ENTÃO VOCÊ está buscando a regularização do seu imóvel, a obtenção do tão sonhado "RGI em seu nome" para com isso ter mais segurança e tranquilidade, sabendo que a sua casa agora está registrada em seu nome porém descobre - infelizmente - que seu imóvel não tem registro em Cartório. Mas como isso pode ser possível?
Sim, a situação inusitada não é tão rara como se imagina e geralmente ela é a surpresa que acompanha uma aquisição irregular. Como sempre falamos aqui, a compra de um imóvel deve ser precedida de diversas cautelas mas a principal delas deve ser o EXAME DA ORIGEM REGISTRAL do imóvel, exame esse a ser feito pela CERTIDÃO DA MATRÍCULA IMOBILIÁRIA.
CERTIDÕES são documentos expedidos pelos Cartórios que vão dar CERTEZA sobre algum fato que diga respeito às suas atribuições e acervo. O Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro é categórico:
"Art. 82. Os tabelionatos e ofícios de registros fornecerão certidões, físicas ou eletrônicas, relativas aos atos por eles praticados, observadas as disposições legais.
(...)
Art. 86. A certidão será fornecida em até 3 (três) dias úteis, salvo disposição legal em contrário, mediante requerimento escrito ou eletrônico, contados do seu recebimento, e observada, sempre que possível, a ordem cronológica de sua apresentação.
Art. 87. É vedado ao responsável expedir certidão sobre fatos estranhos a sua atribuição".
Nem todos os colegas Advogados sabem (e muitas serventias parecem não saber, curiosamente) mas temos importantes novidades com a Lei 14.382/2022, especialmente sobre o PRAZO para expedição das certidões em geral e, especificamente no RGI sobre o que agora deve atestar a CERTIDÃO DO INTEIRO TEOR DA MATRÍCULA. É sempre bom recordar:
"Art. 19. A certidão será lavrada em INTEIRO TEOR, em RESUMO, ou em RELATÓRIO, CONFORME QUESITOS, e devidamente autenticada pelo oficial ou seus substitutos legais, não podendo ser retardada por mais de 5 (cinco) dias.
(...)
§ 10. As certidões do REGISTRO DE IMÓVEIS, inclusive aquelas de que trata o § 6º deste artigo, serão emitidas nos seguintes prazos máximos, contados a partir do pagamento dos emolumentos:
I - 4 (quatro) horas, para a CERTIDÃO DE INTEIRO TEOR DA MATRÍCULA ou do livro auxiliar, em meio eletrônico, requerida no horário de expediente, desde que fornecido pelo usuário o respectivo número;
II - 1 (um) dia, para a CERTIDÃO DA SITUAÇÃO JURÍDICA atualizada do imóvel; e
III - 5 (cinco) dias, para a CERTIDÃO DE TRANSCRIÇÕES e para os demais casos.
§ 11. No âmbito do registro de imóveis, a certidão de inteiro teor da matrícula conterá a reprodução de todo seu conteúdo e será suficiente para fins de comprovação de propriedade, direitos, ônus reais e restrições sobre o imóvel, independentemente de certificação específica pelo oficial".
Pois bem, como sempre orientamos, em sede de regularização imobiliária a busca da ORIGEM REGISTRAL do imóvel, assim como o exame de todo o seu histórico é um passo imprescindível e inafastável - e tudo isso começa com a busca a ser feita junto ao CARTÓRIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS responsável pela circunscrição imobiliária, onde teremos (ou pelo menos deveríamos ter) todo o acervo daquela unidade que se pretende regularizar; mas o que fazer se ao buscar o Cartório nos deparamos com uma CERTIDÃO DE NADA CONSTA a respeito do imóvel pretendido? Será possível ainda assim regularizar o imóvel?
A resposta é positiva e o exame do caso concreto juntamente com essa informação servirá de base para auxiliar na escolha da melhor ferramenta disponível para a regularização do imóvel. Como todos sabemos a USUCAPIÃO é uma excelente ferramenta disponível para regularização de imóveis, sendo possível seu reconhecimento inclusive SEM PROCESSO JUDICIAL - o que não necessariamente significa que seja obtida de modo muito mais rápido e fácil - através da via EXTRAJUDICIAL, sempre com a obrigatória participação de ADVOGADO.
O fato de não ter matrícula não pode ser impeditivo para a regularização via Usucapião especialmente porque, reconhecida a Usucapião uma vez presentes os requisitos exigidos pela Lei, de acordo com a modalidade escolhida, uma NOVA MATRÍCULA deverá ser aberta no fólio registral, como aponta por exemplo, o artigo 20 do PROVIMENTO CNJ 65/2017 para a Usucapião na modalidade Extrajudicial. Ademais, sempre bom lembrar que dentre os requisitos exigidos para a Usucapião não está a prévia existência de matrícula imobiliária. O artigo 20 do Provimento determina com clareza solar:
"Art. 20. O registro do reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel implica ABERTURA DE NOVA MATRÍCULA".
A decisão do TJDFT que cassou a sentença do juízo de piso que exigia a matrícula como "pressuposto" para a Ação de Usucapião é brilhante, irretocável e merece ser prestigiada:
"TJDF. 07392875620208070001. J. em: 28/06/2022. APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. (...) AÇÃO DE USUCAPIÃO. FRAÇÃO DE IMÓVEL PARTICULAR. AUSÊNCIA DE MATRÍCULA INDIVIDUALIZADA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO PROCESSAMENTO DA DEMANDA. SENTENÇA CASSADA. (...). 1. (...). 2. A Usucapião é um modo originário de aquisição da propriedade, que exige o cumprimento dos requisitos definidos expressamente em lei, entre os quais NÃO está prevista a NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE MATRÍCULA individualizada do imóvel. 3. Embora seja exigível que o imóvel usucapiendo esteja individualizado e possua delimitações claras, o que se garante mediante a citação pessoal de todos os confinantes e a publicação de editais para conhecimento de terceiros eventualmente interessados na lide ( CPC/15, artigos 246, § 3º e 259, I), NÃO HÁ NORMA que exija a existência de matrícula imobiliária individualizada, como pressuposto para o processamento da Ação de Usucapião. 4. Tal exigência implicaria a criação de um requisito não previsto em lei para a aquisição originária da propriedade pela Usucapião, bem como o esvaziamento do instituto. Precedentes deste eg. TJDFT e do c. STJ. 5. Da análise sistemática da legislação que rege as diversas espécies de Usucapião, depreende-se que a irregularidade decorrente da ausência de matrícula individualizada do imóvel não é um empecilho à aquisição originária da propriedade pela via da Usucapião, mas, diferentemente, essa (Usucapião) é que constitui um dos instrumentos de regularização fundiária, expressamente elencado no Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/01, com vistas ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade. 6. A cassação da r. sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito implica a perda de objeto das Apelações interpostas pela Ré e pelo Terceiro Interessado, com vistas à majoração do valor dos honorários advocatícios. 7. Apelação dos Autores conhecida e provida. Apelações da Ré e do Terceiro Interessado julgadas prejudicadas".