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Regulamentação do suicídio assistido: uma abordagem jurídica sob o prisma do direito brasileiro e internacional

Agenda 22/09/2023 às 21:13

RESUMO

A presente pesquisa aborda sobre a regulamentação do suicídio assistido, especificamente uma abordagem jurídica sob o prisma do direito brasileiro e internacional. Tendo como ponto de partida a origem do pensamento e da reflexão sobre os aspectos históricos sobre a eutanásia e suicídio assistido. Como também, conceituações dos termos, eutanásia, ortotanásia, distanásia e suicídio assistido, demonstrando as principais diferenças entre essas práticas e explorando aspectos que trazem relevância e qualificação para o nosso ordenamento jurídico. Trazendo a resolução 1.805/2006, onde põe fim a dúvidas existentes sobre a ausência de obrigação médica referente à ortotanásia. Bem como, contribuir para fomentar o conhecimento e ampliar a discussão quanto ao suicídio assistido na legislação brasileira frente às dificuldades de aceitação pela sociedade, ao direito à vida, à dignidade e autonomia. Além de traçar uma comparação legislativa evidenciando a evolução histórica e legal de cada procedimento. O estudo foi desenvolvido utilizando o método de pesquisa bibliográfico, trazendo ensinamentos doutrinários de diversas áreas do conhecimento, buscando sempre o entendimento contemporâneo sobre o que seria uma “morte digna” inclusa nos padrões legais.

Palavras-chave: dignidade; morte digna; eutanásia; distanásia; ortotanásia; suicídio assistido.

ABSTRACT

The present research addresses the regulation of assisted suicide, specifically a legal approach under Brazilian and international law. The starting point is the origin of thought and reflection on the historical aspects of euthanasia and assisted suicide. Also, conceptualization of the terms euthanasia, orthothanasia, dysthanasia and assisted suicide, showing the main differences between these practices and exploring aspects that bring relevance and qualification to our legal system. Bringing the resolution 1980/2006, which puts an end to existing doubts on the absence of medical obligation regarding orthothanasia. As well as, to contribute to foster knowledge and broaden the discussion on assisted suicide in Brazilian law due to the difficulties of acceptance by society, the right to life, dignity and autonomy. In addition to tracing a legislative comparison evidencing the historical and legal evolution of each procedure. The study was developed using the bibliographical research method, bringing doctrinal teachings from various areas of knowledge, always seeking a contemporary understanding of what would be a "dignified death" included in legal standards.

Keywords: dignity; dignified death; euthanasia; dysthanasia; orthothanasia; assisted suicide.

INTRODUÇÃO

A incessante evolução das questões jurídicas que envolvem o campo da bioética em especial na medicina, tem influenciado a ampliação constante do litígio sobre a tênue linha que divide a vida e a morte. Trata-se de temas muito controversos e delicados, quase um tabu. O sentido com que as legislações se orientam é fortemente influenciado por diversos fatores de ordem social, histórica, filosófica, ética, moral, religiosa e até, por muito que nos choque, eugénica e meramente económica.

Casos de suicídio assistido, eutanásia e distanásia se tornaram comuns pelo mundo perante as incontáveis doenças degenerativas e a crescente aplicação da tecnologia em sistemas de manutenção da vida. Mesmo que a eutanásia seja vista por muitas pessoas como um meio de promover ao enfermo uma morte digna, tal prática é terminantemente condenada em muitos países, inclusive no Brasil, sendo punida como crime, visto que, tais procedimentos ferem vários princípios constitucionais.

Assim, durante a trajetória de um jurista, um profissional de saúde, um cientista, um pesquisador irá se deparar com eventos nos quais terá que decidir-se acerca de bens jurídicos heterogêneos, como o direito a vida, liberdade e saúde. Logo, se veem frente a um dilema, ver um indivíduo padecendo e chegando ao fim da vida desenganado pela medicina e ciência, tendo que decidir sobre o direito à vida ou a morte digna.

