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Feminicídio: do conceito à lei

Agenda 24/11/2023 às 12:17

RESUMO: Durante toda a história, presenciamos a subjugação do sexo feminino, em muitas sociedades antigas, inclusive, a mulher era considerada um “homem que nascerá com anomalia”, no intuito de justificar, a imposição do sexo masculino. Com o avanço da sociedade moderna, e a ratificação da mulher como sujeito de direitos, passou-se a se buscar, através de muita luta, meios de proteção à mulher, com o intuito de acabar com uma antiga cultura machista.

PALAVRAS-CHAVE: Feminicídio, violência contra mulher, violência doméstica,

SUMÁRIO: Introdução, 1. Conceito, 2. Feminicídio: definições e alguns aspectos importantes, 3. Feminicídio no Brasil, 4. Feminicídio e a ideologia de gênero, 5. Violência doméstica e familiar, 6. Menosprezo ou discriminação à condição de mulher, 6.1. Impossibilidade de feminicídio privilegiado, 7. Causas de aumento de pena, 8. Agravantes e “bis in idem”, 9. Conclusão, 10. Referências,11,

  1. INTRODUÇÃO

A subjugação máxima da mulher por meio de seu extermínio tem raízes históricas na desigualdade de gênero e sempre foi invisibilizada e, por consequência, tolerada pela sociedade. A mulher sempre foi tratada como uma coisa que o homem podia usar, gozar e dispor.

Essas desigualdades e discriminações podem se manifestar desde o acesso desigual a oportunidades e direitos até violências graves – alimentando a perpetuação de casos como os assassinatos de mulheres por parceiros ou ex-parceiros que, motivados por um sentimento de posse, não aceitam o término do relacionamento ou a autonomia da mulher; aqueles associados a crimes sexuais em que a mulher é tratada como objeto; crimes que revelam o ódio ao feminino, entre outros.

“O assassinato de mulheres não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado; ao contrário, faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam o uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie.” (Eleonora Menicucci, socióloga e professora titular de saúde coletiva da Universidade Federal de São Paulo, foi ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres entre 2012 e 2015).

  1. CONCEITO:

O termo “feminicídio” passou a integrar o vocabulário moderno através da pesquisadora e escritora Diana E. H. Russell. Ela dedicou a sua vida a estudar casos de violência sexual contra mulheres e definiu tal expressão como “o assassinato intencional de mulheres ou meninas porque elas são mulheres”.

A primeira utilização da palavra feminicídio é datada de 1976, quando Diana Russell foi ao Primeiro Tribunal Internacional de Crimes contra as Mulheres, em Bruxelas, na Bélgica, para defender um processo sobre mortes de mulheres nos Estados Unidos e no Líbano. Em sua fala, Diana mostrou que os assassinatos foram motivados pela misoginia, fossem eles os de mulheres consideradas “bruxas” ou aqueles justificados pela “honra ferida”. 

Pouco mais de 15 anos depois, Diana lançou um livro com a também ativista Jill Radford, “Femicide: the politics of woman killing” (“Feminicídio: a política de matar mulher”, em tradução livre). A publicação reunia uma série de artigos escritos por elas e por outras pesquisadoras. 

“Feminicídio é o assassinato misógino de mulheres por homens, ele é uma forma de violência sexual. Como definido por Liz Kelly (1988), a violência sexual pode ser considerada como “qualquer tipo de ato físico, visual, verbal ou sexual experimentado por mulheres ou meninas que tenha gerado qualquer efeito que fira, degrade ou tire as habilidades de controlar contatos íntimos”, descreveu Jill Radford na obra. 

O feminicídio é a expressão fatal das diversas violências que podem atingir as mulheres em sociedades marcadas pela desigualdade de poder entre os gêneros masculino e feminino e por construções históricas, culturais, econômicas, políticas e sociais discriminatórias.

O conceito passou a ser usado com mais frequência na América Latina após a série de assassinatos de mulheres na cidade de Juárez, no México. E assim ganhou destaque entre ativistas, pesquisadoras, organismos internacionais e, mais recentemente, tem sido incorporado às legislações de diversos países. Na perspectiva de tirar essas raízes discriminatórias da invisibilidade e coibir a impunidade. Também para ressaltar a responsabilidade do Estado nesse cenário que, por ação ou omissão, é conivente com a persistência da violência contra as mulheres, inclusive quando ela se perpetua até o extremo da letalidade.

