Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Jusnaturalismo e positivismo juridico: diferenças conceituais e aproximações

Agenda 23/10/2023 às 15:54

RESUMO: É fato que o homem sempre seguiu as regras morais, sociais e jurídicas. Diante desta primícia, nos defrontamos com algumas bases, principalmente com pensadores que norteiam a vida em sociedade. No campo jurídico encontramos duas correntes filosóficas que visam conceituar o Direito, especialmente em relação à moral e a modalidade das normas. As duas correntes nos dão alguns conceitos sobre o direito como positivo e natural. Os juspositivistas, defendem a norma posta como fonte única e primária do direito em que, o que é justo está escrito na lei concreta criada pelo Estado, desta feita seu sistema jurídico torna-se completo e autossuficiente. Para o os jusnaturalistas, o direito natural antecede as normas escritas pelo Estado, surge pela vontade divina, ou ainda, da razão, seu ideal de justiça nasce de um conjunto de valores e pretensões humanas legítimas e não outorgadas pelo Estado. Ao decorrer do presente artigo vamos buscar discorrer sobre as duas correntes, seus significados, suas diferenças, e vislumbrar as aproximações que existem entre elas

PALAVRAS-CHAVE: Jusnaturalismo; Positivismo; Positivismo Jurídico; Direito Natural; Direito Positivo; Juspositivismo.

SUMÁRIO: 1. Jusnaturalismo; 1.1. Conceitos d Jusnaturalismo; 2. Juspositivismo; 2.1. Positivismo; 2.2. Positivismo segundo a teoria pura de Kelsen; 2.3. Thomas de Aquino e a Lei Positiva; 2.4. Origem do positivismo jurídico; 2.5. Espécies do positivismo jurídico; 2.5.1. Positivismo Exclusivo ou Radical; 2.5.2. Positivismo Jurídico Inclusivo ou moderado: 3.. Principais diferenças entre Jusnaturalismo e Juspositivismo; 4. Relação entre Jusnaturalismo e Juspositivismo; 5. Referências.

  1. JUSNATURALISMO

O jusnaturalismo também denominado direito natural é universal, imutável e inviolável, é a lei imposta pela natureza a todos aqueles que se encontram em tal estado, defende que o direito é independente da vontade humana, existindo, antes mesmo do homem e acima das leis do homem, para os jusnaturalistas o direito é algo natural e tem como pressupostos os valores do ser humano, e busca sempre um ideal de justiça.

A concepção jusnaturalista foi o resultado de transformações econômicas e sociais que impuseram mudanças na concepção de poder do Estado, que passou a ser compreendido como uma instituição criada através do contrato social.

O declínio das relações feudais de produção, desenvolvimento econômico da burguesia, a Reforma Protestante, as revoltas camponesas e as guerras ocorridas durante o processo de formação do capitalismo propiciaram uma nova situação social. Em oposição aos privilégios da nobreza, a burguesia não podia invocar o sangue e a família para justificar sua ascensão econômica. Em outras palavras, a partir da secularização do pensamento político, os intelectuais do século XVII foram em busca de respostas no âmbito da razão, como justificativa do poder do Estado. Porém, não se tratava de uma busca histórica, mas sim de uma explicação lógica que justificasse a ordem social representada pelos interesses da burguesia em ascensão.

O filosofo Thomas Hobbes1, define o “estado de natureza” como o direito e a liberdade de cada um para usar todo o seu poder, inclusive a força, para preservar a sua natureza e satisfazer os seus desejos. A violência é uma possibilidade constante e pode ocorrer da forma mais imprevisível. Para que assegurar a paz e segurança, os homens devem concordar conjuntamente em renunciar ao seu direito de natureza, em nome de um soberano. É o contrato social. O contrato cria o soberano: todos os membros se tornam seus súditos, logo, todos lhe devem obediência. Afinal, o soberano concentra em si toda a força à qual renunciaram todos os homens. Hobbes ainda postula, em sua obra “Leviatã” que: A liberdade que cada homem tem de usar livremente o próprio poder para a conservação da vida e, portanto, para fazer tudo aquilo que o juízo e a razão considerem como os meios idôneos para a consecução desse fim.

Já Jonh Locke2, pondera a seguinte questão: como criar uma teoria que conciliasse a liberdade dos cidadãos com a manutenção da ordem política?

