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Transfeminicídio: A incidência da qualificadora do feminicídio nos homicídios contra transexuais

Agenda 29/12/2023 às 10:40

RESUMO

O feminicídio é a morte por condições de ser do sexo feminino, e sendo uma das causas que mais assolam a sociedade brasileira atualmente tendo o Brasil registrado 13 mortes por dia e aproximadamente 5 mil sentenças por feminicídio. Porém, atualmente o ordenamento jurídico brasileiro não entende que apenas fazem jus dessa qualificadora as pessoas biologicamente do sexo feminino, mas também são incluídas àquelas denominadas mulheres transexuais, as quais nasceram com o sexo biológico masculino, porém não se sentem confortáveis dessa forma e se entendem como sendo do sexo feminino. Foi firmado o entendimento jurisprudencial no sentido de que fazem jus à aplicação do feminicídio as mulheres transexuais, que fizeram a cirurgia de alteração sexual, que passaram pela transição hormonal, que alteraram o nome civil e até mesmo àquelas que apenas se identificam como mulheres, sem sentir a necessidade de passar por uma cirurgia, pela transição ou alterar o seu nome.

Palavras-chave: Feminicídio. Transexuais. Homicídio

ABSTRACT

Femicide is death due to the conditions of being female and is one of the causes that most plague Brazilian society today, with Brazil registering 13 deaths per day and approximately 5,000 sentences for femicide. However, currently, the Brazilian legal system does not understand that only biologically female people are entitled to this qualifier, but also include those called transsexual women, who were born with the male biological sex, but do not feel comfortable in this way and understand themselves as being female. The jurisprudential understanding was established in the sense that transsexual women, who underwent sexual alteration surgery, who underwent hormonal transition, who changed their civil name and even those who only identify themselves as women, without feel the need to undergo surgery, transition or change your name.

Keywords: Feminicide. Transsexual. Murder.

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios há o conhecimento de que toda a população sofre algum tipo de violência, porém o que sempre houve, foi a violência contra a mulher, de maneira mais agressiva. Uma forma muito clara de violência contra a mulher, na antiguidade, era a de que elas não tinham nenhum direito sobre o seu corpo, do momento do nascimento até o marco de um casamento. Os mitos eram fatores determinantes para que as mulheres se tornassem vulneráveis, por exemplo, o mito de Pandora que segundo Puleo (apud PINAFI, 2007), fortalecia a desigualdade entre os gêneros, trazendo a imagem de que a mulher era um ser que não se continha às curiosidades, tendo sido as responsáveis pela cadeia de desgraças que aconteceram após a abertura da caixa de Pandora.

Nesse contexto, durante a juventude elas estavam sob a posse de seus pais, que escolhiam os seus pretendentes conforme a sua própria vontade, e após o marco do casamento, elas eram de propriedade de seu cônjuge, que as materializavam apenas como a pessoa que prolongaria a sua linhagem. Dessa forma, as mulheres não poderiam estudar, e nem trabalhar, dependendo de seus maridos para tudo. Com isso veio a necessidade de que as mulheres lutassem por seus direitos e movimentassem todo um cenário para que elas não mais fossem vistas como objetos, mas sim como pessoas autônomas de direitos e deveres.

Porém, mesmo com todos os direitos e deveres inerentes a elas, as mulheres ainda sofriam com diversos outros tipos de violência, como a violência psicológica, física e sexual. Para isso, novamente, as mulheres movimentaram o cenário político e jurídico, para que houvesse uma norma que recriminasse e punisse com mais rigor as violências contra elas. Essa movimentação surtiu efeitos, e gerou a criação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e mais tarde, em 2015, também foi criada a Lei (Lei 13.104/2015, conhecida como Lei do Feminicídio) que qualificou o homicídio praticado contra mulheres, e o colocou no rol de crimes hediondos, prevendo uma pena mais alta, de 12 a 30 anos.

Porém, com a criação de Leis que protegessem as mulheres, surgiu também a dúvida e discussão de quem poderia se utilizar dessas leis. Ambas as leis tratam especificadamente de violência à mulher. A evolução da sociedade trouxe a dúvida de até que ponto essas normas poderiam alcançar, e a quem elas poderiam abranger, mais especificadamente, se pessoas transexuais, também poderiam se utilizar das normas que protegem as mulheres das agressões, e punem os agressores de forma mais severa.

1 CONTEXTO HISTÓRICO DO FEMINICÍDIO

Feminicídio deriva do latim, sendo a junção de duas palavras, “femina.ae”, no sentido de fêmea, mais o sufixo “cídio”. Conforme o site Significados, entende-se como feminicídio a persecução, bem como a morte premeditada de pessoas do sexo feminino. Logo, o feminicídio é a qualificadora do homicídio que pune os assassinatos de mulheres em virtude da condição do sexo feminino.

