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Características das competências tributárias no ordenamento jurídico brasileiro

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Agenda 09/11/2007 às 00:00

O sistema constitucional tributário atribui às competências tributárias as seguintes características: facultatividade, indelegabilidade, incaducabilidade e irrenunciabilidade.

Sumário: Introdução. 1. Premissas – Caráter Constitucional do Sistema Tributário Brasileiro. 2. Competências Tributárias. 3. Competência tributária e capacidade tributária ativa. 4. Características das Competências Tributárias. 4.1. Privatividade. 4.2. Facultatividade. 4.3. Indelegabilidade. 4.4. Incaducabilidade. 4.5. Inalterabilidade. 4.6. Irrenunciabilidade. Conclusões. Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

Objetivamos, no presente estudo, analisar as características das competências tributárias no ordenamento jurídico brasileiro.

Para tanto, procederemos a uma breve análise do sistema constitucional de competências tributárias, examinando desde as regras conformadoras da capacidade impositiva das Pessoas Políticas, até aquelas que fixam os campos em que seu exercício é vedado – imunidades – procurando determinar sua natureza jurídica.

Após isso, finalmente, adentraremos no objeto proposto, ponderando sobre as características das regras de competência tributária, comumente identificadas pela doutrina nacional como sendo: Privatividade, Facultatividade, Indelegabilidade, Irrenunciabilidade, Incaducabilidade, Inalterabilidade e Taxatividade. Nesse viés, estudaremos diversas questões específicas que giram em torno do(s) tema(s), procurando confirmar, em todos os casos, a validade ou não de cada uma das já enunciadas características.

É claro que, como não poderia deixar de ser, como decorrência natural do assunto em debate, examinaremos se o sistema de competências tributárias é passível de ser modificado por meio de emendas constitucionais ou por outras formas de manifestação das instâncias legislativas constituídas.

Nesses termos, esclarece-se que a hermenêutica dos textos constitucionais e legais pertinentes obedecerá ao método de interpretação sistemático, partindo-se sempre dos princípios – explícitos e implícitos – erigidos em nossa Constituição. Somente assim, entende-se, é que se pode atingir o verdadeiro significado e alcance dos dispositivos legais, transcendendo-se à sua letra seca.


1. Premissas – Caráter Constitucional do Sistema Tributário Brasileiro

Inicialmente, antes de adentrarmos no tema proposto, necessário fincar as premissas basilares que nortearão o presente estudo.

Pois bem, em primeiro lugar, afirma-se que o Direito é um sistema e não um aglomerado desordenado de regras esparsas. Nessa linha, de acordo com JOSÉ ROBERTO VIEIRA [01], todo e qualquer sistema deve ter como dados essenciais o repertório (conjunto de elementos), a estrutura (relações estabelecidas entre os elementos) e a unidade, a partir da qual todos os elementos sejam unificados em torno de princípios ou conceitos aglutinadores, compondo a idéia de redução da complexidade à unidade. Sendo assim, há que se interpretar as regras de direito positivo como integrantes de um todo lógico, indissociavelmente ligadas entre si, e orientadas pelos princípios fundamentais, ou unificadores – contidos na Constituição.

Ocorre que, a despeito de seu caráter unitário, é perfeitamente lícito, para fins didáticos, realizar subdivisões lógicas no sistema de direito positivo, dele isolando "subsistemas". Nesse viés, extrai-se do direito positivo o subsistema jurídico tributário, que corresponde ao complexo das regras jurídicas em vigor no Brasil em matéria de tributação. Este, de seu turno, é unificado e norteado pelo conjunto de regras e princípios superiores veiculados pelo denominado sistema constitucional tributário [02]. Dito isso, ressalte-se que, em direito tributário, o Constituinte foi exaustivo, tendo estabelecido um sistema rígido de competências, através do qual fixou os contornos e diretrizes da tributação, vinculando inteiramente a atuação do legislador.

Tendo isso em mente, MARCELO VIANA SALOMÃO, acompanhando ROQUE ANTONIO CARRAZZA e PAULO DE BARROS CARVALHO, alerta que o direito tributário brasileiro é essencialmente constitucional, não admitindo inovações ou modificações pelas instâncias legislativas inferiores. Com efeito, o Constituinte adotou a técnica de prescrever, de modo exaustivo, as molduras dentro das quais as Pessoas Políticas podem exercer a tributação. Edificou a Constituição, portanto, um sistema rígido de competências tributárias [03].

