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O desconto de produtos bancários no limite de cheque especial é ilegal

Agenda 17/11/2023 às 19:31

O QUE É?

No que concerne a conceituação do cheque especial, seria correto definir como o limite adicional que é concedido pela instituição financeira, ao cliente que possui conta ativa, para que efetue transações, mesmo que não possua os recursos suficientes para tanto.

Assim, esse limite é concedido automaticamente pela instituição, e já pode vir pré-aprovado quando da abertura da conta, sendo cobrado apenas no caso de utilização. Vejamos a conceituação trazida no sítio eletrônico do SERASA:

“Antes de tudo, é preciso entender que o cheque especial é um tipo de crédito que o banco oferece. Isso mesmo! É como se fosse um empréstimo pré-aprovado que o banco deixa ali disponível diretamente na conta para você usar a qualquer momento.  

E é bem aí que mora o perigo. O valor dos juros do cheque especial muda conforme a avaliação que os bancos fazem de cada cliente.”

Fonte:https://www.serasa.com.br/credito/blog/como-funciona-o-cheque-especial/

Embora haja uma função que beneficia o consumidor, principalmente em estado de emergência, quando da efetuação de uma compra ou transação, sem o valor suficiente, completando sua negociação com o valor do limite. Ainda assim, é importante ficar atento nessa utilização, pois, as taxas de juros para essa modalidade são altas.

O próprio Banco Central, divulgou o estudo especial nº 44/2019, em que faz as seguintes considerações:

O cheque especial caracteriza-se por ser um produto com taxas de juros e inadimplência elevadas. Entretanto, deve-se considerar que tal modalidade tem prazo médio de uso reduzido. (...)

O cheque especial caracteriza-se pela conveniência e agilidade de utilização, mas, por outro lado, tem custos elevados aos seus usuários. A inadimplência é mais alta quando comparada a outras modalidades de crédito do sistema financeiro. Porém, mesmo considerando o elevado risco de crédito, o cheque especial proporciona margens líquidas de PCLD expressivas para as instituições financeiras.”(grifei)

Fonte:https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE044_Utilizacao_do_cheque_especial_perfil_dos_usuarios.pdf

Portanto, o limite do cheque especial, pode ser uma saída em algumas situações pontuais, mas, deve ser bem analisado pelo consumidor, pois, a taxa de juros é mais alta do que a maioria dos produtos bancários comercializados comumente no mercado.

CONTRATOS BANCÁRIOS

É importante esclarecer que os contratos bancários estabelecidos entre instituição financeira e cliente, vincula a relação concebida entre as partes para aquela operação. Ou seja, o contrato estabelecido entre as partes para aquisição de um produto bancário, deve vincular aquela relação específica, determinando o objeto, prazo, taxa de juros, encargos de inadimplência e as demais informações necessárias para validade de operação.

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Em outras palavras, nos contratos bancários deve ser obedecida a pacta sunt servanda, obrigando os contratantes a cumprirem o que foi estipulado no contrato bancário, ressalvadas possíveis excessos ou irregularidades.

Desta forma, o primeiro ponto que deve ser levado em consideração, é o fato de que a cobrança realizada pela instituição financeira, deve ter como base, as cláusulas contratuais da negociação ajustada entre as partes.

DESCONTO DE PRODUTOS BANCÁRIOS NO LIMITE DE CHEQUE ESPECIAL

Como já dito anteriormente, o limite de cheque especial é colocado à disposição do cliente, e cabe a ele decidir se utiliza ou não aquele limite. Assim, o cliente não pode ser obrigado a utilizar o limite, é uma livre disposição.

Caso a instituição o obrigue a utilizar o limite, incidirá no Art. 39, IV do Código de Defesa do Consumidor. Vejamos:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:   

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;”(grifei)

Seguindo essa linha de raciocínio, um produto bancário contratado pelo cliente, não pode ser cobrado, utilizando as taxas de juros e encargos moratórios de outro contrato, quanto mais, quando essas novas taxas são prejudiciais ao consumidor.

Esse problema tem ocorrido de forma corriqueira no cenário nacional, principalmente em casos que ao verificar que o cliente não possui saldo para pagamento de produto bancário, seja empréstimo ou outra operação, as instituições debitam esse contrato no limite de cheque especial, e em casos mais abusivos, criam o limite de cheque especial naquele momento, apenas para debitar o valor do contrato.

Tal prática é abusiva e lesa o consumidor de forma injustificada.

Como já dito, o consumidor não pode ser obrigado a utilizar o limite de cheque especial, todavia, para além disso, ao debitar outro produto bancário inadimplente no limite de Cheque Especial, o consumidor deixará de pagar os juros contratados para aquela operação (que é sempre menor), e passará a pagar os juros e encargos do cheque especial, que é um dos maiores no Brasil.

