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Smart Contracts - Contratos inteligentes como substitutos dos contratos convencionais

Agenda 16/11/2023 às 16:29

Resumo

O tema do presente trabalho é "Os contratos inteligentes (smart contracts) como substitutos dos contratos convencionais". Nesse sentido, busca-se investigar o papel de contratos inteligentes baseados em blockchain no mundo jurídico e quais são as possíveis repercussões dessa tecnologia em relação aos contratos convencionais. A seguinte hipótese foi cogitada: "Os contratos inteligentes já estão sendo utilizados no mundo jurídico, o que repercute nos contratos convencionais de forma a agilizar, desburocratizar e conceder maior segurança ao novo método". Observaremos a importância de adaptar o setor jurídico aos contratos inteligentes, uma tecnologia que tem a capacidade revolucionar as transações. Os objetivos do estudo incluem analisar os conceitos básicos de blockchain e contratos inteligentes, investigar a utilização de contratos inteligentes no mundo jurídico, identificar as vantagens e desvantagens em relação aos contratos convencionais, e avaliar o impacto dessa tecnologia no setor jurídico e na sociedade. A justificativa destaca a necessidade de compreender o potencial dos contratos inteligentes e suas implicações futuras. A metodologia adotada é uma abordagem qualitativa, utilizando pesquisa bibliográfica e análise de conteúdo.

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo investigar como contratos inteligentes podem ser utilizados no mundo jurídico e quais são as possíveis repercussões e futuro desta tecnologia em relação aos contratos convencionais.

Um contrato inteligente é um contrato autoexecutável cujos termos do acordo entre comprador e vendedor são diretamente escritos em linhas de código. O código e os acordos contidos nele existem em uma rede blockchain descentralizada e são automaticamente executados e aplicados. Isso torna os contratos inteligentes mais seguros, transparentes e eficientes do que os contratos tradicionais, pois eliminam a necessidade de intermediários e reduzem o risco de fraudes.

O trabalho será dividido em três partes principais. Na primeira parte será aborda a conceituação do contrato convencional, contrato inteligente e tecnologia blockchain. Serão analisados os conceitos básicos de blockchain e contratos inteligentes, investigada a utilização de contratos inteligentes no mundo jurídico, identificadas as possíveis vantagens e desvantagens dos contratos inteligentes em relação aos contratos convencionais, e avaliado o impacto dos contratos inteligentes no setor jurídico e na sociedade como um todo. A seguir, serão apresentados exemplos sobre o uso de contratos inteligentes em diferentes contextos.

Ao final, será apresentada uma conclusão sobre o tema da presente pesquisa, explorando a questão central da pesquisa: "Os contratos inteligentes como substitutos dos contratos convencionais". Além disso, a conclusão proporcionará uma visão abrangente do tema dos contratos inteligentes, oferecendo insights valiosos para acadêmicos, profissionais e pesquisadores que buscam compreender o potencial desses contratos na transformação do cenário jurídico e empresarial.

Em relação à metodologia adotada, optou-se por uma abordagem de pesquisa qualitativa, que se concentra em conceitos e dados não numéricos. Quanto aos objetivos da pesquisa, esta se caracteriza como descritiva-explicativa, uma vez que busca explorar conceitos e sua correlação prática com o ambiente jurídico e social. Por fim, em relação ao procedimento metodológico, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, baseada em textos e publicações acadêmicas disponíveis em repositórios acadêmicos.

Contratos e Smart Contracts

Desde os primórdios da civilização, os contratos têm sido usados para regulamentar as relações entre as pessoas. No direito primitivo, um clã ou uma tribo celebrava um acordo com outra tribo para cessão de um direito ou fornecimento de algum produto, e, os chefes das tribos ou comissários por eles indicados pactuavam em nome de todo o grupo. Em caso de descumprimento, o grupo inadimplente teria um débito em face do grupo credor, que poderia ser exigido conforme acordado anteriormente.