Ancora aqui o desafio ético com o Direito encarando esse campo de aplicabilidade das normas médicas aos pacientes terminais, especificamente daqueles que aspiram acabar com seu sofrimento duradouro, protegidos nos princípio da autonomia da personalidade e da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o foco desta pesquisa é analisar criticamente as condições da proibição do suicídio assistido, tipificado no Brasil como auxílio ao suicídio, pelo art. 122 do Código Penal.

Considerando a forma que a legislação nacional desenvolve sobre a eutanásia e o suicídio assistido, assim como o status de ilícito em que ambos estes institutos estão, ter uma noção do que a legislação internacional diz sobre o assunto se faz cada vez mais necessária, dado o estado de globalização em que o mundo se encontra.

Tal abordagem dos assuntos baseia-se em documentações técnicas, históricas e em legislações fundamentalmente jurídica, como não poderia deixar de ser, e o objeto do estudo é delimitado pelas condutas da eutanásia, do suicídio assistido e suas vertentes.

O que se busca através deste artigo está além do mero questionamento do atual tratamento jurídico dado ao instituto do suicídio assistido e eutanásia perante o ordenamento jurídico brasileiro, analisando e comparando a atual conjectura do instituto em face de outros ordenamentos e diante da proposta de alteração do diploma penal.

Na abordagem adiante disposta, existirá a descrição conceitual da eutanásia, o suicídio assistido e suas vertentes, como a lei brasileira tem debatido no perdurar dos anos sobre o assunto, dado ao caráter proibitivo vigente no ordenamento jurídico sendo analisados aspectos e elementos relacionados ao direito constitucional, penal e civil, e de modo similar, como é doutrinado em algumas legislações estrangeiras, que concedem ou vedam tais práticas.

  1. ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE A EUTANÁSIA E SUICÍDIO ASSISTIDO

A prática da eutanásia e do suicídio não é algo debatido apenas atualmente, alguns autores acreditam que algumas culturas antigas, por exemplo, a celta praticava esse ato, onde os filhos eram autores da morte de seus pais estivesse doentes ou velhos, considerada sagrada tal atividade. Ademais, sabe-se também que os celtas escolhiam os recém-nascidos saudáveis e eliminavam as crianças com algum tipo de deformidade, ou doença grave (ROYO; MORALES, 1933).

Em Grécia e Roma, já havia uma legislação acerca de o suicídio, tal atitude era vedada e conhecida pela comunidade como uma injustiça. Ainda assim, um indivíduo que aspirasse suicidar-se teria que desenvolver um pedido às autoridades, ou seja, ao Senado, esclarecendo as suas razões. Se a requisição fosse aprovada, o suicídio era consagrado legítimo.

Vale ressaltar que, os documentos mais antigos da eutanásia são da Grécia Antiga. Contudo, em verdade, dava-se de uma falsa eutanásia, compreendendo que o seu objetivo era meramente eugênico, ou seja, tinha apenas o intuito de aperfeiçoamento racial, sem o pensamento de trazer uma morte serena. Sobre Roma, era normal que deficientes mentais fossem atirados ao mar, e os pais ficavam ordenados a matar os próprios filhos no caso de nascerem deformados, pois o Estado tinha o poder de não aceitar pessoas “monstruosos”.

No Egito antigo a rainha Cleópatra VII (69 a.C.-30 a.C.) chegou a criar uma “academia” para pesquisar as formas de morte menos dolorosas. No Brasil, certas tribos deixavam à morte seus idosos, principalmente aqueles que não caçavam.

