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Sursis: uma alternativa estratégica para mitigar o crescimento da população carcerária

RESUMO

Nos últimos anos, o Brasil tem enfretado problemas severos no que tange ao aumento da população carcerária em território nacional. Este fenômeno pode ser atribuído a uma série de fatores que contribuíram para seu acontecimento, aos quais podemos destacar, e que serão subsequente objeto de estudo do presente trabalho, a criação e aplicação de leis mais rigorosas e penas mais longas para determinados tipos de crime, e a ausência de programas eficazes de reabilitação e de alternativas de encarceramento, fazendo com que as prisões sejam utilizadas como única opção para lidar com os infratores. A superlotação nas unidades prisionais traz consigo uma série de problemas, incluindo condições insalubres, falta de acesso a serviços básicos, violência dentro das prisões e dificuldade na implementação de programas de reabilitação efetivos e que tragam algum resultado significativo para o cenário penal do Brasil. Contudo, é importante observar que o aumento da população carcerária muitas vezes está ligado a questões mais amplas no sistema judiciário e social, de forma a destacar a necessidade de abordar não apenas as consequências, mas as causas subjacentes do crime. Neste sentido, o presente trabalho abordará como o sursis, ferramenta criada pelo próprio Direito Penal, pode ser um atalho para auxiliar na diminuição da superlotação nas prisões nacionais e seus benefícios para tornar o Poder Judiciário mais eficaz e menos gravoso aos delitos de menor porte.

Palavras chave: Prisão. Sursis. Código Penal. Condicional. Judiciário.

INTRODUÇÃO

É sabido que um dos principais problemas que o Direito Penal brasileiro enfrenta atualmente é o aumento da população carcerária. Algumas das principais questões que contribuem para esta situação incluem a superlotação das prisões, condições precárias, altos índices de reincidência e um sistema judicial que é constantemente criticado pela sua lentidão processual e ineficácia das medidas aplicadas.

Não obstante a todos os motivos supracitados, tem-se também a falta de programas eficazes de reabilitação ou alternativas ao encarceramento para evitar que as unidades prisionais sejam a única opção presente para alojar e lidar com estes infratores.

Desta forma, tem-se que, como uma maneira de atenuar as imposições legais mais rigorosas e penas mais longas para certos tipos de delito, o sursis acaba sendo uma interessante alternativa para auxiliar no processo de diminuição da superlotação nas prisões e aplicar medidas mais brandas a infrações penais correspondentes, visto que o gargalo no Poder Judiciário no quesito do Direito Penal é causado, majoritariamente, por delitos menores que detém a mesma pena que àqueles mais gravosos.

SURSIS – SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

“Sursis” é um termo jurídico que vem do francês e significa “suspensão”. No contexto penal, refere-se à suspensão condicional da execução de uma pena privativa de liberdade, desde que esta não seja superior a dois anos, assim como pode ser estendida de dois a quatro anos.

Concedido a não reincidentes em crimes dolosos, o benefício leva em consideração a culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos e circunstâncias do crime. (RABESCHINI, 2015)

Previsto no Código Penal Brasileiro como medida de política criminal, visa incentivar o condenado a se adequar aos padrões sociais definidos pela lei penal. O artigo 77 do referido código é claro ao conceder ao juiz a liberdade de decidir sobre a suspensão da pena, considerando sua apreciação. (BRASIL, 1940)

Sendo assim, entende-se que o sursis é uma condição pessoal, vinculada a eventos futuros, e sua concessão depende da convicção de que o indivíduo beneficiado não representará perigo à sociedade, diferindo-se do indulto, que trata de um perdão definitivo, e da prescrição, que resulta no direito de agir por negligência.