Essa também é a posição de HUMBERTO BERGMANN ÁVILA: "A referida rigidez decorre também da repartição de competências para a instituição de cada tributo. O Sistema Tributário Nacional determina, no art. 153 e seguintes, quais tributos podem ser instituídos pela União, Estados e pelos Municípios" [04]. Mais adiante, conclui o seguinte: "O Sistema Tributário Nacional, do artigo 145 ao artigo 162, estabelece regras que delimitam constitucionalmente o poder que cada ente político possui, não deixando, como sói acontecer em outros sistemas jurídicos, liberdade ao legislador para alterar os fatos que podem ou que não podem ser objeto de tributação" [05].

Ao legislador infraconstitucional tributário, destarte, resta atuar exatamente como a Lei Maior determina, não podendo extrapolar os limites nela fixados, sob pena de quebra da hierarquia e da lógica interna do sistema [06]. Nesse sentido, ROQUE ANTONIO CARRAZZA tem o mister de afirmar que ao legislador infraconstitucional tributário não é dado ser criativo, devendo apenas seguir as diretrizes fixadas pela Constituição, sem pretender inovar:

"o legislador de cada pessoa política (União, Estados, Municípios ou Distrito Federal), ao tributar, isto é, ao criar ‘in abstracto’ tributos, vê-se a braços com o seguinte dilema: ou praticamente reproduz o que consta da Constituição – e, ao fazê-lo, apenas recria, num grau de concreção maior, o que nela já se encontra previsto – ou, na ânsia de ser original, acaba ultrapassando as barreiras que ela lhe levantou e resvala para o campo da inconstitucionalidade." [07]

Portanto, reafirma-se, sem medo de errar, que o direito tributário brasileiro é eminentemente constitucional, visto que, suas diretrizes básicas, princípios fundamentais, assim como os arquétipos dos respectivos tributos, são todos previstos na Lei Maior.

De acordo com essa sistemática, no campo da repartição das competências tributárias, o Texto Constitucional estabelece parâmetros rígidos para a criação dos tributos nela previstos genericamente, edificando os fatos passíveis de tributação, as pessoas que deverão sofrer a incidência de tais gravames (destinatários constitucionais tributários [08]), quem poderá instituí-los – somente Pessoas Políticas, através da lei (artigo 150, I, da Constituição) –, os dados para sua localização no tempo e no espaço, os critérios para a mensuração econômica da obrigação tributária, bem como as limitações constitucionais ao exercício da tributação. Dessas diretrizes não podem se desviar o legislador, sob pena de inconstitucionalidade.

É por isso que, no sistema jurídico brasileiro, incorreto afirmar que as Pessoas Políticas detêm poder tributário (que indica uma idéia de força incontrastável), mas sim competências tributárias, as quais são pautadas e delimitadas pelo direito posto, não podendo ser modificadas ou afastadas por quem as recebe, sob pena de quebra do necessário atributo da rigidez constitucional.

Nesse diapasão, como já dito acima, o diploma legal responsável pela construção do sistema de distribuição de competências tributárias no ordenamento jurídico brasileiro é a Constituição, excluindo-se desse campo qualquer outra espécie normativa. Por esses motivos, ao legislador nada cabe senão respeitar as condições estabelecidas no Texto Magno [09].

Fixadas as premissas necessárias, passemos ao objeto de nosso estudo.


2. Competências Tributárias

Competência tributária é a aptidão para criar, no plano abstrato, tributos. No Brasil, por imperativo constitucional, fundado no princípio da legalidade (artigo 150, I), os tributos devem ser criados por meio de Lei Ordinária [10], a qual deve descrever todos os elementos essenciais da regra jurídica tributária, a saber: hipótese de incidência, sujeitos ativo e passivo, base de cálculo e alíquota. Nesse sentido, emprestando a classificação de PAULO DE BARROS CARVALHO, pode-se afirmar que as competências tributárias são "regras de estrutura", eis que disciplinam a instituição de outras regras, segundo limites rígidos. Em outras palavras, as regras de competência são "regras sobre regras", dirigindo-se, essencialmente, ao legislador infraconstitucional.

