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Aspectos práticos da aplicação subsidiária do CPC nos juizados especiais cíveis

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Agenda 20/11/2023 às 11:11

Examinam-se desafios práticos na interação entre a Lei n. 9.099/95 e o Código de Processo Civil.

RESUMO: O sistema dos Juizados Especiais Cíveis, regido pelo princípio da especialidade, destina-se à conciliação, processamento e julgamento de causas dotadas de menor complexidade, nos termos da Lei. Nesse trabalho serão abordadas questões práticas quanto à aplicação ou não das disposições do Código de Processo Civil aos processos submetidos ao rito dos Juizados Especiais, na forma da lei n. 9.099/95. Aborda-se a estrutura e a natureza dos Juizados Especiais Cíveis, destacando seu papel na promoção da justiça célere e eficaz. Finalmente, particular discussão é dada aos desafios enfrentados por juristas no âmbito dos Juizados Especiais, notadamente quanto aos procedimentos adotados em tal parte do Poder Judiciário.

Palavras-chave: Juizados Especiais; Código de Processo Civil; Aspectos práticos.

SUMÁRIO: Introdução. 1 O sistema dos juizados especiais cíveis. 2 Os princípios norteadores dos juizados especiais cíveis. 3 o procedimento dos juizados especiais cíveis. 4 O Código de Processo Civil e sua aplicação no âmbito dos juizados especiais cíveis. 5 Aspectos práticos: a aparente antinomia entre as disposições da Lei n. 9.099/95 e o Código de Processo Civil. 5.1 A execução de título extrajudicial e a defesa do executado via embargos. 5.2 O julgamento antecipado do processo. 5.3 Os honorários advocatícios de sucumbência. 5.4 A (im)possibilidade de rescisão das sentenças proferidas nos juizados especiais à luz da jurisprudência do supremo tribunal federal. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

Os Juizados Especiais Cíveis representam um marco importante no sistema judiciário brasileiro, introduzindo uma abordagem inovadora e acessível para a resolução de conflitos de menor complexidade. Nesse sentido, é importante analisar diversos aspectos fundamentais relacionados a esse sistema, com foco nos princípios norteadores, procedimentos e na interação entre a Lei n. 9.099/95 e o Código de Processo Civil, bem como em questões práticas que emergem dessa relação.

Inicialmente, aborda-se a estrutura e a natureza dos Juizados Especiais Cíveis, delineando seu papel na promoção da justiça célere e eficaz. Ainda, destacam-se os princípios norteadores que fundamentam o funcionamento desse sistema, enfatizando a sua relevância para a consecução dos objetivos almejados.

Adentra-se, também, no procedimento adotado nos Juizados Especiais Cíveis, analisando a aplicação das disposições do Código de Processo Civil nesse contexto. Uma atenção especial será dada aos desafios e à aparente antinomia entre as normas da Lei n. 9.099/95 e o Código de Processo Civil, explorando as nuances dessa relação.

Prosseguindo, discutir-se-á a execução de título extrajudicial e a defesa do executado por meio de embargos nos Juizados Especiais Cíveis, examinando as peculiaridades desse processo, que visa assegurar o devido processo legal.

Por fim, verifica-se o julgamento antecipado do processo e os honorários advocatícios de sucumbência nos Juizados Especiais Cíveis, discutindo como esses aspectos se encaixam no sistema e afetam as partes envolvidas.

Este artigo busca oferecer uma visão abrangente dos Juizados Especiais Cíveis, com um foco especial nas questões práticas que surgem em sua aplicação, contribuindo para uma melhor compreensão das nuances e desafios enfrentados no âmbito desse sistema dentro do poder judiciário.

