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A Investigação Criminal Realizada pelo Ministério Público

Agenda 24/09/2023 às 16:23

A Investigação Criminal Realizada Pelo Ministério Público

RESUMO

O presente artigo tem como propósito tratar da possibilidade de o Ministério Público realizar investigações criminais. Atualmente, há um predomínio quase que absoluto da atuação policial no tocante à fase pré-processual. Na doutrina e jurisprudência, há adeptos de entendimento que não cabe ao Órgão Ministerial a participação de forma direta na fase preliminar, devido ao fato que não há previsão constitucional e legal expressa, e, sendo assim, as provas que porventura o parquet tenha colhido serão consideradas ilícitas. Todavia, o inquérito é mera peça informativa, de natureza dispensável e a Constituição da República de 1988 é clara ao prever que cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, sendo que para tal mister, deve se valer dos instrumentos compatíveis com a sua finalidade.

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. A Origem do Ministério Público e seu Desenvolvimento no Contexto Constitucional Brasileiro. 2.2. O Modelo de Investigação Brasileiro e a Não-Exclusividade da Atividade Investigatória Policial. 2.3. A Investigação Criminal Realizada pelo Ministério Público. 2.4. As Vantagens e Desvantagens da Maior Participação do Ministério Público nas Investigações Criminais. 3. Considerações Finais. 4. Referências.

1. INTRODUÇÃO

A investigação criminal é uma das fases da persecução penal, e possui grande relevância, pois através dela se colhe e produz os elementos de convicção que darão suporte à ação penal.

Hodiernamente, um grande número de países adota um sistema de persecução criminal em que o Ministério Público é atuante na fase pré-processual.

Todavia, no Brasil, tal possibilidade gera muita polêmica e controvérsia, tanto no campo doutrinário quanto no jurisprudencial.

Com o advento da Constituição da República de 1988, o Ministério Público foi alçado à categoria de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses indisponíveis, consoante o disposto em seu art. 127, caput, competindo-lhe, ainda, dentre outras atribuições, a função de titular da ação penal pública, além da possibilidade de realização de outras funções que lhe forem compatíveis com sua finalidade, conforme preveem os incisos I e IX, do art. 129, da CRFB/88.

Através da análise constitucional, infraconstitucional, doutrinária e jurisprudencial será demonstrado que ao Ministério Público cabe também a realização de procedimentos investigatórios criminais, sendo isso decorrência da finalidade para qual foi criado.

O presente trabalho exporá os argumentos dos que defendem um Ministério Público mais ativo no que tange às investigações criminais, comparando-os com aqueles que entendem o contrário.

Serão examinadas a origem do Ministério Público e seu desenvolvimento no decorrer das Constituições brasileiras. Também serão analisados o modelo investigatório brasileiro e a não-exclusividade da atuação policial na fase preliminar, e a sua consequência no tocante às funções do Órgão Ministerial.

Por derradeiro, serão analisadas as vantagens e desvantagens da maior participação ministerial na fase pré-processual.

A importância do tema advém das várias ações impetradas nos tribunais, nos quais se discute a validade dos procedimentos investigatórios criminais realizados pela Instituição Ministerial, não sendo olvidado, outrossim, que tal tema é de extrema importância para toda a sociedade, uma vez que há grande deficiência no modelo investigatório brasileiro, o que acarreta, por conseguinte, o aumento das taxas de criminalidade das grandes cidades brasileiras.

Como método de pesquisa foram utilizados no presente trabalho doutrinas, jurisprudência, sites, tudo com o fito de aclarar o tema e concluir pela possibilidade de o Ministério Público realizar investigações criminais.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 A ORIGEM DO MINISTÉRIO PÚBLICO E SEU DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Para saber a finalidade do Ministério Público na conjuntura atual, necessária se faz a análise de sua origem e desenvolvimento institucional.

É certo que não há consenso entre os doutrinadores sobre a origem do Ministério Público.

Corrente há que afirma ter o Órgão Ministerial origem nos Éforos de Esparta, cuja função era equilibrar o poder real e senatorial e exercer a função de acusação.

Outros entendem que a Instituição adveio do Magiaí, funcionário real no Antigo Egito (aproximadamente no ano de 4000 a.C.), que possuía como função a denúncia da prática delituosa.

Segundo lições de Marcellus Polastri Lima, “posteriormente, na Roma antiga, são apontados como antecedentes dos Promotores de Justiça os Advocatus e os Procuratores Caesaris”1, que possuíam o mister de administração de bens do Imperador.

Tendo em vista esta função desempenhada por esses funcionários reais, não há falar que a origem do Ministério se deu nesse momento, uma vez que este, no contexto jurídico atual, desenvolve atividades públicas, e não privadas.

Há pesquisadores que reconhecem como origem do Ministério Público, na Idade Média, nos Saions germânicos, nos Bailos e Senescais, defensores dos senhores feudais, ou nos Dominici ou Gastaldi do direito longobardo, e, ainda, nos Gemeiner Anklager da Alemanha, cuja função era a acusação nos casos em que o particular permanecia em estado de inércia.

Cabe ressaltar, mais uma vez, que, baseando-se no magistério de Marcos Kac, não se pode admitir que deu-se a origem do Órgão Ministerial nos Bailos e Senescais medievais, pois “serviam apenas aos interesses privados dos senhores feudais”2.

Todavia, apesar das opiniões supracitadas, os doutrinadores afirmam, majoritariamente, que o Ministério Público adveio na França, na Ordenança de Felipe, O Belo, datada de 25 de março de 1302, na qual se referia aos Procuradores do Rei.

Importante é o destaque feito por Hugo Nigro Mazzilli3, ao aduzir que teve a doutrina francesa muita influência na história do Órgão Ministerial, sendo que é comum ainda se utilizar da expressão parquet, para se referir à instituição.

No tocante à origem do termo “Ministério Público”, se deu na França do século XVIII, advinda da expressão francesa ministère public, para referir-se à função dos procuradores que defendiam os interesses públicos (de toda a sociedade), da Coroa e do Rei.

No Brasil, o Órgão Ministerial teve seu crescimento e desenvolvimento formado no decorrer de longa jornada, até se mostrar fortalecido nos tempos hodiernos.

Segundo as lições de Valter Foleto Santin, “a origem do Ministério Público é comum à instituição portuguesa, passando pelas mesmas fases (Ordenações Afonsinas de 1446 ou 1447, Manuelinas de 1521 e Filipinas de 1603)”4.