Como Hobbes, Locke defende que apenas o contrato torna legítimo o poder do Estado, mas não considera que o estado de natureza como uma situação de guerra. Porém, cada um é juiz em causa própria, o que pode desestabilizar as relações entre os homens. considera o trabalho como fundamento originário da propriedade,

1.1. Características do jusnaturalismo

O Jusnaturalismo se afigura como uma corrente jurisfilosófica de fundamentação do direito justo que remonta às representações primitivas da ordem legal de origem divina, passando pelos sofistas, estóicos, padres da igreja, escolásticos, racionalistas dos séculos XVII e XVIII, até a filosofia do direito natural do século XX.

- Jusnaturalismo Cosmológico - vigente na antiguidade clássica;

- Jusnaturalismo Teológico - surgido na Idade Média, tendo como fundamento jurídico a idéia da divindade como um ser onipotente, onisciente e onipresente;

- Jusnaturalismo Racionalista - surgido no seio das revoluções liberais burgueses do século XVII e XVIII, tendo como fundamento a razão humana universal;

- Jusnaturalismo Contemporâneo - gestado no século XX, que enraíza a justiça no plano histórico e social, atentando para as diversas acepções culturais acerca do direito justo.

Do ponto de vista Jurisfilosófico, a doutrina jusnaturalista desempenhou a função relevante de sinalizar a necessidade de um tratamento axiológico para o direito. Isto porque o jusnaturalismo permite uma tematização dos valores jurídicos, abrindo espaço para a discussão sobre a justiça e sobre os critérios de edificação de um direito justo.

Auto de Castro3 (1954, p.28), salienta que, em face da necessidade de delimitar o que seja o direito justo, a doutrina jusnaturalista não logra oferecer uma proposta satisfatória de compreensão dos liames mantidos entre direito, legitimidade e justiça. Ao encerrar o jusnaturalismo todos os postulados metafísicos, resta demonstrado que a epistemologia jurídica, em consonância com os resultados da teoria do conhecimento, não reconhece os títulos de legitimidade da doutrina do direito natural. Eis os motivos:

O jusnaturalismo confunde os planos do ser e do dever ser, porque, para a grande maioria dos jusnaturalistas, o direito injusto seria descaracterizado como fenômeno jurídico. Para que um fenômeno ético merecesse a nomenclatura direito deveria estar em consonância com a justiça, sob pena de configurar a imposição o arbítrio ou da força por um poder constituído;

Os jusnaturalistas não visualizam a bipolaridade axiológica: todo valor é correlato a um desvalor. Os valores humanos estão estruturados em binômios, tais como: justo ou injusto, útil ou inútil, sagrado ou profano, ou ainda, belo ou feio. Isto, portanto, não autoriza a assertiva de que o direito injusto não é direito, pois os juízos de fato e de valor se situam em planos distintos de apreensão cognitiva;

A compreensão da justiça como uma estimativa a-histórica, temporal e espacial, em que pese a crítica do jusnaturalismo contemporâneo, merece sérias objeções. O justo não pode ser concebido como um valor ideal e absoluto, envolto em nuvens metafísicas, visto que a axiologia jurídica contemporânea já demonstrou como o direito é um objeto cultural e como a justiça figura como um valor histórico-social, enraizado no valor da cultura humana. O conceito de justiça é, pois, sempre relativo, condicionado ao tempo e ao espaço; o jusnaturalismo acaba por identificar os atributos normativos da validade e legitimidade, ao afirmar que a norma jurídica vale se for justa, o que compromete as exigências de ordem e segurança jurídica, que se traduzem no respeito à legalidade dos Estados Democráticos de Direito.

O jusnaturalismo manejou para o surgimento do positivismo jurídico, assim entendido juspositivismo.

  1. Juspositivismo

Juspositivismo ou positivismo jurídico é uma corrente de filósofos que utilizam do método empírico para adequar o direito apenas em seu direito positivo, ou seja, apenas será trabalhado as questões positivadas. Essas normas positivadas são feitas pelo poder político do Estado, e assim são aplicadas pelas autoridades efetivamente competentes.

O direito positivo é aquele que o Estado impõe à coletividade, e que deve estar adaptado aos princípios fundamentais do direito natural. Portanto, a norma tem natureza formal, independem de critérios externos ao direito, como exemplo: moral, ética e política. Definido por elementos empíricos e mutáveis, pois a sociedade está em constante mutação.

Ao contrário do que defende a corrente jusnaturalista, a Corrente Juspositivista acredita que só pode existir o direito e consequentemente a justiça através de normas positivadas, ou seja, normas emanadas pelo Estado com poder coercivo.