Por isso, claro está que o exercício das competências tributárias se dá no plano legislativo, mediante a edição de regras abstratas, instituidoras de tributos, e não no campo da arrecadação, que representa atividade administrativa. Em verdade, a competência é um prius à arrecadação, eis que esta não pode existir sem o efetivo exercício daquela, conforme a máxima de que não há tributo sem lei que o estabeleça. Não por acaso que ROQUE ANTONIO CARRAZZA afirma que as competências tributárias têm como destinatários os legisladores [11].

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No entanto, é preciso frisar que as competências tributárias não perfazem cheques em branco outorgados pela Constituição ao legislador, para que este institua tributos da forma que melhor lhe aprouver. Ao contrário, essas regras de estrutura impõem limites rígidos ao seu titular, fixando, de forma abstrata, hipóteses de incidência, sujeitos passivos, bases de cálculo, etc., enfim, os arquétipos constitucionais de cada tributo, retirando, sobremaneira, a liberdade criativa do legislador tributário [12].

Nesse prisma, temos que as competências tributárias são estabelecidas e distribuídas exclusivamente pela Constituição, de modo exaustivo, não havendo margem para o legislador infraconstitucional criar novas competências, tampouco modificar os termos daquelas já existentes, sob pena de inconstitucionalidade. Admitir o contrário implicaria na subversão de princípios superiores que orientam o ordenamento jurídico positivo e, conseqüentemente, na sua destruição.

Além disso, o exercício dessas competências é atividade plenamente submetida aos princípios constitucionais (mandamentos centrais do ordenamento jurídico, que lhe conferem essência e unidade [13]). Vale dizer, para que a lei tributária seja válida, não basta que seja criada pela pessoa competente, é preciso que respeite e consagre os princípios superiores erigidos na Carta Magna. A esse respeito, repita-se: ao legislador infraconstitucional não é dado ser criativo, não tendo saída senão respeitar as balizas superiores impostas pelo Constituinte. A título de exemplo, não podem as competências tributárias ser delegadas ou usurpadas por quem não lhe é de direito, sob pena de violação aos princípios da federação e da autonomia municipal [14].

Do contrário, estaria aberta ao legislador a possibilidade de modificar as condições da outorga constitucional de competências, o que não se pode admitir em hipótese alguma, eis que isso implicaria na ingerência dos Órgãos Instituídos sobre aquela autoridade máxima que os instituiu (e, ao mesmo tempo, formulou as regras de sua atuação e funcionamento), prática esta inteiramente defesa em nosso sistema jurídico [15]. Por isso, são as competências tributárias, em regra, privativas de quem as recebem, irrenunciáveis, indelegáveis, incaducáveis e inalteráveis pelo legislador infraconstitucional.

Por fim, como esclarecem PAULO DE BARROS CARVALHO e HUMBERTO BERGMANN ÁVILA, compõem o sistema de competências tributárias as regras de imunidade. Nesse sentido, diversamente do que supõe a grande maioria da doutrina, as imunidades não são limitações constitucionais ao "poder de tributar" ou casos não-incidência constitucionalmente autorizada, mas sim regras negativas de competência, que fixam expressamente alguns pontos que não serão objeto de tributação.

Realmente, na esteira de PAULO DE BARROS CARVALHO, não há que se falar em cronologia entre uma norma constitucional que fixa uma determinada competência tributária, e outra que, logo em seguida, venha a mutilá-la. Nesse passo, assevera o mestre paulista que as imunidades são regras de estrutura, que, ao contrário de incidir sobre comportamentos humanos, disciplinam o âmbito normativo, mais especificamente o das competências tributárias, contribuindo para delimitar o campo impositivo das Pessoas Políticas [16]. São essas as palavras de HUMBERTO BERGMANN ÁVILA:

"A competência tributária, no entanto, é resultado da análise conjunta de duas espécies de normas jurídicas: de um lado, das normas que atribuem poder ao Estado para instituir tributos por meio da especificação dos fatos e situações que se tornam suscetíveis de tributação (normas de competência); de outro, as normas que subtraem poder do Estado sobre determinados fatos e situações que se tornam insuscetíveis de tributação (normas limitativas da competência)." [17]

Destarte, o sistema constitucional de repartição de competências tributárias é composto pelo conjunto de regras atributivas de competência (positivas) e de imunidades, isto é, regras de incompetência (negativas), sendo orientado pelos princípios constitucionais – balizas máximas da atividade legislativa e da hermenêutica jurídica.