  1. FEMINICIDIO; DEFINIÇÕES E ALGUNS ASPECTOS IMPORTANTES

De acordo com as Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres, feminicídio é uma expressão utilizada para denominar as mortes violentas de mulheres em razão de gênero, ou seja, que tenham sido motivadas por sua “condição” de mulher.

No Código Penal brasileiro, o feminicídio está definido como um crime hediondo, tipificado nos seguintes termos: é o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino, quando o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Nomear e definir o problema é um passo importante, mas para coibir o crime é fundamental conhecer as características dos feminicídios, construindo um entendimento de que se trata de mortes decorrentes da desigualdade de gênero e que, muitas vezes, o assassinato é o desfecho de um histórico de violências. Com isso, os feminicídios são considerados mortes evitáveis – ou seja, que não aconteceriam sem a conivência institucional e social às discriminações e violências contra as mulheres. Outro aspecto importante, neste contexto, é a responsabilidade do Estado que, por ação ou omissão, compactua com a perpetuação destas mortes

Desde março de 2015, a legislação brasileira passou a considerar o feminicídio como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio. Segundo a lei nº 13.104 daquele ano, “considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. 

O texto ajuda a entender uma diferença relevante no crime de feminicídio: eles costumam acontecer dentro de casa ou costumam ser cometidos por pessoas da convivência da vítima, especialmente o companheiro. O feminicídio é considerado um crime de ódio cometido contra as mulheres.

  1. FEMINICIDIO NO BRASIL

O Brasil tem um extenso historial de violência contra as mulheres e a origem desta violência se encontra na formação histórica do país. A brutalidade da colonização e da conquista foi sentida especialmente pelas indígenas e negras escravizadas.

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Isto não significa que a mulher branca estivesse isenta de sofrer violência. Afinal, a mulher, nesta época, era controlada pelo pai e depois, pelo marido. Ainda se completava a doutrina cristã que encorajava a mulher sofrer calada qualquer maltrato por parte do companheiro, por exemplo.

No Brasil não havia nenhuma punição especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Em outras palavras, o feminicídio era punido, de forma genérica, como sendo homicídio (art. 121 do CP).

A depender do caso concreto, o feminicídio (mesmo sem ter ainda este nome) poderia ser enquadrado como sendo homicídio qualificado por motivo torpe (inciso I do § 2º do art. 121) ou fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se defender (inciso IV). No entanto, o certo é que não existia a previsão de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido contra a mulher por razões de gênero.

A Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não trouxe um rol de crimes em seu texto. Esse não foi seu objetivo. Ela  trouxe apenas regras processuais instituídas para proteger a mulher vítima de violência doméstica, mas sem tipificar novas condutas, salvo uma pequena alteração feita no art. 129 do CP.

Desse modo, o chamado feminicídio não era previsto na Lei n.º 11.340/2006, apesar de a Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, que deu nome à Lei, ter sido vítima de feminicídio por tentado duas vezes;

Para estancar tal lacuna, a Lei n.º 13.104/2015 veio alterar esse panorama e previu, expressamente, que o feminicídio, deve agora ser punido como homicídio qualificado.

Vale ressaltar que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha poderão ser aplicadas à vítima do feminicídio na modalidade tentada.

Nesta seara, a Lei n.º 13.104/2015, incluiu o inciso VI ao § 2º do art. 121 do CP, complementando no rol de qualificadoras do homicídio, para tratar do feminicídio;

Homicídio qualificado

§ 2º Se o homicídio é cometido:

(...)

Feminicídio

VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

O sujeito ativo do feminicídio normalmente é um homem, mas também pode ser mulher, já o sujeito passivo obrigatoriamente deve ser uma pessoa do sexo feminino (criança, adulta, idosa, desde que do sexo feminino).

Mulher que mata sua companheira homoafetiva: pode haver feminicídio se o crime foi por razões da condição de sexo feminino. Homem que mata seu companheiro homoafetivo: não haverá feminicídio porque a vítima deve ser do sexo feminino. Esse fato continua sendo, obviamente, homicídio.

  1. FEMINICIDIO E A IDEOLOGIA DE GÊNERO

Uma vítima homossexual (sexo biológico masculino): não haverá feminicídio, considerando que o sexo físico continua sendo masculino.