  1. Positivismo

O positivismo é uma corrente filosófica que surgiu na França no começo do século XIX. Cujo seus principais idealizadores foram os pensadores Augusto Comte4 e John Stuart Mill5. Tal escola filosófica ganhou força na Europa na segunda metade do século XIX e começo do XX, período em que chegou ao Brasil.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O filósofo Augusto Comte, entendia que o conhecimento científico sistemático é baseado em observações empíricas, na observação de fenômenos concretos, passíveis de serem apreendidos pelos sentidos do homem. Não apenas isso, o positivismo é a ideia da construção do conhecimento pela apreensão empírica do mundo, buscando descobrir as leis gerais que regem os fenômenos observáveis.

Para Comte, a busca pelo conhecimento positivo constituiria a principal forma de construção de conhecimento do homem, de forma a produzir um real conhecimento com o objetivo último de compreender as leis que constituem e regem as interações entre indivíduos e fenômenos no mundo social, independente do tempo ou do espaço no qual se encontram.

Tal pensamento se construía em paralelo aos acontecimentos históricos de sua época. A revolução francesa e a crescente industrialização da sociedade trouxeram à tona novos problemas e novas formas observáveis de processos de mudanças profundas na vida da sociedade tradicional da época. Comte buscava a criação de uma ciência da sociedade capaz de explicar e compreender todos esses fenômenos da mesma forma que as ciências naturais buscavam interpelar seus objetos de estudo. Ele acreditava ser possível entender as leis que regem nosso mundo social, ajudando-nos a compreender os processos sociais e dando-nos controle direto sobre os rumos que nossas sociedades tomariam, acreditando ser possível dessa forma prever e tratar os males sociais que nos afligiriam tal como trataríamos um corpo enfermo.

A construção do conhecimento positivo só seria possível, então, por meio da observação dos fenômenos em seu contexto físico, palpável, ao alcance dos nossos sentidos e submetidos à experiência. Este seria o papel da ciência, a compreensão dos fenômenos passíveis de observação sensorial direta, com o intuito de entender, por meio da experiência, as relações entre esses fenômenos, de forma a abstrair as leis que regem as interações para que, assim, seja possível predizer como os acontecimentos envolvidos em determinado fenômeno se darão. A ciência e o método científico são a síntese das ideias positivistas.

  1. Positivismo Segundo a Teoria Pura do Direito de Kelsen

Hans Kelsen6 sustenta a necessidade lógica de pressupor a existência de uma norma fundamental que seria" a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa ". Assim, a norma fundamental ordenaria que todos se conduzam de acordo com as normas positivas supremas do ordenamento e atribuiria validade a todas as normas decorrentes da manifestação da vontade do criador dessas normas supremas.

Em meio à grande influência das teorias sociologistas que buscavam dar novos critérios de justiça na aplicação do Direito, Kelsen propôs uma nova teoria positivista fundada em uma forte separação entre o Direito e a Ciência do Direito. Enquanto a segunda é" pura ", isto é, é um conhecimento científico, descritivo de fatos sociais (o Direito positivo); o primeiro é inexoravelmente invadido por valores morais e pela política.

Assim, de um lado, o cientista do Direito é plenamente capaz de determinar o sentido das normas jurídicas através da interpretação em abstrato; mas, de outro lado, na aplicação a ser feita pelos juízes (tendo em vista o caso concreto), impera a vontade do aplicador. Assim, Kelsen entende que a aplicação do Direito pelos juízes era um ato de vontade, de política jurídica, que podia, inclusive, escolher sentidos fora das hipóteses presentes na moldura normativa (interpretação científica). Deste modo, o centro da teoria pura é uma cisão entre descrição e prescrição, entre ser e dever ser.

2.3. Tomás de Aquino7 e a lei positiva

O termo "lei positiva" foi primeiramente colocado em grande circulação filosófica por Tomás de Aquino. A teoria do direito natural aceita que a lei pode ser considerada e falada tanto como um simples fato social de poder e prática, como um conjunto de razões para a ação que pode ser e muitas vezes são sólidas como razões e, portanto, normativas para pessoas razoáveis por elas abordadas. Esse duplo caráter do direito positivo é pressuposto pelo conhecido bordão "As leis injustas não são leis".

2.4. Origem do positivismo jurídico

O termo “positivismo jurídico” decorre da preocupação de estudar, de maneira isolada, o direito posto por uma autoridade, o ius positivum ou ius positum. Pesquisas históricas revelam que termos relacionados com a positividade do direito foram utilizados na Europa a partir da terceira década do século XII, para indicar o direito criado e imposto pelos legisladores. O termo iustitia positiva se encontra na obra Didascalicon, de Hugo de Saint-Victor8, escrita provavelmente em 1127. A mais antiga referência ao termo ius positivum foi identificada em texto de Thierry de Chartres9

Ser positivista em âmbito jurídico significa, até hoje, escolher como exclusivo objeto de estudo o direito posto por uma autoridade.