Resumindo bem as idéias até aqui expostas, de grande valia a lição do mestre ROQUE ANTONIO CARRAZZA, a seguir transcrita: "Aliás, para as pessoas políticas, a Constituição é a Carta das Competências. Ela indica o que podem, o que não podem e o que devem fazer, inclusive e principalmente em matéria tributária." [18]


3. Competência tributária e capacidade tributária ativa

Como dito acima, o exercício da competência tributária está essencialmente ligado e se exaure com a atividade legislativa, mediante a elaboração de leis formais que instituem, definem e regulam os tributos. Sendo assim, não há que se confundir competência tributária com capacidade tributária ativa: apesar de tais funções comumente se concentrarem no seio de um só ente, é sabido que esta pode ser delegada ou transferida a outra pessoa, enquanto que aquela não.

Em suma, ao passo que a competência tributária é a atribuição de instituir tributos, mediante lei, a capacidade tributária ativa representa a atividade administrativa de exigir o tributo do sujeito passivo. Aquela só pode ser exercida pelas Pessoas Políticas – União, Estados, Municípios e Distrito Federal – nos exatos termos do que está estabelecido na Constituição, não podendo ter seu esquema modificado pelo legislador ordinário, ao contrário desta, que, como lembra GERALDO ATALIBA, pode ser depositada nas mãos de qualquer pessoa que possua finalidade pública [19].

Em última análise, a capacidade tributária ativa é a atribuição de figurar no liame obrigacional tributário na qualidade de sujeito ativo, ou seja, de titular do direito subjetivo de cobrar o tributo. Sendo assim, claro está que se trata de uma realidade ontologicamente distinta da competência tributária, com ela não se confundindo. Sobre o tema, é claro o magistério de PAULO DE BARROS CARVALHO:

"O estudo da competência tributária é um momento anterior à existência mesma do tributo, situando-se no plano constitucional. Já a capacidade tributária ativa, que tem como contranota a capacidade tributária passiva, é tema a ser considerado no ensejo do desempenho das competências, quando o legislador elege as pessoas componentes do vínculo abstrato, que se instala no instante em que acontece, no mundo físico, o fato previsto na hipótese normativa." [20]

Em conclusão, por imperativo constitucional, a competência tributária, que se identifica exclusivamente com a atribuição de editar leis em matéria tributária, não pode ser transferida. De outra feita, a capacidade tributária ativa, traduzida na prerrogativa de figurar como sujeito ativo na relação jurídica tributária, pode ser outorgada pela lei competente a outro ente que não o titular da competência impositiva, até mesmo para uma pessoa de direito privado, desde que exerça finalidade pública. Ainda, nessa última hipótese, pode o produto da arrecadação ser destinado às finalidades do ente arrecadador – contanto que seja pública –fenômeno que se denomina parafiscalidade.

Vencidas essas etapas preliminares, passemos ao estudo das características das competências tributárias:


4. Características das Competências Tributárias

Primeiramente, destaca a grande maioria da doutrina que as competências tributárias detêm a característica da privatividade, ou, como preferem alguns autores, exclusividade. Como conseqüência disso, a outorga de determinada competência a uma Pessoa Política, veda, por imperativo constitucional, o seu exercício por todas as demais. É dizer, de acordo com esse pensamento, as Pessoas Políticas detêm faixas de imposição tributária exclusivas, não podendo exercer as competências alheias e tampouco ter as suas praticadas pelos demais entes federativos.

Nesse sentido, de acordo com ROQUE ANTONIO CARRAZZA, ao mesmo tempo em que a Lei Maior afirma a competência de uma Pessoa Política, nega a das demais. Por esse motivo, entende que a outorga de competência tributária possui dois sentidos: positivo e negativo. Positivo porque reconhece aos entes federados a possibilidade de criar tributos sobre determinados fatos (hipóteses de incidência), constitucionalmente previstos; e negativo, porquanto, da atribuição de determinada competência, acaba por negar competência idêntica às demais Pessoas Políticas [21].