Uma vítima travesti (sexo biológico masculino): não haverá feminicídio, considerando que o sexo físico continua sendo masculino.

Porém uma Transexual que realizou cirurgia de transgenitalização (neovagina) pode ser vítima de feminicídio se já obteve a alteração do registro civil, porém, está, não passa a ser considerada mulher para todos os fins de direito. Pois, sob o ponto de vista estritamente genético, continua sendo pessoa do sexo masculino, mesmo após a cirurgia.

Não se discute que a ela devem ser assegurados todos os direitos como mulher, eis que esta é a expressão de sua personalidade. É assim que ela se sente e, por isso, tem direito, inclusive de alterar seu nome e documentos, considerando que sua identidade sexual é feminina. Trata-se de um direito seu, fundamental e inquestionável.,

No entanto, tão fundamental como o direito à expressão de sua própria sexualidade, é o direito à liberdade e às garantias contra o poder punitivo do Estado.

O legislador tinha a opção de, legitimamente, equiparar a transexual à vítima do sexo feminino, até porque são plenamente equiparáveis. Porém, não o fez. Não pode o intérprete, a pretexto de respeitar a livre expressão sexual do transexual, valer-se de analogia para punir o agente.

Enfim, a transexual que realizou a cirurgia e passou a ter identidade sexual feminina é equiparada à mulher para todos os fins de direito, menos para agravar a situação do réu. Isso porque, em direito penal, somente se admitem equiparações que sejam feitas pela lei, em obediência ao princípio da legalidade.

No projeto de lei, a locução prevista para o tipo era que se o homicídio é praticado “contra a mulher por razões de gênero”. Ocorre que, durante os debates, a bancada de parlamentares evangélicos pressionou para que a palavra “gênero” da proposta inicial fosse substituída por “sexo feminino”, afastando assim a possibilidade de que transexuais fossem abarcados pela lei.

  1. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Haverá feminicídio quando o homicídio for praticado contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Com tal afirmação, o legislador ampliou bastante o conceito de feminicídio, já que, pela redação literal do inciso I não seria necessário discutir os motivos que levaram o autor a cometer o crime. Pela interpretação literal, não seria indispensável que o delito tivesse relação direta com razões de gênero. Tendo sido praticado homicídio (consumado ou tentado) contra pessoa do sexo feminino envolvendo violência doméstica, haveria feminicídio.

Ocorre que a interpretação literal e isolada do inciso I pode não ser a melhor. É preciso contextualizar o tema e buscar a interpretação sistemática, socorrendo-se da definição de “violência doméstica e familiar” encontrada no art. 5º da Lei n.º 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que assim a conceitua:

“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”

Desse modo, conclui-se que, mesmo no caso do feminicídio baseado no inciso I do § 2º-A do art. 121, será indispensável que o crime envolva motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo feminino”).

Exemplo 1: marido que mata a mulher porque acha que ela não tem “direito” de se separar dele;

Exemplo.2: companheiro que mata sua companheira porque quando ele chegou em casa o jantar não estava pronto.

Por outro lado, ainda que a violência aconteça no ambiente doméstico ou familiar e mesmo que tenha a mulher como vítima, não haverá feminicídio se não existir, no caso concreto, uma motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo feminino”). Ex: duas irmãs, que vivem na mesma casa, disputam a herança do pai falecido; determinado dia, uma delas invade o quarto da outra e a mata para ficar com a totalidade dos bens para si; esse crime foi praticado com violência doméstica, já que envolveu duas pessoas que tinha relação íntima de afeto, mas não será feminicídio porque não foi um homicídio baseado no gênero (não houve violência de gênero, menosprezo à condição de mulher), tendo a motivação do delito sido meramente patrimonial.

  1. Menosprezo ou discriminação à condição de mulher

Para ser enquadrado neste inciso, é necessário que, além de a vítima ser mulher, fique caracterizado que o crime foi motivado ou está relacionado com o menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Por exemplo: funcionário de uma empresa que mata sua colega de trabalho em virtude de ela ter conseguido a promoção em detrimento dele, já que, em sua visão, ela, por ser mulher, não estaria capacitada para a função.

O feminicídio pode ser tentado ou consumado, e praticado com dolo direto ou eventual, é de natureza subjetiva, ou seja, está relacionada com a esfera interna do agente (“razões de condição de sexo feminino”). Ademais, não se trata de qualificadora objetiva porque nada tem a ver com o meio ou modo de execução.