O primeiro texto a se referir ao Ministério Público foi a legislação do Governo Geral, em 1548, que aduzia sobre a composição dos Tribunais de Relação da Bahia, sendo previsto que deveriam fazer parte dele um procurador de feitos da Coroa e Fazenda e um promotor de justiça.

No decorrer do Brasil Colônia, os Procuradores da Coroa eram meros agentes do Executivo, não possuindo direitos e garantias.

Na Constituição Imperial de 1824, foi conferida ao Procurador da Coroa e Soberania Nacional a função de acusação dos crimes em juízo.

Com o advento do Código de Processo Criminal do Império, datado de 1832, foi previsto que ao promotor de justiça ou a qualquer do povo competia o oferecimento de denúncia, além de estabelecer quem poderia exercer o cargo de promotor.

Posteriormente, foi editada a Lei nº 261 de 3 de dezembro de 1841, nascendo, por conseguinte, a figura do Promotor Público.

A primeira Constituição republicana de 1891, apenas se referia à nomeação do Procurador Geral da República, que deveria ser feita pelo Presidente da República, dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal. Sendo assim, vislumbra-se que pouco inovou.

Já a Constituição de 1934 teve fundamental relevância, devido ao fato que nela houve a institucionalização do Ministério Público, introduzindo-o em um capítulo à parte (“dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais”).

Com a Carta Constitucional do Estado Novo, de 1937, que adveio na ditadura de Getúlio Vargas, o órgão sofreu um retrocesso, devido ao fato de que houve a perda da garantia de estabilidade e paridade salarial. Somente poucos artigos aduziam sobre o parquet.

No ano de 1941, foi promulgado o Código de Processo Penal, passando a Instituição Ministerial a ter o poder de requisitar inquérito policial e diligências investigatórias. Houve, destaca-se, a previsão de outra importante função, qual seja, a de titular da ação penal pública.

Em 18 de setembro de 1946, foi promulgada uma nova Constituição, passando a Instituição Ministerial a ter um título próprio, fixando-se a sua organização, exigência de realização de concurso para a admissão em seus quadros e garantias de estabilidade e inamovibilidade.

Após o Golpe Militar, que instituiu os atos institucionais, foi promulgada a Constituição de 1967, sendo que o Órgão Ministerial foi deslocado para dentro do Poder Judiciário.

Em 17 de outubro de 1969, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 1, alterando a Constituição anterior, passando o Ministério Público a figurar no capítulo referente ao Poder Executivo.

Em 1977 foi promulgada a Emenda Constitucional de número 7, prevendo que lei complementar estabeleceria normas gerais para os Ministérios Públicos dos Estados.

Em consequência dessa previsão, foi elaborada a Lei Complementar nº 40, de 1981, considerada a primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, estabelecendo-se suas funções, garantias, vedações, dentre outros.

O regime militar chegou ao seu fim, consolidando-se com a promulgação da Magna Carta de 5 de outubro de 1988.

Promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Órgão Ministerial passou a ter um novo perfil e, segundo Marcellus Polastri Lima, “teve o Ministério Público uma completa disciplina harmônica e revolucionária de seus poderes e funções institucionais, atribuições e garantias”5.

Em seu art. 127, a Magna Carta preconizou ser o Ministério Público uma Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses indisponíveis.

Assim sendo, tal previsão constitucional estabeleceu os alicerces das atividades a serem desenvolvidas pelo parquet, pois sendo ele responsável pela defesa da sociedade, seus misteres devem ser desenvolvidos de forma contínua e diária, não podendo ser extinto pelo poder constituinte derivado.

Ao aduzir sobre a essencialidade do Ministério Público à função jurisdicional do Estado quis a Constituição que tal Instituição deva atuar não em todos os feitos judiciais, mas sim naqueles em que há interesses sociais e individuais indisponíveis ou quando for necessária a sua atuação na defesa do bem comum.

A finalidade de defesa da ordem jurídica dota a Instituição de uma ampla gama de atuação. Todavia, assim como foi visto antes quanto à sua essencialidade à função jurisdicional, deve a atuação ministerial ser harmonizada com os seus outros fins, quais sejam, a defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis

Ao parquet também incumbe a mantença de um regime em que o povo tome suas decisões e que haja a tripartição de poderes, impedindo a instalação de regimes totalitários.

Como último componente do art. 127 da CRFB/88, é previsto que à Instituição Ministerial cabe a defesa dos interesses sociais (direitos coletivos e os individuais difusos e homogêneos) e individuais indisponíveis, tais como, a defesa do meio ambiente, do patrimônio público, histórico, cultural, garantia da indisponibilidade do direito a alimentos do menor de idade, dentre outros.

Há quem entenda que devido ao relevante papel atribuído ao Ministério Público pela Constituição de 1988, esse ente é quase que considerado como um quarto Poder6.

Previu a Carta Magna de 1988 princípios institucionais do Ministério Público, sendo eles a unidade, a indivisibilidade, a independência funcional e o promotor natural.

O princípio da unidade significa que a Instituição Ministerial é ente único, sob a direção de um só chefe: o Procurador-Geral.

O Órgão Ministerial é uno, já que seus membros podem ser substituídos por outro da mesma carreira e ramo, na forma prevista em lei.

A independência funcional garante aos membros da Instituição Ministerial a liberdade de agir conforme as regras legais, constitucionais e, mormente, pela sua própria consciência, sem que seja submetido a nenhum outro Poder.

Acrescenta-se, tendo por norte as lições do constitucionalista Alexandre de Moraes, que “nem seus superiores hierárquicos podem ditar-lhes ordens no sentido de agir desta ou daquela maneira dentro de um processo”7.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento de extrema importância, entendeu que são vedadas as designações casuísticas efetuadas pela Chefia do Ministério Público, criando-se a figura do acusador de exceção. Tratou-se, assim, do postulado do Promotor Natural8.

Tal Princípio é consequência da independência funcional e da inamovibilidade dos membros do parquet. Protege-se, de uma só vez, o exercício das funções do membro do Órgão Ministerial e também a própria sociedade, que verá atuando apenas o Promotor de Justiça que tenha sido designando através dos critérios previstos em lei.

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A Lex Mater de 1988, em seu art.128, §5º, I, a, b e c, consagrou três garantias aos membros do da Instituição Ministerial, quais sejam, a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio.

