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Síndrome de Burnout - diagnóstico responsável de doenças profissionais

Agenda 10/11/2024 às 19:07

A Síndrome de Burnout diferentemente de uma gripe, não se contrai de uma hora para outra. Sua constatação como doença profissional requer avaliação médica capaz de identificar alterações psiquiátricas.

A Síndrome de BURNOUT, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde – OMS como doença profissional em janeiro de 2022 com a inclusão na Classificação Internacional de Doenças – CID sob o CID11, apresenta-se, atualmente, como um fator de risco não só para o trabalhador, mas também e principalmente para a atividade empresarial, porquanto as alegações enfrentadas cotidianamente, podem acarretar cominações tendentes à reparação de eventuais danos morais e materiais, além de encargos que venham a ser suportados pela autarquia previdenciária, a teor do que se acha preceituado no art. 1201, da Lei n.º 8.913/1991.

Mas não se pode ignorar que a Síndrome de Burnout não é uma doença que surge de uma hora para outra, mas que é resultado de um processo evolutivo caracterizado por uma tríade de dimensões que gerarão exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal. Relaciona-se e decorre da organização do trabalho.

No âmbito da psicologia, indica-se sobre a Síndrome de Burnout que o mal, quando detectado em cuidadosa investigação médica, confirma-se por gerar esgotamento psicológico, físico e emocional ordinariamente oriundos do estresse prolongado. Normalmente, está associado ao excesso de trabalho, mas também pode se originar de um estilo de vida doentio, de um relacionamento abusivo, de dificuldades pessoais, embates com terceiros ou da perda de alguém, dentre outros fatores.

Resulta evidente – e tal não se pode ignorar de modo algum – que a Síndrome de Burnout não se caracteriza como patologia que pode, a exemplo de uma gripe, ser contraída e desenvolvida de uma hora para outra.

Atento a tal aspecto e em especial identificando a necessidade de ter-se atuação médica responsável e segura na área de medicina do trabalho, o CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA –CFM editou a RESOLUÇÃO CFM n.º 2323/2022 com o escopo específico de orientar a investigação voltada a segura verificação de estar o trabalhador acometido de doenças, tal como a Síndrome de BURNOUT que, como as sabe e já dito antes, não é contraída de uma hora para outra, mas sempre dependerá de um conjunto de fatores bem explicitados na literatura médica, como se pode conferir a seguir2:

Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros.

A Síndrome de Burnout envolve nervosismo, sofrimentos psicológicos e problemas físicos, como dor de barriga, cansaço excessivo e tonturas. O estresse e a falta de vontade de sair da cama ou de casa, quando constantes, podem indicar o início da doença. Os principais sinais e sintomas que podem indicar a Síndrome de Burnout são:

  • Cansaço excessivo, físico e mental;

  • Dor de cabeça frequente;

  • Alterações no apetite;

  • Insônia;

  • Dificuldades de concentração;

  • Sentimentos de fracasso e insegurança;

  • Negatividade constante;

  • Sentimentos de derrota e desesperança;

  • Sentimentos de incompetência;

  • Alterações repentinas de humor;

  • Isolamento;

  • Fadiga.

  • Pressão alta.

  • Dores musculares.

  • Problemas gastrointestinais.

  • Alteração nos batimentos cardíacos.

Normalmente esses sintomas surgem de forma leve, mas tendem a piorar com o passar dos dias. Por essa razão, muitas pessoas acham que pode ser algo passageiro. Para evitar problemas mais sérios e complicações da doença, é fundamental buscar apoio profissional assim que notar qualquer sinal. Pode ser algo passageiro, como pode ser o início da Síndrome de Burnout.

(Destaques nossos).

Demais disso, cumpre realçar que sempre há de se ter em consideração que eventuais distúrbios psíquicos podem ter origem e resultar de transtornos diversos enfrentados na vida pessoal, os quais também se achavam presentes na vida do trabalhador e que devem ser considerados ou avaliados de modo cuidadoso e responsável, obstando-se eventuais pretensões distorcidas e não condizentes com a realidade vivenciada no âmbito funcional.