Segundo Salvador (apud GUIMARÃES, 2011, p. 35):

No tocante aos costumes de nossos índios, já escreveu o Frei Vicente do Salvador, quanto aos enfermos incuráveis, no primeiro século após o descobrimento do Brasil, asseverando que, em verdade, entre o gentio não havia médicos, mas sim feiticeiros, que não curavam os doentes senão com enganos, “chupando-lhes na parte que lhes dói e tirando da boca um espinho ou prego velho que já nela levavam, ... dizendo que aquilo lhes fazia o mal e que já ficam sãos, ficando-lhes tão doentes como antes”. No máximo, aplicavam ervas com que se acharam bem, ao haverem padecido da mesma enfermidade, sarando com elas os indivíduos acometidos de mal de fácil e rápida cura. Aduziu que se a enfermidade, entretanto, era prolongada ou incurável, não havendo mais quem curasse o doente,

qualquer tratamento era interrompido, cessando as medidas em busca da cura ou do conforto do doente, que era então deixado inteiramente ao desamparo, donde se via a pouca caridade com os fracos, idosos incapacitados e enfermos.

Diante disso, a eutanásia e o suicídio assistido, apesar de serem consideradas condutas polêmicas e de difícil aceitação, acabavam sendo uma opção, seja para uma doença incurável ou pela velhice, que na maioria dos casos provocava grande sofrimento e desgaste tanto ao paciente quanto aos familiares.

A apreciação legal da prática da Eutanásia varia de acordo com diversos países a nível mundial. Portanto, é importante que essa temática seja desmistificada como um tabu, e discutida de forma mais ampla nos dias atuais. Observemos como se encara esta prática nas organizações jurídicas de alguns países, principalmente no Brasil.

  1. CONCEITOS E MODALIDADES

Existem outras modalidades da eutanásia, podendo ser classificada das mais variadas formas, sendo elas ortotanásia, distanásia, suicídio assistido.

EUTANÁSIA

A etimologia da palavra Eutanásia é de origem grega, advinda da junção de EU e THANATOS, sendo sua equivalente a palavra EUTHANATOS. A primeira palavra, “eu”, significa boa ou bem, ao passo que a segunda, “thanatos”, significa morte, sendo inclusive o nome da personificação da morte na mitologia grega, o deus Tânato, em português.

Com o encontro dessas palavras, se obtém euthanatos, trazendo o sentido de “boa morte”. Curiosamente, o termo eutanásia somente foi criado em meados do século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon em sua obra Historia Vitae Et Mortis (A história de vida e morte), defendendo tal tratamento como o adequado a pessoas com doenças incuráveis.

O conceito de eutanásia passou por distintas mudanças através dos anos. Atualmente entende-se por a eutanásia o ato de acarretar a morte de alguém, por

compaixão ou piedade, sob o pretexto de relevante significado moral ou social. O procedimento correto se faz com o uso de uma anestesia profunda e posteriormente a administração de uma medicação que pare o coração, para que não gere nenhuma dor.

Sob a ótica jurídica, há de se dizer, conforme Fernando Capez,

Consiste em pôr fim à vida de alguém, cuja recuperação é de dificílimo prognóstico, mediante o seu consentimento expresso ou presumido, com a finalidade de abreviar-lhe o sofrimento. Troca-se, a pedido do ofendido, um doloroso prolongamento de sua existência por uma cessação imediata da vida, encurtando sua aflição física. Pode ser praticada mediante um comportamento comissivo (eutanásia ativa) ou omissivo (forma passiva). (CAPEZ, 2006, p.34)

Ainda assim, nem sempre a eutanásia é empregada de modo ativo, por meio de um procedimento comissivo, pode ser empregada de forma passiva. Logo, é vital ratificar a divergência entre ambas, sendo a eutanásia passiva comumente chamada de ortotanásia, nome este empregado no presente trabalho, bem como, a diferença de ambas em relação ao suicídio assistido.

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ORTOTANÁSIA

Muito embora as duas características de eutanásia ativa e passiva apresentem as mesmas propriedades, quanto ao objetivo da ação são plenamente sui generis em relação ao meio de execução. Por isso, será abordada, primeira, a ortotanásia, bem como, sua origem, etimologia, ideia, e por fim, suas semelhanças e diferenças com a eutanásia.