Pela primeira garantia, depois de adquirida a vitaliciedade, o membro do Ministério Público somente poderá perder o cargo em função de sentença judicial transitada em julgado. Tal garantia é adquirida após o estágio probatório de duração de dois anos de exercício da função.

A demissão através de processo administrativo só será cabível aos membros da Instituição que não tenham adquirido a vitaliciedade.

A inamovibilidade dá a garantia ao membro do Ministério Público, conforme ensinamento do constitucionalista Alexandre de Moraes, de somente poder ser “removido ou promovido por iniciativa própria, nunca ex officio de qualquer outra autoridade, ressalvado o caso de interesse público”9, que deverá der ser decidido por órgão colegiado competente da Instituição Ministerial, assegurada a ampla defesa.

Outrossim, foi prevista na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 a garantia de irredutibilidade de subsídio.

O constituinte, ao fazer essa previsão, quis impedir que se utilizasse da redução dos subsídios dos membros do Ministério Público como forma de pressioná-los no exercício de suas funções.

A CRFB/88 atribuiu, em seu art. 129, inúmeras funções ao Ministério Público ao Ministério Público, tais como, a promoção da ação penal pública, instauração de inquéritos policiais e exercer outras funções que lhe forem compatíveis, deixando-se transparecer, com a previsão desta última, o caráter não taxativo do rol de atribuições.

Visto essas elucidações preliminares, há de se observar que há um tormentoso debate se há exclusividade de atuação policial no que tange às investigações criminais, tema este que se segue.

2.2. O MODELO DE INVESTIGAÇÃO BRASILEIRO E A NÃO-EXCLUSIVIDADE DA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA POLICIAL

Na fase preliminar, isto é, aquela que antecede o processo penal acusatório, praticamente todo o trabalho é realizado pela polícia, sendo raras as intervenções do Órgão Ministerial na colheita de provas e no contato com as partes envolvidas na infração penal. Sua função tem sido a de tão-somente requerer as diligências investigatórias, instauração do inquérito policial e controle externo da atividade policial.

Destaca-se, com base nos ensinamentos dados por Valter Foleto Santin, que esse sistema adotado pelo Brasil é totalmente diferente dos da maioria dos países, consoante a observação dos modelos “europeus, americanos e asiáticos”10.

Vislumbradas tais considerações, necessário dizer que a persecução penal (jus persequendi) é dividida em duas fases: o processo penal acusatório (jus persequendi in judicio) e a investigação criminal (jus persequendi extra judicio).

Primeiramente, há de se destacar que, violada uma norma incriminadora, nasce para o Estado o direito-dever de punir.

Através da persecução criminal, o Estado irá tornar efetivo seu jus puniendi (direito de punir), aplicando-se, ressalte-se, o devido processo legal e seus corolários, quais sejam, a ampla defesa e o contraditório, conforme o art. 5º, LIV e LV, CRFB/88.

Todavia, para que seja realizada a ação penal, mister se faz a presença de indícios de autoria e de materialidade, que constituem a justa causa legal.

Para a colheita dos indícios, será realizada a investigação criminal, que tem por finalidade dar suporte à futura denúncia ou queixa.

Para a produção e colheita dos elementos de convicção, ficou instituído que é função das polícias (federal, civil e militar) a apuração de infrações penais, consoante o que dispõe o arts. 125, §4º, 144, §1º, I e §4º, da CRFB/88, e 7º e 8º, do Código de Processo Penal Militar.

No ordenamento jurídico brasileiro, há a previsão de dois instrumentos à disposição da polícia com o fito de realização de investigações criminais, quais sejam, o inquérito policial (art. 4º e seguintes, CPP) e o termo circunstanciado (art. 69, Lei nº 9099/95).

Termo circunstanciado é o instrumento previsto para a substituição do inquérito policial, quando da prática de infrações de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes em que a lei comine pena máxima não superior a dois anos).

Tendo como base a lição do preclaro Denilson Feitoza11, o inquérito policial pode ser conceituado como procedimento administrativo de persecução, realizado pela polícia judiciária, consistente num conjunto de diligências com o escopo de apurar a infração penal e sua autoria, dando-se o suporte para que o titular da ação penal possa demandá-la.

O inquérito policial é um procedimento com as seguintes características: é escrito (art. 9º, CPP); sigiloso (art. 20, CPP); indisponível (art. 17, CPP); baseado na oficialidade (art. 144, CPP), oficiosidade (art. 5º, I, CPP), autoritariedade (art. 4º, CPP) e inquisitoriedade.

Tal procedimento é presidido pela autoridade policial, delegado de polícia, com o fito de apurar infrações criminais.

O entendimento na doutrina12 e jurisprudência13 é que o inquérito policial é peça meramente informativa, não sendo considerada fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado se o Ministério Público ou o ofendido já dispuserem de elementos suficientes para a propositura da ação penal.

Esse entendimento advém da exegese das previsões do art. 12 do CPP, o qual preconiza que o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra, e art. 39, §5º, CPP, que aduz que o órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação criminal forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal. Acrescentem-se, igualmente, as disposições dos arts. 27 e 46, §1º, ambos do Código de Processo Penal.

Logo, poderá a denúncia ou queixa serem baseadas em elementos de convicção colhidos por outros meios que não o inquérito policial, transparecendo, por consequência, o caráter de dispensabilidade desse procedimento.

Caso seja realizado o inquérito policial, seus autos serão enviados ao Ministério Público, a quem a Lex Mater de 1988, em seu art. 129, I, atribuiu a função de promoção da ação penal pública. Pode ele tomar as seguintes decisões: oferecer a denúncia, requerer diligências investigatórias suplementares (art. 16, CPP) ou promover o arquivamento.

Nos casos de ação penal pública condicionada à representação, necessária se faz o requerimento de quem tenha qualidade de intentá-la (art. 5º, §4º, CPP). Nos de ação penal privada, cabe ao ofendido ou seu representante legal o fazê-lo (art. 5º, §5º, CPP).

Tendo em vista a falta de recursos materiais e humanos, despreparo e abusos cometidos por alguns dos membros da instituição policial, a imagem do inquérito foi abalada, e muitos propugnam pela sua abolição. Todavia, não há razão para tanto, e o mesmo se encontra em plena aplicabilidade, destacando-se que o ele é o instrumento mais utilizado nas investigações criminais no direito brasileiro.