Essencial o cuidado no diagnóstico da males de tal natureza que, à toda evidência, não pode dispensar, de modo algum, o que a respeito veio a estatuir, com a autoridade e competência que lhe são inerentes, o CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – CFM, ao editar critérios integrados à RESOLUÇÃO CFM n.º 2.323, de 06.11.2022, que “dispõe de normas específicas para médicos que atendem o trabalhador” e onde se tem, dentre outras disposições, aquelas que a seguir se pede vênia para trazer à colação:

CONSIDERANDO o trabalho como fator adjuvante de determinadas doenças e que o médico é o especialista que detém conhecimento técnico e científico para promover os ajustes no contexto do trabalho;

CONSIDERANDO que o médico do trabalho é um dos principais responsáveis pela promoção, prevenção e recuperação da saúde integral dos trabalhadores, seja no setor público, seja no privado.

[...]

CONSIDERANDO a necessidade de normatizar a atividade dos médicos do trabalho e dos demais médicos que atendam o trabalhador;

CONSIDERANDO a necessidade de normatizar os critérios para estabelecer o nexo causal entre o exercício da atividade laboral e os agravos à saúde;

CONSIDERANDO que todo médico, ao atender seu paciente, deve avaliar a possibilidade de que a causa de determinada doença, alteração clínica ou laboratorial possa estar relacionada ao trabalho;

[...]

Art. 1º. [...]

§ 2º. Na elaboração do atestado médico e prontuário deve o médico assistente observar o contido nas normas do Conselho Federal de Medicina.

§ 3º. O médico do trabalho pode discordar dos termos de atestado médico emitido por outro médico desde que registre no prontuário os achados clínicos que justifiquem a discordância e após realizado o devido exame clínico do trabalhador.

§ 4º. O médico do trabalho, ao ser solicitado pelo médico assistente do trabalhador, deverá produzir relatório com descrição dos riscos ocupacionais e da organização do trabalho e entrega-lo ao trabalhador ou ao seu responsável legal mediante recibo de entrega.

§ 5º. O médico assistente ou especialista, ao ser solicitado pelo médico do trabalho, deverá produzir relatório ou parecer com descrição dos achados clínicos, prognósticos, tratamento e exames complementares realizados que possam estar relacionados às queixas do trabalhador e entrega-lo a ele ou ao seu responsável legal mediante recibo de entrega.

(Destaques nossos).

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A norma, como claramente se percebe, indica um conjunto de protocolos necessários que devem ser observados para o efeito de que se venha a avaliar e a declarar, com a segurança necessária e o desejado nível de responsabilidade profissional, haver nexo causal entre as atividades laborais e os agravos à saúde, consoante prescrições anteriormente transcritas.

Trata-se de ato médico de extrema importância e que não dispensa avaliação atenta e fundamentada a respeito da constatação de alegada doença profissional, mesmo porque os reflexos disto para o trabalhador, para o seu empregador e, por consequência, para a própria Previdência Social, repercutirão de forma grave, razão pela qual tem-se o dever de seguir os procedimentos previstos pelo CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA –CFM, que é de cumprimento obrigatório pelo médico do trabalho e pelo médico assistente.

A relevância e a atenção que são deferidas ao tema no bojo da norma em comento, não se limitam, todavia, aos pontos já trazidos à colação, o que bem evidencia o cuidado emprestado ao assunto pelo CFM que, em disposição especifica, aponta em detalhes os cuidados a serem adotados para evitar-se o cometimento de erros decorrentes de prescrições embasadas em avaliações superficiais e que não atentem para uma investigação cuidadosa em cada situação verificada.

Observe-se mais que ainda se tem no bojo da norma, em detalhamento cuidadoso, critérios que devem ser obrigatoriamente seguidos para o efeito de estabelecer, com responsabilidade, o nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades laborais, como se pode conferir a seguir:

“.......................................................................................................................................

Art. 2º: Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além da anamnese, do exame clínico presencial (físico e mental), de relatórios e de exames complementares, é dever do médico considerar:

I –A história clínica e ocupacional atual e pregressa, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal;

II –O estudo do local de trabalho;

III –O estudo da organização do trabalho;

IV –Os dados epidemiológicos;

V –A literatura científica;

VI –A ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhadores expostos a riscos semelhantes;

VII –A identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros;

VIII –O depoimento e a experiência dos trabalhadores;

IX –Os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.

Parágrafo único. Ao médico assistente é vedado determinar nexo causal entre doença e trabalho sem observar o contido neste artigo e seus incisos.

.......................................................................................................................................”

(Destaques nossos).