2.5. Espécies de positivismo jurídico

O positivismo jurídico é uma corrente da filosofia do direito amplamente debatida atualmente. Os teóricos do positivismo jurídico divergem sobre os fatos sociais que definem o direito, tais como: a vontade do legislador, a vontade do aplicador do direito, a eficácia social das normas, o reconhecimento pelas autoridades e pelos cidadãos e a existência de uma norma suprema e pressuposta que indica qual conjunto de normas possui validade jurídica.

Divergem também sobre as características do sistema jurídico, por exemplo, sobre se a finalidade do direito é a de garantir segurança jurídica e paz social e sobre a importância da sanção e da coerção na definição do direito.

Neste contexto identificamos duas importantes correntes teóricas: Positivismo jurídico inclusivo ou moderado e o Positivismo jurídico exclusivo ou radical.

2.5.1. Positivismo jurídico exclusivo ou radical

A primeira abordagem é conhecida como positivismo jurídico exclusivo; anti-incorporacionismo; positivismo radical ou inflexível. Seu mais conhecido representante é Joseph Raz10, apesar de os referidos termos terem sido propostos não por ele, mas por críticos de sua abordagem.

O próprio Raz prefere indicar sua abordagem como strong social thesi ou sources thesis, sendo que em publicações mais recentes questiona fortemente a possibilidade de conciliar sua teoria com a de outros autores que são considerados positivistas, pondo em dúvida o próprio conceito de positivismo

Um conceito crucial da abordagem de Raz sobre o positivismo exclusivo é a autoridade, tida como única fonte do direito.

Para Raz, exerce-se “autoridade” quando são reunidas duas condições: quando os destinatários do comando obedecem porque confiam na autoridade ou se sentem por ela intimidados – e não porque agiriam da mesma forma se a autoridade não tivesse emitido o comando, ou quando as ordens da autoridade são obedecidas independentemente do juízo de valor que o destinatário faz sobre essas. Isso significa que as razões que oferece a autoridade conseguem “vencer” as razões do próprio interessado que acaba seguindo a autoridade mesmo contra a sua convicção. Em virtude disso, Raz considera que a atuação de autoridade facilita a vida social, já que as pessoas obedecerem prontamente, sem dever sopesar argumentos a favor e contra determinada conduta.

Ainda segundo Raz, fonte de validade do direito é a autoridade nesse sentido. A moral não deve ser utilizada como critério de identificação do direito positivo porque não apresenta relevância para a constatação da validade jurídica ou para a interpretação das normas vigentes. A validade decorre da existência de fatos sociais capazes de atribuir validade (“autoridade”) e a interpretação – à qual os exclusivistas pouco se referem – é de competência dos órgãos estatais, sem que seja possível impor limitações externas, decorrentes de considerações morais.

2.5.2. Positivismo jurídico inclusivo ou moderado

O positivismo jurídico inclusivo ou moderado é adotado por muitos autores contemporâneos, podendo citar os nomes, Jules Coleman11 e Wilfrid Waluchow12. O próprio Hart13, em texto postumamente publicado, considerou que sua visão sobre o direito corresponde “àquilo que foi designado como ‘positivismo flexível’”.

Os valores morais não são sempre decisivos para definir e aplicar o direito. Mas, em certas sociedades, pode haver uma convenção social impondo levar em consideração a moral para determinar a validade e para interpretar normas jurídicas. Acreditam na possível existência de sistemas jurídicos que adotam “critérios de juridicidade de cunho moral": “O caráter jurídico de normas pode depender algumas vezes de seus méritos morais substanciais e não somente de sua origem ou fonte social”.

Pode ocorrer que, em determinado território e momento, sejam reconhecidos como jurídicos regulamentos feitos “conforme a justiça”, “promovendo o bem-estar de todos”, “segundo valores morais da comunidade” segundo a “moralidade política” ou, nas palavras de Hart, “conforme princípios morais e valores substantivos”. Em tais situações, uma norma jurídica só é válida se for submetida e aprovada em “exame moral”, dependendo sua validade e a forma de aplicação de qualidades morais, conforme decisão do aplicador.