1 O SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

O Sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, preconizado na Constituição Federal em seu art. 98, I, composto por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade, foi efetivamente criado pela Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995, oriunda do Projeto de Lei nº 1.480, de 1989, de iniciativa do então Deputado Michael Temer, sob a seguinte justificação:

Para dar cumprimento à norma constitucional, é necessária, antes de mais nada, a promulgação de lei federal. Com efeito, o próprio dispositivo refere-se a lei, que deve ser federal, porquanto só à União cabe legislar em matéria penal (art. 22, I, Constituição Federal), e é induvidosamente de natureza material a regra que permitirá a transação e que regulará seus efeitos no campo penal. Em segundo lugar, a União continua detendo a competência privativa para as normas processuais (art. 22, I, Constituição Federal), exceção feita apenas às de procedimentos, que são da competência concorrente da União e dos Estados (art. 24, XI, Constituição Federal). De qualquer forma, ainda que se entendesse que as infrações penais de menor potencial ofensivo, reguladas no art. 98, I, Constituição Federal, são as mesmas pequenas causas a que se refere o art. 24, X, da Constituição Federal, a atribuição constitucional da competência concorrente à União, tanto para as normas processuais como procedimentais, autorizaria, e recomendaria mesmo, que a lei federal estabelecesse as normas gerais de processo e de procedimento para a conciliação, julgamento e execução das referidas infrações.

Após a edição da lei federal, competirá aos Estados, no uso de sua competência constitucional, não apenas crias os juizados especiais, mediante regras de organização judiciária, como ainda suplementar a legislação federal por intermédio de normas mais específicas de procedimento, que atendam às suas peculiaridades, bem como de processo, se entender que a regra do art. 98, I, Constituição Federal há de ser conjugada com a do art. 24, X, da Constituição Federal...]. (Michel Temer apud CALHEIROS BOMFIM, 1996, p. 39/40).

A Lei que instituiu os Juizados Especiais Cíveis surgiu com o intuito de aprimorar a estrutura do Poder Judiciário para processamento e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, ampliando a competência, tanto em razão da matéria, quanto em relação ao valor, como mecanismo de desburocratização do acesso à justiça e pacificação de conflitos. E, conforme as lições de Antônio Pessôa Cardoso, “a acessibilidade ao Judiciário constitui afirmação maior da cidadania e motivo de preocupação do mundo moderno civilizado, diante de uma justiça elitista, cara, formalista e complexa” (CARDOSO, 1996, p. 13).

Complementa, ainda, Hélio Martins Costa:

Neste passo, a Lei dos Juizados Especiais veio constituir importante instrumento jurisdicional a propiciar justiça ágil, desburocratizada, desformalizada e, principalmente, acessível a todos os cidadãos. E o que é mais importante, trata-se de justiça de resultado rápido. (COSTA, 2000, p.20).

O sistema dos Juizados Especiais importou em um considerável avanço do direito processual, à luz do princípio do acesso à justiça, com a facilitação da propositura de ações, inclusive com a dispensa de patrocínio da causa por Advogados e Defensores Públicos em determinadas hipóteses, bem ainda ausência de obrigatoriedade de recolhimento de custas, despesas processuais e emolumentos em primeiro grau de jurisdição.

No âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, os Juizados Especiais foram criados antes mesmo da edição da Lei Federal em 1995. Nas terras pantaneiras, os Juizados Especiais foram regulamentados pela Lei Estadual n.º 1.071, de julho de 1990, fruto da dedicação do saudoso Desembargador Rêmolo Letteriello, do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

2 OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

Como amplamente exposto, os Juizados Especiais foram instituídos e devidamente regulamentados com o fito de tratar das causas de menor complexidade. Para tanto, foram criados os princípios basilares aplicáveis aos Juizados Especiais, os quais encontram-se estampados no art. 2º, da Lei n. 9.099/95:

Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

Nesse diapasão, cabe ressaltar que tais princípios foram instituídos justamente para estruturar os Juizados Especiais, divergindo, portanto, da Justiça comum, esta com demasiadas formalidades e morosidade.

A despeito de expressamente previstos como critérios, é certo que a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade são princípios basilares aplicáveis aos Juizados.

O ilustre professor Joel Dias Figueira Júnior (2017, p. 90), complementa que “em que pese o legislador ter-se utilizado da expressão “critérios” orientadores do processo nos Juizados Especiais, estamos diante de verdadeiros princípios gerais.”

Passando-se ao entendimento de tais princípios, crucial destacar o da oralidade, o qual confere ao processo a maneira mais informal de manifestar-se, ou seja, de forma oral, e, quando necessário, tal manifestação será reduzida a termo.

