O que fazer diante da recusa do plano de saúde em custear materiais indicados como essenciais para realização de uma cirurgia? Este artigo aborda as razões pelas quais os planos de saúde apresentam resistência em custear esses materiais e oferece orientações sobre como agir diante dessa situação.
Introdução
A busca por assistência médica através de um plano de saúde é uma realidade para muitos indivíduos, visando a segurança e tranquilidade em momentos de necessidade.
No entanto, as garantias de cobertura nem sempre são tão diretas quanto deveriam ser. Em alguns casos envolvendo a realização de cirurgias algumas operadoras de planos de saúde, mesmo autorizando a realização de um procedimento cirúrgico, acaba apresentando negativas indevidas em relação a materiais considerados vitais para a segurança da cirurgia.
No entanto, a demora na obtenção desses recursos pode ter consequências graves, inclusive ameaçando a vida do paciente, como uma cirurgia cardíaca, essa negativa pode ser devastadora.
Essa postura por parte da administradora do plano acaba impondo uma série de desafios aos indivíduos que lutam para obter a assistência médica necessária, pois inviabilizam a realização completa do procedimento.
Vale salientar que, na grande maioria dos casos, a justificativa da negativa apresentada pelas administradoras dos planos de saúde é a de que os materiais essenciais para a realização do ato cirúrgico não estão incluídos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Nesse contexto, como será visto a seguir, trata-se de negativa de cobertura desarrazoada, pois como se verá a seguir o interesse público permeia toda a prestação dos serviços de saúde, além disso o rol de procedimentos da ANS possui caráter exemplificativo e a responsabilidade pela definição do melhor tratamento a ser utilizado é do médico que acompanha o paciente.
A prestação de serviço de saúde possui interesse público e demanda regulamentação pela ANS.
O direito à saúde, estabelecido na Constituição Federal de 1988, é garantido pelo Estado em todos os níveis de governo (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). Além disso, a constituição previu que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, com acesso universal e igualitário a serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Desse modo, além da obrigação do Estado, as entidades privadas podem prestar serviços de saúde, mas devem estar sujeitas à regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público devido ao interesse público envolvido no setor. A Lei nº 9.656/98 regulamentou os direitos dos beneficiários de planos de saúde e os deveres das operadoras. Portanto, o interesse público na saúde suplementar requer que os serviços sejam prestados de forma integral, mesmo quando oferecidos por entidades privadas.
É importante destacar que a saúde privada não é simplesmente uma mercadoria que pode ser negociada por qualquer pessoa. Sua regulamentação é essencial para preservar o interesse público inerente a essa atividade. Portanto, a prestação de serviços de saúde privada não fica sujeita apenas às leis de mercado. As operadoras de planos de saúde devem aderir às regulamentações do setor, garantindo, em última instância, o cumprimento do mandamento constitucional do direito à saúde.
Por isso, uma das atribuições da ANS é a de elaborar uma lista de procedimentos que deverão ser obrigatoriamente custeados pelas operadoras de planos de saúde. Essa competência está prevista no art. 4º, III, da Lei nº 9.961/2000.
O rol de procedimentos e eventos da ANS é exemplificativo ou exaustivo?
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é responsável por definir o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que lista os procedimentos, exames e tratamentos com cobertura obrigatória pelos planos de saúde. Entretanto, é crucial compreender que esse rol possui caráter meramente exemplificativo. Ele estabelece o mínimo que deve ser coberto pelos planos, mas não pode limitar direitos já previstos em lei.
Em outras palavras, se um tratamento não está expressamente excluído das coberturas obrigatórias pela lei, a ausência desse tratamento no Rol da ANS não autoriza a operadora de planos de saúde a negar a cobertura. A regulamentação não pode criar restrições não previstas na legislação, e a garantia do direito à saúde e à vida dos beneficiários deve prevalecer.
Vale acrescentar que o Congresso Nacional promulgou a Lei nº 14.454/2022, que buscou modificar o entendimento estabelecido pelo STJ. A Lei nº 14.454/2022 alterou o artigo 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), introduzindo o § 12, que estabelece que o rol da ANS tem caráter exemplificativo:
Art. 10 (...)
§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.
No entanto, para que um plano de saúde seja obrigado a cobrir um tratamento ou procedimento não listado no rol da ANS, é necessário que a eficácia desse tratamento ou procedimento seja comprovada, conforme estabelecido pelo § 13, também acrescentado:
§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
Portanto, atualmente o caráter do rol da ANS é exemplificativo, desde que fique configurado as hipóteses acima mencionadas.
A final, o plano de saúde pode se negar a custear materiais utilizados em cirurgia ao fundamento de que esses materiais não estão previstos no rol de procedimentos da ANS?