Na Idade Média com o direito feudal, aplicado e elaborado dentro dos feudos pelo senhor, havia um contrato entre o vassalo e o senhor, onde existiam obrigações recíprocas. O vassalo recebia uma parcela de terra da propriedade, a qual deveria ser trabalhada e cultivada, e, em contrapartida, deveria ocorrer o pagamento ao senhor de uma parcela, ou percentual, do que era produzido. Em contrapartida o senhor ficava obrigado a não prejudicar seu subordinado, subsidiar sua proteção e seu sustento conforme afirma Castro (2003).

No Direito Público estruturado, encontramos Rousseau, o qual propôs o conceito de que o Estado pretende abrandar a infelicidade humana por conta da transição do estado natural para a sociedade política instituindo o contrato social, formado pela vontade de todos, e, fonte genuína para a ordenação social (Naves, 2006). Com esse espírito que os códigos modernos, sob a influência iluminista, segundo Naves (2006), que o jusnaturalismo racionalista assume-se como fundamento do Direito, resultando no contrato como pilar da sociedade.

Itália, França e Países Baixos, nos idos dos séculos XVII e XIX, estavam inseridos em um contexto de transformações, por conta do pensamento iluminista e Revolução Francesa, presenciaram o declínio do sistema feudal (Huizinga et al, 1985). Com a migração dos vassalos para as terras limítrofes e diminuição do contrato ao estilo feudo-vassálico, iniciou-se um novo entendimento do Direito, o Direito natural ou jusnaturalismo. Centralizado na razão do homem, que detinha suas escolhas e era autônomo, não se sujeitando a autoridade exterior, e, na visão de Hespanha (1998, conforme citado em Bohnenberger e Pinto, 2022), fazia com que o homem fosse liberto das amarras religiosas.

Dessa liberdade, os três países acima, e, posteriormente, os demais, passaram a admitir o consensualismo no direito dos contratos, bastando para tal, somente o interesse e o mútuo acordo de vontade entre as partes, surgindo então a teoria clássica dos contratos com seus três princípios básicos, a saber: liberdade contratual ou autonomia da vontade; obrigatoriedade dos contratos, conhecido também pela expressão latina pacta sunt servanda, e, consensualismo (Melo, 2021).

Tendo isso em mente, é possível perceber que o instituto jurídico do contrato é natural ao ser humano e tem sido utilizado para regulamentar as relações entre pessoas e garantir a segurança jurídica de transações econômicas, trabalhistas e qualquer outra forma obrigacional. No entanto, com o avanço das tecnologias e da forma de se ver e viver o mundo, os contratos evoluíram (ou estão evoluindo) para um modelo inteligente, como uma alternativa promissora aos contratos convencionais.

Smart Contracts

O termo "Contratos Inteligentes" é relativamente recente, tendo sido utilizado pela primeira vez por Nick Szabo em 1997, no artigo "Formalizing and Securing Relationships on Public Networks" (Szabo, 1997). Desde então, o termo tem sido cada vez mais empregado, assim como o próprio instituto do contrato inteligente, que está sendo utilizado com maior frequência no cotidiano contemporâneo.

Szabo (1997) observa que o custo de executar negócios sofreu diversas alterações e evoluções ao longo da história, conforme demonstrado no capítulo anterior. Normalmente, o desenvolvimento na forma de se contratar acompanha o avanço tecnológico. No entanto, ainda hoje, em diversos setores, somos obrigados a formalizar relacionamentos com contratos escritos, leis escritas e formulários elaborados para o papel, o que onera e dispende dinheiro para a elaboração, manutenção, cópia e distribuição desses documentos. Na visão do professor Nick Szabo (1997), estamos em um período em que a civilização deve adaptar-se aos novos meios de comunicação, inclusive no que se refere aos contratos.

Se pensarmos no instituto do contrato de forma lógica, podemos expressá-lo sob uma proposição do tipo "se... então". Por exemplo, em uma venda e compra de um produto qualquer, teremos, no mínimo, duas proposições lógicas, sendo a primeira “SE houver o pagamento, ENTÃO haverá a entrega” e, a segunda “SE não houver o pagamento, ENTÃO não haverá a entrega.”

