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O Processo de Homologação de Decisão Estrangeira no Brasil

Agenda 10/12/2023 às 17:27

A Homologação de Decisão Estrangeira no Brasil, anteriormente denominada de "Homologação de Sentença Estrangeira" é um procedimento judicial que visa conferir executoriedade interna a uma sentença ou qualquer ato não judicial, proferido no exterior, que tenha natureza jurisdicional.

Esse processo é importante para garantir que as decisões judiciais proferidas em outros países tenham efeitos no Brasil, respeitando os princípios do contraditório e da ampla defesa, a legalidade dos atos processuais, os direitos fundamentais humanos e a adequação aos bons costumes.

Conforme previsto no artigo 105, inciso I, alínea i, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), processar e julgar o processo de homologação de decisão estrangeira.

A matéria é regulada pelas seguintes normas:

Tramitação das Decisões Estrangeiras Sob a Égide do STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem competência exclusiva para homologar decisões emanadas de autoridades estrangeiras. A homologação requer a interposição de uma ação específica para esse fim, respeitando-se os acordos internacionais relacionados à matéria.

Uma sentença estrangeira apenas se torna aplicável em território brasileiro após a finalização bem-sucedida do processo homologatório ou mediante a outorga do exequatur a cartas rogatórias, salvo quando exista legislação ou tratado internacional prevendo procedimento diverso.

O procedimento de homologação de decisão estrangeira é regulado pelos artigos 216-A a 216-N, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

É atribuição do Ministro Presidente da Corte homologar a decisão estrangeira, salvo quando o pedido for contestado, caso em que o processo será distribuído para julgamento pela Corte Especial, cabendo ao relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo.

Importa frisar que, o ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema de delibação. Isso quer dizer que o ato homologatório da sentença estrangeira limita-se a dar eficácia à sentença estrangeira, nos exatos termos em que proferida, não havendo oportunidade para discussão do mérito.

Requisitos para a Homologação da Decisão Estrangeira

Os requisitos indispensáveis para a homologação de decisão estrangeira estão previstos no Código de Processo Civil, art. 963 e nos artigos 216-C e 216-D do Regimento Interno do STJ:

a) haver sido proferida por autoridade competente;

A competência da autoridade estrangeira é um requisito indispensável para a homologação de decisão estrangeira no Brasil. O Superior Tribunal de Justiça verificará a competência da autoridade estrangeira para proferir a decisão a ser homologada, segundo as normas de direito internacional. Não demonstrada a competência da autoridade estrangeira, a homologação é inviabilizada, nos termos do artigo 15, "a", da LINDB.

b) ser precedida de citação regular ou revelia;

A citação regular é a forma pela qual a parte contrária é convocada para participar do processo. No Brasil, a citação deve ser realizada de acordo com as regras do Código de Processo Civil (CPC). O art. 238 do CPC, exige, por questão de segurança jurídica, que sejam convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. Trata-se do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, CF, art. 5º, LV.

Assim, não é possível homologar no Brasil, uma decisão estrangeira sem que a parte contrária tenha participado da relação processual ou que a revelia tenha sido legalmente decretada no país de origem.

Na esteira da jurisprudência do STJ, a sentença estrangeira contra pessoa residente no Brasil depende da demonstração da citação realizada por meio de carta rogatória, salvo quando, embora não tenha ocorrido a citação por rogatória, reste demonstrado que a parte residente no Brasil teve inequívoca ciência da propositura do feito e manifestou-se no processo estrangeiro.

É passiva a jurisprudência no STJ no sentido de que a decretação da revelia no processo estrangeiro deve ser analisado à luz das normas processuais do país em que foi proferida a sentença que se pretende homologar, pois se encontra inserida no âmbito da jurisdição e da soberania de cada país, não sendo possível impor as regras da legislação brasileira para o ato citatório.

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c) Eficácia no país de origem - Trânsito em julgado;

Nos termos do art. 963, III, do CPC, a decisão estrangeira somente será homologada se for eficaz no país de origem. Isso significa que a decisão estrangeira deve ser definitiva, impassível de sofrer modificações por eventual interposição de recurso no país de origem.

É impossível a homologação de sentença estrangeira sem a comprovação do trânsito em julgado da decisão. O pedido de homologação deve ser acompanhado de certidão ou outro documento idôneo que comprove o trânsito em julgado.

d) não ofender a coisa julgada brasileira;

Para que uma decisão estrangeira seja homologada no Brasil, é necessário que ela não ofenda a coisa julgada brasileira. Isso significa que a decisão estrangeira não pode contrariar uma decisão brasileira transitada em julgado.

