DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL À LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: COMBATENDO A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E GARANTINDO A DIGNIDADE DAS MULHERES
A violência obstétrica, frequentemente subestimada, surge como uma expressão da violência contra a mulher, demandando uma reflexão profunda embasada nos tratados e convenções internacionais. Esta análise deve elucidar as responsabilidades dos Estados e as implicações dessa violência para a saúde e a dignidade das mulheres.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979) é um marco decisivo nesta discussão. O Artigo 12 da CEDAW ressalta a necessidade de eliminar qualquer discriminação contra a mulher no âmbito da saúde, com uma ênfase particular na saúde reprodutiva e sexual. A Observação Geral nº 24 do Comitê da CEDAW, publicada em momentos distintos, em 1999 e 2016, aprofunda essa discussão ao enfatizar a urgência de combater tratamentos degradantes e de assegurar a qualidade no atendimento em saúde reprodutiva.
Por sua vez, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) reforça a importância de preservar os direitos fundamentais, como a vida e a integridade pessoal. Dentro do contexto obstétrico, esse pacto ressalta a necessidade de assegurar que os procedimentos médicos sejam realizados de forma a honrar a integridade física e emocional da mulher, particularmente durante o parto.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, firmada em 1969 e também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, aborda o tema da não discriminação, estabelecendo que os direitos humanos devem ser garantidos a todos, independentemente do gênero. Nesse contexto, a violência obstétrica é claramente uma manifestação de discriminação de gênero, pois afeta predominantemente as mulheres em um dos momentos mais cruciais de suas vidas.
Paralelamente, a Convenção Interamericana Sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher, de 1948, ratificada pelo Brasil em 1952, destaca que as mulheres devem desfrutar dos mesmos direitos civis que os homens. Isso tem implicações diretas na área da saúde, sugerindo que as mulheres devem receber tratamento e cuidados iguais aos dos homens, particularmente em contextos vulneráveis, como o parto.
Em 1994, a Convenção de Belém do Pará, em seu escopo interamericano, trouxe uma ênfase adicional ao direito de todas as mulheres de viverem sem violência, seja ela manifesta no espaço público ou privado. Ao ratificar essa Convenção, o Brasil não apenas reconheceu a importância deste direito, mas também se comprometeu a adotar medidas para erradicar todas as formas de violência contra as mulheres.
No contexto nacional, a Constituição Federal de 1988 é um marco inquestionável na consolidação dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Estabelecendo a igualdade, a vida, a segurança e a propriedade como pilares do ordenamento jurídico brasileiro, a Carta Magna não apenas consagra esses princípios, mas também os coloca sob o manto da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme seu artigo 1º, III. Esse preceito de dignidade é universal e abrangente, e, portanto, deve ser refletido em todas as esferas da vida social, política e econômica. No contexto obstétrico, a dignidade da mulher é central. Significa reconhecer e respeitar seus direitos durante o parto, evitando qualquer forma de violência ou negligência que possa comprometer sua integridade física e emocional.
Em sintonia com os preceitos constitucionais, a legislação infraconstitucional brasileira também tem evoluído na proteção dos direitos das mulheres no âmbito da saúde reprodutiva. A Lei nº 11.108/2005 é um exemplo contundente desse progresso. Ao garantir à parturiente o direito à presença de um acompanhante de sua escolha durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, a legislação reconhece a importância do suporte emocional e da autonomia da mulher em um momento tão significativo e vulnerável de sua vida. Além de promover uma abordagem mais humanizada do parto, essa lei reflete um entendimento moderno e respeitoso da medicina obstétrica, onde a mulher é vista como protagonista e não apenas como paciente. Este avanço legislativo reforça o compromisso do Estado brasileiro em alinhar suas práticas de saúde pública às recomendações internacionais, assegurando um atendimento digno, respeitoso e centrado nas necessidades e direitos das mulheres.
Ao analisarmos o panorama internacional e nacional sobre a proteção dos direitos das mulheres, particularmente no contexto da saúde reprodutiva e obstétrica, fica evidente a relevância das normativas e tratados que buscam coibir práticas discriminatórias e violentas. A violência obstétrica, que, infelizmente, ainda permeia muitos sistemas de saúde, é um reflexo das diversas formas de discriminação e violência que as mulheres enfrentam ao longo de suas vidas. No entanto, o compromisso dos Estados em ratificar e adotar convenções e leis que visam garantir a integridade e a dignidade das mulheres, demonstra uma evolução positiva na luta contra tais práticas. A contínua vigilância e a implementação de políticas públicas eficazes são essenciais para que os direitos fundamentais das mulheres sejam plenamente respeitados. Este é um dever de todos, desde organismos internacionais até instituições locais, para garantir que todas as mulheres possam ter experiências de parto seguras, respeitosas e livres de qualquer forma de violência ou discriminação.