a foto, o filme, a gravação), que desta se originou. A regra do Código Civil está, portanto, correta.


4. A extensão da privacidade

Sob a denominação privacidade5 cabem os direitos da personalidade que resguardam de interferências externas os fatos da intimidade e da reserva da pessoa, que não devem ser levados ao espaço público. Incluem-se os direitos à intimidade, à vida privada, ao sigilo, à imagem e aos dados pessoais.

O art. 21. do Código Civil ressalta que a “vida privada da pessoa natural é inviolável”, o que deve ser entendido como inviolabilidade oponível ao Estado, à sociedade e à própria pessoa. Como diz o Código Civil português, a extensão da privacidade (ou reserva) é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.

No ambiente anglo-saxão, onde mais se expandiu, deplora-se que o conceito de privacidade tenha se tornado demasiadamente vago e difícil de controlar para executar um trabalho analítico útil (e, aqui, legal). O conceito cresceu dentro de uma nebulosa noção de propriedade, de liberdade (com a qual é freqüentemente igualado) ou de autonomia (com a qual é freqüentemente confundido). Essa ambigüidade tem prejudicado sua eficaz proteção legal.

No centro do interesse para proteger a privacidade encontra-se uma concepção do indivíduo e de sua relação com a sociedade. A idéia das esferas de atividades privadas e públicas supõe uma comunidade em que não somente tal divisão faça o sentido, mas que as composições institucionais e estruturais que facilitam uma representação orgânica deste tipo estejam presentes6. A necessidade de equilíbrio entre as esferas pública e privada é ressaltada no entendimento da Comissão de Direitos Humanos da ONU de que, se “todas as pessoas vivem em sociedade, a proteção da privacidade é necessariamente relativa”.


5. Direito à intimidade e à vida privada

O direito à intimidade diz respeito a fatos, situações e acontecimentos que a pessoa deseja ver sob seu domínio exclusivo, sem compartilhar com qualquer outra. É a parte interior da história de vida de cada um, que o singulariza, e que deve ser mantida sob reserva. Estão cobertos pelo manto tutelar da intimidade os dados e documentos cuja revelação possa trazer constrangimento e prejuízos à reputação da pessoa, quer estejam na moradia, no automóvel, nos ambientes de lazer, nos arquivos pessoais, na bagagem, no computador, no ambiente do trabalho, na Internet. O conceito de intimidade varia de pessoa para pessoa, mas acima de tudo depende da cultura de onde emergiu sua formação, em cada época e nos diferentes lugares onde desenvolva seu projeto existencial.

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Visando à proteção da intimidade, a Lei n. 13.271/2016 veda as revistas íntimas em mulheres, seja por órgãos públicos, incluindo presídios, seja por empresas privadas, prevendo multa em caso de descumprimento, a ser revertida para órgãos de proteção dos direitos da mulher.

O direito à vida privada diz respeito ao ambiente familiar, cuja lesão resvala nos outros membros do grupo. O gosto pessoal, a intimidade, as amizades, as preferências artísticas, literárias, sociais, gastronômicas, sexuais, as doenças porventura existentes, medicamentos tomados, lugares freqüentados, as pessoas com quem se conversa e sai, até o lixo produzido, interessam exclusivamente a cada indivíduo, devendo ficar fora da curiosidade, intromissão ou interferência de terceiros. Estabelece o inciso XI do artigo 5º da Constituição que a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em flagrante delito ou para prestar socorro ou por determinação judicial.

Com o avanço da tecnologia e da informática, a vida privada encontra-se muito vulnerável à violação, que pode ser feita por intermédio satélites, de aparelhos óticos, gravadores, transmissores de alta sensibilidade e gravadores de última geração. Esses equipamentos sofisticados dispensam a invasão física da casa da pessoa, pois conseguem captar dados, informações, falas e imagens à distância.

Mais graves são as imensas possibilidades de invasão dos arquivos pessoais e das informações veiculadas pelas mídias sociais, causando danos às vezes irreversíveis à intimidade das vítimas, pela manipulação desses dados. Estão difundidos arquivos gravados pelo servidor ou programas invasivos, sem o conhecimento do utilizador dos equipamentos e programas, os quais capturam e armazenam informações sobre os hábitos dos consumidores, que são comercializadas para utilização em mala direta enviadas aos usuários de acordo com suas preferências, ofertando produtos e serviços. O consequente recebimento indesejado de correspondências eletrônicas (spam) caracteriza ilícito, suscetível de responsabilidade civil (CC, art. 186). A legislação brasileira considera crime “realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo de Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei” (Lei n. 9.296/1996, art. 10).