Os requisitos para a concessão do sursis são divididos em dois tipos: objetivos e subjetivos. O primeiro engloba a qualidade da pena, se ela é privativa de liberdade não superior a dois anos, e a inaplicabilidade restritiva de direitos. O segundo envolve a não reincidência em crime doloso e a análise das condições e circunstâncias pessoais do beneficiado. Salienta-se que a condenação por crime culposo ou multa não impede a concessão do sursis, e as circunstâncias pessoais do apenado não precisam ser inteiramente favoráveis. (JÚNIOR; MENDES, 2016)

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Não devemos confundir o sursis com livramento condicional. Isto porque, no primeiro, a execução da pena é suspensa antes de ser iniciada, com a imposição de condições ao condenado, enquanto no segundo, o condenado inicia o cumprimento da pena privativa de liberdade, obtendo posteriormente o direito de cumprir o restante em liberdade sob certas condições. (MELO, 2021)

Ambos os benefícios têm como destinatários os condenados à pena restritiva de liberdade, preenchendo requisitos legais e cumprindo condições para evitar a execução total ou parcial da pena.

Exposto o conceito de sursis, passaremos a analisar como ele é aplicado no Poder Judiciário brasileiro.

APLICABILIDADE DO SURSIS NO PODER JUDICIÁRIO

Inicialmente, esclarece-se que: “o sursis visa não favorecer o réu e sim combater a criminalidade. Busca-se, de forma vigiada, a introdução do réu ao convivío social”. (TENÓRIO, 2019. Disponível em: https://egov.ufsc.br/portal/conteudo/sursis-e-livramento-condicional.)

Desta forma, compreende-se que a aplicabilidade do sursis no Poder Judiciário refere-se à utilização desse instrumento legal como uma alternativa estratégica na gestão do sistema penal. Assim, a suspensão condicional da pena é uma ferramenta que permite ao judiciário evitar o encarceramento imediato de condenados, oferecendo a oportunidade de suspensão da execução da pena sob as condições externadas na seção anterior.

O momento adequado para conceder o sursis é na sentença ou no acórdão que aplica a pena privativa de liberdade.

Ressalta-se que, em condições normais, a suspensão condicional da pena deve ser decidida no processo de conhecimento, mas exceções permitem que o juízo da execução a conceda em circunstâncias especiais, como quando o processo não contém elementos suficientes para avaliar se o réu preenche os requisitos necessários. (TENÓRIO, 2019)

Quanto ao período de prova do sursis, este corresponde ao intervalo de tempo determinado na sentença condenatória, variando de dois a quatro anos, conforme estabelecido no Código Penal brasileiro. Exceções incluem sursis etário e humanitário, que podem ter um período de quatro a seis anos, e prazos específicos para crimes contra a segurança nacional e contravenções penais, conforme artigo 77, §2º, do Código Penal. (BRASIL, 1940)

Ademais, o sursis tem forte inspiração no sistema probation, originado nos Estados Unidos, visto que ambos buscam alternativas ao encarceramento integral de indivíduos condenados. Além disso, eles compartilham a ideia de suspensão condicional da pena, mas têm diferenças notáveis, em termos de aplicação e contexto legal.

Nesse sentido:

Com efeito, a “probation”, de simples ausência de pena, passou a apresentar-se com o caráter de sanção autônoma, imposta com finalidade reeducativa e não com a ideia de punir, atendendo, dessa forma, aos reclamos da moderna doutrina com referência à finalidade da pena. E este novo sentido que se inseriu no instituto, de verdadeiro tratamento criminológico, vem exigindo que as condições para a concessão do benefício não sejam determinadas pela lei, mas escolhidas pelo próprio magistrado ou por comissões especiais, com base, em qualquer caso, nos resultados de prévio exame médico-psicológico e da pesquisa social, para levantamento o mais completo possível da personalidade do agente. (GOULART, 1974, p. 154-155)

Ou seja, tanto o sistema probation quanto o sursis são estratégias que visam equilibrar a punição com a reabilitação e evitar o encarceramento total, mas a forma como são implementados e suas características específicas podem variar de acordo com o contexto legal e cultural de cada sistema jurídico.