De acordo com Villas-Bôas (2005), a palavra ortotanásia vem do grego orthos, que significa correto, reto, e thanatos, que significa morte. Ademais, explica que não existe qualquer tipo de interferência do médico no fim da vida, seja para antecipá-la, ou adiá-la. Como o enfermo não tendo mais qualquer chance de retornar o quadro terminal, já se encontra em uma severa exaustão, concomitantemente em que os cuidados básicos são mantidos, entende-se desnecessária a postergação do tempo naturalmente certo da morte, dado o seu sofrimento. Há de ressaltar que a vida do paciente não é interrompida, mas existe omissão em tentar encontrar uma melhora, ou seja, falecer em decorrências naturais.

Guimarães (2011, p. 130) faz uma breve diferenciação entre eutanásia e ortotanásia:

[...] a ortotanásia, como alhures indicado, a despeito de comumente ser tida como termo sinônimo da expressão eutanásia passiva, com ela não pode confundir-se, já que enquanto esta significa a deliberada suspensão ou omissão de medidas indicadas no caso concreto, antecipando-se a morte, aquela consiste na omissão ou suspensão de medidas cuja indicação, por se mostrarem inúteis na situação, já se mostraram perdidas, não se abreviando o período vital.

Ao comparar a eutanásia e a ortotanásia, entende que se diferem na maneira ao qual se executa, sendo a primeira executada por ação ativa do médico, e a segunda, por omissão. Tendo em vista que a ortotanásia é permitida no Brasil, assunto o qual trataremos mais a fundo ainda neste presente trabalho, trazer esta modalidade à luz do direito comparado não se faz necessário.

DISTANÁSIA

A moderna bioética cunhou o conceito de distanásia que, em breves palavras, pode ser conceituada como a condição em que, a tecnologia médica é usada para prolongar penosa e inutilmente o processo de agonizar e morrer. Consiste em atrasar a morte usando todos os meios, mesmo que não haja esperança de cura, e que venha a gerar adicionais sofrimentos apenas para atrasar a morte, nem que seja por uns dias em condições deploráveis para o enfermo.

Então, se a eutanásia adere ao conceito de morte antecedentemente ao seu tempo, e a ortotanásia, à morte no seu tempo certo, a distanásia seria a definição de morte depois do tempo, isto é, posteriormente ao seu prazo naturalmente determinado, segundo Pessini (2007, p. 201), a distanásia é a “obstinação terapêutica em que a tecnologia médica é usada para prolongar penosa e inutilmente o processo de agonizar e morrer”.

Ramos explica que a Recomendação n.º 1.418 − aprovado em junho de 1999 pela Assembleia parlamentar do Conselho Europeu, aborda a proteção dos direitos humanos e da dignidade dos enfermos incuráveis e terminais, (RAMOS, 2003).

Prosseguindo o estudo com o autor Ramos, ele explica que:

[...] convida os Estados membros a prever, em seu direito interno, disposições que assegurem aos doentes incuráveis e terminais a proteção jurídica e social necessária contra os perigos e os receios específicos [...], particularmente contra o risco de: [...] ter a existência prolongada contra a própria vontade. (RAMOS, 2003, p. 107).

Ainda segundo o autor, argumentar sobre distanásia é contestar quais os limites dos tratamentos fúteis ou inúteis à saúde do doente em estágio final, com o intuito de proteger os princípios bioéticos humanitários, autônomos e justos.

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SUICÍDIO ASSISTIDO

O suicídio assistido ocorre quando, em caráter de doença terminal, que poderá resultar em intenso sofrimento, o paciente opta pela morte assistida. “O ato causador da morte é de autoria daquele que põe termo à própria vida. O terceiro colabora com o ato, quer prestando informação quer disponibilizando os meios e condições necessárias à prática” (MARTÍNEZ, BERSOT, 2019, apud MARTEL, 2010, p. 339).

O suicídio assistido segundo Borges (2005):

[...] ocorre com a participação material, quando alguém ajuda a vítima a se matar oferecendo-lhe meios idôneos para tanto para tal. Assim, um médico, enfermeiro, amigo ou parente, ou qualquer outra pessoa, ao deixar disponível e ao alcance do paciente certa droga em dose capaz de lhe causar a morte, mesmo com a solicitação deste, incorre nas penas do auxílio ao suicídio. A vítima é quem provoca, por atos seus, sua própria morte. Se o ato que visa à morte é realizado por outrem, este responde por homicídio, não por auxílio ao suicídio. A solicitação ou o consentimento do ofendido não afastam a ilicitude da conduta.