O professor Szabo (1997) também apresenta um exemplo didático do uso lógico de um contrato: a máquina de venda automática (vending machine). Nesse caso, a lógica contratual é aplicada a um componente físico sem a necessidade de estar escrito ou disponível para a conferência em papel. No exemplo do professor Szabo, há um contrato que se inicia e finaliza em poucos segundos: o comprador deposita uma quantia de dinheiro na máquina, que, em seu tempo, entrega o produto - muitas vezes refrigerantes ou lanches - ao comprador, finalizando o contrato sem nenhuma interferência humana. Vale ressaltar que, à época em que Szabo concebeu este exemplo, os meios de pagamento digital ainda não eram tão populares quanto hoje em dia, e ainda existia a necessidade de armazenamento físico de dinheiro em espécie, o que aumentava o risco de perdas para o dono da máquina.

Em complemento, Max Raskin (2016) comenta que a primeira referência manifesta sobre uma máquina de vendas automática se deu por volta de 215 a.C. no livro Pneumatika, do matemático grego Hero. Raskin (2016) explica que a máquina era usada em templos egípcios e era ativada quando se inseria uma moeda num lugar específico, e, em contrapartida a máquina disponibilizava certa quantidade de água benta. Sistema muito parecido com o que conhecemos atualmente para as máquinas de venda automática.

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O que torna os contratos inteligentes únicos, na visão de Morais (2022), é que eles vão além do que os contratos usuais fazem, ou melhor, não fazem neste caso. Os contratos inteligentes, por serem premissas lógicas escritas em um programa de computador, têm a capacidade de execução automática das obrigações não necessitando da intervenção humana para tal. E, retomando as três características apresentadas no tópico anterior, os contratos inteligentes suprem todos os requisitos da Teoria dos Contratos, a saber a autonomia da vontade, a obrigatoriedade do contrato e o consensualismo, perfazendo-se assim um contrato válido juridicamente.

Raskin (2016) explica que os contratos inteligentes têm dois componentes essenciais, o primeiro é o contractware, neologismo utilizado para aglutinar o conceito de contrato e software, este último é a parte lógica dos programas de computador; e, o segundo, na visão de Raskin, é a rede descentralizada, ou livro descentralizado, neste caso específico a blockchain, que será objeto de estudo mais adiante. Em outras palavras, o contractware poderia ser o componente lógico do contrato, onde estão as premissas, obrigações e demais termos do contrato e a blockchain é o local onde ocorrerá o registro do contrato. Max Raskin (2016) chega ao extremo de conjecturar que em um futuro poderá existir contractware integrado ao corpo humano, e, nessa distopia, os credores instalariam dispositivos nos corpos dos devedores para cobrar forçadamente à escravidão ou outra punição em caso de inadimplência.

Apesar de haver consenso sobre o início do uso do termo contratos inteligentes, Uster (2020) comenta que mesmo existindo diversos autores que se debruçaram sobre o tema, o conceito de contratos inteligentes sempre recai sobre duas características básicas, a saber, auto execução e transparência dos termos.

Corrales et al (2019) definem o contrato inteligente não sendo um contrato tradicional, em papel, nem um contrato online. Para Corrales et al (2019) o contrato inteligente está para os contratos convencionais assim como o smartphone está para o telefone analógico.

Em outras palavras, no contrato inteligente há a utilização predominantemente de alguma linguagem de programação para que os termos e obrigações sejam estipulados, e, posteriormente disponibilizados em uma plataforma idônea, que consiga assegurar a imutabilidade dessas cláusulas e a fiel execução dos termos.

Divino (2018) define contrato inteligente como negócio jurídico bilateral ou unilateral, imperativo, quase inviolável, previamente pactuado verbalmente ou escrito, reduzido à linguagem de programação algorítmica e expresso de forma digital assim como acordado anteriormente e executado e armazenado em um banco de dados descentralizado, blockchain, para geri-lo de forma automática e autônoma, desde sua criação até sua extinção, incluindo termos, condições, encargos e as cláusulas de responsabilidade civil com o auxílio de hardware e software, sem a necessidade de eventual interferência de outras pessoas com o objetivo de reduzir custos financeiros e despesas com o acionamento do poder judiciário.