Conforme previsão do art. 144 da Carta Magna de 1988, a polícia federal é órgão permanente que se destina a exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. No que se tange às polícias civis, a elas incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e apuração de infrações penais, com exceção das militares.

Cabe destacar a lição de Vicente Greco Filho14 que entende que o princípio que rege a atividade policial é o da não-exclusividade, sendo exceção à essa regra o caso da Polícia Federal, considerada Polícia Judiciária da União.

Todavia, a CRFB/88, quando aduziu ser exclusivo à Polícia Federal exercer funções de polícia judiciária da União, quis tão-somente fazer a distribuição de competências entre as diversas polícias existentes (federal, civil, rodoviária, militar e ferroviária).

Segundo Bruno Calabrich, ao comentar sobre o art. 144, §1º, IV, CRFB/88, aduz que “o dispositivo em tela foi enfático ao conferir exclusividade à polícia federal para as funções de polícia judiciária da União, que não se confundem com as atribuições de investigar crimes, para a qual a Constituição não estabeleceu exclusividade”15.

Como consequência de tal interpretação, à Polícia Civil, por exemplo, não cabe apurar infrações penais cometidas contra autarquia federal, uma vez que tal competência, segundo a previsão da CRFB/88, é exclusiva da Polícia Federal.

Se houvesse monopólio investigativo da polícia haveria grave risco à ordem pública e à segurança jurídica, pois que, como consequência, reputar-se-ião ilegais todos os procedimentos investigatórios conduzidos por órgão que não aquele.

Importante se faz destacar que, diferentemente dos princípios atinentes ao Ministério Público e ao Poder Judiciário – Princípio do Promotor Natural e Princípio do Juiz Natural, respectivamente -, não há o Princípio da Autoridade Policial Natural, podendo a investigação, nas lições de Marcos Kac16, ser realizada por membros da Instituição Ministerial.

Saliente-se, para tanto, que o art. 4º, parágrafo único, do CPP, preconiza que a competência da polícia judiciária (apuração de infrações penais e sua autoria) não excluirá a de autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma função.

Sendo assim, há permissivo legal para que outras autoridades administrativas, e não tão-somente a polícia, possam exercer a função de investigação.

Destaca-se, igualmente, que vários são os órgãos que realizam procedimentos investigatórios. São eles: investigações realizadas pela ABIN (Agência Brasileira de Inteligência); as apurações promovidas pelas CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito), que, conforme o art. 58, §3º, CRFB/88, possuem “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”; a CVM (Comissão de Valores Mobiliários); o Ministério da Justiça, por meio do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras); Receita Federal; as Corregedorias da Câmara e do Senado, que investigam infração penal que for cometida em suas dependências; o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados; o Tribunal de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, onde houver; apuração dos crimes contra a ordem econômica realizada pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

No âmbito do Ministério Público, a investigação sobre as infrações penais praticadas por seus membros é de responsabilidade da respectiva Procuradoria-Geral (LC 75/93 e Lei 8625/93).

No Judiciário, as investigações dos ilícitos praticados pelos magistrados são de competência do respectivo tribunal (art. 33, LC 35/79).

Além das investigações estatais (conduzidas e realizadas por agente públicos), que foram vistas anteriormente, há também as investigações privadas, que, segundo o magistério de Valter Foleto Santin, “são os trabalhos e esforços investigatórios de pessoas e entes particulares, dentro do âmbito de participação de todos no trabalho de prestação de serviços de segurança pública, direito e responsabilidade do povo”17, conforme o caput do art. 144 da Constituição da República de 1988.

Visto tais elucidações, não há de se falar que tão-somente a polícia judiciária pode realizar procedimento investigatório criminal, uma vez que a Constituição da República de 1988 e a legislação infraconstitucional preveem que outros órgãos da Administração Pública poderão fazê-lo.

Suplantado tal exegese, de que não há monopólio da polícia no tocante a investigações criminais, mister se faz saber as suas consequências quanto às atribuições do Ministério Público, e também os debates envolvendo tal questão.

2.3. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Concluído que a Polícia Judiciária não detém exclusividade nas apurações de infrações criminais, não há óbices para que o Ministério Público realize diretamente seus procedimentos investigatórios.

Todavia, mesmo se fazendo tal exegese, há grande debate doutrinário e jurisprudencial quanto à admissibilidade de investigações criminais ministeriais.

Nos países com legislação investigativa mais avançada, a investigação penal é conduzida pelo Ministério Público, como, por exemplo, na Alemanha, Holanda e Itália.

Entretanto, no Brasil, tal tema é deveras polêmico e controverso, havendo argumentos contra ou a favor da atuação investigatória criminal ministerial.

Da análise das normas constitucionais e infraconstitucionais decorre que o tema do presente artigo é previsto no ordenamento jurídico nacional.

Por ora, vislumbra-se que o art. 4º do CPP, como visto anteriormente, faz expressamente a ressalva da existência de inquéritos extrapoliciais, isto é, elaborados por autoridades outras que não as policiais.

O inciso VIII do art. 129 da Magna Carta estabelece que é função do Ministério Público requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial.

Assim sendo, tendo por norte o ensinamento de Marcellus Polastri Lima18, se o Órgão Ministerial pode o mais, isto é, requisitar a instauração de inquérito policial e diligências investigatórias, pode o menos, ou seja, dispensá-lo, podendo realizar a investigação criminal diretamente.

Outrossim, considerado o inquérito policial como mera peça informativa, de natureza prescindível, sendo o parquet titular da ação penal pública, nada mais consentâneo com a função constitucional que lhe foi dada, a realização de investigação, a fim de que possa colher o lastro probatório mínimo para a propositura da denúncia criminal.

Casos há em que o Ministério Público tem acesso a elementos de convicção coletados por outros órgãos ou quando do decorrer de inquérito civil que é titular. Sendo assim, por exemplo, em investigação civil em que se apura a prática de atos lesivos ao meio ambiente, podem vir a serem descobertas provas que indicam a prática de ilícito civil e também penal. Conseguintemente, sendo entendimento pacífico que inquérito policial é dispensável, poderá a Instituição Ministerial, se houver a justa causa legal, oferecer a denúncia criminal, sem prejuízo da promoção da ação civil pública.

A Lex Mater de 1988, em seu art. 129, VI, atribui a função ao Órgão Ministerial de requisição de informações e documentos para instruir procedimentos administrativos de sua competência.

