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A (in)viabilidade da aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais

Agenda 20/09/2023 às 17:46

Introdução

A aplicação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) nas execuções fiscais representa um dos temas mais polêmicos e atuais no âmbito do direito tributário e processual civil brasileiro. A relevância deste estudo reside na necessidade de se compreender os limites e possibilidades do IDPJ, instituto previsto no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), em um contexto em que o Estado busca efetivar a cobrança de créditos tributários. A questão ganha contornos ainda mais complexos quando se observa que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sob sua relatoria, especificamente sob a tutela do ministro Francisco Falcão, os recursos especiais 2.039.132, 2.013.920, 2.035.296, 1.971.965 e 1.843.631, os quais são representativos da controvérsia cadastrada como Tema 1.209.

Tal tema é especialmente relevante porque busca resolver uma controvérsia que tem implicações diretas tanto na eficácia da cobrança de créditos tributários pelo Estado quanto na segurança jurídica dos contribuintes e terceiros envolvidos.

A discussão se acentua quando se considera que o IDPJ, previsto no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), foi concebido principalmente para situações em que há abuso da personalidade jurídica, manifestado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. No entanto, o Código Tributário Nacional (CTN) já estabelece, em seus artigos 124, 133 e 135, as hipóteses de responsabilidade tributária de terceiros, que são bastante específicas e rigorosas. A questão que se coloca, então, é se o IDPJ pode ser utilizado como um instrumento adicional ou alternativo para alcançar os bens de terceiros em casos de execuções fiscais.

A complexidade do Tema 1.209 reside na tentativa de harmonizar dois regimes jurídicos que têm lógicas e finalidades distintas. Enquanto o IDPJ é um instituto de direito processual civil que visa a efetivação de direitos e a responsabilização por atos ilícitos ou abusivos, o regime de responsabilidade tributária de terceiros no CTN é uma construção do direito tributário que visa assegurar a arrecadação de tributos, com critérios próprios e específicos para a responsabilização de terceiros.

Nesse cenário, as divergências doutrinárias e jurisprudenciais são notáveis. Há quem defenda que a aplicação do IDPJ nas execuções fiscais seria uma forma de ampliar as possibilidades de satisfação do crédito tributário, especialmente em casos onde há indícios de fraude ou abuso de direito. No entanto, há também uma corrente significativa que argumenta que a aplicação do IDPJ em execuções fiscais poderia violar princípios do direito tributário, como o da legalidade e o da tipicidade cerrada, uma vez que o CTN já estabelece de forma taxativa as hipóteses de responsabilidade de terceiros.

O julgamento dos recursos especiais afetados ao Tema 1.209 pelo STJ tem o potencial de estabelecer um importante precedente jurisprudencial, que poderá orientar a atuação dos tribunais e dos operadores do direito em todo o país. A decisão também poderá ter impactos significativos na eficácia da arrecadação de tributos e na segurança jurídica dos contribuintes e terceiros, tornando ainda mais relevante o aprofundamento e a análise crítica sobre este tema.

Desenvolvimento

A questão da aplicação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica em execuções fiscais é um tema que tem gerado calorosos debates no cenário jurídico brasileiro. A divergência entre as duas turmas do Superior Tribunal de Justiça reflete a complexidade e a multiplicidade de interesses envolvidos, tornando o Tema 1.209, sob a relatoria do ministro Francisco Falcão, um dos mais aguardados para resolução.

A Primeira Turma do STJ, ao permitir a aplicação do IDPJ em execuções fiscais, especialmente quando se trata de redirecionamento para empresas do mesmo grupo econômico, busca ampliar o escopo de eficácia da cobrança de tributos. Este entendimento, embora bem-intencionado em sua busca por justiça fiscal, pode ser visto como uma tentativa de contornar as limitações impostas pelo Código Tributário Nacional, que já estabelece, de forma bastante clara e restritiva, as hipóteses de responsabilidade tributária de terceiros nos artigos 134 e 135.