Blockchain

Nos conceitos apresentados anteriormente, há menção, por diversos autores, sobre o blockchain como algo essencial para a conceituação e aplicação dos contratos inteligentes. É indispensável ter conhecimento, mesmo en passant, sobre o que é, de fato, a tecnologia blockchain.

A forma de viver no mundo atual é totalmente diferente do que era há três ou quatro décadas. Naquela época, era praticamente remota a possibilidade de efetuar pagamentos por meio de um celular, solicitar um carro de carona sem a necessidade de ter dinheiro em espécie no bolso ou efetuar um pagamento instantâneo em uma moeda estrangeira sem a necessidade de se dirigir a um banco ou a uma casa de câmbio.

Hoje em dia, é possível realizar transações quase que instantaneamente por meio de um smartphone, graças a sistemas de intermediação que utilizam a Internet. Em muitos casos, essa intermediação é remunerada com base em percentuais preestabelecidos. O intermediário tem o papel de garantir que a transação ocorra de forma segura, disponibilizando ferramentas adequadas para que as partes realizem seus negócios jurídicos sem temor.

Além disso, cabe ao intermediário atuar como garantidor de que a transação realmente aconteceu nos termos propostos sem alteração ou intervenção de terceiros mal-intencionados. Também é de responsabilidade do intermediário impedir que seja simulada uma transição que não aconteceu ou que mais de uma transação com os mesmos atores ocorra. Por esses motivos há a necessidade da remuneração do intermediário e, na visão de Uster (2020), caso a confiança entre os atores do contrato fosse absoluta não haveria a demanda de um intermediário.

Tendo isso em mente, Nakamoto (2008) entende que as transações remotas baseadas em confiança absoluta entre as partes não seriam viáveis economicamente por conta da possibilidade da reversibilidade, judicial, extrajudicial ou fraudulenta, da transação. Daí se extrai a necessidade de um terceiro, o qual todos os atores envolvidos no negócio confiem. Nesse cenário que foi idealizado e criada a tecnologia blockchain, de autoria de Satoshi Nakamoto (Uster, 2020), a qual trouxe novos pontos de vista sobre a capacidade de transformação que os negócios realizados sob o manto da tecnologia blockchain podem experimentar.

Satoshi Nakamoto (2008) entende que existia a necessidade de ocorrer uma migração do sistema baseado em confiança para um sistema baseado em criptografia, e conjecturou que, caso isso ocorresse, o custo de um terceiro de confiança seria diminuído ou até zerado além de viabilizar a realização de transações irreversíveis.

Divino (2018) afirma que antes de 2008, ano em que a ideia do blockchain surgiu, não era possível comprovar tarefas, dados e atividades individualizadas realizadas por meio da internet sem a participação de uma unidade centralizada que garantisse sua autenticidade e veracidade. Na opinião do mesmo autor, o blockchain resolve esse problema de forma probabilística, uma vez que obriga a informação a trafegar por toda a internet, utilizando códigos específicos executados em máquinas específicas, com o objetivo de fornecer transparência e verificabilidade.

De forma bem reduzida, o blockchain pode ser entendido como um banco de dados em que os registros de transações são organizados de forma cronológica, e, adicionalmente, o banco de dados se encontra público na internet para que possa ocorrer possíveis verificações.

Com essa estrutura, na visão de Uster (2020), os usuários não precisam necessariamente confiar uns nos outros para que as transações possam ocorrer. Em vez disso, eles podem confiar somente na tecnologia e na plataforma, que podem ser verificadas por todos a qualquer hora e em qualquer lugar.

