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Distrato de contrato, um direito do comprador do imóvel

Agenda 08/09/2023 às 14:00

 

Os motivos são variados, crise econômica, imprevistos, dificuldade em organizar as finanças, aumento de juros e taxas não previstas no contrato, aumento desproporcional do valor total financiado, ou seja, vários motivos que podem fazer com que o comprador de imóvel desista do seu contrato de compra e venda de imóvel.

Ocorre que, subtende-se que um contrato, está regido pelo princípio do PACTA SUNT SERVANDA, em que descreve o rigor, a imutabilidade dos contratos, do latim, “pactos devem ser respeitados” ou “acordos devem ser cumpridos” – é utilizada para designar um princípio clássico da teoria dos contratos, segundo o qual haveria obrigatoriedade em cumprir o que foi acordado em contrato.

Por esse motivo, o pacta sunt servanda é conhecido também como “princípio da obrigatoriedade” ou “força obrigatória dos contratos”. Muitos juristas, na tentativa de sumarizar o que significa o princípio do pacta sunt servanda, costumam afirmar que ele determina que aquilo que foi contratado entre duas ou mais partes tem força de lei para elas.

O jurista Arnaldo Rizzardo traduz essa ideia pela sentença: “é irredutível o acordo de vontades, portanto, os contratos devem ser cumpridos pela mesma razão que a lei deve ser obedecida”.

Noutro entendimento, temos a jurisprudência do STJ, que é pacífica no sentido de que, sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor, é permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, em razão da mitigação do princípio do pacta sunt servanda.

Ademais, a jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que o princípio da pacta sunt servanda pode ser relativizado, visto que sua aplicação prática está condicionada a outros fatores, como, por exemplo, a função social, a onerosidade excessiva e o princípio da boa-fé objetiva dos contratos. Incidência da Súmula 83/STJ.

REVISÃO DO CONTRATO

A revisão dos contratos com base nas teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva, previstas no Código Civil , exige que o fato (superveniente) seja imprevisível e extraordinário e que dele, além do desequilíbrio econômico e financeiro, decorra situação de vantagem extrema para uma das partes, situação evidenciada na hipótese.

Podemos usar como exemplo, uma decisão do TJ de Brasília, em que de acordo com o preceituado pelo artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em franca desvantagem.

Assim, são consideradas incompatíveis com a boa-fé ou equidade, presumindo-se exagerada, na forma do disposto no § 1º, inciso III, desse mesmo dispositivo, a vantagem que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. (07233628820188070001, Relator: TEÓFILO CAETANO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 15/4/2020, publicado no DJe: 4/5/2020).

Nesta jurisprudência analisada anteriormente, ficou demonstrada a efetiva redução do faturamento da empresa locatária em virtude das medidas de restrição impostas pela pandemia da covid-19. Por outro lado, a locatária manteve-se obrigada a cumprir a contraprestação pelo uso do imóvel pelo valor integral e originalmente firmado, situação que evidencia o desequilíbrio econômico e financeiro do contrato.

Nesse passo, embora não se contestem os efeitos negativos da pandemia nos contratos de locação para ambas as partes - as quais são efetivamente privadas do uso do imóvel ou da percepção dos rendimentos sobre ele - no caso em debate, considerando que a empresa locatária exercia a atividade de coworking e teve seu faturamento drasticamente reduzido, a revisão do contrato mediante a redução proporcional e temporária do valor dos aluguéis constitui medida necessária para assegurar o restabelecimento do equilíbrio entre as partes.

Sendo assim, nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.

Da mesma forma, nos contratos de compra e venda de imóvel, se existirem indícios de juros cobrados de forma abusiva, como através do anatocismo, que é a prática para cobrança de juros sobre juros devidos, atualmente considerada ilícita no direito brasileiro pode ser determinada a revisão do contrato.

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Neste raciocínio, se existir suspeita de capitalização de juros, caberá a revisão do contrato, exatamente pela onerosidade excessiva. No nosso direito, a capitalização de juros é vedada pelo art. 4º Decreto n. 22.626/33 (Lei de Usura). Este dispositivo proíbe a contagem de juros sobre juros, mas ressalva que a proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

Capitalização dos juros significa juros compostos, sendo também chamada de “anatocismo”, “juros sobre juros”. Vale lembrar que os juros compostos são aqueles que incidem não apenas sobre o principal corrigido, mas também sobre os juros que já incidiram sobre o débito. Trata- se da incorporação dos juros referentes a um determinado período (mensal, semestral, anual) ao valor principal da dívida, sobre a qual incidem novos encargos de juros.

Em resumo, pela Lei de Usura, somente admite a capitalização de juros em periodicidade anual, sendo proibida a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano (ex.: capitalização de juros mensal ou diária).

Assim, deve ser considerada conduta delituosa como sendo o ato de cobrar juros, e outros tipos de taxas ou descontos, superiores aos limites legais, ou realizar contrato abusando da situação de necessidade da outra parte para obter lucro excessivo.

NOVA LEI DO DISTRATO

Vale observar, que a Lei 13.786/18, também conhecida como Lei do Distrato, trouxe diversas mudanças significativas nos processos de distrato de imóveis e, consequentemente, aos Tribunais, que não entravam em consenso quanto aos valores a serem restituídos pelas construtoras nesse processo.

Esta nova Lei, entre outros pontos, disciplina as condições sob as quais imóveis vendidos na planta podem ser devolvidos às respectivas construtoras. O texto determina, por exemplo, os percentuais a serem restituídos a compradores desistentes e que a devolução só deve ser feita depois de finalizada a construção.