A adoção da comunicação oral viabiliza a otimização do tempo e favorece uma interação mais dinâmica do juiz com os envolvidos, tanto as partes quanto eventuais testemunhas, durante o processo de coleta de evidências, que, igualmente, são obtidas verbalmente.

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Sob a mesma ótica, os princípios da simplicidade e da informalidade objetivam, sobretudo, manter o procedimento adotado nos Juizados Especiais simples e, de certa forma, informal, aplicável especialmente aos leigos, atingindo o fim, portanto, de ser compreensível.

“A informalidade permite que o ato processual seja praticado de forma a dar agilidade ao processo. A forma do ato processual deixou de ser um fim em si mesma para estar a serviço da aplicação do direito.” (SANTOS; CHIMENTI, 2011, p. 53).

Na mesma discussão, a redução do formalismo excessivo é evidente no conteúdo do artigo 13, da Lei n. 9.099/95, o qual enfatiza a priorização do propósito almejado, dispensando requisitos formais, desde que os objetivos desejados sejam atendidos.

Noutra linha, visualiza-se que o princípio da economia processual tem por objeto alcançar o maior resultado possível dentro dos atos processuais, praticando, contudo, o mínimo de diligências. Quanto a referido princípio, vale destacar como exemplo as intimações realizadas via telefone, pelo próprio servidor apto para tal, esquivando-se, portanto, da expedição de mandado e/ou carta, trazendo economia ao erário.

Quanto ao princípio da celeridade, este fora instituído com o fito de, obviamente, prestar uma solução célere à situação ajuizada pela parte. Nesse norte, destaca-se o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual dispõe que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (BRASIL, 1988).

Ademais, o princípio da celeridade ampara-se especialmente ao fato de, anteriormente a sua instituição, a morosidade nos processos judiciais era evidente, independentemente da complexidade a ser tratada, submetendo o cidadão, ora autor, a uma espera infinita a fim de resolver sua lide.

Ao estudar a Lei n. 9.099/95, visualiza-se, em todo seu bojo, diversos dispositivos voltados à aplicação dos princípios discutidos. Ainda, é de se destacar a competência do legislador ao prever tais critérios, especialmente para atender a finalidade dos Juizados Especiais, a qual é, sobretudo, buscar a conciliação entre as partes, evitando-se ao máximo as formalidades presentes na Justiça comum. Para tanto, tais princípios visam exemplificar e desburocratizar ao máximo o procedimento amparado sob os Juizados.

3 O PROCEDIMENTO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

O procedimento dos Juizados Especiais Cíveis inicia-se por meio de petição inicial, subscrita por Advogado ou Defensor Público, ou por atermação realizada diretamente pela Secretaria dos Juizados Especiais, nas causas cujo valor não supere a 20 salários-mínimos. Nessa última hipótese, a reclamação pode ser oral ou escrita.

Apresentado o pedido à secretaria do Juizado, sendo ele de forma oral, será tomado por termo pelo servidor que atender à parte. O termo a que nos referimos deve ter forma de uma petição inicial, de acordo com o modelo integrante do anexo II, devendo conter os requisitos essenciais da petição inicial, em cumprimento ao disposto no art. 282, do Código de Processo Civil (1973), tais como: a indicação do Juizado onde está sendo proposta a reclamação, a qualificação das partes, os fundamentos da matéria de fato e de direito, o pedido de citação da parte contrária para comparecer à audiência conciliatória e, querendo, oferecer sua contestação na fase oportuna, sob pena de revelia e confissão ficta da matéria de fato e, consequentemente, julgamento antecipado da lide, o pedido da condenação, a especificação das provas que pretende produzir o reclamante, o valor da causa e assinatura do reclamante. (SILVA, 2000, p.31)

Vale dizer que, na hipótese de a reclamação ser apresentada na forma escrita, seguirá os mesmos requisitos da petição inicial, constando a qualificação das partes, seus endereços, os fatos ocorridos de forma sucinta e clara, sob pena de indeferimento da inicial.

