DE INÍCIO é preciso compreender bem o instituto do USUFRUTO, tal como regulado por Lei (art. 1.390 e seguintes do Código Civil). Infelizmente a legislação não conceitua com clareza o referido direito real sobre coisa alheia, e nesse sentido a doutrina do ilustre professor e jurista ARNALDO RIZZARDO (Direito das Coisas. 2021) esclarece:
"Direito de desfrutar de um bem alheio como se dele fosse proprietário, com a obrigação, porém, de lhe conservar a substância. (...) O direito de propriedade, embora reduzido ao mínimo, permanece com o proprietário. Bem verdade que é reduzida a propriedade, sem a prerrogativa do USO e do GOZO. Mas não perde a substância do domínio, concentrada nas mãos do nu-proprietário".
Como ensina também a melhor doutrina, pode ser instituído o USUFRUTO de modo "inter vivos" ou "causa mortis" - ou seja, em vida através de ESCRITURA PÚBLICA ou, instituída pelo titular em favor de outrem para depois de sua morte, via TESTAMENTO. Uma vez estabelecido o USUFRUTO temos duas figuras importantes, como visto: o NU-PROPRIETÁRIO e USUFRUTUÁRIO. Os Direitos e deveres do Usufrutuário encontram-se descritos nos arts. 1.394 e 1.400 e seguintes, respectivamente - reservando-se ao Nu-proprietário, como se viu, a "propriedade vazia de gozo e desfrute" da coisa já que essas faculdades agora são do Usufrutário temporariamente (já que mesmo"vitalícia"devemos considerar temporária uma vez que o usufruto não pode ultrapassar a vida do usufrutário - inciso I do art. 1.410 do CCB). Necessário também destacar que o Usufruto não se transfere "por herança".
Pois bem, neste contexto, seria possível a venda/doação do imóvel sobre o qual pese um USUFRUTO?
A resposta é POSITIVA, considerando-se que quem pretende a venda/doação seja o nu-proprietário. O usufrutuário não tem o direito de vender o imóvel. É que o usufrutuário não pode alterar a substância da coisa. Entende-se por isso que não pode alienar/vender/doar o sobre o qual tem direito de usar, gozar e retirar frutos. É muito importante observar que, ainda que possa na referida hipótese ser vendida a coisa, o novo proprietário/adquirente deverá RESPEITAR o Usufruto que grava o imóvel. A doutrina abalizada assinada pelo Registrador Imobiliário LUIZ GUILHERME LOUREIRO (Registros Públicos - Teoria e Prática. 2023) por sua vez esclarece:
"O usufrutuário não pode alienar a coisa ou onerá-la. Não pode, portanto dá-la em hipoteca ou penhor. Pode, no entanto, contrair obrigações pessoais que versem sobre a coisa, por exemplo, arrendá-la ou alugá-la enquanto durar o usufruto. Apenas o proprietário pode alienar a coisa objeto do usufruto, mas o direito real continuará a gravar a coisa alienada, não havendo, por isso, prejuízo ao usufrutuário. (...) O nu-proprietário pode alienar ou gravar a coisa que, no entanto, continua onerada pelo usufruto. O proprietário pode ainda efetuar melhorias sobre o bem, mas não pode alterar sua destinação e substância, ou nela fazer alguma coisa que prejudique o valor do usufruto e o direito do usufrutuário".
POR FIM, não sendo o caso de resolver e extinguir o gravame observadas umas das formas elencadas no art. 1.410, fica claro e esclarecido que a venda do imóvel gravado com o usufruto pelo Nu-proprietário é plenamente autorizada, inclusive sem qualquer aquiescência/concordância por parte do Usufrutuário, como destaca com clareza a jurisprudência do TJMG:
"TJMG. 10447180010129001. J. em: 12/07/2022. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - DECADÊNCIA - INOCORRÊNCIA - ANUÊNCIA DA USUFRUTUÁRIA PARA ALIENAÇÃO DA NUA PROPRIEDADE - DESNECESSIDADE - INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - VALIDADE DA AVENÇA. - A ação apresentada não se trata de anulação com fulcro no artigo 178 do CC e sim de declaração de nulidade da alienação por vício formal, qual seja, a ausência de consentimento da Apelante, usufrutuária do imóvel. Assim, não há falar-se em prazo decadencial, podendo a nulidade ser declarada a qualquer tempo - Por se tratarem de institutos diferentes, pode o proprietário alienar a nua propriedade (substância) sem sofrer qualquer tipo de interferência do usufrutuário, posto que esse goza apenas do direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos (proveito), conforme artigo 1.394 do CC - É despicienda a concordância da Usufrutuária/Apelante quanto à alienação da nua propriedade, devendo, todavia, o Comprador/Apelado respeitar o usufruto até a sua extinção, nos termos do art. 1.410 do CC".