Diversamente, PAULO DE BARROS CARVALHO afirma ser a privatividade insustentável, ao observar que as únicas competências privativas são as da União, tendo em vista que a Constituição credencia essa pessoa a instituir impostos estaduais e municipais, para territórios não divididos em Municípios; impostos estaduais, para territórios divididos em Municípios; e quaisquer outros impostos, compreendidos ou não em sua competência, na iminência ou no caso de guerra externa (por força dos artigos 147 e 154, II) [22].

Tratando da crítica do mestre paulista, ROQUE ANTONIO CARRAZZA pondera que aqueles dispositivos constitucionais tratam de situações excepcionalíssimas, "que só vêm confirmar a regra geral" [23]. Isso porque, "o Congresso Nacional – porque assim o quer a Lex Major – quando legisla para os Territórios, faz as vezes de Assembléia Legislativa e, se o Território não for dividido em Municípios, também de Câmara Municipal". Além disso, defende que, durante a vigência de guerra externa, o Congresso Nacional atua como órgão legislativo da Nação Brasileira (ou seja, da "ordem jurídica global"), o que justificaria a sua prerrogativa de instituir os tributos não previstos em sua faixa de competência, até a cessação do estado de beligerância [24].

Nesse ponto, endossamos o entendimento de PAULO DE BARROS CARVALHO, no sentido de que somente a União possui uma faixa de competência verdadeiramente privativa. É real que, em situações normais, a privatividade se aplica a todas as Pessoas Políticas – lembramos que, atualmente, inexistem territórios no Brasil, e que nosso país, ao menos hoje, não tem qualquer intenção ou disposição de travar uma guerra externa. No entanto, a simples existência de exceções a essa regra, ainda que absolutamente eventuais, já não nos permite afirmar que se trata de uma regra absoluta.

Recorrendo à conhecida metáfora, só podemos garantir que todos os cisnes são pretos quando não haja qualquer exceção a esse fato. Basta que um cisne seja branco para que aquela assertiva caia por terra. O mesmo ocorre com o tema da privatividade das competências tributárias: visto que há exceções a essa regra, positivadas pela Constituição, já não podemos afirmar em caráter universal que as competências tributárias dos Estados, Municípios e Distrito Federal são privativas. Somente a faixa de competências tributárias da União goza dessa prerrogativa, eis que não conhece qualquer exceção constitucional.

É claro que, em tempos normais, o exercício de competências tributárias estaduais, distritais ou municipais pelo legislador da União configura inconstitucionalidade, por violação ao princípio federativo. No entanto, como esse quadro comporta ressalvas, mesmo que excepcionalíssimas, não há como sustentar que as competências daqueles entes federativos são efetivamente privativas. O são somente as da União. Acerca do assunto, vejamos o escólio de PAULO DE BARROS CARVALHO: "Dir-se-á que se trata de exceção, mas é o que basta para derrubar proposição afirmativa colocada em termos universais, de tal sorte que impostos privativos, no Brasil, somente os outorgados à União." [25]

Passemos, em seguida, ao exame da facultatividade, que também encerra questões polêmicas. Vejamos:

4.2. Facultatividade

De regra, os titulares das competências tributárias, conquanto não possam delegá-las ou renunciá-las, não são obrigados a exercitá-las. Trata-se aqui de uma opção política a ser tomada pelas pessoas competentes, que podem instituir ou não os tributos pertencentes às suas respectivas faixas impositivas. Vale dizer, o exercício das competências tributárias sujeita-se a juízo de conveniência e oportunidade de seus titulares.

Nesse plano, podem também os entes competentes exercitarem as competências que lhe foram outorgadas apenas de forma parcial, criando o tributo aquém dos contornos previamente delimitados pela Constituição. Repita-se, trata-se de uma decisão política, que não está sujeita a qualquer controle externo, inclusive por parte do Poder Judiciário.

