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Não moro no meu imóvel de posse mas o alugo para terceiros. Esse fato ajuda ou prejudica no processo de Usucapião?

Agenda 20/09/2023 às 11:50

Muita gente parece ainda não saber mas um contrato de locação pode ser feito por quem não é proprietário de determinado imóvel, bastando para tanto que tenha a posse do mesmo. Na relação locatícia não há intenção da transferência do domínio mas apenas da posse, por tal razão o possuidor do imóvel (que inclusive possa pretender no futuro o domínio através da Usucapião) não deve mesmo se prejudicar ao alugar o imóvel do qual exerce a posse, já que inclusive o próprio fato de alugar (ou seja, tirar frutos civis daquele bem) já servirá inclusive para demonstrar o "animus domini" necessário à Usucapião.

A lição é do saudoso mestre SYLVIO CAPANEMA (Da Locação do Imóvel Urbano. Direito e Processo. 2001), que esclarece sobre a possibilidade do posseiro figurar como locador de coisa imóvel:

"O locador não é, necessariamente, o proprietário da coisa locada, embora, na maioria dos casos, assim se verifique, acumulando ela a condição de locador e senhor do domínio, o que explica a expressão popular de 'senhorio', pela qual ele também se identifica. Sendo a ' ratio essendi' do contrato a transferência da posse, e não do domínio, estará legitimado para ceder em locação aquele que tiver a posse e dela disponha. Podem figurar, como locador, entre outros, o proprietário do imóvel, o promissário comprador ou cessionário, o usufrutuário, o POSSUIDOR, o fiduciário e até o próprio locatário, se autorizado pelo locador a sublocar".

Como sabemos, no procedimento de Usucapião - seja ele judicial ou extrajudicial - um dos requisitos exigidos em todas as modalidades reconhecidas no Brasil será sempre a POSSE que precisa ser QUALIFICADA e cabalmente demonstrada no procedimento; essa posse deve ostentar e revelar o "ÂNIMO DE DONO" - ou seja, deve ser evidenciado o comportamento do possuidor em agir como se dono fosse, como faz o "proprietário". O fato de desdobrar temporariamente e mediante pagamento, sob a rubrica de "aluguel" do seu exercício fático a posse direta em favor do locatário, reservando para si a posse indireta não pode, portanto, lhe prejudicar - e é importante que a relação locatícia seja muito bem documentada e exercida nos moldes da Lei 8.245/91.

É claro que para algumas modalidades de Usucapião onde seja exigida a MORADIA o fato da locação não favorecerá o usucapiente; não por outra razão a consulta ao Advogado Especialista se faz necessária para inclusive identificar os pontos críticos e pontos favoráveis do caso concreto e a melhor forma de propor a regularização via Usucapião dentro do que o ordenamento jurídico autoriza.

Em se tratando de Usucapião nossa recomendação sempre será pela produção das provas e sua preservação até que o procedimento seja instaurado. Esse conselho, em se tratando de imóvel de posse a ser alugado passa também pela importante sugestão em providenciar os reconhecimentos de firmas, assim como o REGISTRO e arquivamento do Contrato que pode ser feito em Cartórios de Títulos e Documentos. Preservar as provas para a Usucapião é uma DICA DE OURO, muito valiosa.

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POR FIM, um fato peculiar que pode envolver esses importantes institutos da Usucapião e da Locação diz respeito à "interversão da posse" que, como já dissemos em outras passagens, pode acabar permitindo com que aquele que até então ocupa a posição de "Locatário" possa arvorar-se no direito de obter a propriedade do imóvel (inclusive contra eventual posseiro não proprietário, porém locador) desde que demonstre inequivocamente a inversão dos caractéres da posse. Efetivamente não se trata do mais fácil aspecto a se demonstrar num já complexo processo de Usucapião, todavia tanto doutrina quanto jurisprudência já reconheceram a possibilidade, inclusive com precedente recente do STJ:

"STJ. REsp 1909276/RJ. J. em: 27/09/2022. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DAS COISAS. ALTERAÇÃO FÁTICA SUBSTANCIAL. NATUREZA. POSSE. TRANSMUDAÇÃO. POSSIBILIDADE. ANIMUS DOMINI. CARACTERIZAÇÃO. PROPRIEDADE. (...) RECONHECIMENTO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. (...). 5. A posse exercida pelo locatário pode se transmudar em posse com animus domini na hipótese em que ocorrer substancial alteração da situação fática. 6. Na hipótese, os possuidores (i) permaneceram no imóvel por mais de 30 (trinta) anos, sem contrato de locação regular e sem efetuar o pagamento de aluguel, (ii) realizaram benfeitorias, (iii) tornaram-se proprietários da metade do apartamento, e (iv) adimpliram todas as taxas e tributos, inclusive taxas extraordinárias de condomínio, comportando-se como proprietários exclusivos do bem. (...). 9. Recurso especial conhecido e provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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