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Crítica à inclusão das perdas no ICMS-Energia.

Agenda 20/09/2023 às 11:57

Como toda mercadoria, a energia elétrica está sujeita ao ICMS, tendo como fato gerador o efetivo consumo (Súmula nº 391 do STJ).

 No mesmo caminho do STJ, a nossa Suprema Corte, ao apreciar o Tema nº 176, fixou a tese de que a potência de energia elétrica, por si só, não é passível de incidência do ICMS, devendo esse ser cobrado sobre as operações nas quais ocorreu o efetivo consumo.

 Vale registar que, em matéria de energia elétrica, a tradição ou troca de titularidade, somente nascerá a partir do momento no qual a energia sai da linha de transmissão e entra no estabelecimento do consumidor, passando pelo relógio medidor e sendo efetivamente consumida ou utilizada.

 Deve ser argumentado que a Resolução n. 1.000/2021 da Aneel, nos seus artigos 25 e 26, é bastante clara em eleger o relógio medidor como o limite da responsabilidade das distribuidoras de energia, vejamos o que diz a Resolução da Aneel:

 

Art. 25. O ponto de conexão localiza-se no limite da via pública com o imóvel onde estejam localizadas as instalações (...)

Art. 26. A distribuidora deve adotar as providências para viabilizar a conexão, operar e manter o seu sistema elétrico até o ponto de conexão, caracterizado como o limite de sua responsabilidade, observadas as condições estabelecidas nesta Resolução. (grifei).

 

 Pois bem, não há dúvidas de que a troca da titularidade e o efetivo consumo nascerão a partir do momento no qual a energia passa pelo relógio e é efetivamente utilizada, concretizando o fato gerador do ICMS-Energia.

 Portanto, nas notas fiscais, o valor inerente à Tarifa de Energia (TE), representa o consumo efetivo (Resolução n. 1.000/2021, art. 2º, XLIX, alínea “a”), devendo ser tributada normalmente pelo ICMS-Energia.

Contudo, outra tarifa nos chama a atenção e tem o potencial de levantar polêmicas na seara tributária, nós estamos falando das perdas de energia, que são divididas em técnicas e não técnicas segundo as disposições da Aneel.

 Antes de distingui-las, devemos esclarecer que as perdas representam a potência de energia elétrica que acabou não sendo efetivamente entregue aos consumidores, ou seja, desapareceu durante o transporte e anteriormente ao efetivo consumo (fato gerador).

 A fonte dessa diferença tem causas distintos, uma delas é física ou natural, ou seja, a potência que acaba se transformando em energia térmica nos condutores (efeito joule), as perdas dielétricas e outras mais de ordem natural. A essa damos o nome de técnica.

 A segunda fonte não tem ligação com fatores físicos ou naturais, mas sim criminais, aqui estamos falando da reprovável prática de “gato”. Elas são nomeadas como não técnicas.

 Pois bem, tanto nas perdas técnicas quanto nas não técnicas há uma problemática instaurada no campo tributário, pois, considerando que o ICMS-Energia tem como seu fato gerador o efetivo consumo nos termos da Súmula n. 391 do STJ, pergunta-se: Estamos agindo corretamente ao tributar as perdas técnicas e não técnicas com o ICMS?

 Antes de aprofundar, esclarecemos que o STJ, já teve a oportunidade de responder a questão acima formulada, na ocasião, em 2012, entendeu que o Tribunal que “a energia elétrica furtada nas operações de transmissão e distribuição não sofre incidência de ICMS por absoluta "intributabilidade" em face da não ocorrência do fato gerador.” (STJ, REsp 1.306.356-PA, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 28/8/2012).

 Parece-nos bastante satisfatória a solução apontada, visto que o consumo está ausente, porque quem pagou pela perda não utilizou aquela potência que desapareceu do sistema antes do fato gerador (consumir energia).

 Soa um contrassenso total a incidência do ICMS nas perdas técnicas e não técnicas, ainda mais se considerarmos que o STJ e o STF formaram uma jurisprudência robusta no sentido de que o ICMS não incide sobre a potência de energia contratada e não utilizada (Tema n. 63/STJ e Tema n. 176/STF).

Não se nega que as doutrinas especializadas em Direito de Energia e Tributário nos ensinam que o simples pacto contratual não pode ser considerado como fato gerador ou base de cálculo do ICMS-Energia, pelo contrário, esse somente será exigido sobre a potência efetivamente utilizada ou consumida, cita-se:

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 Vê-se que o aspecto material do fato gerador do ICMS é a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. E a circulação se pressupõe a entrega da mercadoria, a tradição, consequentemente, no caso da energia elétrica o efetivo consumo. O valor da operação consistente em garantir a potência necessária para o consumidor não pode ser tributado pelo ICMS.