Analisando tal inciso, Hugo Nigro Mazzilli19 conclui que nele se incluem as investigações criminais ministeriais, uma vez que se os procedimentos administrativos referidos no artigo supracitado fossem atinentes apenas à matéria cível, bastaria o inquérito civil, que está previsto no inciso III do art. 129, CRFB/88.

Importante previsão também foi insculpida nos incisos II e V, do art. 26, da Lei nº 8625/93 (lei Orgânica do Ministério Público), que permite ao parquet a requisição de informações e documentos a entidades privadas com o fim de instruir procedimentos ou processos em que oficie, e praticar atos administrativos, de caráter preparatório.

Assim sendo, quanto aos incisos do artigo supramencionado, há de se fazer interpretação extensiva, para que se chegue à conclusão da possibilidade de ser feito o procedimento investigatório criminal por parte do Ministério Público.

Todavia, o rol de previsões legais não se esgota pelos artigos vislumbrados, podendo ser citados outros, tais como nos procedimentos atinentes a infrações penais praticadas contra a pessoa idosa (art. 74, VI, L. 10741/03); nas infrações às normas de proteção à criança e à juventude (art. 201, VI e VII, ECA); nos atos infracionais cometidos por adolescentes (art. 180, ECA); nas infrações penais praticadas por membros do Ministério Público (arts 18, parágrafo único, LC 75/93 e 41, parágrafo único, L. 8625/93); pode também realizar diretamente inspeções e diligências investigatórias (art. 8º, V, LC 75/93).

Importante aduzir que o Conselho Nacional do Ministério Público expediu a Resolução nº 13, de 2/10/2006, disciplinando, no âmbito da Instituição Ministerial, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal.

Destaca-se, igualmente, o verbete sumular nº 234, do Superior Tribunal de Justiça que preconiza que “a participação do membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”.

Tal entendimento vai ao encontro da decisão do Pretório Excelso que entendeu que um Ministério Público atuante na fase do inquérito policial tem justificativa na sua própria missão de titular da ação penal20.

Da mesma forma, o verbete sumular indiretamente prevê que há possibilidade da atuação investigatória ministerial.

É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no tocante à dispensabilidade do inquérito policial. Se é facultado ao Ministério Público o oferecimento de denúncia baseado em elementos de convicção coletados por meios não-policiais, poderá ele realizar também procedimentos investigatórios para dar a base à propositura da ação penal de que é titular.

Porém o tema não é pacífico, e uma parcela considerável dos operadores do direito critica a possibilidade de investigação direta por parte do parquet.

Argumenta-se, pela corrente contrária, que não há previsão constitucional, opinião sustentada pelo preclaro Guilherme de Souza Nucci21, e tampouco legal, e, sendo assim, como na Administração Pública vigora o Princípio da Legalidade, o Estado só pode fazer aquilo que lhe é permitido por lei.

Entretanto, tal argumento mostra-se bastante frágil, pois além de ter previsão legal, mormente constitucional, admitindo-se a atuação investigatória criminal ministerial, como já foi vislumbrada anteriormente, a análise do inciso IX do art. 129 da Carta Magna de 1988 afasta tal alegação.

Isso porque o Órgão Ministerial pode exercer outras funções que lhe são compatíveis. Se ao Ministério Público cabe a titularidade e a promoção da ação penal pública e a defesa da ordem jurídica, conseguintemente, a função investigatória será compatível com as suas finalidades.

Todavia, mesmo que considerando que não houve previsão expressa na Constituição da República de 1988 sobre a admissibilidade de realização de investigação criminal por parte do Ministério Público, aplicar-se-á, no caso, um instituto que é pacificamente defendido na doutrina norte-americana, cunhada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, no julgamento do caso MacCulloch vs. Maryland, de aplicação corrente no direito constitucional pátrio, qual seja, a Teoria dos Poderes Implícitos.

Segundo o magistério do constitucionalista Alexandre de Moraes, tal teoria significa que “no exercício de sua missão constitucional, o órgão executivo deveria dispor de todas as funções necessárias, ainda que implícitos, desde que não expressamente limitadas” 22.

Sendo assim, se tem o Órgão Ministerial a função de titular da ação penal pública, será

dada a ele a prerrogativa de produção e colheita de provas, sendo isso consequência de sua atividade fim. Inclusive tal instituto foi aduzido no voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, no Inquérito nº 1968-2/DF.

Todavia, em importante julgado do Supremo Tribunal Federal23, baseando-se em interpretação histórica, o ex-Ministro Nelson Jobim, entendeu que “inquérito” é exclusividade da polícia, não conferindo a CRFB/88 legitimidade ao Ministério Público para a realização de tal mister.

Além de ter o ex-Ministro se utilizado de interpretação histórica - o que pode levar a inúmeros equívocos -, aduziu que o Ministério Público não pode realizar inquérito policial. Tal raciocínio é lógico, tendo em vista que esta denominação só é dada ao procedimento realizado pela polícia investigativa. Se o parquet for investigar, se utilizará de procedimento próprio e não do inquérito policial.

A doutrina contrária alega também que a investigação criminal direta pelo Ministério Público afetará o princípio da paridade de armas.

Tal argumento, outrossim, é frágil, destituído de base jurídica, tendo em vista ser a fase pré-processual uma etapa em que o contraditório e a ampla defesa são mitigados. Quer seja realizado pela Polícia Judiciária, quer pelo Órgão Ministerial, o resultado será o mesmo: não existirá o contraditório.

Destaca-se, também, que as provas obtidas na fase preliminar realizada pelo Ministério Público serão confirmadas no curso da persecução criminal acusatória, não havendo, por conseguinte, a alegada quebra de isonomia.

Argumenta-se, da mesma forma, que um Ministério Público atuante na investigação criminal é incompatível com a sua postura imparcial.

Entretanto, segundo o magistério de Bruno Calabrich, no processo penal, o Ministério Público é parte, isto é, aquele que tem o múnus de acusação, não sendo, por conseguinte, um sujeito imparcial24. O membro do Ministério Público tem de ter postura impessoal, não se vinculando a interesses privados.

Há quem diga que o membro do Órgão Ministerial que conduzir as investigações dará grande importância às provas que favorecerem sua função acusatória, dando somenos atenção às provas que favoreçam o acusado.

Não há de se prosperar tal entendimento, uma vez que os elementos de prova colhidos na fase pré-processual serão apreciados e valorados pelo Poder Judiciário, no decorrer da persecução criminal em juízo.