Considerando os argumentos acima mencionados, quando os materiais são essenciais para o sucesso dos procedimentos cirúrgicos, atendendo aos requisitos médicos e sendo fundamentais para a eficácia do tratamento, o plano de saúde deve cobrir esses materiais, mesmo que não estejam previstos no rol de procedimentos da ANS. O § 13 do Art. 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) estabelece que a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde se houver comprovação da eficácia à luz das ciências da saúde e um plano terapêutico adequado.
Portanto, a negativa do plano de saúde com base exclusivamente na ausência dos materiais no rol da ANS não é justificável se esses materiais são necessários para o sucesso de um procedimento cirúrgico e se a eficácia é comprovada. A legislação busca assegurar que os pacientes tenham acesso aos tratamentos necessários, levando em consideração a eficácia clínica, e não apenas a lista da ANS.
O plano de saúde pode definir o melhor tratamento ou quais materiais devem ser utilizados no procedimento cirúrgico?
Como visto acima, a mera falta de previsão no rol de procedimentos obrigatórios da ANS não constitui fundamento idôneo para negativa em custear materiais essenciais para a realização do procedimento cirúrgico.
Se não bastasse, vale acrescentar que a responsabilidade na definição do melhor tratamento a ser adotado é dos médicos encarregados pelo acompanhamento do paciente, os quais, após a conclusão de um diagnóstico completo, são aptos a definir a gravidade de uma determinada doença e indicar o tratamento adequado, o que inclui a definição da lista de materiais a serem utilizados no procedimento a ser realizado.
Neste contexto, é importante ressaltar que apenas o profissional de saúde que monitora o paciente, com um conhecimento abrangente de seu estado de saúde, bem como quaisquer contraindicações relevantes para qualquer procedimento, está qualificado para determinar a abordagem terapêutica mais apropriada.
Desse modo, não cabe à operadora de saúde a tarefa de prescrever ou escolher a terapia mais adequada; essa responsabilidade é única e exclusivamente do médico responsável pelo tratamento do paciente, em coordenação com o entendimento do paciente e seus familiares.
Adicionalmente, é fundamental destacar que o contrato do plano de saúde pode estipular a cobertura das doenças, mas não deve interferir na determinação do tratamento específico para cada condição médica previamente estabelecida. Qualquer tentativa de fazê-lo representa um sério risco à saúde e bem-estar dos pacientes.
Neste contexto, é relevante mencionar a jurisprudência consolidada que considera abusiva a recusa de cobertura para o tratamento de doenças previamente acordadas contratualmente. De maneira inequívoca, essa jurisprudência enfatiza que a indicação das medidas terapêuticas apropriadas para o quadro clínico do paciente é uma prerrogativa do médico, não do provedor do plano de saúde. Isso é ilustrado pelo seguinte trecho:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA. NEGATIVA INDEVIDA. SÚMULA N. 83/STJ. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. VALOR. REEXAME. SÚMULA N. 7/STJ. NÃO PROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento no sentido de que é abusiva a negativa de cobertura, pelo plano de saúde, a algum tipo de procedimento, medicamento ou material necessário para assegurar o tratamento de doenças previstas no contrato. 2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1275885/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 28/03/2019, DJe 02/04/2019. Grifei.
Assim, a definição do que constitui um tratamento adequado e quais materiais devem ser utilizados em um determinado procedimento cirúrgico é de competência do médico que acompanha o paciente e não do plano de saúde.
Conclusão
A recusa de um plano de saúde em custear materiais essenciais para uma cirurgia eletiva não deve ser uma barreira intransponível. Conhecendo seus direitos, obtendo comprovação da eficácia do tratamento e buscando negociação com a operadora, muitos casos podem ser resolvidos de maneira satisfatória. No entanto, em situações em que a operadora insiste em negar a cobertura injustamente, a proteção jurídica é uma ferramenta importante para garantir que o paciente receba o tratamento adequado. O sistema de saúde brasileiro tem como pilar fundamental o acesso ao tratamento e à assistência necessária, e os pacientes devem estar cientes de que têm direitos sólidos nesse sentido.
Portanto, é fundamental que os pacientes estejam cientes de seus direitos e busquem amparo jurídico caso enfrentem recusas injustificadas por parte dos planos de saúde. A saúde e a vida dos beneficiários devem ser preservadas, e o acesso a tratamentos adequados não pode ser negado de forma arbitrária.
Referências:
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CAVALCANTE, Márcio André Lopes, É possível o cancelamento unilateral - por iniciativa da operadora - de contrato de plano de saúde coletivo enquanto pendente tratamento médico de usuário acometido de doença grave?. Disponível em: [https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/73b277c11266681122132d024f53a75b]. Acesso no dia 23/09/2023 em Brasília, DF.
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