O debate sobre a natureza jurídica do sursis permanece uma questão em aberto para os especialistas em direito penal. A visão predominante o percebe como uma “modificação da execução da pena” ou uma “medida de correção”. (DOTTI, 1983)

Ainda, podemos averiguar que o sursis possui claramente características sancionatórias, evidenciadas por modificações que buscam adequar o instituto às exigências da proporcionalidade e personalidade da pena. Estas alterações incluem a redução do período da prova para corrigir injustiças materiais, tratamento diferenciado para delitos culposos e dolosos, distinção entre penas privativas de liberdade e de multa, a individualização da execução com observação do condenado, a similitude entre as providências para reclusos no início do cumprimento da pena privativa de liberdade, a consideração de prestação de serviço à comunidade e a limitação de fim de semana como pena propriamente dita. A aplicação obrigatória destas providências indica que vão além de simples e vagas “condições”, estruturando a base retribuitiva e os fins preventivos do sursis. Por fim, a substituição de sanções restritivas por normas de conduta destaca a diferença entre penas declaradas como tais e condições impostas. (DOTTI, 1983)

Agora que compreendemos como o sursis é aplicado e compreendido dentro do sistema judiciário brasileiro, passaremos a analisar como ele poderia servir de alternativa para auxiliar na redução da população carcerária do país, explicitando seus benefícios e entendimento doutrinário sobre tal assunto.

SURSIS COMO ALTERNATIVA PARA DIMINUIÇÃO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA

No contexto jurídico brasileiro, o sursis, como já visto ao longo do presente trabalho, é considerado uma medida penal autêntica, possuindo características próprias de uma pena, como legalidade, personalidade, proporcionalidade e humanidade. Apesar de ser interpretado como direito público subjetivo do réu, não deve desconsiderar as exigências de retribuição e prevenção especial. O sursis, assim, concilia ideias de punição, correção pessoal e interesse comunitário, especialmente quando as condições beneficiam um número indeterminado de pessoas, como na prestação de serviços comunitários. (DOTTI, 1983)

Desta forma, tem-se que o sursis pode se tornar uma medida eficaz para lidar com o desafio da superlotação nas prisões, uma vez que, conforme explicitado nas seções anteriores, oferece uma alternativa ao encarceramento imediato, especialmente em casos de penas mais curtas.

Ao invés de adotar uma abordagem puramente punitiva, este instituto permite que o sistema judicial concentre esforços na ressocialização do condenado. As condições impostas podem incluir a participação em programas de reabilitação, serviços comunitários, entre outros.

A aplicabilidade do sursis requer uma avaliação cuidadosa das circunstâncias de cada caso. O juiz deve considerar fatores como a natureza do crime, antecedentes criminais, conduta social e personalidade do condenado para determinar se a suspensão condicional é apropriada, o que reforça o dever de compromisso com a justiça e a verdade acima de tudo pelos magistrados.

Ao optar pela suspensão condicional da pena, o Poder Judiciário pode reduzir custos associados à manutenção dos prisioneiros, direcionando recursos para programas de reabilitação e supervisão dos condenados em liberdade condicional.

Ademais, o sursis pode servir como medida preventiva, eis que proporciona aos condenados a chance de evitar o retorno ao sistema criminal, desde que cumpram as condições estabelecidas.

Podemos destacar também que a aplicação deste instituto confere ao judiciário uma maior flexibilidade na individualização das penas, adaptando-se às circunstâncias específicas de cada situação analisada e permitindo uma abordagem mais personalizada da justiça.

No entanto, é crucial que a aplicabilidade do sursis seja cuidadosamente gerida para garantir que as condições impostas sejam eficazes na ressocialização do apenado e na proteção da sociedade. O equilíbrio entre a prevenção do crime e a garantia de segurança pública permanece como uma consideração fundamental na aplicação do sursis pelo Poder Judiciário.