Assim, estando a petição irregular, deve o servidor, antes de recebê-la e promover seu processamento, recomendar que seja consertada, evitando, destarte, incidentes processuais que possam acarretar prejuízos para as partes e desgaste do juiz na sua apreciação. Pode ser indeferida a petição inicial se não atender aos pressupostos processuais insertos no artigo supramencionado (art. 282, do CPC/1973), pois são condições de procedibilidade da ação. Sua inobservância impede o regular prosseguimento do feito. (SILVA, 2000, p.31)

Os requisitos de admissibilidade da ação, em contraponto à sistemática da Justiça Comum, não serão observados pela autoridade judiciária nos Juizados Especiais logo no início da ação, pois, em regra, a ação será autuada e processada, com a designação de audiência de conciliação e, após, audiência de instrução e julgamento. Só então, encerrada a instrução processual pelo Juiz Leigo e não tendo as partes chegado à solução consensual do conflito, é que o processo será remetido ao Juiz togado.

[...] considerando que o impulso inicial do processo é promovido pelo serventuário da justiça, que é quem recebe a inicial e designa de imediato a audiência conciliatória dando ciência ao reclamante da designação e expedindo de imediato, a carta de citação para a parte contrária. Daí, a necessidade de esse servidor analisar a petição inicial quando a recebe, verificando os seus pressupostos e a documentação a ela adunada, evitando assim a instauração da ação com a inicial eivada de vícios que possam conduzir à extinção do feito sem o julgamento do mérito. (SILVA, 2000, p.32)

Com efeito, o serventuário da justiça, verificando a inicial e constatando o preenchimento de seus requisitos e que está apta para distribuição, deflagrará o procedimento com a distribuição da ação, designando-se a audiência de conciliação e expedindo-se a citação para o reclamado/réu.

A parte autora, como regra, sairá intimada da audiência no ato da distribuição e a parte ré será citada e intimada para comparecimento, preferencialmente por via postal, por meio de carta com aviso de recebimento, sob pena de, não o fazendo, sofrer os efeitos que da revelia decorrem.

A audiência de conciliação, presidida por um conciliador, tem por objetivo a concretização de um dos princípios vetores dos Juizados Especiais: a busca pela conciliação. E sendo infrutífera, designar-se-á audiência de instrução e julgamento, intimando-se os presentes

No que se refere aos atos postulatórios do réu, Luiz Cláudio Silva explica:

Não será admitida na fase de contestação a reconvenção, sendo lícito apenas ao reclamado formular na própria contestação, e não em peça separada, pedido em seu favor, nos limites da competência do Juizado Especial Cível, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem o objeto da controvérsia. (SILVA, 2000, p.32/33)

No procedimento dos Juizados Especiais Cíveis não se admite nenhuma forma de intervenção de terceiros, ressalvado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nem a reconvenção; porém, admitir-se-á a formulação de pedido contraposto, na forma do art. 31, da Lei n. 9.099/952.

O artigo supramencionado prevê regras sobre a matéria que poderá ser arguida em sede de pedido contraposto.

Formulando o reclamado pedido contraposto, como autoriza o art. 31, da Lei n. 9.099/95, deve ele fundamentá-lo nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia, acostando naquele momento a prova material que demonstre sua pretensão. È facultado ao reclamante responder ao pedido do reclamado na própria audiência ou requerer o adiamento desta, a fim de lhe ser permitido tempo para contestar o pedido formulado pelo reclamado, recomendando-se a designação de nova audiência, dando-se ciência aos presentes da designação, em respeito ao princípio da ampla defesa. (SILVA, 2000, p.33)

Na audiência de instrução e julgamento, quando presidida pelo magistrado, ele receberá a contestação ou exceção do réu, instruirá o processo e após, proferirá a sentença. Por outro lado, se presidida a audiência pelo juiz leigo, receber-se-á a contestação, realizará a instrução processual e emitirá um projeto de sentença, um parecer, que será submetido ao juiz togado para análise, após, se de acordo com o entendimento do mesmo, será homologado, surtindo seus jurídicos e legais efeitos.

A esse respeito, o art. 40, da Lei dos Juizados Especiais, prevê:

Art. 40. O Juiz leigo que tiver dirigido a instrução proferirá sua decisão e imediatamente a submeterá ao Juiz togado, que poderá homologá-la, proferir outra em substituição ou, antes de se manifestar, determinar a realização de atos probatórios indispensáveis.