É importante salientar como a jurisprudência têm julgado situações de casos semelhantes. Segue:

“APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES – REALIZAÇÃO DE CDC SEM AUTORIZAÇÃO DO CORRENTISTA – ILEGALIDADE – UTILIZAÇÃO DE LIMITE DE CHEQUE ESPECIAL PARA PAGAMENTO DE EMPRÉSTIMO – DESCABIMENTO – RESTITUIÇÃO EM DOBRO – DANO MORAL – MERO ABORRECIMENTO – RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO – RECURSO DO BANCO DESPROVIDO. Deve ser declarado inexistente o empréstimo automático ( CDC) realizado sem a autorização do correntista. A utilização de limite de cheque especial para liquidar empréstimo é ilegal, pois coloca o correntista em onerosidade excessiva, razão pela qual é devida a restituição do respectivo valor utilizado indevidamente em dobro. Embora configurado um descumprimento contratual por parte do Banco, não restou comprovado nos autos nenhuma situação excepcional a ensejar a indenização a título de dano moral, tampouco há prova de que a conduta da instituição bancária tenha atingido os direitos de personalidade do autor.

(TJ-MT - AC: 10360178220188110041 MT, Relator: ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Data de Julgamento: 02/09/2020, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/09/2020)”

“Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO QUARTA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível Recurso nº 0002343-03.2023.8.05.0113 Processo nº 0002343-03.2023.8.05.0113 Recorrente (s): BANCO SANTANDER BRASIL S A Recorrido (s): JOSE BATISTA LOPES DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO INOMINADO. O NOVO REGIMENTO DAS TURMAS RECURSAIS, RESOLUÇÃO No 02/2021, ESTABELECEU A COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAR MONOCRATICAMENTE MATÉRIAS COM UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OU ENTENDIMENTO SEDIMENTADO. DEMANDAS REPETITIVAS. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CUMULADO COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. UTILIZAÇÃO DE LIMITE DE CHEQUE ESPECIAL PARA PAGAMENTO DE EMPRÉSTIMO. ILEGALIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E TRANSPARÊNCIA. DANO MORAL CONFIGURADO E ARBITRADO EM R$3.000,00 (TRÊS MIL REAIS) EM CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Vistos etc... A Resolução no 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado. Dispensado o relatório na forma do art. 38 da lei nº 9.099/95.(...). No mérito, entendo que não merece reforma. Isso porque, conforme ressaltado em sentença, o pagamento de empréstimo com utilização do cheque especial constitui, em verdade, a realização de outro empréstimo para pagar o anterior, com taxas mais onerosas. Assim, por se tratar de condição mais desvantajosa ao consumidor, deveria a Ré, minimamente, agir com transparência, informando as consequências da utilização do referido empréstimo, qual o percentual dos juros, bem como deveria obedecer ao disposto no art. 54, § 3º do CDC, ônus que não se desincumbiu (art. 373, II do CPC/15). (...) Deve ser declarado inexistente o empréstimo automático ( CDC) realizado sem a autorização do correntista. A utilização de limite de cheque especial para liquidar empréstimo é ilegal, pois coloca o correntista em onerosidade excessiva, razão pela qual é devida a restituição do respectivo valor utilizado indevidamente em dobro. (...). Ante o quanto exposto, CONHEÇO E NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto, mantendo integralmente a sentença de origem. Custas e honorários pela Recorrente em 20% sobre o valor da condenação. Intimações necessárias. Salvador-BA, data registrada no sistema. MARY ANGÉLICA SANTOS COELHO Juíza Relatora.

(TJ-BA - Recurso Inominado: 0002343-03.2023.8.05.0113, Relator: MARY ANGELICA SANTOS COELHO, QUARTA TURMA RECURSAL, Data de Publicação: 14/11/2023)”(grifei)

Na prática, muitos consumidores estão sendo lesados por esta conduta, e acabam por renegociar os débitos para que os juros incidentes no cheque especial (que são altíssimos), não transformem a dívida em um débito impagável.

CONCLUSÃO

Diante dos esclarecimentos prestados, conclui-se que o desconto de outros produtos no limite de cheque especial, é uma conduta ilegal e abusiva por parte da instituição financeira, que leva o consumidor a uma desvantagem exagerada, com a cobrança de juros e encargos que não contratou para aquela operação.

Por conseguinte, é de suma importância que o consumidor fique atento e sempre solicite a evolução do débito, para saber se o que está sendo cobrado, realmente possui relação com aquilo que foi contratado por ele.

Para análise das irregularidades nos contratos estabelecidos com uma instituição financeira, prime sempre por profissional do direito especialista no seguimento bancário.

Sobre o autor
Hidan de Almeida Teixeira

Advogado. Pós-graduado em direito bancário. Militante na área bancária e consumerista desde o ano de 2015. Responsável pela área bancária do escritório Nascimento de Oliveira Advocacia S.S.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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