Adverte Stefano Rodotà que estamos diante de progressivos resvalos na privacidade: da pessoa “prescrutada”, através de câmaras de vídeo e de técnicas biométricas, pode passar-se à pessoa “modificada” mediante a inserção de chips e de etiquetas “inteligentes”, em um contexto que cada vez mais claramente nos individualiza como networked persons, pessoas permanentemente em rede, configuradas de modo a emitir e receber pulsos que permitem esquadrinhar e reconstruir movimentos, hábitos, contatos, alterando sentidos e conteúdos da autonomia das pessoas7.

A Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) isenta de responsabilidade civil o provedor de aplicações de internet, que disponibilize conteúdo gerado por terceiros, salvo se, após ordem judicial, não tornar indisponível o conteúdo, dentro do prazo que lhe for assinalado pelo juiz, de acordo com os limites técnicos do serviço. Também será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente de divulgação não autorizada de imagens, vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais, quando, após notificado pelo próprio interessado (sem necessidade de ordem judicial), não retirar tais conteúdos. O art. 19. da lei estabelece que a responsabilidade civil do provedor de aplicações de internet por conteúdo ofensivo de usuário somente se caracterizará se não tomar providências para torná-lo indisponível após ordem judicial específica, o que configura restrição desproporcional ao direito do ofendido, que não poderá dirigir-se direta e extrajudicialmente ao provedor.

Em situações excepcionais, a lei pode admitir a violação da privacidade na internet. A Lei n. 13.441/2017, que introduziu o art. 190-A no ECA, prevê a infiltração de agentes de polícia na internet para investigar os crimes contra crianças e adolescentes mediante autorização judicial que defira requerimento do Ministério Público ou representação de delegado de polícia durante o prazo renovável de 90 dias.

A distinção entre intimidade e vida privada nem sempre é fácil, pois está condicionada aos variados ambientes culturais e às mutações ocorridas no tempo, razão porque quase sempre essas expressões estão conjugadas, como optou a Constituição. A alusão a uma é quase sempre abrangente da outra. De toda a forma, quando a norma jurídica referir a uma delas o intérprete deve considerar como implicitamente referida a outra.

Antes de 1988, a intimidade e a vida privada não foram expressamente referidas nas constituições brasileiras. A Constituição do Império, de 1824, e a da República de 1891, cuidavam apenas da inviolabilidade do domicílio, o que supõe alcançar a vida privada. Nas Constituições de 1934, 1937 e 1946 a intimidade e a vida privada continuaram sendo tuteladas de forma indireta, remetendo-se à inviolabilidade do domicílio, e nas de 1967 e 1969 com a inclusão da garantia do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas.


6. Direito ao sigilo

O direito ao sigilo protege o conteúdo das correspondências e das comunicações. Não é apenas ilícito divulgar tais manifestações, mas também tomar delas conhecimento, e revelá-las, não importa a quantas pessoas. A Constituição (art. 5º, XII) garante a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, “salvo, no último caso, por ordem judicial”. A ressalva diz respeito, exclusivamente, às comunicações telefônicas. O STF (MS 21729 e RE 418.416) ressaltou que “a proteção a que se refere o art. 5º, XII, é da comunicação ‘de dados’ e não os ‘dados’, o que tornaria impossível qualquer investigação administrativa” (houve apreensão da base física na qual se encontravam os dados, mediante prévia decisão judicial).

A autorização judicial para interceptação telefônica, para fins de prova em processo criminal, e apenas nessa hipótese, é problemática, pois quase sempre viola a intimidade da pessoa, em relação a comunicações pessoais ouvidas e gravadas.

Para Pontes de Miranda, o direito ao sigilo da correspondência, é, fora de dúvida, a liberdade de não emitir o pensamento para todos ou além de certas pessoas. Dessa liberdade nasce o direito ao sigilo da correspondência, porque se exerce aquela. O direito a velar a intimidade é, portanto, efeito de exercício da liberdade de fazer e de não fazer; é a liberdade que está à base disso8.

O direito ao sigilo impede que cônjuges, companheiros ou pais violem correspondências e comunicações, sob pretexto de dever de fidelidade ou de poder familiar, pois lesivos à dignidade pessoal dos atingidos.