Cada registro, conforme citado acima, é tratado pela nomenclatura de blockchain, ou seja, um blockchain é um conjunto de dados menores, os quais são chamados de blocks. Cada um desses blocks, possuem informações sobre parte das transações feitas anteriormente e a referência ao bloco anterior da corrente, chain, e, adicionalmente a solução de um algoritmo, denominado hash. O hash é utilizado para validação das informações constantes do bloco. E, cada computador da rede ponto a ponto, ou P2P, salva uma cópia do blockchain e sincroniza com toda a rede.

Divino (2018) defende que para que existam apenas blockchains legítimos e verdadeiros na rede P2P todos os usuários verificam todos os blocos e os autenticam sem alterar as cadeias já existentes. Para que um novo bloco seja adicionado à rede é necessário que haja um consenso entre os usuários da rede como um todo, esse processo é descrito como uma prova de trabalho, que nas palavras de Wright e De Filippi (2015), corresponde a um mecanismo que requer que certos computadores na rede, coloquialmente referidos como “mineradores”, resolvam intensos problemas matemáticos, enquanto outros verificam se a solução alcançada para o problema proposto não corresponde a alguma transação anterior. Posteriormente, após o bloco ser verificado e adicionado na rede, ele será inscrito em um livro-razão público, com o objetivo de assegurar a estabilidade e segurança da informação, o que poderá ser verificado na internet por qualquer uma das partes ou por algum outro interessado em validar a veracidade da transação (Divino, 2018).

Por conta dessa estrutura, os usuários não precisam, necessariamente, confiar uns nos outros, mas a única confiança que se faz necessária é que cada parte cofie na rede blockchain, que distribui e armazena os dados de maneira descentralizada sem beneficiar uma parte em detrimento de outra (Uster, 2020).

Das características da rede blockchain apresentadas acima, é o entendimento de diversos autores, dentre eles Savalyev (2016), em seu artigo Contract Law 2.0: “Smart” Contracts as the beginning of the end of classic contract law, de que a rede blockchain tem o potencial para suprimir entidades centralizadoras de informação.

É importante destacar que a tecnologia blockchain tem sido fundamental para a conceituação e aplicação dos contratos inteligentes. Com a utilização de linguagem de programação, é possível estipular os termos e obrigações e disponibilizá-los em uma plataforma que assegura a imutabilidade dessas cláusulas e a fiel execução dos termos. Além disso, a rede blockchain distribui e armazena os dados de maneira descentralizada, sem a necessidade de entidades centralizadoras de informação, o que pode trazer mais segurança e transparência para as transações realizadas.

Como o escopo e delimitação do presente artigo não é exaurir o tema de forma técnica quanto aos aspectos tecnológicos, passemos ao próximo tópico, que apresentará exemplos práticos e contemporâneos de utilização dos contratos inteligentes.

Contratos em espécie

De acordo com Ribeiro e Mendizabal (2021), a tecnologia blockchain é uma área que tem sido amplamente explorada por diversas aplicações e é considerada uma das tecnologias mais promissoras para revolucionar vários setores no futuro. Embora ainda esteja em fase embrionária, a blockchain tem ganhado destaque em muitos setores tanto em pesquisa quanto em desenvolvimento, liderando projetos inovadores em diferentes áreas. Além disso, entre os entusiastas e pesquisadores da tecnologia blockchain, é possível identificar quatro categorias ou gerações de rede, cada uma com suas próprias características e objetivos específicos, mostrando o potencial dessa tecnologia para transformar a maneira como as transações são realizadas e gerenciadas em diversos setores.

A primeira geração de tecnologia blockchain, conhecida como Blockchain 1.0, foi idealizada por Szabo. Ela se baseia no conceito de um livro de registros públicos, que é compartilhado por um grande número de usuários e, por isso, é verificado por uma multiplicidade de agentes. Essa abordagem proporciona transparência e confiabilidade à rede (Mukherjee e Pradhan, 2021). O Bitcoin é a principal criptomoeda que utiliza essa tecnologia, tendo se consolidado como a moeda da internet. De acordo com Mukherjee e Pradhan (2021), o Bitcoin pavimentou o caminho para o surgimento de novas criptomoedas.