A coisa julgada é um princípio fundamental do direito brasileiro que garante a segurança jurídica. A coisa julgada impede que uma questão já decidida seja novamente discutida no judiciário.

No caso da homologação de decisão estrangeira, é imperativo que a coisa julgada brasileira prevaleça sobre a decisão estrangeira. Assim, se existir uma decisão brasileira que já tenha transitado em julgado e que tenha deliberado sobre o mesmo caso, a decisão estrangeira correspondente não será homologada.

e) estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado;

Para que uma decisão estrangeira seja homologada no Brasil, é necessário que ela esteja acompanhada de tradução oficial. Isso significa que a tradução deve ser feita por um tradutor juramentado, que é um profissional habilitado para traduzir documentos oficiais.

O intérprete autorizado ou tradutor público juramentado é o profissional devidamente credenciado pela Junta Comercial de um dos Estados da Federação Brasileira. Nenhuma tradução terá fé pública se não for realizada por tradutor público. Somente na falta de um Tradutor Público habilitado no idioma de origem do documento estrangeiro é que estará autorizada a tradução por intérprete não juramentado.

A tradução oficial é necessária para que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possa compreender o conteúdo da decisão estrangeira. O STJ não pode homologar uma decisão estrangeira que ele não possa entender.

É dispensável a tradução da decisão quando formulada no mesmo idioma oficial do Brasil.

f) não conter manifesta ofensa à ordem pública;

Para que uma decisão estrangeira seja homologada no Brasil, é necessário que ela não contenha manifesta ofensa à ordem pública. Isso significa que a decisão estrangeira não pode contrariar os valores fundamentais e presentes no ordenamento nacional.

A decisão estrangeira que importar em afronta direta às leis brasileiras e à ordem constitucional, não será homologada, pois interfere na ordem jurídica interna do Brasil, sem a devida observância dos princípios constitucionais do devido processo legal.

Nessa situação, se parte da decisão estrangeira é incompatível com a ordem jurídica brasileira, mas parte atende aos requisitos legais, o STJ já decidiu que é possível homologar uma decisão estrangeira parcialmente, quando for possível separá-la em capítulos autônomos.

Apostilamento e Legalização de Documentos

Documentos oficiais originários de outro país devem estar apostilados ou legalizados pela autoridade consular brasileira, para serem apresentados em um processo judicial brasileiro.

Apostilamento - é uma forma simplificada de atestar a autenticidade da origem de um documento público estrangeiro, eliminando a exigência de legalização diplomática ou consular. O Decreto n. 8.660, de 29 de janeiro de 2016 – Promulga a Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, firmada pela República Federativa do Brasil, em Haia, em 5 de outubro de 1961.

Legalização - é um processo mais complexo que envolve a autenticação de documentos por autoridades consulares brasileiras no país emissor.

Exceções - A apresentação de documentos apostilados ou legalizados não é exigida nos casos em que houver acordo entre o Brasil e o país emissor do documento dispensando essa exigência. Por exemplo, documentos públicos originários da França não precisam ser apostilados ou legalizados para serem apresentados em processos judiciais brasileiros, por força do Decreto nº 3.598/2000, artigo 23:

Os atos públicos expedidos no território de um dos dois Estados serão dispensados de legalização ou de qualquer formalidade análoga, quando tiverem que ser apresentados no território do outro Estado.

A importância da homologação de decisão estrangeira

Toda decisão proferida no exterior que pela lei brasileira tenha natureza jurisdicional, exceto as sentenças de divórcio consensual simples ou puro, nos termos do artigo 961, § 5º, do Código de Processo Civil (CPC), somente terá eficácia no Brasil após a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A homologação de decisão estrangeira é importante para garantir a segurança jurídica e a efetividade das relações jurídicas internacionais. Ela permite que as decisões proferidas por tribunais de outros países sejam executadas no Brasil, assegurando que os direitos das partes envolvidas sejam respeitados.

A inobservância do procedimento de homologação de decisão estrangeira pode causar uma série de transtornos, como:

O brasileiro que se divorcia no exterior, mas não homologa a sentença de divórcio no Brasil, para todos os efeitos legais, continuará casado. Isso significa que ele não poderá contrair novo matrimônio no Brasil, pois o casamento anterior ainda estará vigente.

A ausência de homologação da sentença quanto ao estado civil pode causar divergência na documentação pessoal do brasileiro. Isso pode impossibilitar uma série de atos civis simples, como abrir uma conta bancária, celebrar um contrato, retirar vistos e passaportes, etc.