  1. Diferenças entre jusnaturalismo e juspositivismo

Em Norberto Bobbio14 (1999, pp. 22-23), vislumbra-se que:

O Direito Positivo - corresponderia ao fenômeno jurídico concreto, apreendido através dos órgãos sensoriais, sendo, deste modo, o fenômeno jurídico empiricamente verificável, tal como ele se expressa através das fontes de direito, especialmente, aquelas de origem estatal, enquanto o Direito Natural - corresponderia a uma exigência perene, eterna ou imutável de um direito justo, representada por um valor transcendental ou metafísico de justiça.

JUSNATURALISMO

POSITIVISMO JURIDÍCO

Leis superiores.

Leis impostas

Direito como produto de ideias (Metafísico).

Leis como produto da ação humana (empírico-cultural).

Pressuposto: Valores.

Pressuposto: o próprio ordenamento positivo.

Existência de leis naturais.

Existência de leis formais

Ainda segundo Bobbio, o jusnaturalismo é a superioridade do direito natural em face do direito positivo. Neste sentido, o direito positivo deveria, conforme a doutrina jusnaturalista, adequar-se aos parâmetros imutáveis e eternos de justiça. O direito natural enquanto representativo da justiça serviria como referencial valorativo (o direito positivo deve ser justo) e ontológico (o direito positivo injusto deixa de apresentar juridicidade), sob pena da ordem jurídica identificar-se com a força ou o mero arbítrio. Neste sentido, o direito vale caso seja justo e, pois, legítimo, daí resultando a subordinação da validade à legitimidade da ordem jurídica.

As diferenças entre o jusnaturalismo e o positivismo jurídico são bastante significativas, e podemos abordá-las em diversos aspectos.

Na Origem do Direito, no Jusnaturalismo o direito possui uma fundamentação natural, ou seja, é anterior ao Estado e à sociedade; enquanto no Positivismo Jurídico: O direito é uma criação do Estado e depende da sua positivação para ter validade.

Os jusnaturalista consideram que o direito natural é superior ao direito positivo, ou seja, as leis criadas pelo Estado devem estar em conformidade com o direito natural; enquanto os positivistas, consideram que o direito positivo é o único que tem validade e deve ser seguido pelos indivíduos, independentemente da sua conformidade com o direito natural.

Na Criação do Direito, o Jusnaturalismo considerado como o direito natural, sendo esta, uma criação da natureza humana, não dependendo da vontade do legislador. Já o Positivismo Jurídico é considerado que o direito é criado pelo Estado por meio da vontade do legislador.

Quanto a Validade das Leis, temos a consideração dos jusnaturalistas que as leis devem estar em conformidade com o direito natural para serem legítimas; enquanto para os positivistas, a validade das leis depende da sua inclusão em um sistema jurídico.

Em suma, o jusnaturalismo e o positivismo jurídico são correntes do pensamento jurídico que possuem fundamentos distintos. Enquanto o jusnaturalismo defende que o direito possui uma fundamentação natural e que as leis devem estar em conformidade com o direito natural, o positivismo jurídico defende que o direito é uma construção social e que a validade das leis depende da sua inclusão em um sistema jurídico.

É importante ressaltar que ambas as correntes possuem vantagens e desvantagens, e que a escolha de uma ou outra deve ser feita de acordo com as circunstâncias específicas de cada caso. Cabe aos juristas e estudiosos do direito avaliar as vantagens e desvantagens de cada corrente e escolher a que melhor se adequa às suas necessidades.

  1. Relação entre o jusnaturalismo e o Juspositivismo

No que tange à definição de direito natural e direito positivo coexistindo sem sua hierarquização, podemos afirmar que se contrapõe tanto ao jusnaturalismo quanto ao positivismo porque, embora admita a dualidade, nega a superioridade do direito natural sobre o positivo. Em relação ao positivismo porque admite a existência do direito natural, ou seja, nega a tese da exclusividade do direito positivo.

Já a alternativa da existência somente do direito natural, se contrapõe ao positivismo porque, embora admita a exclusividade de uma forma de direito, trata somente do direito natural. Em relação ao jusnaturalismo porque não admite a dualidade.

Na terceira possibilidade do direito positivo superior ao direito natural, há uma diferença porque embora conceba a dualidade, sustenta a supremacia inversa ao jusnaturalismo, isto é, o direito positivo é superior ao direito natural.

No que se refere ao positivismo a crítica ocorre porque não admite a exclusividade do direito positivo. Como podemos observar o jusnaturalismo sustenta necessariamente a dualidade e a superioridade do direito natural sobre o positivo. Essa superioridade tem sido defendida de várias maneiras. Nesse sentido se faz necessário uma caracterização das três maneiras tradicionalmente aceitas de jusnaturalismo procurando definir direito positivo a partir do direito natural.