Importante tema a ser destacado é que tem o Ministério Público a função, dada pela Constituição da República de 1988, em seu art. 129, VII, de exercer o controle externo da atividade policial.

Tal função deve ser vislumbrada com cuidado, pois não deve o controle ser realizado sobre toda e qualquer atividade policial. Analisando essa função, o ilustre Hugo Nigro Mazzilli preconiza que o controle externo “destina-se mais especialmente àquelas áreas em que a atividade policial se relaciona com as funções institucionais do Ministério Público” 25, tais como aos atos que digam respeito à polícia judiciária e à apuração de infrações penais.

A Constituição da República de 1988 adotou o sistema de freios de contrapesos, isto é,

há a previsão de controle de um órgão sobre o outro, com o fito de evitar excessos e abusos por parte de cada um. O parquet, ao realizar o controle externo da atividade policial, estará exercendo o sistema citado.

Quis a CRFB/88, ao prever tal função ao Ministério Público, afastar o Juiz da fase investigatória, ressalvando-se, é claro, as medidas que poderão ser impostas por ele, por exemplo, prisão preventiva e arresto. Também quis o constituinte de 1988 não olvidar a observância dos direitos fundamentais do indiciado, mesmo sendo considerado mero objeto de investigação, controlando-se a legalidade e a eficiência dos trabalhos investigatórios realizados pela Polícia, funções estas que caberão à Instituição Ministerial.

Caso o procedimento investigatório for realizado pelo parquet, a fiscalização da atividade ministerial será feita administrativamente, pelos órgãos superiores do Ministério Público, e judicialmente, através da atividade jurisdicional típica do Judiciário, nos ensinamentos de Valter Foleto Santin26.

Foi consagrado pela CRFB/88 o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, segundo o qual àquele que for lesado ou se sentir ameaçado em seus direitos será assegurado o acesso aos órgãos judiciais, não podendo a lei vedar o seu acesso, conforme preconiza em seu art. 5º, XXV.

Caso o membro do Ministério Público cometa excesso no exercício de suas funções, poderá o lesado utilizar Habeas Corpus ou Mandado de Segurança, com o fito de serem reprimidos os eventuais abusos.

Sendo assim, os atos ilegais cometidos pelos membros da Instituição Ministerial no exercício da investigação poderão sofrer o controle pelo Poder Judiciário, assim como acontece quando da violação ou abuso de direito cometido pela autoridade policial no exercício de suas funções.

Posto isso, afastada está a possibilidade de inexistência de controle da atividade investigatória ministerial, como propugnam aqueles que são contrários a essa função do Ministério Público.

No Egrégio Superior Tribunal de Justiça, está pacificada a possibilidade de atuação ministerial na fase preliminar, cabendo destacar que entendeu que tal atribuição é consequência lógica da própria função do Ministério Público de titular da ação penal pública, podendo, assim, realizar a colheita de informações, com o fito de elucidar a existência da infração penal e sua autoria27.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal não houve consenso de está ou não o Ministério autorizado a proceder investigação criminal, ora considerando que não houve permissivo constitucional, ora considerando regular a colheita de provas pelo Ministério Público em fase pré-processual28.

A despeito das posições contrárias, para que a Instituição Ministerial defenda a ordem jurídica, promovendo a justiça e buscando sempre a verdade real, mister se faz sua atuação na investigação criminal, respeitando-se, assim, a finalidade a qual foi ditada pela Constituição da República de 1988.

E parece ser essa a vontade da sociedade que, em pesquisa realizada pelo Instituto Ibope29, constatou que 68% das pessoas consultadas são favoráveis que promotores e procuradores de justiça investiguem todos os crimes, destacando-se que tão-somente 4% dos entrevistados defenderam a exclusividade da Instituição Policial no tocante à realização da função investigatória criminal. Demonstrado, por conseguinte, a confiabilidade da população na Instituição Ministerial, que vem atuando de forma relevante e eficaz em inúmeros casos, mormente naqueles em que há envolvimento de pessoas influentes e nas investigações de danos ao erário.

Vislumbradas as correntes sobre esse assunto polêmico e controverso, analisam-se, por derradeiro, as vantagens e desvantagens de o Ministério Público conduzir investigações criminais.

2.4. AS VANTAGENS E DESVANTAGENS DA MAIOR PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS

A maior participação do Ministério Público nas investigações é assunto polêmico, pois afasta do domínio exclusivo da Instituição Policial a atividade pré-processual, e que, nas sábias lições de Valter Foleto Santin, “envolve uma instituição não interessada em perder poder e a outra, tímida em assumir mais uma atribuição” 30.

São inúmeras as vantagens do aumento da participação ministerial na fase investigatória, sendo que as mais relevantes são: desburocratização, integração, imediação, celeridade, universalização das investigações criminais e melhoria da qualidade destas.

Havendo maior aproximação entre o Ministério Público e a Instituição Policial, maiores são as chances de obtenção de êxito nas investigações criminais, reduzindo-se, por conseguinte, a impunidade em decorrência da insuficiência de um sistema investigatório que tem o inquérito policial como seu principal instrumento.

Também não há óbices à realização de investigação criminal pelo Ministério Público ocorrer concomitantemente a investigações praticadas por outros órgãos, como, por exemplo, união da Polícia Federal e a Receita Federal, como muito acontece no momento hodierno. É forçoso reconhecer que a união harmoniosa e organizada entre os órgãos públicos auxiliará no combate eficaz à criminalidade, não se podendo olvidar que, consoante a previsão do art. 144, caput, da CRFB/88, a segurança pública é de responsabilidade de todos, e, conseguintemente, importante será uma conduta ativa no tocante a investigações por parte de órgãos públicos, devendo, é cediço, que tal atribuição seja compatível com a sua finalidade.

Da mesma forma, a maior participação da Instituição Ministerial na fase pré- processual resultará na maior celeridade na elucidação das infrações penais. Terá o Promotor de Justiça contato direto e imediato com as partes e as provas e, no ensinamento de Valter Foleto Santin, a facilitação da “percepção dos fatos e das peculiaridades do caso” 31, a fim de que forme sua opinio delicti.

Bom exemplo disso ocorre nas investigações de ato infracional cometido por adolescente, no qual o Promotor de Justiça procede informalmente à oitiva daquele, e, em sendo possível, a de seus pais ou responsável, vítimas e testemunhas. Tal postura ativa ocasiona uma maior rapidez no julgamento pelo Poder Judiciário, devendo, igualmente, servir como norte na apuração de infrações penais praticadas por imputáveis.