O suicídio o qual nos debruçamos a falar não se trata do comumente conhecido. Quando já não existe capacidade de resistência à dor e ao sofrimento, doentes incuráveis recorrem ao método, o qual tem sido considerado, em termos morais, equivalente, mas também distinto da eutanásia.

Kovács (2003, p. 149-153,) diferencia suicídio de suicídio assistido e eutanásia:

O que diferencia a eutanásia do suicídio é quem realiza o ato; no caso da eutanásia, o pedido é feito para que alguém execute a ação que vai levar a morte; no suicídio assistido é o próprio paciente que realiza o ato, embora necessite de ajuda para realizá-lo, e nisto difere do suicídio, em que esta ajuda não é solicitada.

Logo, quem realiza a ação, de fato, é o enfermo, assistido por outra pessoa, já que não tem condições físicas de agir sozinho. Nos dois casos, na eutanásia e no suicídio assistido, vontade do interessado seria o requisito principal, estando a par da situação e dos resultados da sua conduta, e a pedido será feita a eutanásia, ou o auxílio para o suicídio.

  1. RESOLUÇÃO Nº 1.805/2006 DO CFM

O Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução 1.805/2006, onde põe fim a dúvidas existentes sobre a ausência de obrigação médica referente a Ortotanásia. Tendo em vista sua importância, transcrevemos seu conteúdo:

“Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.

§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.

§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.” (RESOLUÇÃO CFM 1.805/2006)

Entende-se que tal resolução, sendo ela amparada no art. 1°, inciso III, da Constituição Federal, que estabelece o princípio da dignidade humana e como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, permite que o médico limite ou suspenda tratamentos que estão apenas prolongando a vida do paciente, não existindo uma obrigação do profissional da saúde, cabendo ao paciente ou a seu representante legal decidir sobre os tratamentos.

Nesse sentido, Sá (2005, p. 134):

Pode ser traduzida como mero exercício regular da medicina e, por isso mesmo, entendendo o médico que a morte é iminente, o que poderá ser diagnosticado pela própria evolução da doença, ao profissional seria facultado, a pedido do paciente, suspender a medicação utilizada para não mais valer-se de recursos heroicos, que só têm o condão de prolongar os sofrimentos (distanásia).

Logo, determinada Resolução reforça que a vida inevitavelmente tem seu desenlace, mesmo com todas as proezas tecnológicas do homem moderno, preservando assim, a autonomia individual e a dignidade do paciente.

  1. SUICÍDIO ASSISTIDO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O suicídio assistido, assim como a eutanásia, é considerado ilegal aos olhos do ordenamento jurídico brasileiro. No Direito Penal o suicídio não é considerado uma conduta delitiva, embora a participação em atos dessa natureza seja punível na maioria das legislações penais. Assim, a lei brasileira, em especial, incrimina fatos em que qualquer pessoa vá contribuir no suicídio de outrem (MIRABETE, 2009, p. 46).

Uma proposta para efetuar uma reforma no Código Penal brasileiro surgiu em 2012, elaborado por uma comissão composta por apenas quinze juristas, onde tal finalidade seria adaptar o Código Penal brasileiro a realidade atual, visto que o código vigente é de 1940, e no decorrer do tempo poucas mudanças na legislação vieram ocorrendo, tornando-se ultrapassado para atender as necessidades da sociedade atual. Ressalta-se que referido anteprojeto está para ser votado no Congresso Nacional desde 2013, sendo um dos seus pontos é tratar da legalização da ortotanásia no Brasil.