Assim, o distrato de contrato permite a rescisão amigável de acordos, oferecendo segurança jurídica e prevenindo litígios. Ele reconhece mudanças nas circunstâncias e preserva relacionamentos entre as partes.

A lei do distrato deve ser aplicada quando se deseja desfazer a compra ou venda de um imóvel, desta forma, é necessário realizar um distrato para que, assim, o vínculo e as obrigações firmadas por meio do contrato de compra e venda possam ser extintos. O distrato pode ser requerido por qualquer uma das partes, seja comprador ou vendedor.

Importante lembrar, que a nova Lei do distrato estipulou também um prazo de prorrogação de até 180 dias para entrega da obra; sem multa ou motivo de rescisão contratual, desde que previamente acordado entre as partes através de cláusula contratual. Decorrido o prazo sem que a obra seja entregue, fica a critério do adquirente rescindir o contrato e reaver todos os valores por ele pagos.

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DIREITO AO DISTRATO

É importante dizer, que o distrato de contrato, é um direito do comprador do imóvel. Na forma consensual, precisa-se de um adendo contratual de distrato ou termo de acordo entre as partes. Deste modo, o juiz homologa o acordo para garantir que ele seja cumprido e que os direitos de seus clientes sejam preservados.

Na forma litigiosa, quando empresa e comprador não chegam em um acordo amigável, o processo se dá por meio judicial. Neste caso, o Poder Judiciário atua para resguardar os direitos de ambas as partes e solucionar o conflito.

Assim, o advogado deverá demonstrar durante o processo todo o direito do seu cliente de realizar o processo e qual a causa do pedido. Deste modo, ele garante que todos os valores e indenizações sejam entregues conforme a Lei do Distrato Imobiliário.

Quanto aos valores garantidos como devolução, no distrato judicial, foram definidos desta forma: antes da lei do distrato, o consumidor recebia de volta entre quase o valor total e até 90% do valor pago. Com o início da vigência da lei, esse percentual diminuiu para 75%, permitindo que sejam descontados até 25% do valor total como multa de rescisão. Enquanto nos casos de regime de afetação, em que os valores estão protegidos como fundo de obra, os valores são de 50%.

No regime de afetação o incorporador constitui patrimônio protegido, pelo qual o terreno, as acessões e os demais bens e direitos vinculados à incorporação são apartados no seu patrimônio geral e destinados exclusivamente à construção do empreendimento.

O QUE DIZ A SÚMULA DO STJ

A súmula 543 foi publicada no dia 31 de agosto de 2015 e trata dos critérios para restituição de valores pela incorporadora ao promitente comprador de imóvel, quando da resolução de compromisso de compra e venda submetido ao Código de Defesa do Consumidor.

Súmula 543: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. Sendo assim, quando a culpa pela rescisão do contrato é do vendedor, no caso de atraso na entrega do imóvel por exemplo, o valor deverá ser devolvido de forma integral (REsp 1300418 SC, submetido ao procedimento dos recursos especiais repetitivos, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/11/2013, DJe 10/12/2013).

CONCLUSÃO

É entendimento pacífico nesta Corte Superior que o comprador inadimplente tem o direito de rescindir o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel e, consequentemente, obter a devolução das parcelas pagas, mostrando-se razoável a retenção de 20% dos valores pagos a título de despesas administrativas, consoante determinado pelo Tribunal de origem.

Esta Corte já decidiu que é abusiva a disposição contratual que estabelece, em caso de resolução do contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, a restituição dos valores pagos de forma parcelada, devendo ocorrer a devolução imediatamente e de uma única vez. (RCDESP no AREsp 208018 SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 05/11/2012).

Desta forma, entendemos que sendo por culpa do vendedor ou não, se houve inadimplência do comprador ou se pagou em dia as parcelas, é garantido em Lei o distrato do contrato, com a retenção mínima legal, e devolução de pelo menos 70% do valor pago, se não houver afetação, se houver comprovação da necessária retenção de valores, tais como gastos como publicidade, danos ao imóvel ou utilização do imóvel pelo promissário comprador.

É importante lembrarmos que antes de ser considerado um produto protegido pelo Código de Defesa do Consumidor, o bem imóvel é um bem protegido pelo Direito Civil e pela Constituição Federal. Um bem definitivo, construído aos poucos, durável e um investimento realizado pelo comprador, que sonha com a casa própria, desta forma, não pode ser tratado como a compra de um veículo. Comprar um imóvel exige equilíbrio familiar financeiro, e em tempos de crise econômica, sendo um bem a ser pago por tantos anos, às vezes mais de 30 anos, a situação contratual precisa de um tratamento diverso, de acordo com a peculiaridade e realidade de cada promissário comprador. De toda forma, o distrato de contrato de imóvel, é antes de tudo um direito do comprador e um dever do vendedor.

Texto: Bernardo César Coura Advogado Especialista em Direito Imobiliário, Contratos e Direito Condominial.

Sobre o autor
Bernardo César Coura

Advogado Especialista em Direito Imobiliário e Direito Condominial pela FGV. Especialista em Contratos pela FGV. Especialista em Direito Ambiental pela FGV e Processo Civil pelo CAD. Especialista em Direito Digital, Startups pela FGV. Colunista do Jornal do Síndico, EPD Cursos e Boletim do Direito Imobiliário. Autor de artigos jurídicos, publicados nas revistas e sites especializados. Escritório referência em Direito Imobiliário, reconhecido com um dos melhores de Belo Horizonte, com atendimento nacional.

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