Contra a sentença proferida caberá a oposição de embargos de declaração, no prazo de 5 dias, se constatados vícios de omissão, obscuridade ou contradição, ou a interposição de recurso inominado, no prazo de 10 dias, ambos os prazos contados da publicação da sentença.

O preparo recursal, referente ao recurso inominado, deverá ser realizado nas 48 horas seguintes a interposição do recurso, sob pena de deserção (§1º, do art. 42, da Lei n 9.099/95). Calha ressaltar que em fase recursal, será obrigatória a assistência de advogado ou Defensor Público, independentemente do valor da causa, nos termos do §2º, do art. 41, da Lei n 9.099/95.

No sistema dos Juizados Especiais, o recurso inominado, equivalente ao recurso de apelação no procedimento comum ordinário, será julgado pela Turma Recursal, composta por três Juízes de Direitos, em exercício no primeiro grau de jurisdição.

4 O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SUA APLICAÇÃO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

O cerne da discussão envolvendo a aplicação das disposições do Código de Processo Civil neste artigo, envolve a exata delimitação do assunto pelo enunciado 161 do Fonaje, editado da seguinte forma:

ENUNCIADO 161 – Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da Lei 9.099/95.

O princípio da especialidade, como regra hermenêutica a superar eventuais antinomias da norma, preconiza que deve o intérprete dar efetividade às disposições especiais veiculadas na lei em detrimento de previsões genéricas. Tal fato, por si só, não impõe a revogação, total ou parcial, da norma, visto que, o que se busca, é a compatibilização do ordenamento.

Nesse sentido, com o escopo de prestigiar a adequação dos procedimentos, a Lei n. 9.099/95 estabelece, de forma taxativa, a possibilidade de aplicação subsidiária das disposições do Código de Processo Civil ao sistema dos Juizados Especiais, justamente porque ao legislador, não raras vezes, mostra-se impossível a sistematização de todas as possibilidades jurídicas que possam advir no plano fático e que demandam a regulamentação pormenorizada.

Nessa perspectiva, a Lei n. 9.099/95 faz expressa referência à aplicação do Código de Processo Civil ao sistema dos Juizados Especiais no i) art. 3º, II, ao delimitar sua competência para processamento e julgamento das causas alusivas ao extinto do procedimento sumário; ii) art. 48, ao elencar as hipóteses de cabimento de interposição de embargos de declaração; iii) art. 52, ao estabelecer a possibilidade de aplicação subsidiária do CPC ao procedimento de execução de sentença; e iv) art. 53, ao estabelecer a possibilidade de aplicação subsidiária do CPC ao procedimento de execução de título extrajudicial.

5 ASPECTOS PRÁTICOS: A APARENTE ANTINOMIA ENTRE AS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 9.099/95 E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Com o fito de otimizar a exposição do presente trabalho, foram segmentadas algumas problemáticas envolvendo a aplicação ou não das disposições do Código de Processo Civil ao sistema dos Juizados Especais Cíveis no que tange à defesa do executado em execução de título extrajudicial, ao julgamento antecipado do processo, à fixação de verba honorária sucumbencial e à possibilidade de rescisão da sentença proferida no âmbito do procedimento submetido à Lei n. 9.099/95.

5.1 A execução de título extrajudicial e a defesa do executado via embargos

Segundo dispõe o art. 3º, §1º, II, da Lei n. 9.099/95, os Juizados Especiais Cíveis têm competência para promover a execução dos títulos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário-mínimo, observada a regra que estatui a legitimidade ativa no referido sistema (art. 8º, §1º).

No que tange ao procedimento, o art. 53 do supracitado diploma legal prevê a observância ao disposto no Código de Processo Civil, com as modificações pertinentes à compatibilização ao sistema dos Juizados Especiais, quais sejam: i) uma vez efetuada a penhora, o devedor será intimado a comparecer à audiência de conciliação, quando então poderá opor embargos, por escrito ou verbalmente; ii) na audiência, incumbe ao conciliador propor a dispensa da alienação judicial, mediante adoção de medidas tais como o pagamento do débito a prazo ou a prestação, a dação em pagamento ou a imediata adjudicação do bem penhorado; iii) não opostos embargos em audiência ou se julgados improcedentes, qualquer das partes poderá requerer ao Juiz a adoção de uma das alternativas referidas no item anterior; iv) não encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoráveis, o processo será imediatamente extinto, devolvendo-se os documentos ao autor.

