Inicialmente, vale trazer o conceito do contrato de construção pelo doutrinador Hely Lopes Meirelles: “Contrato de construção é todo ajuste para execução de obra certa e determinada, sob direção e responsabilidade do construtor, pessoa física ou jurídica legalmente habilitada a construir, que se incumbe dos trabalhos especificados no projeto, mediante as condições avençadas com o proprietário ou comitente”. Ou seja, a construção de imóvel nada mais é que uma obrigação de resultado em que o contratante espera pela perfeita técnica da obra, o que engloba a solidez e a segurança.
Com efeito, a qualidade da obra executada dependerá basicamente dos materiais utilizados, do projeto elaborado e da perfeição na execução desse projeto, as normas técnicas devem ser seguidas de modo que a sua inobservância acarretará a devida responsabilização. Igualmente tem o construtor o dever de fiscalizar a execução obra, devendo zelar pela escorreita execução do projeto, verificando não só a maneira como está sendo executada a construção, mas se os materiais utilizados são adequados e se esses estão de acordo com o discriminado no memorial descritivo.
Relativa à responsabilidade pela perfeição da obra, o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves diz: “A responsabilidade pela perfeição da obra, embora não consignada ao contrato, é de presumir-se em todo ajuste de construção como encargo ético-profissional do construtor. Isto porque a construção civil é, modernamente, mais que um empreendimento leigo, um processo técnico-artístico de composição e coordenação de materiais e de ordenação de espaços para atender às múltiplas necessidades do homem.”.
Dessa forma, o construtor/empreiteiro tem a obrigação legal na escolha dos funcionários capacitados para execução da sua obra, na escolha dos materiais adequados a assegurar a razoável durabilidade, solidez e segurança da obra, e na fiscalização do seu projeto, corrigindo erros na execução do projeto.
É sabido que a aquisição de imóveis e a construção civil no país são atividades comerciais muito recorrentes, as quais traduzem uma perspectiva alto de crescimento. Em contrapartida, o aumento de ações judiciais por vícios construtivos também vem apresentando uma grande escalada, conforme levantamento feito pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
A ABNT NBR 13752, lei que define as diretrizes e bases da engenharia civil, define o conceito de vícios construtivos da seguinte forma: “Anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causando transtornos ou prejuízos materiais ao consumidor. Podem decorrer de falha no projeto, ou da execução, ou ainda da informação defeituosa sobre sua utilização ou manutenção.”.
Reconheça-se que boa parte das edificações, sobretudo as de grande porte, estão sujeitas às necessidades de ajustes quando da sua conclusão ante a complexidade que envolve a construção civil. É comum que as construtoras tenham um departamento de assistência técnica com o objetivo de atender os chamados que possam surgir após a entrega da edificação.
As normas legais que embasam o tipo de responsabilidade, os prazos e as demais minudências sobre o tema, estão previstos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, sendo constatado algum vício/defeito construtivo, o proprietário do imóvel poderá pleitear reparação, indenização ou rescisão do contrato. Esse último, a doutrina contemporânea e a jurisprudência não vem admitindo se o vício construtivo for sanável e não impactante a habitabilidade da edificação, isto é, a rescisão contratual só será viável se o vício for de maior monta (insanável).
Quanto a responsabilização há diversas hipóteses, devendo cada caso ser analisado, não obstante, em regra, deve-se buscar a construtora, já que responde pela solidez e segurança do empreendimento, segundo dispõe o artigo 618 do Código Civil, e o incorporador e seus equivalentes, conforme artigos 30 e 31 da Lei nº 4.591/64, respondendo de forma solidária, podendo o lesado acionar quaisquer deles.