No que tange ao suicídio assistido, não se prevê punição específica, porém o artigo 122 do Código Penal brasileiro determina:

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único - A pena é duplicada: Aumento de pena; I - se o crime é praticado por motivo egoístico;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Os principais verbos do tipo penal do art. 122 – induzir, instigar e auxiliar possuem conotação diferente daquele que têm quando se referem à participação em sentido estrito. Não está se falando de participação como atividade acessória secundária, como ocorre no instituto da participação stricto sensu – mas de atividade

principal, que representa a conduta proibida lesiva do bem jurídico vida (BITENCOURT, 2011, p. 124).

Alguns países como “Canadá, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Colômbia e Suíça permitem que os médicos auxiliem fisicamente na morte de pacientes” (EMANUEL e ONWUTEAKA-PHILIPSEN, 2016, p. 316). Em sentido contrário o “Código de Ética da American Medical Association afirma que proíbe o suicídio assistido por médico porque é “fundamentalmente incompatível com o papel do médico como curador” (LAGAY, 2003).

No Brasil seria punido o médico que receita algum medicamento para a realização do suicídio assistido. Tal ato não seria punido em outros países, uma vez que, para esses casos, de morte piedosa, faltariam elementos para preencher a tipologia do ilícito.

A Constituição Federal, em seu art. 1º estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Vejamos o conceito doutrinário estabelecido por Alexandre de Moraes atual ministro do Supremo Tribunal Federal:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico: deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2007, p. 60)

O que nota-se em nosso ordenamento é que o homem é disposto em uma posição central, estabelecendo a dignidade da pessoa humana e o direito à vida como pontos primordiais, mas até que ponto o direito à vida deve ser protegido?

O direito protege a vida desde a formação embrionária, no entanto, iniciado o parto, a conduta de suprir-lhe a vida já é tipificada como crime de homicídio. Por fim, o Código pune quem induz, instiga ou auxilia outrem a suicidar-se, embora o suicídio, em si mesmo, não seja punível (BITENCOURT, 2011, p. 45).

A vida “se configura como o bem mais importante do ordenamento jurídico, por isso é indisponível” (AGRA, 2018, p. 204). Se for indisponível o direito não permite de que dela se disponha, seja inclusive no fato de vontade livre e consciente, pois “o direito à vida é o mais elementar dos direitos fundamentais; sem

vida, nenhum outro direito pode ser fruído, ou sequer cogitado” (PAULO e ALEXANDRINO, 2017, p. 115), inclusive o direito a vontade livre e consciente.

Por meio de tais posições, é oportuno saudar acerca do princípio da lesividade, Emilio Sarrule (1998, p. 98) o qual afirma que:

As proibições penais somente se justificam quando se referem a condutas que afetem gravemente direitos de terceiros; como consequência, não podem ser concebidas como respostas puramente éticas aos problemas que se apresentam senão como mecanismos de uso inevitável para que sejam assegurados os pactos que sustentam o ordenamento normativo, quando não existe outro modo de resolver o conflito.

Prontamente, sob a ótica do direito brasileiro, há uma classificação entre tipos penais, identificado suicídio assistido quando o terceiro somente auxilia ao paciente a cometer o ato. Logo, o Direito Penal não pode incriminar uma conduta que permaneça apenas no âmbito individual, do próprio autor, sem produzir lesão a bens jurídicos de terceiros (BATISTA, 1996, p. 92-94). Destarte, o suicídio assistido não deveria consagrar-se crime no Brasil.

Em relação a isso, não há uma ponderação voltada à dignidade humana no Brasil, frisando meramente a capacidade médica e dos equipamentos hospitalares no prolongamento da vida, sem que isso indique a vontade ou o apreço primordial aos direitos de autonomia do individuo ou, o seu direito a não postergar seu sofrimento pela perda irreparável de sua sadia qualidade de vida.

  1. ÂMBITO INTERNACIONAL À TRATATIVA LEGAL DO SUICÍDIO ASSISTIDO

No momento atual, alguns países apoiaram ou questionam a possibilidade de se legalizar o suicídio assistido. A modelo da Espanha, a suprema corte espanhola negou o direito ao suicídio assistido, por qualificar ser um processo de eutanásia. Tal debate começou a ocorrer graças ao filme Mar Adentro que traz a historia de um jovem tetraplégico e ficando por 28 anos em uma cama e traz todo o processo jurídico o qual o personagem principal passa para ter o direito de por fim em sua própria vida. Ao menos todo o debate gerado, mostra que se foi permitido pensar numa quebra do princípio da proteção absoluta da vida.