A par disso, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, na esteira da lição de NORBERTO BOBBIO acerca das normas de sobrenível (normas sobre normas), afirma com propriedade que os dispositivos que outorgam as competências tributárias representam "normas que permitem obrigar", ou seja, que atribuem ao seu titular a faculdade de elaborar normas de comportamento, as quais, uma vez integradas ao sistema jurídico, passam a ser obrigatórias, devendo ser respeitadas por toda a coletividade [26].

O exemplo mais notável a respeito dessa regra é o "imposto sobre as grandes fortunas", o qual, muito embora componha a faixa de imposição tributária da União, por força do artigo 153, I, da Constituição, até hoje não foi instituído, simplesmente porque a Pessoa Política competente para tanto não julgou conveniente e oportuno. Acrescente-se, ainda, o exemplo do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS, que ainda não foi regulamentado por grande parte dos Municípios brasileiros, a despeito de não lhes faltar, para tanto, aptidão legislativa.

Indo adiante, boa parte da doutrina nacional aponta como exceção ao caráter de facultatividade a competência relativa ao ICMS, considerando-a, pois, obrigatória. Nesse viés, sustenta-se que o ICMS é um imposto essencialmente nacional, devendo, por imperativo constitucional, ser uniforme em todo o país. Em razão disso, afirma-se que os Estados-Membros e o Distrito Federal, competentes para instituir o gravame, são obrigados a fazê-lo, sob pena de destruição do seu caráter nacional e uniforme.

Para PAULO DE BARROS CARVALHO, até certo ponto, isso explica a intensa participação da União no processo de criação de normas reguladoras do ICMS, mediante leis complementares, bem como resoluções do Senado Federal, para a fixação de faixas limítrofes de alíquotas do imposto, nos termos do artigo 155, § 2º, V, da Constituição. Ademais, acrescenta a esse raciocínio o artigo 155, § 2º, XII, g, da Lei Maior, que reserva a regulação de certas matérias relativas ao ICMS à deliberação conjunta dos Estados, mediante convênios, de forma a manter a unidade da tributação por esse imposto e evitar as chamadas "guerras fiscais" [27].

De seu turno, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, não obstante reconheça, em um primeiro momento, a obrigatoriedade de instituição do ICMS pelos Estados e Distrito Federal, alerta-nos que o sistema jurídico não contempla qualquer expediente que obrigue a Pessoa Política omissa a legislar sobre o imposto, ou que atribua tal competência a outro ente. Com base nisso, conclui que "o exercício da competência tributária, no Brasil, é, de regra, facultativo." [28]

Nesse ponto, pensamos que assiste razão a ROQUE ANTONIO CARRAZZA, sendo as competências tributárias efetivamente facultativas, inclusive a referente ao ICMS. De fato, muito embora a Constituição atribua ao dito imposto caráter eminentemente nacional e uniforme, combatendo a "guerra fiscal", não veicula qualquer regra que permita a execução forçada de dita competência legislativa, tampouco prevê possibilidades de supressão de sua ausência por parte de outro ente. Aliás, nem poderia, sob pena de violação ao princípio federativo.

Ora, se não há como forçar os Estados e o Distrito Federal a exercitar a competência impositiva do ICMS, não há como afirmar que a mesma é obrigatória. É uma questão de pura lógica. Procedendo a uma interpretação sistemática do texto maior, é lícito concluir que, obrigar sem fixar um mecanismo correspondente de execução forçada é mesmo que não-obrigar, quando muito, permitir.

Diante do que foi aqui exposto, conclui-se que o exercício das competências tributárias é facultativo, mesmo no que concerne ao ICMS. Por isso, toda e qualquer dispositivo de lei que contrariar essa lógica estará eivado de constitucionalidade, a exemplo do artigo 11, da Lei Complementar nº. 101, de 04 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) [29], já que este pretende obrigar os entes federativos a exercerem as competências tributárias que lhes foram outorgadas pela Constituição.

4.3. Indelegabilidade

Indo adiante, tem-se que as competências tributárias são indelegáveis. Nesse sentido, cada Pessoa Política recebeu sua respectiva faixa de competência da Constituição, não podendo, em hipótese alguma, delegá-la para outros entes. Podem até deixar de exercê-las, como visto acima, mas não lhes é dado consentir com que outra pessoa o faça, sob pena de modificação das próprias condições da outorga constitucional, matéria que não é afeta ao legislador.