O termo “feminicídio”, foi primeiramente utilizado em um simpósio em Bruxelas, Bélgica, no ano de 1976, pela socióloga sul-africana Diana Russel, que atestou que deveria ser criada um conceito específico para homicídios que fossem praticados contra mulheres. Nesse contexto ela escreveu um livro, nomeado “Feminicídio: a política de matar mulheres”, que serviu de exemplo para Marcela Lagarde, que trabalhava como antropóloga na Universidade Autônoma do México (UNAM), trazendo como discussão no âmbito da América Latina, o assassinato de mulheres, no ano de 1993, no norte do México. A antropóloga, em seu estudo, percebeu que não eram apenas homicídios, mas se tratavam de mortes com extrema violência, sendo totalmente voltados contra as mulheres.

Nesse mesmo ano, a Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, entendeu que a violência contra mulheres era uma forma de violação dos direitos humanos, sendo assim os governos integrantes da ONU se empenharam para exterminar essa violência de seus territórios. Como o Brasil também é assinante dos tratados internacionais, também age de modo a coibir essa violência.

Segundo André Estefam (2022, s.p.)

O termo foi construído para nomear o homicídio cometido contra a mulher por razões de gênero e surgiu na década de 2000, no bojo do debate em torno da violência endêmica contra vítimas do sexo feminino, observada em diversas partes do mundo. O primeiro documento internacional a adotar a expressão foi “Conclusões Acordadas da 57ª Sessão da Comissão sobre o Status da Mulher na ONU”, datado de 15 de março de 2013. Referida‐ Comissão ressaltou a importância de os países-membros reforçarem sua ‐ legislação, para punirem os “assassinatos violentos de mulheres e meninas relacionados a gênero”.

  1. FEMINICÍDIO NO BRASIL

André Estefam (2022, s.p.) fez um mapeamento onde indicou que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, em 2013, que foi implantada para averiguar a Violência contra a Mulher no Brasil, apresentou o Projeto de Lei 292/2013 sugeriu a inserção da figura do feminicídio no Código Penal brasileiro.

Nesse mesmo ano, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, instaurada para apurar a Violência contra a Mulher no Brasil, elaborou relatório no qual sugeriu a incorporação, no Código Penal, da citada figura, inclusive como forma de se conferir visibilidade à questão em nosso País, apresentando-se, então, o Projeto de Lei n. 292/2013, de iniciativa do Senado Federal. (ESTEFAM, André - 2022, s.p.)

A primeira versão entendia que o feminicídio entraria como a forma de “extrema violência de gênero que resulta na morte da mulher”. Após passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o texto sofreu alteração e passou a constar apenas que ocorreria o crime nos casos em que fossem cometidos “contra mulher por razões de gênero”. Porém, na Câmara de Deputados houve a alteração para constar que o crime ocorreria nos crimes cometidos “contra mulheres por razões da condição do sexo feminino”. Essa alteração se deu com o pretexto de que a parte “contra mulher por razões de gênero” foi trocada para que não fosse utilizada nos crimes cometidos contra homossexuais.

Contudo, anteriormente, em 2006 foi sancionada uma lei que visava a proteção de mulheres. A Lei 11.340/2006, mas conhecida como Lei Maria da Penha, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, após muitas manifestações em virtude da violência sofrida por Maria da Penha, mulher que deu nome à lei.

Maria da Penha sofreu agressões de seu ex-marido, que também efetuou um disparo em suas costas enquanto ela dormia, tendo ela ficado paraplégica, precisando ficar internada durante 15 dias. Após esse período de internação, ela voltou para a casa, porém o seu então marido, a manteve em cárcere privado e tentou a eletrocutar durante o banho. Observando isso, o Estado interviu e criou a Lei nomeada com o seu nome, a fim de proibir e reprimir a prática da violência doméstica, aumentando a pena para àqueles que praticam.

A Lei Maria da Penha abriu espaço para que fosse sancionada a Lei que incluiria o feminicídio no Código Penal brasileiro. No momento da criação do CP, foi introduzida a norma que punia o homicídio, ou seja, o ato de matar alguém. Porém, apenas em 2015, foi sancionada a Lei 13.104/2015 (Lei do Feminicídio), que criminalizou os assassinatos baseados nas condições femininas. Assim:

HOMICÍDIO SIMPLES

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

(...)

Homicídio qualificado

(...)