A primeira delas é conhecida como escolástica, a qual define o direito natural como um conjunto de princípios gerais éticos que servem ao legislador, de inspiração para elaborar o direito positivo. Segundo Bobbio (1995) as leis positivas derivam dos princípios éticos naturais por obra do legislador de duas maneiras; ou por conclusão ou por determinação. Na primeira situação a lei positiva deriva de um processo lógico semelhante à conclusão de um silogismo. Na segunda situação a lei positiva deriva por determinação, isto é, quando a lei natural é muito geral exigindo do direito positivo o modo concreto de aplicação desse princípio geral. Já a segunda forma de jusnaturalismo, conhecida como racionalista, define o direito natural como um conjunto de dictamina rectae rationis que fornecem o conteúdo para a regulamentação das normas. Isso significa que o direito natural fornece o conteúdo para a formação das normas do direito positivo e, este último, trata dos meios práticos para que as normas possam se tornar efetivas. Dessa maneira, direito positivo nada mais é do que todo conteúdo do direito natural somado a coação. “O direito positivo é entendido como direito natural mais coação”

Portanto, o que muda com a formação do direito positivo é a forma (por coação) não o conteúdo da norma. Assim, Bobbio admite em sua exposição que o direito positivo possibilita a aplicação do direito natural e o direto é todo natural exceto a legitimação. Segundo ele: O estado civil nasce não para anular o direito natural, mas para possibilitar seu exercício através da coação.

O direito estatal e o direito natural não estão numa relação de antítese, mas de integração. O que muda na passagem não é a substância, mas a forma; não é, portanto, o conteúdo da regra, mas o modo de fazê-la valer. Por último, a terceira forma de jusnaturalismo conhecida como concepção Hobbesiana aponta que o direto natural cumpre somente a função de fornecer o fundamento ao poder do legislador para elaborar o direito positivo. Em outras palavras, garante a legitimidade do poder ao legislador para que este possa criar a ordem positiva e obrigando os súditos a obedecerem ao pacto. Dessa maneira, o direito natural se caracteriza a partir da norma que obriga cumprir as promessas do pacto. Além disso, as regras derivam da vontade do legislador e não de instância superior como ocorre nas formas anteriores. Assim, o direito natural é todo positivo, exceto, a legitimação.

Porém, diante dessas três concepções de jusnaturalismo, Bobbio procura demonstrar que é possível apontar algumas críticas a partir da perspectiva positivista. A crítica, em relação a primeira forma, se deve ao fato de os positivistas não aceitarem princípios éticos universais ou absolutos, ou leis imutáveis porque elas sofrem alterações em vistas das mudanças que ocorrem na sociedade e, consequentemente, nos valores.

Em relação à segunda tese, o que torna uma conduta em regra não é o direito e estado no pensamento de Emanuel Kant, pois nenhum deles é privilegiado, mas o modo de criação ou execução.

Em relação à terceira forma, os positivistas não admitem que o fundamento esteja em outra forma de direito, mas sim no chamado princípio de efetividade. O que deve ser entendido por efetividade não corresponde ao conceito de eficácia porque nem todos os positivistas aceitariam.

Efetividade significa o princípio concreto do ordenamento jurídico, que garante a legitimidade do direito. As normas são obedecidas por ordem positiva emanada diretamente do ordenamento e não por um princípio ou elemento exterior ao ordenamento jurídico.

O motivo para o cumprimento de uma norma não deve ser por obediência emanada de força exterior ou superior ao direito positivo, mas obedecida pela maioria por ordem positiva. Diante dessas caracterizações é possível definirmos três formas de positivismo: como ideologia, como teoria do direito e como metodologia ou experiência jurídica. Essa classificação adotada por Bobbio permitirá a aproximação em relação à primeira caracterização, podemos afirmar que as leis válidas devem ser obedecidas incondicionalmente, independentes do conteúdo das normas. Neste sentido, justo é tudo aquilo que é válido.

Essa é a tese do formalismo ético procura reduzir o direito ao direito estatal, ou seja, é todo produto de conduta humana produzida pelo estado. O estado é detentor da forma de criação das leis pelo legislador. Essa é a tese do formalismo científico.