Conforme a doutrina de Santiago Mir Puig, a função social da pena consiste em criar possibilidades de participação nos sistemas sociais, oferecendo alternativas à conduta delituosa. Mir Puig destaca a importância de um processo contínuo de interação entre o deliquente e o Estado, no qual o indivíduo não é apenas um objeto de condução pelo Estado, mas sujeito de um processo de regulação e aprendizagem. Esse processo visa não apenas a adaptação do sujeito às normas dominantes, mas também a elaboração, por meio da interação, de alternativas ao comportamento criminoso e a promoção da participação nas relações sociais. (DOTTI, 1983)

Portanto, assim como o sursis, o livramento condicional e outros substitutos penais devem, efetivamente, cumprir a missão da pena em um Estado social e democrático de direito, evitando tornar-se uma arma do Estado contra a sociedade que o habita.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, torna-se evidente que o sursis desempenha um papel estratégico no sistema penal brasileiro, representando uma alternativa cuidadosamente planejada para gerenciar a punição de indivíduos condenados. A sua aplicabilidade no Poder Judiciário visa não apenas evitar o encarceramento imediato, mas também introduzir de maneira vigiada o réu de volta ao convívio social, alinhando-se a uma abordagem mais reeducativa do que punitiva.

A decisão de conceder o sursis, tomada no momento adequado da sentença ou do acórdão que aplica a pena privativa de liberdade, reflete a busca por um equilíbrio entre a necessidade de punição e a oportunidade de reintegração do apenado. A sua inspiração no sistema probation norte-americano destaca a preocupação compartilhada de encontrar alternativas ao encarceramento total, visando a reabilitação do indivíduo.

Dessa forma, compreendendo a complexidade do sursis no sistema penal brasileiro, surge a necessidade de explorar como esse instrumento legal poderia servir como uma alternativa viável para auxiliar na redução da população carcerária do país. A análise dos benefícios e o entendimento doutrinário sobre essa possibilidade revelam novas perspectivas para aprimorar o sistema penal, alinhando-o com princípios mais modernos e eficazes de justiça e ressocialização.

Destaca-se, ainda, a flexibilidade que o sursis confere ao Poder Judiciário na individualização das penas, adaptando-se às circunstâncias específicas de cada caso e permitindo uma abordagem mais personalizada da justiça.

Logo, tanto o sursis quanto o livramento condicional e outros instrumentos penais devem cumprir efetivamente a missão da pena em um Estado social e democrático de direito, evitando tornar-se, consequentemente, mais uma arma governamental contra a sociedade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República, [1940]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 19 nov. 2023

DOTTI, René Ariel.  O sursis e o livramento condicional nos projetos de reforma do sistema. Revista do Serviço Público, v. 111, abr. 1983, n. 2, p. 31-40.

GABRIEL, Antônio José Martins; ROCHA, Flávia Fernandes da; PEDROSA, Ronaldo Leite; CASSANO, Rosângela Caterina. Suspensão condicional do processo. Tríplice aspecto: doutrina, jurisprudência, e pesquisa de campo. Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro: MPRJ, n. 29, jul.set/2008, p. 29

GOULART, Henry. A suspensão condicional da pena no direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, v. 69, jan. 1974, n. 1, p-149-164.

JÚNIOR, Edmundo de Almeida Teixeira; MENDES, Raíssa Pacheco S. Suspensão condicional da pena: direito subjetivo do condenado ou faculdade do juiz?. ICESP, Brasília/DF, 31 maio 2016. Disponível em: http://nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/documentos/artigos/ef970959c5aa8fd1764fa224157aea08.pdf. Acesso em: 19 nov. 2023

MELO, Anna Carolina Araújo. Livramento condicional: uma análise de sua aplicabilidade e seus efeitos. PUC Goiás – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia/GO, 2021. Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/3552/1/TCC%20-%20Anna%20Carolina.pdf. Acesso em: 19 nov. 2023

RABESCHINI, André Gomes. Sursis – Suspensão Condicional da Pena. Conteúdo Jurídico, Brasília/DF: 20 mar. 2015. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43578/sursis-suspensao-condicional-da-pena. Acesso em: 19 nov. 2023

TENÓRIO, Tomas. Sursis e Livramento Condicional. UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, 02 set. 2019. Disponível em: https://egov.ufsc.br/portal/conteudo/sursis-e-livramento-condicional. Acesso em: 19 nov. 2023

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Informações sobre o texto

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