Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Há uma forma correta de autorizar que meu filho construa no meu terreno e não tenhamos problemas no futuro?

Agenda 06/10/2023 às 16:17

SIM, existem diversas formas de evitar o fatídico problema - muito comum por sinal - da construção no terreno dos outros (especialmente quando esse outro é seu pai/mãe ou seu (sua) sogro (a). De toda forma, antes de sugerir uma solução interessante, é preciso destacar que esse problema costuma ser resolvido judicialmente através de uma ação indenizatória, nos termos do art. 1.255 do Código Civil (quando houver boa-fé, diga-se de passagem). O referido artigo trata das "plantações e construções" dentro do tópico da aquisição da propriedade imobiliária por "Acessão", sendo "plantações ou construções" apenas uma das formas dela (inciso V). Segundo o referido artigo,

"Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio PERDE, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e CONSTRUÇÕES; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização".

Pois bem, se efetivamente a compra e venda de um terreno próprio não for uma alternativa e muito menos outras soluções como o parcelamento do solo e posterior doação ou venda, pode ser viável aos interessados se socorrerem, por exemplo, do instituto da "Superfície", que tem base no artigo 1.369 do Código Civil que assevera:

"Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis".

Passando longe da discussão sobre a coexistência de dois regimes jurídicos da Superfície (do art. 21 e seguintes do Estatuto da Cidade e do referido art. 1.369 do CCB - especialmente no que diz respeito à duração do referido direito real - se por "tempo determinado" apenas ou se possível também por "tempo indeterminado") - temos que a estipulação do Direito real de Superfície pode ser uma das soluções para o caso de se permitir a construção no terreno alheio, buscando evitar problemas futuros. Com toda certeza a consulta a um Advogado Especialista poderá sugerir, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, outras alternativas. Como deixa claro o referido artigo 1.369, sua constituição deve ser feita por ESCRITURA PÚBLICA (em qualquer Cartório de Notas) sendo necessário o seu REGISTRO no Cartório do RGI responsável pela região onde se encontrar o imóvel. Sem obedecer a tais regras não haverá o nascimento do referido DIREITO REAL, nos moldes do que determina o art. 1.227 do mesmo Código Civil:

"Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código".

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Os ilustres professores CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD (Curso de Direito Civil. 023) esclarecem com maestria sobre o instituto em análise:

"Em princípio, as construções e plantações são ACESSÕES CONTÍNUAS, caracterizadas por uma união exógena de coisas, por força da qual tudo o que se planta ou constrói-se em solo alheio é de propriedade definitiva do DONO DO SOLO. É o princípio da gravitação jurídica, pelo qual o acessório segue o principal. Trata-se da regra 'superficies solo cedit', estampada no art. 1.255 do Código Civil (...) Essa regra cederá no modelo do DIREITO DE SUPERFÍCIE, pois haverá suspensão temporária dos efeitos da acessão, à medida que a propriedade da construção ou plantação efetivada em solo alheio será daquele que a realizou, permanecendo a propriedade do solo com o seu proprietário".

Necessário destacar que, encerrada a concessão do "Direito de Superfície" o proprietário do terreno passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção/edificações ou plantações, independentemente de qualquer indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário"na Escritura, como aduz o art. 1.375 do CCB.

POR FIM, é preciso observar que, uma vez regulamente constituído com seu TÍTULO REGISTRADO no Cartório de Imóveis o"Direito de Superfície"não só poderá como deverá integrar o Espólio do"superficiário"a ser resolvido partilhado entre seus herdeiros em caso de seu falecimento, como destaca o art. 1.372 do CCB que autoriza a transmissão"causa mortis"do referido direito - todavia, se não houver sua regular constituição outro caminho não restará senão a incorporação das edificações/plantações ao patrimônio do titular do LOTE, ou aquele que seria o"concedente"- havendo inclusive transmissão dessas em favor dos seus hedeiros no caso do seu falecimento, como esclarece com acerto a jurisprudência mineira - uma vez não afastada a regra"superficies solo cedi", como dito:

"TJMG. 10567110001383001. J. em: 16/02/2022. APELAÇÕES PRINCIPAL E ADESIVA - AÇÃO ORDINÁRIA - PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DO ACERVO HEREDITÁRIO DE IMÓVEIS ERIGIDOS EM TERRENO PERTENCENTE AO ESPÓLIO - ACESSÃO FÍSICA - "SUPERFICIES SOLO CEDIT" - EDIFICAÇÃO QUE SE INCORPORA AO SOLO - INVIABILIDADE DE CISÃO DA PROPRIEDADE - RECURSO PRINCIPAL PROVIDO - APELO ADESIVO PREJUDICADO - A acessão configura modo de aquisição originária da propriedade, a partir da qual, por força da máxima "superficies solo cedit", o proprietário de um dado bem adquire a titularidade de tudo aquilo que a ele se incorpora - A construção erigida em propriedade alheia constitui acessão física e passa a integrar o patrimônio do proprietário do imóvel, nos termos do artigo 1.255, do Código Civil - Demonstrada a realização de edificações em terreno pertencente ao espólio, não se faz possível a exclusão do monte partilhável das construções, posto que integradas ao bem imóvel - Recurso principal provido. Pedido inicial julgado improcedente. Apelo adesivo prejudicado".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!