Vale dizer que os embargos somente poderão ser opostos pelo executado após prévia garantia do juízo, pelo depósito ou pela penhora, sendo que poderão veicular as matérias enumeradas no art. 52, IX, da Lei n. 9.099/95, versando sobre a) falta ou nulidade da citação no processo, se ele correu à revelia; b) manifesto excesso de execução; c) erro de cálculo; d) causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, superveniente à sentença. Acresça-se, ainda, que os embargos deverão ser opostos nos mesmos autos da execução.

Trata-se de sistemática diferente da adotada pelo Código de Processo Civil para a defesa do executado no âmbito da execução de título extrajudicial, na medida em que neste há expressa dispensa de prévia garantia do juízo pela penhora, depósito ou caução, para se opor embargos à execução, que deverão ser processados em autos apartados, à luz do que preconiza o art. 914, abaixo transcrito:

Art. 914. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.

§ 1º Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.

§ 2º Na execução por carta, os embargos serão oferecidos no juízo deprecante ou no juízo deprecado, mas a competência para julgá-los é do juízo deprecante, salvo se versarem unicamente sobre vícios ou defeitos da penhora, da avaliação ou da alienação dos bens efetuadas no juízo deprecado.

Com efeito, a partir da aplicação do princípio da especialidade, tem-se que as disposições da Lei n. 9.099/95 prevalecem sobre as disposições do Código de Processo Civil no que se refere à oposição de embargos à execução, notadamente quanto ao procedimento e à exigência de prévia garantia do juízo, consoante o enunciado 117 do Fonaje, in verbis:

ENUNCIADO 117 – É obrigatória a segurança do Juízo pela penhora para apresentação de embargos à execução de título judicial ou extrajudicial perante o Juizado Especial (XXI Encontro – Vitória/ES).

Por fim, cumpre frisar que os embargos à execução poderão ser decididos por Juiz Leigo sob a supervisão e posterior homologação do projeto de sentença pelo Juiz togado, nos termos do Enunciado 52 do Fonaje3, sendo que contra o referido provimento jurisdicional será cabível a interposição de recurso inominado, na forma do Enunciado 143 do Fonaje4.

5.2 O julgamento antecipado do processo

O Código de Processo Civil prevê, em seu art. 355, a possibilidade de julgamento antecipado do mérito quando i) não houver necessidade de produção de outras provas; ii) o réu for revel, ocorrer a revelia e não houver requerimento de provas, na forma do art. 349. São hipóteses que visam a prestigiar a duração razoável do processo e o devido processo legal.

No que se refere ao procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, por outro lado, a previsão de julgamento antecipado do mérito está, ao menos expressamente, subordinada à hipótese do art. 23 da Lei n. 9.099/95, que prevê:

Art. 23.  Se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá sentença.

De fato, a ausência do demandado na audiência de conciliação tem por consequência, segundo prevê o art. 20 da Lei n. 9.099/95, sua sujeição aos efeitos da revelia, reputando-se verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz.

Ocorre, todavia, que o dispositivo retrotranscrito encontra-se previsto na Seção VIII da Lei n. 9.099/95, atinente à conciliação e ao juízo arbitral, limitando somente ao Juiz togado, em tal hipótese, a prolação da sentença, jamais ao Juiz leigo a elaboração do projeto de sentença.

Justamente por conta da expressa previsão legal é que se conclui ser inviável a elaboração, pelo Juiz leigo, de projeto de sentença nos feitos em que não houve a devida instrução processual em audiência. Isso porque, mesmo se considerada a informalidade e simplicidade dos Juizados Especiais, a disposição legal é expressa no sentido de ser dado somente ao Juiz togado a prolação de sentença na hipótese de julgamento antecipado do mérito.

5.3 Os honorários advocatícios de sucumbência

Dentre as várias inovações introduzidas pelo sistema dos Juizados Especiais Cíveis está a busca pela redução dos “custos dos direitos”, vedando-se, como regra, a fixação e cobrança de honorários advocatícios de natureza sucumbencial em primeiro grau de jurisdição. Trata-se de regra prevista no art. 55, primeira parte, da Lei n. 9.099/95, assim vazada:

Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa.

