ORIGINALMENTE a Lei 11.441/2007 que autorizou no Brasil a realização do Inventário Extrajudicial (em Cartório, sem necessidade de processo judicial) foi desenhada com algumas restrições, dentre elas a impossibilidade de sua realização caso o autor da herança houvesse deixado TESTAMENTO. Essa restrição naturalmente se destinava a qualquer forma de testamento reconhecida pelo ordenamento jurídico. Os testamentos admitidos no Brasil são aqueles indicados no artigo 1.862 assim como artigo 1.886 do Código Civil, sendo eles:
TESTAMENTOS ORDINÁRIOS:
1. Testamento Público;
2. Testamento Cerrado;
3. Testamento Particular.
TESTAMENTOS ESPECIAIS:
1. Testamento Marítimo;
2. Testamento Aeronáutico;
3. Testamento Militar.
Além das cártulas referidas acima existe ainda no ordenamento jurídico o "CODICILO" que é um ato de disposição sobre últimas vontades, porém sem a abrangência e envergadura de um Testamento já que de calibragem limitada e diminuta pode ser utilizado pelo interessado para "disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de POUCA MONTA a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias, DE POUCO VALOR, de seu uso pessoal" - como decreta o art. 1.881 do CCB.
Como já acontece em diversos Códigos de Normas Extrajudiciais dos Estados (inclusive com a acertada chancela do STJ - vide REsp 1808767/RJ, J. em 15/10/2019) há expressa previsão para a realização de Inventário Extrajudicial com TESTAMENTO, sendo certo que nesse caso a disposição testamentária, depois de cumprida a liturgia processual (art. 735 e 736 do Código Fux) precisará de autorização judicial como informa o art. 446 do NCN/2023 do Rio de Janeiro:
"Art. 446. Diante da expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos da apresentação e cumprimento de testamento válido e eficaz, sendo todos os interessados capazes e concordes ou, havendo incapazes, observada seção seguinte, poderá realizar-se o inventário e a partilha por escritura pública.
§ 1º. Será permitida a lavratura de escritura de inventário e partilha nos casos de testamento revogado ou caduco, segundo avaliação prudente do tabelião, ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento.
§ 2º. Nas hipóteses previstas no parágrafo anterior, o tabelião solicitará, previamente, a certidão do testamento e, constatada a existência de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável, a lavratura de escritura pública de inventário e partilha ficará vedada e o inventário deverá ser feito judicialmente.
§ 3º. Sempre que o tabelião tiver dúvida a respeito do cabimento da escritura de inventário e partilha, nas situações que estiverem sob seu exame, deverá suscitála ao juízo competente em matéria de registros públicos".
Como se percebe da louvada redação do Código de Normas Fluminese, inclusive nos casos de Testamento revogado ou caduco, poderá o Inventário Extrajudicial ser lavrado sem a autorização judicial desde que feito sob a prudente avaliação do Tabelião - todavia um questionamento se mostra pertinente: e no caso do TESTAMENTO PARTICULAR? Ainda assim pode ser possível lavrar o Inventário Extrajudicial?
A bem da verdade é preciso destacar que o TESTAMENTO PARTICULAR tem suas vantagens e suas desvantagens e tudo precisa ser analisado desde o momento em que nasce a intenção do interessado em preparar suas "deixas testamentárias", especialmente pelo fato de que não é obrigatória a presença de Advogado para a realização de nenhuma das espécies de testamento - inclusive a PARTICULAR - embora seja muito recomendável que o Advogado oriente sobre tudo que pode ser feito em qualquer das modalidades de Testamento disponíveis.
O TESTAMENTO PARTICULAR representa a forma menos onerosa e mais simples a ser escolhida pelo interessado, porém vemos que é nessa forma de testamento que as NULIDADES têm maiores chances de incidir e macular a vontade do testador. Sua base legal está no artigo 1.876 e seguintes do Código Civil, que rezam:
"Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.
§ 1º. Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.
§ 2º. Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.
Art. 1.877. Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros legítimos.
Art. 1.878. Se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado.
Parágrafo único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade.
Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
Art. 1.880. O testamento particular pode ser escrito em língua estrangeira, contanto que as testemunhas a compreendam".