Contudo, o sigilo profissional não constitui direito da personalidade, pois tutela muito mais o cliente que o profissional, o qual tem o dever de guarda; sua revelação viola a intimidade e a vida privada do cliente. Tampouco se inclui no âmbito do direito da personalidade o sigilo bancário, pois exprime um valor patrimonial do banco ou do cliente. Porém, em sentido contrário a esse nosso entendimento, o STF (RE 215301-CE) decidiu que “o sigilo bancário é espécie do direito à privacidade, que a C.F. consagra” e somente pode ser quebrado por intervenção da autoridade judiciária.


7. Direito à imagem

O direito à imagem diz respeito a toda forma de reprodução da figura humana, em sua totalidade ou em parte. Não se confunde com a honra, reputação ou consideração social de alguém, como se difundiu na linguagem comum. Relaciona-se ao retrato, à efígie, cuja exposição não autorizada é repelida. Neste, como nos demais casos de direitos da personalidade pode haver danos materiais, mas sempre há dano moral, para tanto bastando a revelação ou a publicação não autorizadas. Quando a divulgação ou exposição do retrato, filme ou assemelhado danifica a reputação da pessoa efigiada, viola-se também o direito à honra e, quase sempre, a intimidade. Há quem sustente, de acordo com o uso lingüístico, que o direito à imagem pode conter duas dimensões: a) a primeira é a imagem externa da pessoa (efígie), ou externalidade física; b) a segunda é a imagem atributo, ou seja, o conceito público que a pessoa desfruta, ou externalidade comportamental. Parece ter sido na primeira dimensão (efígie) a alusão que a Constituição faz a imagem no art. 5º, inciso X e na segunda dimensão (atributo) a referência a imagem, no inciso V.

O Código Civil da Argentina, de 2014, exige o consentimento da pessoa para que se capte ou reproduza sua imagem ou sua voz, salvo nos seguintes casos: a) quando a pessoa tome parte em atos públicos; b) quando exista um interesse científico, cultural ou educacional de caráter prioritário e desde que se tomem as precauções suficientes para se evitar um dano desnecessário; c) exercício regular do direito de informar sobre acontecimentos de interesse geral. São regras de ajuste, também aplicáveis ao direito brasileiro.

O direito à imagem é um dos principais alvos de tensão ou colisão com a liberdade de imprensa, constitucionalmente garantida. Os limites são tênues e há tendência para abuso dessa liberdade, que, como todas as garantias constitucionais, não é absoluta. O STJ (REsp 480625) julgou caso de reportagem veiculada em revista de circulação nacional, na qual se publicou fotografia de uma adolescente, apontada como suicida, que alegou danos morais por ofensa a sua imagem. O STJ levou em conta a repercussão da ofensa, a situação econômica da ofensora e grau da culpa, para elevar o valor da reparação devida.

O art. 20. do Código Civil determina que “a exposição ou utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas” se “lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. Essa regra, de redação ambígua, tem ensejado controvérsias acerca de sua constitucionalidade, pois o inciso X, do art. 5º, da Constituição enuncia a imagem e a honra como direitos da personalidade autônomos, sem depender um do outro para seu exercício ou proteção, notadamente quanto a reparação por danos moral e material. Pode haver lesão ao direito à imagem sem ter havido simultânea lesão à honra, bastando a primeira para incidência da norma constitucional. Para salvar a regra do art. 20, sem a incompatibilidade que a interpretação literal acarretaria, não se pode condicionar a tutela jurídica de um direito à existência de idêntica lesão a outro, devendo-se recorrer à interpretação em conformidade com a Constituição. Assim, a interpretação a ser acolhida não é a que subordina ou condiciona um direito a outro, mas a que exclui a lesão à imagem quando o fato não causar qualquer dano ou prejuízo ao titular, sendo a referência à honra meramente exemplificativa. Nesse sentido, em caso de publicação não consentida de fotografia de artista de televisão, decidiu o STF (RE 215984-RJ) que “para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência da ofensa à reputação do indivíduo”; desde que o fato exista, por si só, há o dano moral que deve ser reparado.

Como bem esclarece Adriano de Cupis, indubitavelmente, muitos casos nos quais se discute o direito à imagem traduzem hipóteses de difusão da imagem de maneira e em circunstancias tais que representam uma ofensa à honra; mas, mesmo que tal se não verifique, subsiste do mesmo modo a tutela jurídica, e por isso o direito à imagem tem caráter autônomo9.

Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. Direito à privacidade e sua autolimitação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7769, 8 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105901. Acesso em: 24 dez. 2024.

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