É importante destacar que a Blockchain 1.0 foi apenas o primeiro passo na evolução da tecnologia blockchain. Sua segunda geração, a Blockchain 2.0, é utilizada predominantemente para viabilizar contratos inteligentes e códigos que possibilitam a criação de outros tipos de aplicações além das criptomoedas, conforme a visão de Ribeiro e Medizabal (2021). Assim como o Bitcoin está para a Blockchain 1.0, o Ethereum está para a Blockchain 2.0.

De acordo com a pesquisa de Mukherjee e Pradhan (2021), a escalabilidade tem sido apontada como o principal obstáculo das Blockchains 1.0 e 2.0. Isso se deve, principalmente, à sua dependência de prova de trabalho, um processo que pode levar horas para confirmar transações. A chamada Blockchain 3.0 tem como objetivo tornar as criptomoedas globalmente viáveis. Além dos contratos inteligentes, a Blockchain 3.0 envolve aplicações descentralizadas, conhecidas em inglês como dApps. As aplicações descentralizadas são programas que rodam na rede blockchain em vez de rodarem em um único computador, o que as coloca além de qualquer tipo de centralização.

Com a Blockchain 3.0, as aplicações são fragmentadas em diversos computadores, o que aumenta significativamente a segurança e confiabilidade delas quando comparadas a aplicações convencionais. Essa abordagem descentralizada também garante maior resistência a possíveis falhas técnicas ou ataques cibernéticos, tornando a tecnologia blockchain ainda mais confiável e segura. Além disso, a descentralização pode ajudar a reduzir os custos e melhorar a eficiência de muitos processos, uma vez que não há necessidade de intermediários ou autoridades centrais para validar transações.

Por fim, vale destacar a existência da Blockchain 4.0, que representa uma evolução significativa em relação às gerações anteriores. Nesta categoria, o foco principal é na aplicação da tecnologia blockchain em áreas específicas, como a indústria, automação e cidades inteligentes (Ribeiro e Medizabal, 2021). Essa nova geração está em constante desenvolvimento e descoberta, mas já é possível perceber um aumento significativo do uso de inteligência artificial para a tomada de decisões e validação de dados.

Tendo em mente as gerações do blockchain, este estudo apresentará exemplos práticos do uso atual dos contratos inteligentes.

Crowdfunding

Crowdfunding é uma das muitas formas de financiamento coletivo que ganhou destaque na era digital. Segundo Souza (2020), é uma forma digital, através da internet, para que empresas, pessoas ou organizações arrecadem dinheiro na forma de doações ou investimentos de diversas pessoas. O crowdfunding é uma maneira de viabilizar projetos que, muitas vezes, não conseguiriam ser financiados por meio de recursos tradicionais.

De acordo com Monteiro (2014), o crowdfunding é um fenômeno virtual que tem o propósito de financiar de forma colaborativa projetos variados, podendo ser culturais, pessoais, sustentáveis ou a criação de um produto. É uma maneira de envolver a comunidade em causas e ideias que valem a pena investir.

Essa modalidade de financiamento é viável para pessoas com dificuldade em conseguir empréstimos bancários ou para projetos inovadores que não encontram espaço no mercado tradicional. Através do crowdfunding, o investimento é feito por várias pessoas, geralmente em valores menores, tornando-se uma alternativa mais acessível e com menor risco.

O crowdfunding pode ser dividido em várias categorias, como doações, recompensas, empréstimos e investimentos. Cada uma dessas categorias tem suas próprias características e objetivos específicos, que possibilitam a participação de diferentes tipos de investidores e apoiadores.

Souza (2020) explica que o crowdfunding na forma de doação tem por objeto a promoção de projetos filantrópicos, como por exemplo a arrecadação de fundos para a compra de um remédio de alto custo, levantamento de recursos para a construção de um centro esportivo, arrecadação de fundos para suprir necessidades de uma população atingida por um fenômeno natural. Crowdfunding na forma de recompensa ocorre quando há a captação de recursos para um determinado fim, mas que ao final, cada contribuinte receberá uma contrapartida correspondente, por exemplo, um autor que busca recursos para publicar seu livro e em contrapartida oferecerá um exemplar para cada doador.

