O Código Penal brasileiro, em seu artigo 121, § 3°, estabelece o homicídio culposo, definindo-o de modo genérico e abrangendo toda e qualquer situação de culpa. Entretanto o Código de Trânsito Brasileiro traz uma modalidade específica, que por assim o ser, se sobrepõe ao disposto no Código Penal.
Qual seja, homicídio culposo na direção de veículo automotor, disciplinado no artigo 302 da Lei 9.503 de 1997. O tipo penal aqui abordado tem como principal objetivo reprovar a conduta do indivíduo que conduz o veículo com negligência, imprudência ou imperícia, que nos dizeres de Cleber Masson são entendidos como
Imprudência: “é a forma positiva de culpa (in agendo), consistente na atuação do agente sem observância das cautelas necessárias. É a ação intempestiva e irrefletida. Tem forma ativa. Desenvolve-se sempre de modo paralelo à ação, surge e se manifesta enquanto o autor pratica a conduta.”1
Negligência: “é a inação, a modalidade negativa de culpa (in omitindo), consistente na omissão em relação à conduta que se devia praticar. Negligenciar é omitir a ação cuidadosa que as circunstâncias exigem”.2 (destaque nosso)
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Imperícia: “é também chamada de culpa profissional, pois somente pode ser praticada no exercício de arte, profissão ou ofício. Sempre ocorre no âmbito de uma função na qual o agente, em que pese esteja autorizado a desempenhá-la, não possui conhecimentos práticos ou teóricos para fazê-lo a contento.”3
Fato é que em qualquer dessas modalidades o indivíduo será responsabilizado por sua falta de cuidado, que teve por consequência o encerramento abrupto de uma vida. Entretanto é de ter-se em mente que a conduta não foi direcionada a este resultado e, ainda que reprovável, o agente não poderá sofrer as mesmas consequências que aquele que direciona a conduta para o assassínio.
E é nesse sentido que caminha o crime estabelecido no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, pois comina como pena ao tipo “detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”. Repressão bem menor que o homicídio simples do art. 212 do Código Penal.
Grande discussão é levantada quanto a constitucionalidade da pena de suspensão da habilitação para dirigir veículo, entretanto no RE 607107 fixou a tese de que “É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional condenado por homicídio culposo no trânsito”.
Ora, ainda que a disposição seja constitucional e, portanto, passível de aplicação pelo julgador no momento de fixar a pena, não significa ser a mais adequada ao caso concreto. Digo isso pois, quando tal penalidade é aplicada ao indivíduo que faz uso de veículo automotor para gerar o sustento seu e de sua família, pode ser desarrazoado. Como se depreende do referido julgado, é dever da medida que impõe o impedimento/suspensão respeitar a proporcionalidade.
Entretanto, a de se considerar as três faces da proporcionalidade, quais sejam, adequação da pena, necessidade da pena e proporcionalidade em sentido estrito. Esta última leva em consideração a necessidade da pena em concreto para reprimir o delito praticado e prevenir a ocorrência de outros do mesmo tipo.
De modo que, as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, bem como outras variantes, devem ser bem sopesadas para o julgador ministrar a pena mais adequada sem necessariamente tirar a subsistência do condutor e sua família.
É bem certo que existem “casos e casos”, portanto, nem sempre a suspensão/impedimento será a medida mais adequada ou necessária. Para tanto, é importante que a pessoa envolvida com essa situação entre em contato com um advogado qualificado e combatente, para que trace a melhor estratégia defensiva e conquiste o seu direito de permanecer com o sustento de sua família.
Publicado originalmente em: https://kawanikcarloss.com.br/acidente-de-transito-e-homicidio-posso-perder-minha-cnh