Por ser qualificadora subjetiva, em caso de concurso de pessoas, essa qualificadora não se comunica aos demais coautores ou partícipes, salvo se eles também tiverem a mesma motivação.

Por exemplo:: João deseja matar sua esposa e, para tanto, um pistoleiro profissional, que não se importa com os motivos do mandante, já que seu intuito é apenas lucrar com a execução; João responderá por feminicídio (art. 121, § 2º, VI), enquanto o pistoleiro, por homicídio qualificado mediante paga (art. 121, § 2º, I); a qualificadora do feminicídio não se estende ao executor, por força do art. 30 do CP:

“Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.”

  1. IMPOSSIBILIDADE DE FEMINICIDIO PRIVILEGIADO

O § 1º do art. 121 do CP prevê a figura do homicídio privilegiado nos seguintes termos:

“§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.”

Assim, não é possível aplicar o privilégio do § 1º ao feminicídio, e também não é possível que exista feminicídio privilegiado, Pois a jurisprudência até admite a existência de homicídio privilegiado-qualificado. No entanto, para isso, é necessário que a qualificadora seja de natureza objetiva. No caso do feminicídio, a qualificadora é subjetiva. Logo, não é possível que haja feminicídio privilegiado.

  1. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

A Lei n.º 13.104/2015 previu também três causas de aumento de pena exclusivas para o feminicídio:

“§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II – contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Aumento: de 1/3 até a 1/2.”

No caso do Inciso I, a pena imposta ao feminicídio será aumentada se, no momento do crime, a vítima (mulher) estava grávida ou havia apenas 3 meses que ela tinha tido filho (a).

A razão de ser dessa causa de aumento está no fato de que, durante a gravidez ou logo após o parto, a mulher encontra-se em um estado físico e psicológico de maior fragilidade e sensibilidade, revelando-se, assim, mais reprovável a conduta.

No Inciso II, a pena imposta ao feminicídio será aumentada se, no momento do crime, a mulher (vítima) tinha menos de 14 anos, era idosa ou deficiente, a vítima, nesses três casos, apresenta uma fragilidade maior, de forma que a conduta do agente se revela com alto grau de covardia.

Como o tipo utiliza a expressão “com deficiência”, devemos entendê-la em sentido amplo, de forma que incidirá a causa de aumento em qualquer das modalidades de deficiência.

No Inciso III, a pena imposta ao feminicídio será aumentada se o delito foi praticado na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Aqui a razão do aumento está no intenso sofrimento que o autor provocou aos descendentes ou ascendentes da vítima que presenciaram o crime, fato que irá gerar graves transtornos psicológicos.

Importante esclarecer, que, quando se fala que foi praticado “na presença de alguém”, isso não significa, necessariamente, que a pessoa que presenciou estava fisicamente no local. Assim, o tipo não exige a presença física do ascendente ou descendente. Poderá haver esta causa de aumento mesmo que o ascendente ou descendente não esteja fisicamente no mesmo ambiente onde ocorre o homicídio. É o caso, por exemplo, em que o filho da vítima presencia, por meio de webcam, o agente matar sua mãe; ele terá presenciado o crime, mesmo sem estar fisicamente no local do homicídio.

Não haverá a causa de aumento se o crime é praticado na presença de colateral (ex: irmão, tio) ou na presença do cônjuge da vítima.

Para que incidam tais causas de aumento, o agente deve ter ciência das situações expostas nos incisos, ou seja, ele precisa saber que a vítima estava grávida, que ela era menor que 14 anos, que tinha deficiência etc.

  1. Agravantes genéricas e “bis in idem”

Algumas dessas causas de aumento especiais são também previstas como agravantes genéricas no art. 61, II, do CP. No caso de feminicídio, o magistrado deverá aplicar apenas as causas de aument9. o, não podendo fazer incidir as agravantes que tenham o mesmo fundamento sob pena de incorrer em bis in idem. Ex: se o feminicídio é praticado contra mulher idosa, o agente responderá pelo art. 121, § 2º, VI com a causa de aumento do inciso II do § 7º; não haverá, contudo, a incidência da agravante do at. 61, II, h.