Ainda na visão de Souza (2020), o crowfunding na categoria empréstimo, onde ocorre o empréstimo de valores a uma pessoa específica, normalmente há uma empresa ou plataforma intermediadora que funciona como terceiro confiável, no Brasil existem diversos exemplos de plataformas que oferecem o serviço, por exemplo a Nexoos, Bullla, Biva e Ulend (Andrade, 2019).

E, por fim, de acordo com a Resolução nº 88 de 2022 da Comissão de Valores Mobiliários (2022), a categoria de investimento crowdfunding corresponde à captação de recursos por meio de oferta pública de distribuição de valores mobiliários dispensada de registro, realizada por emissores considerados sociedades empresárias de pequeno porte, e distribuída exclusivamente por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo, sendo os destinatários da oferta uma pluralidade de investidores.

Em outras palavras, o uso de contratos inteligentes é uma prática comum em todas as categorias de crowdfunding, desde doações até investimentos, para aumentar a segurança jurídica das transações. Esses contratos são programados para executar automaticamente as cláusulas acordadas pelas partes envolvidas, garantindo que as condições sejam cumpridas de acordo com o que foi pré-estabelecido. Dessa forma, eles reduzem a necessidade de intermediários e de autoridades centrais para validar transações, o que torna o processo mais eficiente e seguro. Além disso, os contratos inteligentes são imutáveis, ou seja, uma vez que são registrados na blockchain, não podem ser alterados, o que garante maior transparência e confiabilidade. Sendo assim, a utilização de contratos inteligentes no crowdfunding é uma prática promissora, que já é utilizada atualmente e que pode ajudar a viabilizar projetos inovadores e fortalecer a confiança dos investidores e apoiadores.

Precatórios

Precatórios são títulos emitidos pelo governo para pagar dívidas judiciais. Eles são emitidos quando o governo é condenado a pagar uma determinada quantia em dinheiro a uma pessoa ou empresa em um processo judicial. Em vez de pagar a quantia imediatamente, o governo emite um título de dívida que pode ser vendido no mercado para arrecadar fundos.

Nasser et al (2020) explicam que no Brasil há uma grande destinação de recursos públicos para o pagamento de precatórios. Somente em 2020, os autores levantaram que o montante do valor solicitado pelo Conselho de Justiça Federal ao Ministério da Economia girava em torno de R$ 31 bilhões, somente na esfera federal.

Os autores também explicam que a forma habitual da venda e compra dos títulos de precatório ocorre primariamente sob a chancela dos cartórios, por meio de assinaturas físicas em escritura pública.

Como alternativa ao modelo tradicional e analógico de se negociar títulos de precatório existem empresas e plataformas digitais que se especializam nesse metier. Eliminando a necessidade da ida ao cartório devido à assinatura digital do contrato de cessão de crédito e registro da transação em blockchain pública.

Com a utilização de contratos inteligentes, empresas como Preks, plataforma brasileira de cessão de crédito digital de precatórios com utilização de blockchain; Coinnext, empresa que atua no Brasil oferecendo diversos serviços baseados em blockchain; e, Droom, startup que atua na venda e compra de precatórios no formato digital, aproveitam a autonomia alcançada pela tecnologia para disponibilizar segurança jurídica e liquidez para os investimentos.

Cadeia de suprimentos

De acordo com Marchini (2020), a cadeia de suprimentos é um conjunto de empresas conectadas e interdependentes que trabalham em cooperação para gerenciar e controlar os fluxos de materiais, financeiros e de informações que passam por todas as organizações até chegar ao cliente final. Isso inclui plataformas de comércio eletrônico, como Amazon, Lojas Americanas, Mercado Livre, varejistas e atacadistas.

