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Adquiri o imóvel através de Cessão de Direitos Hereditários. Posso regularizar via Adjudicação Compulsória Extrajudicial?

Agenda 08/09/2023 às 17:11

DEFINITIVAMENTE não é qualquer instrumento que vai permitir o aparelhamento da Adjudicação Compulsória como meio para regularização do imóvel junto ao RGI. Como sabemos, a Cessão de Direitos Hereditários é um instrumento que materializa uma transação plenamente válida que permite com que os herdeiros possam VENDER ou DOAR parte ou a totalidade da herança COM ou SEM a individualização dos bens, devendo para tanto serem observadas as regras do Código Civil de 2002:

"Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por ESCRITURA PÚBLICA.

§ 1º. Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.

§ 2º. É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

§ 3º. Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade".

A transferência encapsulada na Cessão de Direitos Hereditários não se encerra com a assinatura da Escritura feita no Cartório de Notas - e esse pode ser um grande erro de quem não conhece bem esse tipo de transação. A partir do momento em que o Cessionário (ou seja, quem adquire os direitos hereditários) recebe a Escritura de Cessão de Direitos Hereditários já pode se habilitar no inventário iniciado ou mesmo tomar a iniciativa de abri-lo caso este ainda não tenha sido aberto pelos herdeiros/cedentes - como inclusive legitima o inciso V do art. 616 do Código de Processo Civil de 2015 - sendo inclusive necessário recordar que a Escritura de Cessão de Direitos Hereditários NÃO PODE SER REGISTRADA no Cartório do RGI. Nesse sentido explicação do Mestre AFRÂNIO DE CARVALHO (Registro de Imóveis. 1998), para quem:

"(...) O Registro não pode acolher a cessão de herança por não ser esta um IMÓVEL CORPÓREO, não se prestando, por conseguinte, à observância dos princípios de especialidade, que exige os limites e confrontações do imóvel, e de continuidade, que requer a ligação deste a outro determinado. (...) Ante a IRREGISTRABILIDADE da cessão de herança, o cessionário, para garantir seu direito, há de procurar outro meio, que é ingressar imediatamente no inventário com sua escritura, se o processo já estiver aberto, ou, em caso contrário, promover a sua abertura com a faculdade que tanto lhe assiste".

Como também já explicamos outrora, o Cessionário pode realizar seu direito seja através de Inventário Extrajudicial ou Inventário Judicial, todavia o cenário no qual se encontra deve ser muito bem analisado por seu ADVOGADO para que sejam lhe reveladas as melhores opções - especialmente considerando as recentes modificações introduzidas no ordenamento.

Sabe-se também que, excepcionalmente, a Escritura de Cessão de Direitos Hereditários também permitirá ao Cessionário a regularização via USUCAPIÃO - inclusive na modalidade EXTRAJUDICIAL - desde que, por óbvio, preenchidos e demonstrados os requisitos para a prescrição aquisitiva. A base legal que autoriza a propositura da Usucapião por Cessionário de Direitos Hereditários está claramente elencada no inciso VII do PROVIMENTO CNJ 65/2017 assim como inciso VI do art. 410 do CÓDIGO NACIONAL DE NORMAS - FORO EXTRAJUDICIAL oriundo do Provimento CNJ 149/2023. A grande questão que agora se coloca é: a Escritura de Cessão de Direitos Hereditários autoriza a regularização também via ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL?

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Nossa resposta é negativa, na medida em que a regra, como se viu, é que a etapa seguinte à realização da Escritura de Cessão de Direitos Hereditários seja sim a realização do INVENTÁRIO seja ele Judicial ou Extrajudicial, conforme as peculiaridades do caso. A tentativa de obtenção do RGI em nome do Cessionário de Direitos Hereditários através da Adjudicação Compulsória certamente ofenderá dois dos princípios basilares do DIREITO REGISTRAL que são o PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE e o PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE SUBJETIVA na medida em que o imóvel deverá constar no RGI até então em nome do autor da herança (e não dos cedentes), além de outros entraves que naturalmente desautorizam a substituição do Contrato de Promessa de Compra e Venda pelo Contrato de Cessão de Direitos Hereditários.

A jurisprudência dos tribunais é clara servindo como exemplo recente decisão do TJMG:

"TJMG. 10000222137721001. J. em: 01/12/2022. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA - CONTRATO DE COMPRA E VENDA - OUTORGA DE ESCRITURA DEFINITIVA - CESSIONARIO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS - AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA DEFINITIVA DA PROPRIEDADE - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. A ação de adjudicação compulsória é o remédio jurídico que tutela direito derivado de contrato de promessa de compra e venda, quitado e sem cláusula de arrependimento, ante a recusa imotivada do promitente vendedor em conceder a outorga de escritura definitiva referente ao imóvel objeto da contratação. A cessão dos direitos hereditários opera, nos termos do art. 1.793 do CC, a transferência dos direitos que o cedente possui em relação ao bem da herança, contudo, não transfere sua propriedade, na medida em que os bens inventariados permanecem em condomínio indiviso até o encerramento do inventário e partilha do bem. Pendente a realização de inventário e, desse modo, a expedição do formal de partilha, a autor possui apenas a titularidade dos direitos hereditários, mas não o efetivo domínio".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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