(...)

Segue-se a conclusão inequívoca de que somente incide ICMS sobre a energia elétrica se, de fato, estiverem presentes as circunstâncias materiais, assim entendidas a efetiva circulação da energia elétrica no estabelecimento do consumidor e o efetivo consumo, não apenas o pacto contratual de potência. (DE MELLO, Fátima I. M.Rogério Vaz. Não incidência de ICMS sobre a demanda contratada de potência e sobre as tarifas de uso dos sistemas de distribuição e de transmissão. Revista Direito de Energia & Áreas Afins, Editora: Synergia, 2020, p.251/252, grifei).

 

Em sede de recurso repetitivo, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sedimentou o entendimento sobre o fato jurídico tributário do ICMS - energia “consumir energia”, entendimento que o imposto incide sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, ou seja, a energia for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa. (RETTO, Mauren Gomes Bragança. Benefícios fiscais na geração distribuída a partir de fontes renováveis de energia. Compêndio de Contabilidade e Direito Tributário, Lumen Juris, 2021, p. 196, grifei).

 

Ao nosso ver, considerando que é impossível atribuir à empresa ou à residência o consumo da energia que se perdeu no transporte, as lições e os precedentes acima estudados, são completamente aplicáveis ao caso ora em análise, afinal tal acontecimento se deu antes da tradição, não havendo motivo para se cogitar a existência do fato gerador do ICMS-Energia.

 E que não se alegue que as perdas são inerentes ao custo energia consumida, como é tratado o adicional de bandeira tarifária, ora esse último representa um acréscimo real no valor da mercadoria (energia) efetivamente entregue e utilizada, porém, as perdas sequer entregues são ao contribuinte, ora, quem a utilizou? Foi o consumidor que ingressou na Justiça? Evidentemente que não.

 E para não deixar dúvidas sobre a ilegalidade da tributação das perdas pelo ICMS, vamos citar um trecho doutrinário do professor Roque Carrazza no sentido de que as perdas, sejam elas técnicas ou não, jamais podem integrar a base de cálculo do ICMS-Energia:

 

A contrario sensu, o ICMS deixa de ser devido nos casos em que a energia elétrica se perde, quer por razões físicas (vazamentos no sistema), quer por motivos de ordem criminal (furto).

 É que, inexistindo consumo regular, ausente está pelo menos sob a óptica do Direito Tributário qualquer operação relativa ao fornecimento de energia elétrica.

 Do exposto, temos que, havendo tais ocorrências, deixa de existir espaço jurídico para que se cogite, seja a que pretexto for, de nascimento de obrigação de recolher ICMS - Energia Elétrica. (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. Malheiros Editores. São Paulo. 2009. Pág. 273).

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 Em relação às perdas não técnicas, em especial o “gato”, esse artigo vai além e defende que a partir do momento no qual o Estado tributa o consumidor honesto e isenta o que fez o “gato”, ele acaba não observando a pessoalidade e a capacidade contributiva, que estão no art. 145, §1º da Carta Magna.

 Vale frisar que tal tributação fere gravemente os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia tributária e legalidade, não fazendo sentido o ato de onerar o contribuinte que segue a Lei, enquanto o cidadão de má-fé nada paga.

 Em razão do exposto, o presente artigo é finalizado tecendo críticas ao ato das Fazendas Estaduais consubstanciado em tributar os contribuintes do ICMS-Energia inserindo as perdas técnicas e não técnicas na sua base de cálculo, defendemos que, uma vez inexistindo o consumo regular de energia pelo pagador do tributo, não há o que se falar em exigência do ICMS conforme a posição do STF e do STJ na Súmula nº 391/STJ, no Informativo nº 503/STJ, no Tema Repetitivo nº 63/STJ e no Tema nº 176/STF com Repercussão Geral.

Sobre o autor
João Vitor Rossi

Advogado especializado em Direito Tributário e Imobiliário, com registro na OAB-SP nº 425.279. Possui MBA Executivo em Direito, Negócios e Operações Imobiliárias, especialização em Direito Imobiliário e Direito Processual Civil, que lhe proporciona uma visão ampla e estratégica para a resolução de problemas complexos e a liderança de equipes jurídicas de alta performance. Com experiência reconhecida no setor . Autor de diversas publicações em revistas jurídicas renomadas e responsável por casos de destaque na mídia, João Vitor Rossi está à frente de seu escritório, comprometido com a entrega de soluções inovadoras e eficazes para os seus clientes.

Informações sobre o texto

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