Um grande problema do TESTAMENTO PARTICULAR é o fato dele poder não aparecer a tempo de ser utilizado na orientação da sucessão, sendo importante recordar que o TESTAMENTO PÚBLICO inevitavelmente deverá aparecer nos Inventários já que por determinação do CNJ (PROVIMENTO 56/2016)é obrigatória a apresentação da Certidão de Inexistência de Testamentos expedida pela CENSEC. O artigo 2º do referido Provimento determina:
"Art. 2º. É obrigatório para o processamento dos inventários e partilhas JUDICIAIS, bem como para lavrar escrituras públicas de inventário EXTRAJUDICIAL, a juntada de certidão acerca da inexistência de testamento deixado pelo autor da herança, expedida pela CENSEC – Central Notarial de Serviços Compartilhados".
É bom lembrar também que o TESTAMENTO PARTICULAR por não exigir registro e muito menos lavratura em Tabelionato de Notas não será detectado pela Certidão da CENSEC que refere ao RCTO - Registro Central de Testamentos On-Line, nem mesmo se registrado em Cartório de Títulos e Documentos (que inclusive não é requisito para sua validade, embora também seja muito recomendável).
Considerando portanto, que o Testamento Particular seja trazido à tona por conta do falecimento do testador entendemos sim ser possível a realização do Inventário Extrajudicial desde que observadas as regras do CPC e do CCB, com a expressa autorização judicial para a lavratura, como indica o art. 446 do Código de Normas, no caso do Rio de Janeiro.
POR FIM, confirmando a importância da assistência jurídica prestada por Advogado - que como se disse não é obrigatória na elaboração dos Testamentos Públicos nem Particulares, embora seja muito recomendável - é a lição da jurisprudência do STJ que reconhece a mácula da nulidade na disposição testamentária que não observa os requisitos legais:
"STJ. REsp 2005877/MG. J. em: 30/08/2022. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO SUCESSÓRIO. TESTAMENTO PARTICULAR. FLEXIBILIZAÇÃO DE REQUISITOS. POSSIBILIDADE. (...). TESTAMENTO NULO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO PELO PROVIMENTO. 3- A jurisprudência desta Corte revela que, em se tratando de sucessão testamentária, em especial nas hipóteses de testamento particular, é indispensável a busca pelo EQUILÍBRIO entre a necessidade de cumprimento de formalidades essenciais nos testamentos particulares e a necessidade, também premente, de abrandamento de determinadas formalidades para que sejam adequadamente respeitadas as manifestações de última vontade do testador. 4- Nesse contexto, são suscetíveis de superação os VÍCIOS DE MENOR GRAVIDADE, que podem ser denominados de puramente FORMAIS e que se relacionam essencialmente com aspectos externos do testamento particular, ao passo que VÍCIOS DE MAIOR GRAVIDADE, que podem ser chamados de FORMAIS-MATERIAIS porque transcendem a forma do ato e contaminam o seu próprio conteúdo, acarretam a invalidade do testamento lavrado sem a observância das formalidades que servem para conferir exatidão à vontade do testador. Precedente. 5- Os vícios pertencentes à primeira espécie - PURAMENTE FORMAIS - são suscetíveis de superação quando não houver mais nenhum outro motivo para que se coloque em dúvida a vontade do testador, ao passo que os vícios pertencentes à segunda espécie - FORMAIS-MATERIAIS -, por atingirem diretamente a substância do ato de disposição, implicam na impossibilidade de se reconhecer a validade do próprio testamento. 6- Na hipótese em exame, é incontroverso que o testamento particular teria sido escrito de próprio punho pelo autor da herança sem a presença e sem a leitura perante nenhuma testemunha, que não houve a declaração, na cédula testamentária, de circunstâncias excepcionais que justificassem a ausência de testemunhas (tampouco foram demonstradas tais circunstâncias na fase instrutória) e que a veracidade da assinatura atribuída à testadora, que não foi objeto de prova pericial, somente foi atestada por uma testemunha, inexistindo, pois, a possibilidade de registro, confirmação e cumprimento do testamento particular apresentado. (...). 8- Recurso especial conhecido e provido, a fim de julgar improcedente o pedido de reconhecimento, abertura, registro e cumprimento de testamento particular deixado por MIRIAN AFONSO DA SILVEIRA".