Ao tratar do assunto, ROQUE ANTONIO CARRAZZA nos lembra que:

"(...) quando o Texto Magno outorga uma competência, visa a promover um interesse público, que só se considera atingível por intermédio da atuação do titular escolhido (pessoa, órgão, autoridade, etc.)." [30]

Com efeito, as competências tributárias representam verdadeiros comandos impositivos da Constituição àqueles que as receberam, sendo-lhes negado peremptoriamente sua livre disposição ou sua renúncia, a qualquer título. Dito isso, a indelegabilidade das competências tributárias é corolário fundamental do atributo da rigidez constitucional, de modo que, se aos legisladores fosse dado cambiar suas competências, ou renunciá-las, quebrar-se-ia a própria base do sistema de competências, a Constituição se tornaria flexível, e, por conseguinte, toda a ordem jurídica ruiria.

Frise-se novamente: o sistema de distribuição das competências tributárias é essencialmente constitucional, isto é, seus contornos e delineamentos jurídicos são inteiramente estabelecidos pela Lei Maior, não dando esta nenhuma liberdade ao legislador infraconstitucional para dispor sobre o tema. O papel deste se limita a receber a competência tributária da Lei Maior, e, se quiser, exercê-la (no todo ou em parte), não podendo dela dispor. Nada mais.

4.4. Incaducabilidade

Seguindo adiante, ressalte-se que as competências tributárias não perecem com o decurso do tempo, ainda que não exercitadas, sendo, pois, incaducáveis. Por esse motivo, não há que se falar em decadência no exercício das competências tributárias; mesmo que uma Pessoa Política não exerça uma determinada competência tributária por tempo indefinido, jamais a perderá, podendo, a qualquer tempo, vir a implementá-la, por intermédio do veículo legislativo adequado.

Nesse prisma, como nos lembra PAULO DE BARROS CARVALHO, a Constituição existe para durar no tempo: se o não-uso das faixas de competência tributárias acarretasse na sua extinção, a Constituição como um todo estaria comprometida, ficando à mercê de contingências e interesses das Pessoas Políticas [31].

A respeito, cite-se novamente a competência relativa ao "imposto sobre grandes fortunas", outorgada à União pelo Constituinte de 1988, e que nunca foi por ela exercida, simplesmente por opção política, que não cabe aqui especular. Todavia, isso não impede que, a qualquer momento, essa Pessoa venha criar dito imposto, sem sofrer qualquer prejuízo pelo decurso do tempo. Discorrendo sobre o assunto, ROQUE ANTONIO CARRAZZA leciona que a incaducabilidade das competências tributárias "é conseqüência lógica da incaducabilidade da função legislativa, da qual a função de criar tributos é parte" [32].

Ora, é com toda segurança que afirmamos que a Constituição, ao regular a função legislativa das Pessoas Políticas, certamente não impôs qualquer limitação temporal para o seu exercício. Além de que, em sendo a função primordial do legislador inovar a ordem jurídica, conforme os caracteres políticos da conveniência e da oportunidade, completamente absurdo pensar em um marco temporal para o uso de suas competências, eis que isso engessaria o Legislativo, com o que a Constituição absolutamente não compactua.

Portanto, isento de dúvidas que as competências tributárias não se extinguem em decorrência do seu não-exercício, sendo, nesse sentido, incaducáveis.

4.5. Inalterabilidade

De sua vez, muitos autores atribuem às competências tributárias a característica da inalterabilidade.

Nesse passo, de acordo com a hermenêutica constitucional, às Pessoas Políticas é totalmente defeso alterar as dimensões das competências tributárias que lhes foram outorgadas. Como dito acima, podem as Pessoas Políticas não utilizar tais competências em toda a sua amplitude, ou simplesmente não utilizá-las; porém, não podem modificar seus termos e condições, visto se tratar de matéria exclusivamente constitucional.