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Assim, ao deparar-se com queixas que possam, eventualmente, conduzir ao diagnóstico de doença profissional, tem o médico assistente o dever de observar os procedimentos fixados com tal finalidade, pena de incorrer em graves faltas éticas ao afirmar a presença de transtorno da saúde não investigado adequadamente, acarretando graves danos a terceiros em face de seu descompromisso e desatenção com a conduta médica fixada em caráter obrigatório pelo CFM.

E ao se deparar com situações de tal natureza, deverá atentar o Judiciário Trabalhista, com o poder e competência que lhe são inerentes, para que não sejam deferidas tutelas provisórias e de urgência sem que se tenha promovido prévia e cuidadosa investigação da condição do trabalhador, respeitando-se os parâmetros médicos especificados pelo CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – CFM, pois doenças psiquiátricas não surgem de uma hora para outra e merecem análise cuidadosa, inclusive com perícia médica conduzida por perito com formação em psiquiatria.

O exame de vv. arestos editados sobre o tema em comento, permitem entrever o cuidado que se deve ter ao avaliar casos em que se tem tais alegações especialmente para não imputar-se, ao empregador, encargos lesivos e incompatíveis às condições efetivamente vivenciadas pelo trabalhador enquanto esteve a seu serviço. Calha, a respeito, trazer à colação v. decisão que pode contribuir para a prolação de outras decisões ponderadas e justas sobre o assunto enfocado, conforme segue:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. TUTELA DE URGÊNCIA. REINTEGRAÇÃO. INAPTIDÃO PARA O TRABALHO NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

1. Mandado de segurança impetrado pela Reclamante em face de decisão do Juízo de primeira instância, em que indeferido o pleito de reintegração ao emprego, deduzido em sede de tutela de urgência na reclamação trabalhista.

2. A dispensa do empregado, ressalvados os casos de estabilidade e garantia provisória de emprego, ou ainda de abuso de direito (art. 187 do CCB c/c a OJ 142 da SBDI-2/TST), insere-se no direito potestativo do empregador, a quem caberá honrar os haveres rescisórios previstos em lei.

3. No caso, a Impetrante não estava amparada por garantia de emprego e também não demonstrou inaptidão para o trabalho no momento da dispensa ou no curso do aviso prévio. Insuficiente o laudo emitido por médico particular que, a despeito de atestar síndrome de Burnout e transtorno de ansiedade, não reporta incapacidade laborativa ou necessidade de afastamento da atividade produtiva. Não há histórico de doença no curso do contrato de trabalho, tampouco notícia de concessão de benefício previdenciário, valendo registrar que o benefício B-31, requerido após a rescisão contratual, foi indeferido pelo INSS.

4. Portanto, a Autoridade dita coatora, ao indeferir a antecipação dos efeitos da tutela, não violou direito líquido e certo da trabalhadora, tendo agido conforme seu poder geral de cautela e em observância às provas dos autos, as quais foram reputadas insuficientes para a formação de seu convencimento em análise perfunctória, sendo necessária dilação probatória na ação matriz, o que inviabiliza o presente writ . Recurso ordinário conhecido e não provido .

(TST - ROT: 01014965420225010000, Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 15/08/2023, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 18/08/2023)

(Destaques nossos).

Em conclusão, e sem que se tenha esgotado suficientemente diversos outros aspectos relevantes a respeito de tema induvidosamente controverso, cumpre ressaltar que não se pode admitir que se conclua ser o trabalhador portador de doenças psiquiátricas, dentre elas a Síndrome de Burnout sem que se promova previamente uma avaliação das condições de trabalho a que se achava submetido, responsabilidades rotineiramente cometidas, encargos que deveriam ser cumpridos e que poderiam constituir-se em focos de estresse e esgotamento mental, histórico médico verificado por meio de exames periódicos, eventuais afastamentos previdenciários anteriores, regularidade no gozo de férias, entre outros aspectos relevantes.

Constatando-se ter o trabalhador sempre sido submetido a exames periódicos sem indicação segura e mediante avaliação médica cuidadosa de alterações psicológicas ou psiquiátricas, descabido falar-se no desenvolvido de doença profissional, menos ainda para deferir-se eventual reintegração no emprego após o seu regular desligamento.


  1. Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

  2. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sindrome-de-burnout#:~:text=dos%20primeiros%20sintomas.- Sintomas,indicar%20o%20in%C3%ADcio%20da%20doen%C3%A7a. Acesso em 10.07.2023

Sobre o autor
Airton Rocha Nobrega

Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Síndrome de Burnout - diagnóstico responsável de doenças profissionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7802, 10 nov. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106773. Acesso em: 23 dez. 2024.

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