Nas últimas décadas, a atenção ao patrimônio cultural, material e imaterial vem aumentando consideravelmente em todo o mundo por se tratar de um recurso valioso para diversos setores, mas notadamente para o turismo. A cultura e o turismo tornaram-se, assim, um binômio de grande potencial para o desenvolvimento local, visto a capacidade de explorar comercialmente a descoberta de histórias, monumentos, culturas e memória do passado.
Tanto é assim que, as Listas Unesco do Patrimônio Mundial – material e imaterial - vêm evoluindo e crescendo continuamente. Por exemplo, na última sessão do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco, em Rabat/Marrocos, no final de 2022, foram incluídos mais 47 novos elementos nas Listas do patrimônio cultural imaterial Unesco, representados por 60 países [1], mas com a participação de 180 Estados-Membros à Convenção 2003 da Unesco [2].
A combinação, contudo, entre cultura e turismo, se por um lado pode trazer efeitos positivos, tanto a nível econômico como sociocultural, por outro, pode ter consequências trágicas ao patrimônio cultural, pois, o vandalismo ao patrimônio é um fenômeno que está crescendo na mesma proporção que as inscrições nas Listas Unesco.
Segundo notícias recentes, os responsáveis são, em sua maioria, turistas muito jovens, europeus e americanos. E, entre esses vândalos, não temos apenas grafiteiros, mas encontramos aqueles que mergulham nas fontes romanas, que sobem em esculturas e danificam estátuas e monumentos, que se deleitam ao escrever o próprio nome ou deixar mensagens comprometendo os muros centenários do Coliseu. Há, também, quem tenha apreciado destruir os degraus de mármore travertino da mais famosa escadaria italiana, situada na Piazza di Spagna, inaugurada pelo Papa Bento XIII, e projetada entre 1723 e 1726 pelo arquiteto romano Francesco De Sanctis para ligar a praça à igreja da Trinità dei Monti.
A concepção de que o vandalismo ao patrimônio cultural será reduzido por meio de vigilância e punição já se mostrou ineficaz e simplista [3]. A falta de atenção e desrespeito, não somente com o patrimônio cultural, mas igualmente com o patrimônio natural, o território e comunidades locais, só aumentam ano a ano, traduzindo, assim, um profundo desconhecimento sociocultural e civilizatório da maioria dos turistas que não consegue compreender a importância e a necessidade da preservação desses monumentos como memória, história e cultura coletiva da nossa civilização quanto da nossa humanidade.
Diante desse cenário, observamos que existe uma lacuna incrível entre o interesse despertado pelo patrimônio cultural e o seu conhecimento real. O patrimônio é constituído de recursos herdados do passado a partir de elementos materiais e imateriais, representado por monumentos, lugares, paisagens, habilidades, práticas, conhecimento, expressões da criatividade humana e outros. Ele só vai existir para um indivíduo se este o entender e o reconhecer como tal. Isto é, não existe “patrimônio” sem o seu conhecimento!
O turista, para respeitar e preservar, vai precisar entender e conhecer o sentido desse patrimônio. A discussão, assim, que tem sido colocada em evidência nos últimos anos, é a educação patrimonial. O ensino sobre a história, a memória e os significados da cultura seria um recurso fundamental para sensibilizar os jovens, visando a adoção de uma atitude reflexiva e protetiva, desenvolvendo, ainda, comportamentos cívicos para uma proteção ativa e participativa dela.
O indivíduo, a partir de um maior conhecimento do local visitado, é capaz de entender a trajetória sociocultural, histórico-temporal desse lugar, sua comunidade e, principalmente, adquirir uma consciência civil, valorizando e respeitando o patrimônio cultural.
No âmbito europeu, várias frentes estão empenhadas nessa educação patrimonial, apoiadas em Convenções [4], Recomendações [5] e Programas. Os museus visam ser, igualmente, um vetor fundamental na complementação dessa educação. Mas não se trata de uma tarefa fácil, visto os inúmeros atos de vandalismo ao patrimônio cultural ocorridos no último verão europeu.
A esperança de que a educação sobre o patrimônio cultural seja cada vez mais difundida na Europa, mas também desenvolvida com qualidade e competência, parece não estar dando resultados efetivos. Ademais, a maioria dos turistas de “morde e foge” (turismo de massa) não frequentam museus. Acrescente-se ainda que o valor dos ingressos está cada vez mais inacessível e contratar um guia especializado que dissemine corretamente a educação patrimonial também é um acessório turístico para poucos.
As cidades antigas são os berços da cidadania, da civilização democrática e da integração social. Compreender os seus monumentos, igrejas, casas, palácios, ruas, praças, seus usos, tempos, modos de viver e saberes tradicionais é compreender a nossa história cultural e da nossa humanidade. Ao traçar a importância da educação para o patrimônio cultural, seja nas escolas, universidades, instituições e, também, para o turista “morde e foge”, vimos um presente abatido e um futuro com muitos desafios.
Notas
[1] Ver em: https://ich.unesco.org/fr/17com.
[2] Ver em : https://ich.unesco.org/fr/accueil.
[3] Ver artigo publicado no site do IBDCult por essa mesma autora sob o titulo “A importância da educacao para o patrimônio”.
[4] Convenção de Faro.
[5] Em 1998, o Conselho Europeu adotou a Recomendação N.R. (98)5, relativa à pedagogia do património cultural determinando o reconhecimento da educação patrimonial como um elemento crucial para as políticas educativas europeias, https://search.coe.int/cm/Pages/result_details.aspx?ObjectID=09000016804f1ca1.