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Tínhamos União Estável porém o falecido só deixou bens anteriores e filhos de outro casamento. Tenho parte na herança sobre aqueles bens?

Agenda 23/10/2023 às 11:56

UNIÃO ESTÁVEL e INVENTÁRIO são dois complexos assuntos que sempre batem à porta do Advogado Civilista (e também das demais áreas, é verdade) mas, seguindo uma excelente recomendação, devem ser tratados por Especialistas. As duas questões se encontram com muita recorrência já que muita gente vive em união estável - inclusive sem a menor preocupação em regularizar seu relacionamento, o que não significa necessariamente se casar - e uma das poucas certezas da vida que temos é sobre o nosso destino: a morte. Não falar de morte não evita a morte mas pode deixar várias situações embaraçosas para os que ficam depois do nosso passamento, especialmente se quem fica é alguém com quem formávamos uma família e então passa a correr riscos de não ter seu direito de herança e meação reconhecidos, por exemplo. São razões que por si só já deveriam bastar para a preocupação com a questão da regularização da União Estável como forma de assegurar e garantir direitos do (a) parceiro (a) e também para planejar a sucessão.

Em se tratando de relação mantida sob a forma de UNIÃO ESTÁVEL (que indiscutivelmente não admite tratamento discriminatório face ao Casamento, sendo apenas mais uma das formas de família admitida pelo ordenamento como já definiram várias vezes os Tribunais) é preciso deixar claro que o artigo 1.790 foi declarado inconstitucional face ao julgamento pelo STF (Temas 498 e 809). Nessa toada, por ocasião do falecimento de quaisquer dos companheiros as regras deverão ser as mesmas utilizadas para o tratamento da sucessão dos cônjuges. A tese lapidada pelo Supremo é a mesma nos dois Temas:

inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002".

Diz a Lei que a questão patrimonial dos companheiros deverá observar, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens, podendo entretanto, esse regime ser afastado caso os mesmos utilizem CONTRATO ESCRITO (que não precisa ser uma Escritura Pública Declaratória de União Estável - embora seja essa nossa recomendação). É claro que no caso da União Estável também valerá a restrição do art. 1.641 que impõe ao casamento, nas hipóteses em que menciona, o regime da SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS - que como sabemos, é diferente da SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS - ou seja, aquela adotada voluntariamente pelo casal, mediante Escritura Pública de Pacto Antenupcial (que é feita em qualquer Cartório de Notas), com fulcro no art. 1.653 do CCB.

No contexto muito comum de aplicação da COMUNHÃO PARCIAL DE BENS (especialmente diante da ausência de contrato escrito, que é a hipótese mais recorrente) é possível afirmar que o (a) companheiro (a) sobrevivente, da mesma forma como o (a) viúvo (a) se fosse o caso de Casamento - poderá concorrer com herdeiros deixados exclusivamente pelo (a) falecido (a), quanto aos bens particulares, sem prejuízo de eventual MEAÇÃO sobre bens havidos durante o período do relacionamento?

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A resposta é positiva, sendo importante desde já recordar que MEAÇÃO não se confunde com HERANÇA. Enquanto uma é oriunda do direito de família, a outra é egressa do direito sucessório. No regime da comunhão parcial de bens a MEAÇÃO incidirá apenas sobre os bens havidos onerosamente a partir do marco inicial do Casamento. No caso da União Estável esse marco nasce com o início da União Estável (e aí já temos um capítulo problemático: qual o marco inicial da União Estável? Quando começou? Quando deixou de ser qualquer coisa para "virar" União Estável?). A regra do art. 1.658 é clara:

"Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento (...)"

Todos os bens excepcionados nesse regime devem ser considerados PARTICULARES - posto que não comuns - dentre eles todos aqueles arrolados no art. 1.659, assim como aqueles do art. 1.661. Nessa exclusão estão, por exemplo, os bens recebidos por DOAÇÃO mesmo se havidos durante a constância da união estável; os bens que os companheiros já possuíam antes da união estável, os recebidos por HERANÇA e os havidos com compra feita com o produto da venda de bens anteriores (sub-rogação).

Nesse contexto é possível afirmar, portanto, que com base na regra do inciso I do art. 1.829, havendo descendentes (inclusive se forem apenas do primeiro casamento/união estável) o (a) companheiro (a) sobrevivente herdará em concorrência com os citados descendentes do (a) falecido (a) - sendo igualmente importante observar as regras dos artigos subsequentes, especialmente o art. 1.830, como confirma a decisão do STJ:

"STJ. REsp 1844229/MT. J. em: 17/08/2021. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. SUCESSÕES. AÇÃO DE HABILITAÇÃO E RECONHECIMENTO DA QUALIDADE DE HERDEIRA NECESSÁRIA. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO INCISO I DO ART. 1.829 DO CC/02. CÔNJUGE SOBREVIVENTE CONCORRE COM HERDEIROS NECESSÁRIOS QUANTO AOS BENS PARTICULARES DO FALECIDO. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. (...). 2. A Segunda Seção do STJ já proclamou que, nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares ( REsp nº 1.368.123/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, DJe de 8/6/2015). 3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694/MG, reconheceu a inconstitucionalidade da distinção promovida pelo art. 1.790 do CC/02, quanto ao regime sucessório entre cônjuges e companheiros. Entendimento aplicável ao caso. 4. Tendo o falecido deixado apenas BENS PARTICULARES que sobrevieram na constância da união estável mantida no regime da comunhão parcial, É CABÍVEL A CONCORRÊNCIA da companheira sobrevivente com os descendentes daquele. 5. A teor do art. 1.830 do CC/02, deve ser reconhecido o direito sucessório ao cônjuge ou companheiro sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados nem judicialmente e nem fato, havendo concurso quanto aos bens particulares 6. Recurso especial provido".

Pois bem, mantida a concorrência teremos possivelmente como resultado uma partilha condominial entre herdeiros e companheira, muitas vezes apenas o início de um resto de vida de muitos conflitos e discórdia - especialmente considerando aí outro importante direito da companheira sobrevivente: O DIREITO DE HABITAÇÃO que desde 2002 é VITALÍCIO e não mais se extingue com novo casamento/nova união estável como ocorria sob o império do CCB/1916.

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

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