Como terceira concepção, o positivismo sustenta que a finalidade da ciência jurídica é considerar o direito como realmente “é” não como ele “deve ser”. Procura realizar uma distinção clara entre validade do direito, (o ser), e a parte valorativa, (o dever ser). Isso acaba produzindo a afirmação de que uma norma pode ser válida e, no entanto, não ser justa. O objeto de estudo passa a ser o fundamento do direito. Essa é a tese do formalismo jurídico. Como podemos observar Bobbio realiza uma distinção clara entre essas correntes a fim de que seja possível a aproximação. Mas para isso, será necessária uma exposição de ambas a teorias (jusnaturalista e positivista) partir dos três conceitos já salientados acima, a saber, quanto à ideologia, teoria geral e metodologia.

Em relação à ideologia, o jusnaturalismo e o positivismo podem ser definidos da seguinte forma: A máxima do jusnaturalismo admite que “é preciso obedecer às leis justas”. Já o positivismo sustenta que “é preciso obedecer às leis enquanto tal”. No caso do positivismo as leis são o critério de justiça; e para os jusnaturalistas as leis são submetidas a um critério exterior de justiça. A partir dessas máximas é possível construirmos quatro formas de ideologias da justiça referente a cada uma das citadas acima:

1) “A posição positivista extrema admite que as regras devem ser obedecidas porque são justas (denominada obediência ativa).

2) A posição positivista moderada admite que as leis devem ser obedecidas porque a legalidade garante certos valores específicos, tais como, ordem, paz, etc (denominada obediência condicionada).

3) Já a posição jusnaturalista extrema admite que as leis devem ser obedecidas somente se forem justas, caso contrário devem ser desobedecidas (resistência).

4) E na concepção jusnaturalista moderada as leis podem ser injustas, porém devem ser obedecidas, salvo em casos extremos. (obediência passiva).

O que se observa com essa classificação é que as posições extremas são completamente opostas exigindo uma escolha, diferentemente das versões moderadas que podem se aproximar, ou seja, ambas induzem a obedecer na maioria das vezes.

Nesse caso específico, a chamada obediência condicionada e desobediência condicionada possuem um elemento em comum, a saber, induzem o cidadão a guiar-se na maioria das vezes de acordo com as leis e pelas leis, mesmo sabendo que esse ideal é obtido através de meios distintos.

Em relação a teoria do direito, o jusnaturalista procura fundamentar o direito em pressupostos metafísicos (direito natural), enquanto o positivismo realiza uma operação lógico-semântica das regras e elas são derivadas do legislativo de maneira tal que a parte do conteúdo das normas é relegado a segundo plano. Assim, as regras não derivam de conteúdo, mas da criação legislativa autorizada no próprio ordenamento. Neste caso, as concepções (jusnaturalista e positivista) são posições completamente diferentes. Ou aceitamos a tese monista ou aceitamos a dualista.

Por último, numa análise do direito a partir da sua metodologia ambas as posições buscam disciplinar condutas humanas possíveis, embora o jusnaturalismo procure apontar uma crítica à proposta do positivista do direito por não fazer referência ao conteúdo das normas. Mas ambas as teses procuram destacar um tópico fundamental na definição de direito, a saber, como ele é produzido e aplicado.

Neste sentido, é possível considerar que essas teses não são antagônicas, pois entre elas é possível através da crítica, embora por diferentes planos - os jusnaturalistas através da valoração e os positivistas através da interpretação - realizar uma reforma, atualização e evolução do direito a fim de que ele possa corresponder aos objetivos pelos quais foi edificado, que são eles: resolver conflitos humanos.

Portanto, quando estamos diante da questão se somos jusnaturalistas ou positivistas, é necessário antes de qualquer posicionamento, especificarmos em que sentido estamos tratando o assunto; qual o ponto de vista que está em jogo durante a escolha ou classificação.

Do ponto de vista ideal do direito é possível aproximar as vertentes quando tratamos das posições moderadas. No entanto, as posições extremas são concebidas como antagônicas. Em relação à teoria geral, ambas posições são incompatíveis, porque ou sustentamos uma posição dualista ou monista. Mas quando tratamos da experiência jurídica é possível apontar um elemento em comum às teses.

Como já salientado acima, o tópico em comum diz respeito a reforma e atualização do direito, tarefa fundamental para que o direito possa acompanhar o desenvolvimento, transformação, modificação da sociedade na qual está inserido.

É importante enfatizar que essa atividade é realizada através de métodos distintos, ou seja, enquanto os jusnaturalistas farão uso da valoração, os positivistas utilizarão a interpretação como ferramenta para essa mudança.