Parágrafo único. Na execução não serão contadas custas, salvo quando:

I - reconhecida a litigância de má-fé;

II - improcedentes os embargos do devedor;

III - tratar-se de execução de sentença que tenha sido objeto de recurso improvido do devedor.

O Código de Processo Civil, por sua vez, rege-se pelos princípios da sucumbência e da causalidade, de modo que, independentemente da natureza principal da sentença, seja condenatória, declaratória ou constitutiva, consignará no dispositivo sempre uma parcela de condenação, como decorrência obrigatória da sucumbência.

A esse respeito, Humberto Theodoro Júnior5 leciona que:

O art. 85 determina a condenação do vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. São também devidos honorários de advogado na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente (art. 85, § 1º). Qualquer que seja a natureza principal da sentença – condenatória, declaratória ou constitutiva –, conterá sempre uma parcela de condenação, como efeito obrigatório da sucumbência. Nessa parte formará, portanto, um título executivo em favor do que ganhou a causa (autor ou réu, pouco importa), ou mais especificamente, em favor de seu advogado.

Daniel Amorim Assumpção Neves6 complementa, aduzindo que:

[...] a exemplo do que já fazia o CPC/1973, continua a consagrar a sucumbência como critério determinante da condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Ocorre, entretanto, que nem sempre a sucumbência é determinante para tal condenação, devendo ser também aplicado a determinadas situações o princípio da causalidade, de forma que a parte, mesmo vencedora, seja condenada ao pagamento de honorários ao advogado da parte vencida por ter sido responsável pela existência do processo, como corretamente reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça. [...] Segundo o § 10 do art. 85 do Novo CPC, nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo, ou seja, havendo carência superveniente por falta de interesse recursai superveniente, não importará para fixação dos honorários quem sucumbiu (no caso será sempre o autor), mas quem deu causa ao processo. A responsabilidade pelo pagamento das despesas e honorários advocatícios, prevista pelo art. 90, caput, do Novo CPC na hipótese de extinção do processo por decisão homologatória de desistência, renúncia ou reconhecimento jurídico do pedido, mantém a regra consagrada no art. 26, caput, do CPC/1973: cabe o pagamento à parte que praticou o ato que levou o processo à extinção, tendo o novel dispositivo apenas incluído a renúncia como causa de extinção, não prevista no artigo revogado mas devidamente incluída pela melhor doutrina.

Nesse sentido, destaca-se a jurisprudência do Eg. Superior Tribunal de Justiça:

No processo civil, para se aferir qual das partes litigantes arcará com o pagamento dos honorários advocatícios e das custas processuais, deve-se atentar não somente à sucumbência, mas também ao princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportar as despesas dele decorrentes” (STJ, REsp 1.160.483/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, jul. 10.06.2014, DJe 01.08.2014).

Diversamente, o que se extrai das disposições do art. 55 da Lei n. 9.099/95 que fixação da verba honorária advocatícia sucumbencial, em primeiro grau de jurisdição, tem natureza sancionatória, na medida em que cabível exclusivamente na hipótese de reconhecida a litigância de má-fé da parte autora ou ré.

No que se refere à fixação de honorários advocatícios em segundo grau de jurisdição, a segunda parte do dispositivo – art. 55 da Lei n. 9.099/95 – prevê o seu cabimento tão-somente na hipótese de restar desprovido o recurso inominado intentado pela parte, aplicando-se, pois, então, o princípio da causalidade, situação em que serão então fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor da condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa.