Lei n.º 13.104/2015 alterou o art. 1º da Lei n.º 8.072/90 e passou a prever que o feminicídio é crime hediondo.

Quanto a sua constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal, enfrentou diversos questionamentos nesse sentido ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade número 19/DF proposta em relação à Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006) e na oportunidade decidiu que é possível que haja uma proteção penal maior para o caso de crimes cometidos contra a mulher por razões de gênero (STF. Plenário. ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9/2/2012).

Assim, não há violação do princípio constitucional da igualdade pelo fato de haver uma punição maior no caso de vítima mulher.

Na visão da Corte, a Lei Maria da Penha e, agora, a Lei do Feminicídio, são instrumentos que promovem a igualdade em seu sentido material. Isso porque, sob o aspecto físico, a mulher é mais vulnerável que o homem, além de, no contexto histórico, ter sido vítima de submissões, discriminações e sofrimentos por questões relacionadas ao gênero. Trata-se, dessa forma, de uma ação afirmativa (discriminação positiva) em favor da mulher.

Ademais, a criminalização especial e mais gravosa do feminicídio é uma tendência mundial, adotada em diversos países do mundo.

A Lei n.º 13.104/2015 entrou em vigor no dia 10/03/2015, de forma que se a pessoa, a partir desta data, praticou o crime de homicídio contra mulher por razões da condição de sexo feminino responderá por feminicídio, ou seja, homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2º, VI, do CP.

Tal Lei é mais gravosa e, por isso, não tem efeitos retroativos, de sorte que, quem cometeu homicídio contra mulher por razões da condição de sexo feminino até 09/03/2015, não responderá por feminicídio (art. 121, § 2º, VI).

A Lei que incluiu o feminicídio no Código Penal brasileiro foi criada a partir de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI-VCM), que investigou a violência contra as mulheres nos Estados brasileiros entre março de 2012 e julho de 2013.

A proposta de lei feita pela Comissão definia feminicídio como a forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher, apontando como circunstâncias possíveis a existência da relação íntima de afeto ou parentesco entre o autor do crime e a vítima; a prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima, antes ou após a morte; e mutilação ou desfiguração da mulher, também antes ou após a morte.

O texto sofreu alterações na tramitação na Câmara e no Senado e, no momento da aprovação no Congresso Nacional, diante de pressões de parlamentares da bancada religiosa, a palavra ‘gênero’ foi retirada da Lei. De todo modo, compreender as desigualdades que concorrem para que as mortes violentas aconteçam continua sendo essencial para a correta aplicação da Lei e, principalmente, para a atuação preventiva.

O feminicídio pode ser entendido como um novo tipo penal, ou seja, aquilo que está registrado na lei brasileira como uma qualificadora do crime de homicídio. Mas, ele pode ser entendido também no sentido mais amplo, no seu aspecto sociológico e histórico.

“ Nesse sentido, feminicídio é uma palavra nova, criada para falar de algo que é persistente e ao mesmo tempo terrível: que as mulheres sofrem violência ao ponto de morrerem.”
Debora Diniz, antropóloga, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética.

  1. CONCLUSÃO

Desde os primórdios da humanidade o gênero feminino, foi subjugado e por muitas vezes tratado como objeto, ao longo da história presenciamos a usurpação de sua liberdade, e obrigação de servir ao homem suas necessidades e seu prazer, independente da sua.

Com a evolução da sociedade, a mulher, que se se fez mostrar que é forte, tanto como o homem, passou a procurar seu lugar de protagonista de sua própria história, através de inúmeras lutas e adversidades, foram conquistando, a passos lentos, devido a sociedade já consumida aos costumes machistas.

Porém o Estado que sempre fora, e ainda se mostra desta forma, dominado pelo sexo masculino, retardou em muito a garantia e proteção do gênero, que por vezes foram vítimas de injustiças e abusos devido a sua denominação de “sexo frágil”.

Assim apenas no século XXI, conseguimos no Brasil, algum avanço na proteção e igualdade dos direitos femininos, ainda há uma lacuna enorme a se preencher, muitas atrocidades ainda recaem a elas, sem um justo motivo. Ainda assim podemos vislumbrar um futuro promissor na busca a igualdade dos gêneros, para que possamos juntos construir uma sociedade mais forte e digna, pois somos “seres racionais”.

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Sobre o autor
Claudinei Cesar Monteiro

Servidor público estadual,

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