Entretanto, não se pode analisar sobre eutanásia e suicídio assistido sem reportar o processo holandês, país considerado referência sobre tais procedimentos,

dado a forma na qual é analisado o assunto no país, consagrado como o primeiro país a validar e regulamentar a eutanásia, e, de forma equivalente, o suicídio assistido. Oportuno lembrar que os Países Baixos são afamados como um dos países mais tolerantes, graças as suas raízes historicamente progressistas.

O fator determinante dessa regulamentação não foi apenas a tolerância social. Em 1971, ocorreu o Caso Postma, quando Andries Postma, médico, atendeu ao pedido de sua mãe para que a matasse que se encontrava em situação de agonia, resultante de uma hemorragia cerebral e cegueira. O Sr. Postma foi condenado em 1973, sua pena foi de apenas uma semana de prisão suspensa e 12 meses de liberdade condicional. Ainda em 1973, critérios para a realização da eutanásia foram propostos, e em 2001 ocorre a sua legalização.

Em outro sentido está a Holanda, que publicou, em 12 de abril de 2012, a chamada “Lei relativa ao Término da Vida sob Solicitação e Suicídio Assistido” (ALBUQUERQUE, 2009, p. 108). A lei publicada não abre caminho à arbitrariedade, o art. 293 da referida lei, estipula que “a ação de pôr fim à vida de outrem não é passível de pena na medida em que for realizada por um médico que satisfaça os critérios” (MASCHINO, 2006).

Uma informação importante é que mesmo com a aprovação do projeto de lei, a eutanásia continuou sendo crime, o que existiu foi uma exclusão de ilicitude para os médicos. Sandra Cristina traça alguns critérios importantes a serem analisados sobre a lei:

  1. deve haver uma solicitação voluntária e bem pensada da parte do paciente, bem como o médico deve estar convencido de que se trata de uma solicitação voluntária;

  2. o paciente deve ser esclarecido sobre a sua doença e as perspectivas de vida;

  3. deve-se concluir que não há outra atitude razoável a ser tomada;

  4. , o médico deve informar a real situação da saúde do enfermo, e ainda, o paciente deve ser informado das consequências de sua escolha.(SANTOS, 2010, p. 53)

Em 28 de maio de 2002, a Bélgica também legalizou a prática da eutanásia e do suicídio assistido, com basicamente as mesmas regras estabelecidas na Holanda (SANTOS, 2011, p. 26). Assim, Europa, Holanda e Bélgica autorizam o suicídio assistido e no mesmo sentido, a Suíça também aceita a prática, por outro lado, segundo Santos (2011) a eutanásia, é considerada crime no país.

A base legal do direito suíço está no artigo 115 do Código Penal, que apenas considera a ajuda ao suicídio crime se a motivação for egoísta. Um motivo egoísta seria, por exemplo, alguém que auxiliasse uma pessoa a morrer com o objetivo de ficar com a herança (SANTOS, L. F., 2012, p. 24). Na atualidade existem três associações operantes voltadas para o suicídio assistido na Suíça. A Exit, assentada na Suíça alemã, com sede em Zurique, e a Exit da Suíça francesa, sediada em Genebra, ambas criadas em 1982. E, ainda, a Dignitas, criada em 1998 em Zurique.