Quando o direito for tratado como ideologia ele se qualifica como jusnaturalista; no que se refere a teoria do direito não é nem jusnaturalista nem positivista; finalmente, na parte metodológica do direito, situa-se com convicção, como positivista, certamente pelo grau de certeza que um ordenamento jurídico positivista proporciona, ou seja, existem critérios estabelecidos e claros que garantem que os resultados dos argumentos jurídicos sejam seguros, impedindo margem para discussões ou dúvidas

5. Referências:

BEAUD, Olivier. La puissance de l’État, pag. 55-108. Paris: PUF, 1994.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1999.

COLEMAN, Jules. Incorporationism, conventionality, and the practical difference thesis. The practice of principle. In defense of a pragmatist approach to legal theory, pag. 67-100-107-119.

COLEMAN, Jules. Moral criteria of legality. The practice of principle. In defense of a pragmatist approach to legal theory, p. 67.

COSTA, Alexandre Araújo. Hermenêutica Jurídica. Ano 2008, cap.5. Publicado em 2008. Acesso em 31 de maio de 2017.

CASTRO, Auto de. A ideologia jusnaturalista: dos estóicos à O. N. U. Salvador: S. A. Artes Gráficas, 1954.

DE AQUINO, Tomás. Suma teológica. Tradução de Alexandre Corrêa. Caxias do Sul: Sulina Editora, 1980.

DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: significado e correntes. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/84/edicao-1/positivismo-jurídico:-significadoecorren....

FINNIS, John. The truth in legal positivism. The autonomy of law. Essays on legal positivism. Robert George (org.). Oxford: Oxford University Press, pag. 206-207, 1999.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito, p. 312.

HART, Herbert Lionel Adolphus. The concept of law, p. 250 (moral principles or substantive values).

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Armênio Amado, pag. 269, 1979.

LENZA, Pedro, Direito Constitucional esquematizado, 13ª ed. rev., atual. e ampl..Ed. Saraiva, 2009.

MACHADO NETO, Antônio Luís. Sociologia do direito natural. Salvador: Progresso, 1957.

______.- Sociología jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

NADER. Paulo. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.

RAZ, Joseph. The authority of law. Essays on law and morality; RAZ, Joseph. Ethics in the public domain. Essays in the morality of law and politics; GIORDANO, Valeria. Il positivismo e la sfida dei principi, pag. 3-27-37-40-47-52-215-220.

REALE. Miguel. Teoria tridimensional do direito. São Paulo: Saraiva, 1994.

______. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1994.

RODRIGUES, Lucas de Oliveira." Positivismo "; Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/positivismo.htm>. Acesso em 25 de outubro de 2018, às 22h39min horário de Brasília.

STRECK, Lênio. Dicionário de hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do direito. Belo Horizonte: Letramento, pag. 176-178, 2017.

WALUCHOW, Wilfrid. Inclusive legal positivism, p. 2.

http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_jusnaturalismo.htm. Acesso em 08/09/2023


  1. Thomas Hobbes (1588/1679) Filósofo e pensador inglês,

  2. John Locke (1632/1704) “O pai do liberalismo”. Filósofo inglês.

  3. Auto José de Castro (1924/2002) Advogado, Professor universitário e filósofo brasileiro.

  4. Augusto Comte (1798/1857) Filósofo francês considerado o pai da sociologia e fundador do positivismo

  5. John Stuart Mill (1806/1873) Filósofo britânico considerado um dos principais representantes do Utilitarismo.

  6. Hans Kelsen (1881/1973) jurista austríaco, considerado um dos principais filósofos e juristas do século XX

  7. Tomás de Aquino (1225/1274) frei católico, filósofo e teólogo italiano da Idade Média, da Ordem Dominicana. Foi canonizado pelo Papa João XXII.

  8. Hugo de São Vítor, C.R.S.A. (em francês: Hugues de Saint-Victor; (1096/1141) foi um filósofo, teólogo, cardeal e autor místico da Idade Média

  9. jurista e teólogo francês, conhecido como Theodoricus.

  10. Joseph Raz (1939/ 2022), filósofo israelense especializado em filosofia moral, do direito e da política.

  11. Jules Leslie Coleman (1947) Estudiosa americana de direito ejurisprudencia.

  12. Wilfrid Joseph Waluchow (1953) filósofo canadense.

  13. Herbert Lionel Adolphus Hart; (1907/19920 professor de Teoria do Direito (Jurisprudence) da Universidade de Oxford, de 1952 a 1968

  14. Norberto Bobbio (1909/2004) foi um filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e senador vitalício italiano

Sobre o autor
Claudinei Cesar Monteiro

Servidor público estadual,

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!