Em consequência da imediação, isto é, o maior contato do Promotor com os trabalhos investigatórios, haverá uma maior celeridade nessa fase pré-processual, tornando-a, ao mesmo tempo, rápida e eficiente a prestação da tutela jurisdicional.

O fim do monopólio da Polícia Judiciária no tocante à investigação criminal atende ao interesse da sociedade, visto que haverá melhoria da qualidade da investigação, e também beneficiará a própria Instituição Policial, já que o número de casos a serem investigados será diminuído, podendo, por consequência, apurar as práticas criminosas com maior presteza.

Outrossim, a maior interferência do parquet na investigação pré-processual dificultará a prática de desvios dos membros da Polícia, dada a sua proximidade com o andamento do procedimento.

Importante corolário de tal admissibilidade será o fato de que haverá mais um órgão na defesa e promoção da justiça. No momento, vislumbra-se que o Estado não pode se dispor de reforço ao combate a prática criminosa, pois que tão-somente atribuir à Polícia Judiciária a apuração de infrações penais é humanamente impossível, pois é necessário o aumento do número de seus quadros e melhorias dos recursos materiais disponíveis. Como consequência, observa-se que hoje o inquérito realizado pela Polícia não é instrumento eficaz.

Discorrendo sobre o assunto, Valter Foleto Santin aduz que “o princípio da universalização das investigações representa o aumento do leque de pessoas e entidades legitimadas a participar no trabalho de investigação criminal” 32.

Outra consequência da participação direta do Ministério Público será a desburocratização. Apoiando-se nas lições de Marcos Kac33, tal consequência se dará quando não for mais necessária a ida e vinda dos procedimentos investigatórios da Delegacia para o Ministério Público e vice-versa, pois que, pelo contato com a investigação e com o Delegado, poderá o Promotor verificar se a investigação terá sucesso ou insucesso.

Há também outra vantagem que não deve ser olvidada: a identidade física do investigador, resultatante da imediação. Significa isto dizer que serão diminuídos os riscos de o Promotor de Justiça ser titular de uma ação penal em face de alguém que ao menos teve contato.

Foi vislumbrado, anteriormente que o Ministério Público foi dotado, pela Constituição da República de 1988, de várias garantias, dentre elas a independência funcional (art. 127,§1º) e a inamovibilidade (art. 128, §5º, I, b).

Como é cediço, inúmeros são os casos de afastamento de autoridades policiais no decorrer de uma investigação, sendo que isso ocorre em virtude da qualidade das partes envolvidas ou interessadas, por exemplo, políticos.

Há de ser ressaltado o relevante ensinamento do insigne doutrinador Hugo Nigro Mazzilli, que em “casos em que a Polícia esteja impossibilitada” ou não seja a mais adequada para a realização das investigações, ou quando da “prática de infrações penais com envolvimento de policiais graduados”34, o Órgão Ministerial tem o dever-poder de investigar, se for caso de ação penal pública.

Importante destacar decisão do Superior Tribunal de Justiça35 que entendeu ser o inquérito figura dispensável, podendo realizar o Ministério Público investigação criminal, mormente quando há envolvimento de autoridades policiais, submetidas ao controle externo da Instituição Ministerial.

Os membros do Ministério Público gozam de inamovibilidade e independência, não podendo ser afastados ex officio, como forma de não exercer sua função constitucional de defesa da ordem jurídica.

Já os membros da Polícia Judiciária não gozam das mesmas garantias constitucionais que o membro da Instituição Ministerial. Aqueles estão submetidos ao princípio hierárquico, podendo, por conseguinte, serem afastados da investigação criminal.

Sendo assim, em casos como esse, devido ao fato de o Delegado de Polícia não possuir as garantias constitucionais que o membro do Órgão Ministerial tem, salutar a sua atuação como forma de evitar que o Estado deixe impunes aqueles que violaram o ordenamento jurídico.

Entretanto, desvantagens existem, devendo ser vislumbradas cada uma delas em seus pormenores.

Primeiramente, há de se destacar que falta estrutura para a prática investigatória por parte do Ministério Público, uma vez que não possui recursos materiais e tampouco humanos para a realização de tal atividade.

Para isso, tendo como norte o ensinamento de Valter Foleto Santin36, devem ser feitos investimentos para dotar o Órgão Ministerial de estrutura capaz de permitir a atividade investigatória criminal.

Entretanto, destaca-se que o trabalho realizado pelo Ministério Público, no tocante à realização da fase preliminar, deverá ser realizado de forma excepcional, continuando a Instituição Policial com o seu papel investigatório, não se tratando, por consequência, de usurpação da função policial. Além disso, as infrações penais serão mais bem apuradas, diminuindo-se, por conseguinte, os efeitos nefastos que elas ocasionam a toda sociedade.

Sendo pacificada a possibilidade de realização de investigação criminal ministerial, ter-se-á uma instituição deveras fortalecida. Conseguintemente, corre-se o risco de ser criado um órgão com excesso de poder, podendo resultar, nos dizeres de Bruno Calabrich, em um “estado policialesco, de prodigalidade em devassas e arbitrariedade com os cidadãos” 37.

É oportuno observar que, na sociedade atual, observa-se o aumento constante da criminalidade. Os meios utilizados para a persecução criminal não se mostram eficazes na repressão dos crimes. Não se pode dispensar o apoio relevante que o Ministério Público pode oferecer quando da realização de procedimentos investigatórios. Mister se faz, então, a união de todos para a mantença da paz social, já que enquanto se debate o aumento de métodos de investigação, as organizações criminosas se alastram no seio da sociedade.

Destaca-se que a atuação de forma excepcional do Ministério Público tem trazido vários resultados satisfatórios, sobretudo em casos de pessoas influentes na sociedade, como por exemplo, a investigação no caso do homicídio do ex-prefeito de Santo André, São Paulo, Celso Daniel, no qual houve motivações políticas.

Diante de tudo o que foi exposto, verifica-se que existem mais vantagens do que desvantagens quando o assunto é a realização de investigação criminal por parte do Ministério Público, ressaltando-se que o interesse público – de ser mantida a ordem jurídica e promovida a justiça- será prestigiado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o advento da Constituição da República de 1988, o Ministério Público ganhou grande força e destaque, constituindo-se como ente autônomo, de caráter permanente, cabendo a ele a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O Ministério Público, que foi dotado da função de titular da ação penal pública, deve também ter a possibilidade de colher e produzir elementos de convicção que darão suporte à ação penal de que é titular.