Modernamente nos Estados Unidos, é legalmente concedido o auxílio para morrer em um pequeno número de estados, já em outros, esses procedimentos continuam sendo ilegais. Apesar disso, o Superior Tribunal dos Estados Unidos deliberou que os adultos capazes têm o direito de rejeitar ou até mesmo cessar tratamentos e procedimentos que tendem a conservar a vida de modo artificial, abrindo espaço para a ideia de ortotanásia e evitando assim a distanásia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A evolução científica no campo da medicina passou a interferir nas formas de tratamento dos pacientes terminais. Acontece que os avanços importam novas reflexões e estudos, especialmente por parte da medicina e do direito. A vida humana é sagrada e a morte é um evento certo. A partir de tal ideia, é importante possibilitar o menor sofrimento em um dos estágios mais difíceis da vida humana.

Sendo a eutanásia e o suicídio assistido um dos grandes dilemas ético- jurídicos enfrentados por nossa sociedade. Diante ao que foi exposto, se entende que tal questão acompanha a humanidade desde os primórdios, passando a ser abordada por diversas políticas, doutrinas filosóficas, e religiões até ganhar seus contornos atuais, onde conceitos contemporâneos vieram resgatar aquele antigo conceito de eutanásia, enquanto “boa morte”, a partir da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana.

Como visto, a ortotanásia é permitida no Brasil, com posicionamento favorável do Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº 1.805/2006. Por outro lado, o Código Penal brasileiro tipifica o suicídio assistido, caracterizado como crime de auxílio ao suicídio. O que em outros países é legalizado, como a Bélgica, Suíça, Holanda e alguns Estados dos EUA. Nesses países, o princípio da dignidade humana e a autonomia individual são preservados conforme a evolução e necessidade da sociedade, havendo uma humanização no processo de morrer.

Quando ponderamos peculiaridades de figuras como eutanásia e distanásia podemos constatar que todas essas práticas divergem de alguns princípios e direitos constitucionais. Através da eutanásia e o suicídio assistido, conforme o ordenamento brasileiro, podemos idealizar uma agressão à inviolabilidade do direito à vida pressuposto no artigo 5º caput da constituição federal brasileira. Por sua vez, a distanásia viola a dignidade da pessoa humana assegurada em nossa carta magna no artigo 1º, inciso III, além do artigo 5º, inciso III, onde firma que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Tais assuntos poderiam ser tratados com mais profundidade nacionalmente, não se limitando apenas aos cuidados paliativos e a ortotanásia. Como visto, a dignidade humana é um dos princípios fundamentais da Constituição Federal de

1988, razão pela qual é crucial advertir que o ser humano, em particular o enfermo, não consegue ter sua liberdade, dignidade e autonomia limitadas, principalmente quando estiver em posição de vulnerabilidade, in extremis, nas circunstâncias de doenças terminais.

Diante os princípios e direitos constitucionais no Brasil, a legalização de práticas que ferem o direito à vida e a dignidade como é o caso do suicídio assistido se torna fora da realidade, já que nacionalmente, a questão da indisponibilidade do direito à vida e a obrigação do respeito à dignidade da pessoa humana, torna assim o ser humano alguém que deve ter sua dignidade preservada até o fim de sua vida, sendo ela considerada um bem fundamental, e sua inviolabilidade é estabelecida pela Constituição Federal, além desse direito ser previsto em convenções internacionais e nas Cartas Políticas de diversos países.

Observando a perspectiva desses direitos, podemos chegar à conclusão de que em causas de morte iminente e inevitável, o melhor modo é o médico adotar dispositivos indicados à preservação da dignidade do indivíduo, distanciando-se de todo e qualquer processo fútil que não gere melhoras ao paciente, todavia, enquanto gozar chances de cura permanece o papel do médico em salvar a vida do adoentado.

Portanto, ainda existe uma carência de legislação expressa a respeito da permissão da aplicabilidade da ortotanásia no Brasil, ou ate mesmo uma especificação do crime de eutanásia, podemos dizer que, ao se compilar as disposições estrangeiras frente ao ordenamento jurídico pátrio, aduzir-se-á que existem diferenças significantes, tanto na esfera legal quanto na social, existindo aqui a necessidade de regulamentação no nosso ordenamento jurídico, a fim de promover maior segurança jurídica e legitimar o agir médico no emprego de procedimentos terapêuticos que visem o tratamento humanitário ao paciente.

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