5.4 A (im)possibilidade de rescisão das sentenças proferidas nos juizados especiais à luz da jurisprudência do supremo tribunal federal

Por fim, como último aspecto prático de aplicação do Código de Processo Civil no sistema dos Juizados Especiais, colhe-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do recurso extraordinário n. 586.068, submetido ao rito da repercussão geral, que decisões dos Juizados Especiais podem ser anuladas se conflitarem com entendimento do Supremo Tribunal Federal. A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte:

1) É possível aplicar o artigo 741, parágrafo único, do CPC/73, atual art. 535, § 5º, do CPC/2015, aos feitos submetidos ao procedimento sumaríssimo, desde que o trânsito em julgado da fase de conhecimento seja posterior a 27.8.2001;

2) É admissível a invocação como fundamento da inexigibilidade de ser o título judicial fundado em ‘aplicação ou interpretação tida como incompatível com a Constituição’ quando houver pronunciamento jurisdicional contrário ao decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, seja no controle difuso, seja no controle concentrado de constitucionalidade;

3) O artigo 59 da Lei 9.099/1995 não impede a desconstituição da coisa julgada quando o título executivo judicial se amparar em contrariedade à interpretação ou sentido da norma conferida pela Suprema Corte, anterior ou posterior ao trânsito em julgado, admitindo, respectivamente, o manejo (i) de impugnação ao cumprimento de sentença ou (ii) de simples petição, a ser apresentada em prazo equivalente ao da ação rescisória.

Com efeito, o art. 59 da Lei n. 9.099/95 prevê não se admitir a ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento dos Juizados Especiais Cíveis. Trata-se de uma opção de legislativa no sentido de se vedar o controle jurisdicional de uma sentença transitada em julgado sob o procedimento da Lei n. 9.099/95 via ação rescisória, notadamente em nome dos critérios da simplicidade e informalidade.

Não obstante, em determinadas situações, nas quais há a formação da denominada coisa julgada inconstitucional, mostra-se viável se arguir, em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, a inexequibilidade do título judicial fundado em aplicação ou interpretação tido como incompatível com a Constituição, segundo pronunciamento jurisdicional contrário ao decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso ou mesmo concentrado de constitucionalidade.

À evidência, assentou-se que o art. 59 da Lei n. 9.099/95 não obsta a desconstituição da coisa julgada quando o título executivo judicial se encontra lastreado em contrariedade à interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal, anterior ou posterior ao trânsito em julgado, se tal pretensão for veiculada em impugnação ao cumprimento de sentença ou por simples petição, a ser apresentada em prazo equivalente ao da ação rescisória, e desde que o trânsito em julgado da fase de conhecimento seja posterior a 27/08/2001.

CONCLUSÃO

Ao longo deste estudo, explorou-se os princípios fundamentais que norteiam os Juizados Especiais, além de examinar o procedimento adotado e a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil nesse contexto.

A análise detalhada revelou desafios práticos na interação entre a Lei n. 9.099/95 e o Código de Processo Civil, apontando para uma aparente antinomia entre suas disposições. Essa dicotomia requer um olhar cuidadoso para harmonizar e conciliar ambas as legislações de modo a garantir uma aplicação consistente e eficaz nos Juizados Especiais Cíveis, devendo ser observada, criteriosamente, a aplicação do CPC nos Juizados.

A execução de título extrajudicial e a defesa do executado por meio de embargos, representam desafios práticos relevantes que demandam uma análise criteriosa para assegurar a efetividade e a justiça no âmbito dos Juizados Especiais.

Os honorários advocatícios de sucumbência, outro ponto de destaque, suscitam reflexões sobre a viabilidade de sua aplicação nesse contexto específico, tendo em vista a premissa de uma justiça mais acessível e célere, sem onerar excessivamente as partes envolvidas, com exceção aos recursos eventualmente interpostos.

Conclui-se, portanto, que a harmonização entre a Lei n. 9.099/95 e o Código de Processo Civil nos Juizados Especiais Cíveis demanda uma análise mais aprofundada, especialmente quanto à eventual aplicabilidade taxativa deste último, visando, contudo, à busca de soluções que garantam uma aplicação eficiente, ágil e equitativa desses institutos, promovendo, assim, a justiça e a celeridade desejadas para a resolução de conflitos de menor complexidade.

Sobre o autor
Stebbin Athaides Roberto da Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (2010). Pós-graduado em Execução Penal e Tribunal do Júri, Lei Geral de Proteção de Dados, Direito Administrativo, Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil, e Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Stebbin Athaides Roberto. Aspectos práticos da aplicação subsidiária do CPC nos juizados especiais cíveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7446, 20 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107105. Acesso em: 25 dez. 2024.

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