Por outro lado, a Segunda Turma do STJ adota uma postura mais conservadora, alinhada com a literalidade da lei, ao entender que o IDPJ é incompatível com a lei de execução fiscal. Este posicionamento, embora criticado por alguns como formalista, tem o mérito de preservar a segurança jurídica e a previsibilidade, princípios fundamentais em qualquer sistema tributário que se preze.

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Com isso, ao ponderar os argumentos de ambos os lados, é possível perceber que a questão vai além de uma mera disputa interpretativa e toca em aspectos fundamentais do Estado de Direito. A aplicação do IDPJ em execuções fiscais, embora possa parecer atraente como mecanismo de ampliação da eficácia na cobrança de tributos, traz consigo uma série de problemas teóricos e práticos que não podem ser ignorados.

Primeiramente, há o risco de violação do princípio da legalidade. O CTN, ao delinear as hipóteses de responsabilidade tributária de terceiros, já estabelece um regime jurídico específico para essa matéria. A utilização do IDPJ como uma espécie de "atalho" para responsabilizar terceiros em execuções fiscais poderia, portanto, ser vista como uma forma de burlar as limitações impostas pela lei, comprometendo a segurança jurídica e a previsibilidade que são tão caras ao direito tributário.

Além disso, a aplicação do IDPJ em execuções fiscais poderia criar um ambiente de incerteza e instabilidade, afetando negativamente o ambiente de negócios e, paradoxalmente, prejudicando a arrecadação tributária a longo prazo, de modo que empresas poderiam se tornar mais relutantes em entrar em arranjos econômicos complexos, temendo que tais arranjos pudessem ser desfeitos judicialmente através do incidente, com consequências tributárias imprevisíveis.

Por fim, é importante considerar que o direito tributário já possui mecanismos próprios para lidar com situações de fraude ou abuso de direito, como a desconsideração da personalidade jurídica prevista no próprio CTN e a possibilidade de responsabilização dos administradores em casos de dolo ou culpa. A introdução do IDPJ nesse contexto poderia, portanto, ser vista como desnecessária e até mesmo contraproducente, criando uma camada adicional de complexidade e incerteza.

Diante dessas considerações, posiciono-me contrário à aplicação do IDPJ em execuções fiscais. Embora a busca pela eficácia na cobrança de tributos seja uma preocupação legítima, ela não pode ser perseguida a qualquer custo, especialmente quando esse custo envolve a flexibilização de princípios e garantias fundamentais que são a base do nosso sistema tributário e do nosso Estado de Direito. A eficácia na arrecadação de tributos é, sem dúvida, importante, mas não pode ser alcançada à custa da segurança jurídica, da previsibilidade e da estrita legalidade, pilares que sustentam qualquer sistema tributário justo e eficiente.

Conclusão

Na busca por desvendar a complexa questão da (in)viabilidade da aplicação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) em execuções fiscais, este artigo explorou os fundamentos jurídicos e posições jurisprudenciais. A análise foi aprofundada à luz do Tema 1.209, que congrega recursos especiais sob a relatoria do ministro Francisco Falcão e que promete ser um marco decisivo na resolução dessa controvérsia.

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De qualquer forma, a questão da aplicação do IDPJ em execuções fiscais é um tema multifacetado que envolve não apenas aspectos técnicos, mas também questões fundamentais sobre o papel do direito e do Estado na sociedade contemporânea. A decisão que será tomada pelo STJ no contexto do Tema 1.209 terá implicações profundas e duradouras. No entanto, com base nos princípios do direito tributário e nas necessidades práticas de um sistema tributário eficaz e justo, defende-se aqui que o IDPJ não deve ser aplicável em execuções fiscais. Este posicionamento não apenas resguarda os princípios constitucionais e legais que fundamentam nosso sistema jurídico, mas também contribui para a construção de um sistema tributário mais eficaz, justo e previsível.

Sobre o autor
Luis Roberto de Vasconcelos Maia

Acadêmico de Direito. Pesquisador pelo CNPq. Realizou aperfeiçoamento em Análise Estratégica de Negócios, em Compliance Regulatório e em Avaliação dos fatores de ESG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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