A introdução da tecnologia blockchain traz o potencial de resolver alguns desafios de coordenação na gestão da cadeia de suprimentos. Ao usar contratos inteligentes para lidar com múltiplas trocas entre as partes, a tecnologia blockchain pode reduzir a complexidade, permitir maior transparência e possibilitar a verificação sem confiança em toda a cadeia de suprimentos. Isso, por sua vez, ajudará a acelerar a cadeia de suprimentos, torná-la mais ágil e promover relacionamentos mais fortes entre os parceiros (Law, 2017).

Um exemplo de cadeia de suprimentos usando contratos inteligentes pode ser a produção e entrega de camisas de um fabricante até a entrega ao cliente final. Primeiro, o fabricante pode cadastrar as informações de produção, como quantidade e qualidade da matéria-prima, data de fabricação e informações sobre a fábrica de produção, na rede blockchain. Em seguida, as camisas são transportadas por uma transportadora que também registra as informações sobre a entrega na rede, como a data e o horário da entrega, a localização do depósito da loja e o número de camisas entregues.

Ao chegar no depósito da loja, as camisas são registradas novamente na rede blockchain, com informações sobre a quantidade e o modelo das camisas, bem como a data de chegada e o nome do responsável pelo recebimento das camisas. Quando o cliente compra uma camisa na loja, física ou digital, a venda é registrada na rede blockchain, juntamente com informações sobre o modelo e o tamanho da camisa, a data da venda e o nome do vendedor. Com a utilização da tecnologia blockchain, todas as informações sobre a produção, transporte, armazenamento e venda das camisas são registradas e armazenadas de forma segura e transparente. Cada etapa do processo pode ser verificada por todas as partes envolvidas, o que aumenta a confiança na cadeia de suprimentos e reduz a possibilidade de fraudes ou erros. Além disso, a tecnologia blockchain permite que todas as partes tenham acesso às informações atualizadas em tempo real, o que ajuda a acelerar a cadeia de suprimentos e a melhorar a eficiência do processo como um todo, além de automatizar o pagamento aos fornecedores.

Considerações finais

Pelo exposto observa-se que os contratos inteligentes têm o potencial de revolucionar a maneira como as transações são realizadas e gerenciadas em diversas áreas, desde o crowdfunding até a cadeia de suprimentos. Com a utilização de contratos inteligentes, é possível garantir a segurança jurídica das transações, reduzir a necessidade de intermediários e autoridades centrais, aumentar a transparência e confiabilidade das transações, além de automatizar processos e reduzir custos.

A pesquisa apresentada neste trabalho buscou investigar como os contratos inteligentes podem ser utilizados no mundo jurídico e quais são as possíveis repercussões desta tecnologia em relação aos contratos convencionais. Ao longo do estudo, foram analisados os conceitos básicos de blockchain e contratos inteligentes, a utilização de contratos inteligentes no mundo jurídico, as possíveis vantagens e desvantagens dos contratos inteligentes em relação aos contratos convencionais, e o impacto dos contratos inteligentes no setor jurídico e na sociedade como um todo.

O trabalho concluiu que os contratos inteligentes tornam a forma de realização das transações mais seguras, transparentes e eficientes, com um potencial moderno e revolucionário. Embora ainda estejam em fase de adoção, os contratos inteligentes podem ser utilizados em diversos contextos, como no crowdfunding, na cadeia de suprimentos e na gestão de precatórios. Além disso, a tecnologia blockchain pode ser utilizada para garantir a autenticidade e integridade de documentos legais, como testamentos e contratos de compra e venda.

No entanto, é importante destacar que a adoção dos contratos inteligentes e da tecnologia blockchain ainda enfrenta alguns desafios, como a falta de regulamentação, a necessidade de conhecimentos em informática e o custo de implementação. Além disso, é necessário avaliar cuidadosamente as possíveis implicações legais e éticas da utilização dessas tecnologias.

Em suma, este estudo contribui para o entendimento sobre o potencial dos contratos inteligentes no mundo jurídico e as implicações que essa tecnologia pode ter no mundo contemporâneo. Espera-se que acadêmicos, profissionais e pesquisadores possam utilizar os insights apresentados neste trabalho para aprimorar suas pesquisas e práticas, e assim contribuir para a evolução do cenário jurídico e empresarial.

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