Uma sentença de divórcio proferida no exterior pode conter acordos sobre bens, alimentos e guarda de menores. A ausência de homologação dessa sentença pode tornar esses acordos inexigíveis no Brasil.

A homologação e decisão estrangeira também é importante para questões relacionadas a inventário e compra e venda de imóveis. A ausência de homologação pode dificultar ou até mesmo impedir a realização desses atos no Brasil.

Para que o credor possa executar uma cobrança de dívidas, reconhecida no exterior.

A ausência de homologação de sentença estrangeira no Brasil não enseja penalidades legais diretas.

Divórcio Consensual Estrangeiro e sua Validade no Brasil sem Necessidade de Homologação

A Lei nº 13.105/2015, art. 961, § 5º, que alterou o Código de Processo Civil, excluiu da competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a homologação deste tipo de decisão:

§5º A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Provimento nº 53, de 16 de maio de 2016, dispôs sobre a averbação direta por Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da sentença estrangeira de divórcio consensual simples ou puro, no assento de casamento, independentemente de homologação judicial.

Art. 1º. A averbação direta no assento de casamento da sentença estrangeira de divórcio consensual simples ou puro, bem como da decisão não judicial de divórcio, que pela lei brasileira tem natureza jurisdicional, deverá ser realizada perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais a partir de 18 de março de 2016.

No entanto, a sentença estrangeira de divórcio consensual, que, além da dissolução do matrimônio, dispõe sobre guarda de filhos, alimentos e/ou partilha de bens - denominado divórcio consensual qualificado - dependerá de prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.

Ação Revisional de Alimentos ou Guarda de Menor

A homologação de uma sentença estrangeira sobre prestação de alimentos ou guarda de menor não impede que a parte interessada proponha ação de revisão no exterior. Se sobrevier outra sentença, esta também será homologada para se tornar um título executivo no território nacional.

Isso ocorre porque a sentença relacionada à guarda de menores ou a sentença de alimentos pode ser revista a qualquer tempo, desde que haja mudanças fáticas, sendo presumida a validade da decisão mais recente como a que melhor reflete a situação atual dos envolvidos.

Ainda, o Superior Tribunal de Justiça, no cumprimento da competência que lhe é atribuída, examina, essencialmente, aspectos formais da homologação, não se pronunciando sobre a possibilidade de futura execução.

Conclusão

A homologação de decisão estrangeira (HDE) é um mecanismo essencial para a promoção da segurança jurídica e da efetividade das relações jurídicas internacionais. Por meio da HDE, as decisões proferidas por tribunais de outros países são reconhecidas e podem ser executadas no território nacional, garantindo que os direitos das partes envolvidas sejam respeitados, independentemente da sua nacionalidade ou do local onde a relação jurídica foi constituída.

No Brasil, a competência para processar e julgar os pedidos de homologação de decisão estrangeira é do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O procedimento de homologação é regido pelo Código de Processo Civil (CPC), que estabelece os requisitos que a decisão estrangeira deve atender para ser homologada.

Referências

DECRETO 3.598, de 12 de setembro de 2000. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3598.htm

DECRETO 13.609, de 21 de outubro de 1943. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d13609.htm#:

DECRETO-LEI, 4.675, de 4 de setembro de 1942. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm

LEI, 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil

COUTO, Mônica Bonetti. Considerações sobre a homologação de sentença estrangeira no CPC projetado. Revista de Processo. v. 215, ano 38.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional Privado. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

PIZZOLO, Calogero. Comunidad de intérpretes finales. Relación entre tribunales supranacionales, constitucionales y supremos. El diálogo judicial. Buenos Aires: ASTREA, 2017.

PROVIMENTO nº 53 de 16/05/2016. Corregedora Nacional da Justiça. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2515.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direito Internacional Privado. Saraiva. 2ª edição, 2021.

RUBIO, María Victoria Cuartero. Introducción al Derecho internacional privado. Espanha. Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2022.

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Silvâni Silva

ORCID: 0000-0002-4485-4185

Sobre a autora
Silvâni Silva

Advogada especializada em Direito Internacional Privado e Previdenciário, com profunda experiência e conhecimento nestas áreas. Mestranda em Direito Internacional com foco em Ciências Políticas pela Universidade UNEATLANTICO. Poetisa e escritora com diversos livros publicados. Instagram do escritório: @silvani.advogados - Instagram pessoal: @silvanisilva.a.

Informações sobre o texto

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