Destaca-se o entendimento pacífico que o inquérito policial é peça meramente informativa, de natureza dispensável, ocorrendo tal consequência devido ao fato de haver permissivo legal aduzindo que, se houver elementos de convicção suficientes, não há necessidade de elaboração de tal instrumento.

Sendo assim, se pode ser iniciada uma ação penal sem a elaboração de inquérito policial, é mais do que natural e salutar que a Instituição Ministerial possa realizar investigações criminais.

Outrossim, não há monopólio da Polícia Judiciária no tocante à realização de procedimentos investigatórios, havendo previsão constitucional e legal de tal atribuição a outros órgãos públicos, como a Receita Federal e Tribunal de Contas da União. Deve-se ter como norte o princípio da universalização, aumentando-se o número de legitimados a realizar investigações criminais, não podendo a Instituição Policial tomar para si a responsabilidade total sobre a segurança pública, pois além de ser impossível em virtude da falta de recursos humanos e materiais, o seu principal instrumento, qual seja, o inquérito policial, muitas vezes não alcança sua finalidade, não devendo ser olvidado, da mesma forma, que a segurança é de responsabilidade de todos, como bem expressa o art. 144, caput, da CRFB/88.

Em casos em que estão envolvidas pessoas que possuem influência no meio social, tais como políticos e membros da Instituição Policial, mister se faz a presença do Ministério Público como órgão responsável pela elaboração do procedimento investigatório, uma vez que, por gozar da garantia da independência funcional, não estará sobre influência das vicissitudes que um membro da Polícia Judiciária sofre, não sendo raros os casos de afastamentos sem motivos verdadeiramente justificados, entre outras consequências.

É cediço que se faz necessária a modificação do modelo investigatório brasileiro, mormente no que tange ao seu instrumento precípuo, qual seja, o inquérito policial, que se mostra ineficiente para a apuração da habitualidade criminosa, não beneficiando o interesse da sociedade em ver que a ordem jurídica mantida de forma eficaz, deixando-se muitas vezes impunes os criminosos, por falta da qualidade dos elementos colhidos na investigação, não deixando ao magistrado resultado que não outro de absolvição, não havendo prevenção tampouco repressão das infrações penais.

A despeito de parcela da doutrina e jurisprudência entender não ser cabível a realização de investigação criminal pelo Ministério Público, fazer uso de interpretação restritiva ao extremo seria tolher a importância que o constituinte de 1988 deu à instituição; seria desnaturá-la, indo de encontro com a finalidade para a qual foi criada, qual seja, a promoção da justiça e a mantença da ordem pública.

Sendo assim, a realização de procedimento investigatório criminal ministerial é amplamente prevista na legislação e na Constituição de 1988, tratando-se de atribuição salutar à sociedade, e em conformidade com a finalidade constitucional dada ao Ministério Público.

REFERÊNCIAS

1 Lima, Marcellus Polastri. O Ministério Público e Persecução Criminal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.1.

2 Kac, Marcos. O Ministério Público na Investigação Penal Preliminar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p.12.

3 Mazzilli, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.36.

4 Santin, Valter Foleto. O Ministério Público na Investigação Criminal. 2ª ed. São Paulo: Edipro, 2007, p.195.

5 Lima, Marcellus Polastri. Op. Cit., p.1.

6 Mazzilli, Hugo Nigro. Op. Cit., p. 64.

7 Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 548.

8 HC nº 67.759/RJ, RTJ 150/123.

9 Moraes, Alexandre de. Op. Cit., p.563.

10 Santin, Valter Foleto. Op. Cit., p. 134.

11 Feitoza, Denilson. Direito Processual Penal: Teoria, Crítica e Práxis. 5º ed., Niterói, RJ: Impetus, 2008, p.161.

12 Capez, Fernando. Curso de Processo Penal. 14ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 82.

13 STJ, RHC 12308 / ES.

14 Greco Filho, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1993, p.82.

15 Calabrich, Bruno. Investigação Criminal pelo Ministério Público: Fundamentos e Limites Constitucionais. São Paulo: RT, 2007, p. 93.

16 Kac, Marcos. Op. Cit., p. 147.

17 Santin, Valter Foleto. Op. Cit., p. 32.

18 Lima, Marcellus Polastri. Op. Cit., p.54.

19 Mazzilli apud Lima, Marcellus Polastri, ibid. p. 86.

20 STF, RHC 61110 / RJ

21 Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 79.

22 Moraes, Alexandre de. Op. Cit., p.553.

23 RHC 81.326-7/DF

24 Calabrich, Bruno. Op. Cit., p. 126.

25 Mazzilli, Hugo Nigro. Op. Cit., p. 140.

26 Santin, Valter Foleto. Op. Cit., p 293.

27 STJ, HC 33.462/DF.

28 STF, HC 75.769-3/MG.

29 Pesquisa sobre o Ministério Público no Brasil: pesquisa de opinião realizada pelo Ibope em 02/2004. Rio de Janeiro: CONAMP, 2004. 182 p.

30 Santin, Valter Foleto. Op. Cit., p 281.

31 Idem, p 282.

32 Santin, Valter Foleto. Op. Cit., p 283.

33 Kac, Marcos. Op. Cit., p. 215.

34 Mazzilli, Hugo Nigro. Op. Cit., p. 129.

35 RHC 11.670/RS

36 Santin, Valter Foleto. Op. Cit., p 281.

37 Calabrich, Bruno. Op. Cit., p. 132

Calabrich, Bruno. Investigação Criminal pelo Ministério Público: Fundamentos e Limites Constitucionais. São Paulo: RT, 2007.

Capez, Fernando. Curso de Processo Penal. 14ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

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Santin, Valter Foleto. O Ministério Público na Investigação Criminal. 2ª ed. São Paulo: Edipro, 2007.

Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

Tognolli, Claudio Julio. Rinha federal; Delegado que prendeu Duda Mendonça é indiciado. Conjur, de 01.09.05, Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/37563,1>. Acesso em: 10 de agosto de 2008.

Sobre o autor
Fabio Correia Pimenta

Analista Judiciário da Justiça Federal. Graduado em Direito e Especialista em Direito Constitucional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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