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Posso optar pela Usucapião em vez do Inventário para regularizar meu imóvel?

Agenda 10/11/2023 às 15:13

MUITOS IMÓVEIS permanecem "irregulares" ao longo dos anos por conta da inércia dos responsáveis/herdeiros em não realizar tempestivamente o Inventário. "Tempestivamente" pois, como sabemos, a Lei fixa prazo para a realização do Inventário de modo que, ignorando tal prazo, os herdeiros estarão sujeitos à MULTA. A bem da verdade a não regularização sujeita os interessados inclusive à perda do bem, muitos são os prejuízos de se manter um imóvel irregular e definitivamente essa não é a conduta recomendada, especialmente considerando que a depender do caso a regularização pode ser feita sob o pálio da GRATUIDADE de justiça (inclusive através da via Extrajudicial).

Como sempre destacamos, a rigor se regularizam bens de HERANÇA via Inventário. Essa é a regra. Na via judicial podemos optar por quaisquer das modalidades previstas no CPC e também com muita rapidez através da via EXTRAJUDICIAL (em Cartório de Notas, por Escritura Pública, sem processo judicial) nos termos da Lei 11.441 1/2007, com regulamentação pela Resolução 35 5/2007 do CNJ. Ocorre que em alguns casos poderá ser possível - sem prejuízo da possibilidade de regularização via Inventário - a regularização em nome de herdeiro (ou mesmo terceiros que nem herdeiros sejam) sobre bens "irregulares" (por ainda pertencerem à pessoas falecidas) através do instituto da USUCAPIÃO. É que a "prescrição aquisitiva" que dá base à forma de aquisição imobiliária que representa o instituto da Usucapião autoriza inclusive seu manejo sobre bens de herança, perpassando por conta disso a "necessidade" da realização do Inventário. Fica claro que o fenômeno ocorre em casos excepcionais como alerta a excelente doutrina assinada por ROSENVALD e pelo já saudoso (1971-2023) Professor, Promotor e eternamente Mestre CRISTIANO CHAVES DE FARIAS (Curso de Direito Civil. Vol 7):

"É absolutamente certa e incontroversa a possibilidade de usucapião de bem integrante da herança por TERCEIROS. (...) Por outro turno, bem distinta é a possibilidade de usucapião por um dos coerdeiros, em detrimento dos demais. (...) Por óbvio, é comum que um dos interessados termine cuidando de um, ou mais, bem integrante da herança com diferenciada atenção. Em casos tais, é frequente que um dos sucessores confira à coisa um cuidado essencial à sua manutenção, cuidando de dívidas, mantendo despesas, conferindo assistência e, para além de tudo, valorizando a coisa, em benefício de todos. Não raro, os demais interessados se beneficiam da conduta de um deles. A hipótese narrada pode configurar a figura da GESTÃO DE NEGÓCIOS, que se trata de ato unilateral de vontade, sem qualquer necessidade de contratualização ou celebração de instrumentos entre os interessados. (...) Somente em casos absolutamente excepcionais é que se autoriza usucapião entre os sucessores. Isso porque, a regra geral, insista-se à exaustão, é de que todos exerçam a COMPOSSE, por força da transmissão automática de SAISINE ( CC, art. 1.784). Todavia, não se pode negar que, em CASOS ATÍPICOS, um dos sucessores termina por estabelecer POSSE COM EXCLUSIVIDADE, alijando, afastando, os demais da composse. Em hipóteses assim, se os demais sucessores se mantiverem inertes, SEM QUALQUER OPOSIÇÃO, sem exigir em juízo uma indenização por uso exclusivo da coisa e sem reivindicar a composse e copropriedade, será possível USUCAPIÃO".

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De fato, como apontam com o já conhecido e prestigiado brilhantismo os citados Mestres, via de regra não há que se falar em Usucapião para regularizar bens de inventário - favorecendo um dos herdeiros em prejuízo dos demais - todavia, excepcionalmente e de acordo com as peculiaridades e nuances do caso concreto poderá sim estar facultada a possibilidade de regularização via USUCAPIÃO, desde que demonstrados cabalmente os seus requisitos que inclusive esvaziam a"COMPOSSE"que decorre da"SAISINE"operada na forma do art. 1.784 do Código Civil:

"Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários".

Efetivamente a Lei já sinaliza a configuração de uma comunidade em torno do acervo hereditário entre os herdeiros, especialmente durante a pendência da realização de Inventário e Partilha que deverá por fim ao estado de indivisão da massa patrimonial:

"Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.

Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio".

Como também já sabemos, tanto um procedimento (INVENTÁRIO) quanto o outro (USUCAPIÃO) podem ser realizados pela via EXTRAJUDICIAL tornando desnecessária a instauração de um longo, moroso e custoso PROCESSO JUDICIAL - e tudo isso diretamente no Tabelionato de Notas, com a obrigatória presença de ADVOGADO que por certo, antes de adotar qualquer medida (judicial ou extrajudicial), deverá avaliar detidamente toda a documentação do caso, seus detalhes etc., para apontar quais alternativas possíveis para a melhor forma de regularização dos bens.

POR FIM, importante decisão do TJRJ que, anulando a sentença do Juiz de piso, decretou a possibilidade da USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA de um herdeiro contra os demais - decisão essa em perfeita harmonia com a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

"TJRJ. 02428324720098190001. J. em: 13/09/2021. APELAÇÃO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM EXAME DE MÉRITO. BEM DE ACERVO HEREDITÁRIO. CONDOMÍNIO ENTRE OS HERDEIROS. POSSIBILIDADE DESDE QUE PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGAIS DA USUCAPIÃO. LEGITIMIDADE E INTERESSE DE AGIR CONFIGURADOS. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. Sentença de extinção da ação de usucapião por se tratar de pedido de herdeiro sobre bem objeto da herança, devendo o pleito seguir pela regularização e prosseguimento do inventário judicial. Consoante o princípio de saisine, consagrado no art. 1.784 do Código Civil,"Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". Outrossim, na forma do art. 1.791 do Código Civil, a herança é transmitida como um todo unitário aos herdeiros, regulando-se pelas regras de condomínio. Dessa forma, desde o falecimento, o acervo hereditário é transferido em condomínio para os herdeiros até sua divisão pela partilha dos bens em ação de inventário. O inventário, assim, é o procedimento principal de individualização dos bens da herança. No entanto, NÃO HÁ ÓBICE LEGAL para usucapião de bem do espólio por herdeiro individual, desde que preenchidos os requisitos legais, de POSSE ininterrupta EXCLUSIVA (em detrimento de mera detenção por concordância dos demais herdeiros condôminos), MANSA e PACÍFICA, com intuito de animus domini, pelo PRAZO da prescrição aquisitiva. O herdeiro, como condômino, possui legitimidade e interesse de agir na ação de usucapião de bem objeto do acervo hereditário, a fim de extinguir o condomínio entre os herdeiros sobre a coisa e a possuir integralmente. Precedentes do STJ e deste TJERJ. Dessa forma, a sentença de extinção por inadequação da via deve ser cassada. Todavia, ao contrário do que pretende o apelante, não há que se falar em aplicação do art. 1.013, § 3º, III, do NCPC, que prevê o julgamento do feito diretamente na instância recursal, sanando a omissão existente, porquanto a causa não se encontra madura. Com efeito, há de se averiguar requisito fático de posse mansa e pacífica sobre os bens pelo lapso temporal da prescrição aquisitiva. Provimento parcial do recurso".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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