Todavia, e acatando o entendimento de PAULO DE BARROS CARVALHO, pensamos que é insustentável falar em inalterabilidade, haja vista que a Constituição encarta a possibilidade de alteração das competências tributárias, seja com relação ao seu titular, seja com relação aos arquétipos dos tributos, através da atuação das competências reformadoras, pelo veículo da Emenda Constitucional, desde que, é claro, sejam respeitados os princípios constitucionais e demais limites impostos pela própria Lei Maior [33].

A princípio, o sistema de repartição de competências tributárias não está acobertado pelo manto da imutabilidade, previsto no artigo 60, § 4º, da Constituição, razão pela qual seu esquema está sujeito a alterações por meio de Emenda Constitucional, contanto que esta não viole direitos e garantias fundamentais – estes sim elevados ao status de cláusulas pétreas.

Portanto, o atributo da inalterabilidade das competências tributárias é válido somente no que diz respeito ao legislador infraconstitucional, no sentido de que este não pode modificar os termos das competências que lhe foram outorgadas. No entanto, sob a ótica constitucional, a inalterabilidade não prospera, visto que o Constituinte Derivado pode promover alterações no sistema de competências constitucionais (como de fato já o fez inúmeras vezes). É claro que, nessa hipótese, repita-se, deve proceder em respeito aos princípios constitucionais, em especial o federativo e da autonomia municipal.

4.6. Irrenunciabilidade

Como conseqüência de todos os seus atributos, acima expostos, afirma-se que as competências tributárias são irrenunciáveis. Na realidade, da mesma forma que as Pessoas Políticas não podem delegar suas faixas de competência, não podem delas abrir mão, quer no todo, quer em parte.

Com efeito, carecem às Pessoas Políticas o direito de renunciar às suas competências, decidindo que jamais instituirão determinado(s) tributo(s): como visto, trata-se de matéria indisponível ao legislador infraconstitucional, por exigência do próprio Constituinte Originário, que, nos dizeres de EDVALDO BRITO, representa uma "potestade", um poder absoluto e ilimitado, em relação aos quais as competências instituídas devem submeter-se [34]. E mais, pensa-se que a irrenunciabilidade não pode ser vilipendiada sequer por meio de Emenda Constitucional, haja vista que violaria princípios ontológicos de nosso sistema jurídico, quais sejam, o da federação e da autonomia municipal.

Ora, em se admitindo o afastamento da irrenunciabilidade pelo Constituinte Reformador, estar-se-ia acolhendo também o banimento de todos os outros atributos ínsitos à competência tributária, e, por conseguinte, a todas as espécies de competências legislativas, minuciosamente edificadas pela Lei Maior.

Realmente, de nada valeria a discriminação rigorosa de competências, pela Constituição, se convivesse no sistema a possibilidade de renúncia a tais atribuições, pelos seus titulares. O comando constitucional simplesmente cairia no vazio, eis que seria transferido aos legisladores das Pessoas Políticas o mister de dispor sobre o sistema de competências, o que restaria submetido, obviamente, às vicissitudes do jogo político.

É nesse sentido a advertência de PAULO DE BARROS CARVALHO, que bem sintetiza as idéias aqui defendidas:

"Que sentido haveria numa discriminação rigorosa de competências, quando se permitisse que uma pessoa delegasse a outras as habilitações recebidas? Em pouco tempo, no manejo das utilizações concretas, quando se manifestasse o direito no dinamismo do seu estilo peculiar, o desenho das atribuições competenciais passaria por diferentes e imprevisíveis configurações, dissipando a rigidez e a estabilidade pretendidas pelo legislador constituinte. Advém daí o entendimento perante o qual a indelegabilidade e a irrenunciabilidade seriam prerrogativas inafastáveis do exercício competencial, no sistema brasileiro." [35]

Não restam dúvidas, destarte, que as competências tributárias são irrenunciáveis, delas não podendo dispor seus titulares, seja a que título for, sob pena de quebra de alicerces fundamentais do nosso sistema, além do atributo da rigidez constitucional.

Sobre o autor
Luiz Henrique Guimarães Hohmann

advogado em Curitiba (PR), especialista em Direito Tributário pelas Faculdades Integradas Curitiba, mestrando em Direito Tributário pela Universidade Federal do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HOHMANN, Luiz Henrique Guimarães. Características das competências tributárias no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1591, 9 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10631. Acesso em: 4 dez. 2024.

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