Atinente aos vícios construtivos, eles se dividem em aparente e oculto, o primeiro é de fácil constatação, por exemplo, piso não nivelado, azulejo quebrado, pintura mal feita, já o segundo é aquele que aparece durante o transcurso do tempo ou quando perceptível pela análise técnica/profissional, por exemplo, defeito na fiação e na estrutura do bem. Frisa-se aqui a importância de se atentar aos prazos legais de reclamação, de garantia, de prescrição e de decadência para cada tipo de pleito judicial a ser manejado no Judiciário relativo ao vício construtivo.
Com relação ao prazo de garantia de funcionamento e de desempenho dos sistemas e componentes que compõem uma construção civil, constatasse a inexistência de previsão legislativa no Brasil. Para Carlos Del Mar, coordenador do Conselho Jurídico do SindusCon-SP1: “Só para a construção civil é que estabelece o prazo de garantia de 5 anos, quanto à solidez e segurança, de acordo com o artigo 618 do Código Civil. Ainda assim, não disciplina o prazo de garantia para os inúmeros outros itens da construção civil”.
Essa ausência de legislação quanto aos prazos de garantia de funcionamento e de desempenho dos itens e componentes contidos numa edificação, vem ocasionando, no âmbito judicial, um alargamento da eficácia do artigo 618 do Código Civil - prazo de garantia de obra de 5 anos relativo a segurança e solidez, que é restringida a aplicação às construções de vulto, para outros defeitos, como infiltrações, obstruções de rede de esgoto, etc.
A inexistência de legislação regulamentando questões que envolvam os prazos de vida útil, garantias dos itens da construção e manutenção predial, fez com que algumas normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) fossem editadas nos últimos anos, possuindo papel relevante no âmbito da engenharia civil, que também poderiam ter maior relevância no direito.
Por exemplo, a NBR 5674 de 2012 estabeleceu os requisitos para a gestão do sistema de manutenção de edificações, de modo a evitar a queda de desempenho devido à depreciação de seus sistemas, equipamento e componentes. Já a ABNT 15575-1 de 2013, conhecida como "norma de desempenho", estabeleceu os prazos de vida útil dos sistemas construtivos e os prazos mínimos de desempenho. Recentemente, a importante NBR 17170 de 2022 apresentou conceitos, requisitos, diretrizes e procedimentos para definir as garantias das edificações, considerando os sistemas, componentes e equipamentos oferecidos pelo incorporador, construtor ou prestador de serviços de construção aos proprietários de edificação ou contratantes do serviço de construção.
Ocorre que essas normas técnicas não são observadas pelo Judiciário para amparo nos julgamentos. Em uma ação judicial versando sobre vícios construtivos surgem diversos cenários de julgamento, e atualmente, a discricionariedade das decisões enseja num desequilíbrio, contribuindo para um quadro de insegurança jurídica, inclusive.
No entanto, o cenário atual poderá passar por mudanças significativas se o PL 4749/2009 for convertido em lei, pois propõe diversas alterações significativas na legislação relativa à construção civil, dentre elas (i) nova classificação dos vícios construtivos, dividindo-se entre elementos de solidez e segurança, elementos de habitabilidade e elementos de acabamento; (ii) prazos diferenciados de garantia, de reclamação e de responsabilidade que variarão de acordo com a natureza e a gravidade do vício ou defeito; (iii) reclamação junto ao construtor como requisito à judicialização, dentre outras.
A expectativa é que essas alterações ofereçam maior clareza aos consumidores e aos construtores, ainda que o impacto efetivo desse Projeto de Lei precise ser analisado na prática, não obstante, como qualquer alteração, a efetividade da nova legislação dependerá da interpretação a ser adotada pelos agentes imobiliários e pelos julgadores nos Tribunais, devendo as partes interessadas acompanharem a evolução do referido PL.
Deste modo, esperasse que em um futuro próximo haja uma abordagem legislativa mais segmentada para os prazos de garantia e responsabilidade, levando em consideração a natureza e a gravidade dos vícios construtivos, bem como o porte da construção, sendo equitativo para a relação existente entre construtor e consumidor.