Feminicídio       (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Essa lei foi criada a partir de uma CPMI sobre Violência Contra a Mulher do Congresso Nacional, se pautando nas investigações de violências contra as mulheres entre março de 2012 a julho de 2013. Em virtude dessa Lei, o Código Penal foi alterado, para constar como qualificadora do homicídio, o feminicídio, tendo também incluído o assassinato de mulheres, pelo fato de ser mulher, como crime hediondo, prevendo assim uma pena mais alta, reclusão de doze a trinta anos.

A norma incriminadora do assassinato de mulheres informa no §2º-A do art. 121, CP, que existem duas situações, as quais são consideradas feminicídio: a violência familiar ou doméstica, que envolve a vítima e um familiar ou alguém que já se relacionou afetivamente; e o menosprezo ou a discriminação pela condição do sexo feminino, nesse caso o autor não precisa ser conhecido da vítima, essa discriminação pode ser resultado de uma misoginia ou até mesmo de entender que a mulher é apenas um objeto.

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

I - violência doméstica e familiar;      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

2 DEFINIÇÃO DE PESSOA TRANSEXUAL

Uma pessoa transexual assim é definida, quando não se sente confortável com o seu sexo biológico, e prefere ser identificado pelo sexo oposto. Contudo, para ser identificado como transexual, não precisa da cirurgia de redefinição de sexo, cabendo, essa decisão, apenas à pessoa transexual.

Na definição de transexual, se encontram mais duas definições, a de mulher transexual e homem transexual. Mulher transexual é aquela que nasceu sendo do sexo masculino, porém com o passar dos anos, não mais se sentia bem com o seu sexo biológico, se encontrando e se entendendo como uma pessoa do sexo feminino. Já o homem transexual é aquele que nasceu sendo do sexo feminino, porém ao observar, percebeu que se sentia mais confortável com o sexo masculino.

Portanto, a definição de pessoa transexual, parte da própria pessoa, do seu entendimento em relação aos seus sentimentos, seu corpo, suas vontades e seus desejos. Podendo ela ser reconhecida como mulher ou homem trans.

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Há que se falar que durante 28 anos, a transexualidade foi considerada um transtorno mental pela Classificação Internacional de Doenças (CID), Stoller (apud SILVA; MELLO, p. 85), por exemplo, defendia que a transexualidade se tratava de um transtorno de identidade de gênero. Sendo assim, haviam tentativas de curar as pessoas transexuais, por meio de terapias e tratamentos psiquiátricos. Entretanto, apenas em 2018 foi publicada a Resolução CFP n.º 01/2018, que orientava aos psicólogos e psiquiatras, que não tratasse mais a transexualidade como um transtorno mental. Essa edição da CID, colocou a transexualidade como uma questão de saúde sexual, recebendo a classificação de “incongruência de gênero”, dessa forma:

Art. 1º - As psicólogas e os psicólogos, em sua prática profissional, atuarão segundo os princípios éticos da profissão, contribuindo com o seu conhecimento para uma reflexão voltada à eliminação da transfobia e do preconceito em relação às pessoas transexuais e travestis.

(...)

Art. 7º - As psicólogas e os psicólogos, no exercício profissional, não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização das pessoas transexuais e travestis. Parágrafo único: As psicólogas e os psicólogos, na sua prática profissional, reconhecerão e legitimarão a autodeterminação das pessoas transexuais e travestis em relação às suas identidades de gênero.

Art. 8º - É vedado às psicólogas e aos psicólogos, na sua prática profissional, propor, realizar ou colaborar, sob uma perspectiva patologizante, com eventos ou serviços privados, públicos, institucionais, comunitários ou promocionais que visem a terapias de conversão, reversão, readequação ou reorientação de identidade de gênero das pessoas transexuais e travestis.

Simone de Beauvoir (apud AMARAL, 2008), com sua célebre frase, enfatizou que “Ninguém nasce mulher, mas torna-se mulher”, esse pensamento é levado muito em conta atualmente, a fim de explicar que o sexo biológico não define uma pessoa, a pessoa construirá a sua identidade de gênero, a partir do meio histórico, econômico, político e sociocultural, não sendo determinante o sexo biológico com o que a pessoa nasceu.

2.1 TRANSEXUAIS E TRANSGÊNEROS

Há muita divergência se há diferença entre transexuais e transgêneros, e se, tendo diferença, qual seria essa diferença. Mas o entendimento que mais prevalece atualmente é o de que a expressão “transgênero” abrange àqueles que se identificam com o gênero oposto ao sexo biológico. Dessa forma, também é incluído o transexual que entende não e que não se reconhece como sendo do sexo biológico, podendo se utilizar da troca de gênero, nome, e até de tratamentos hormonais e a realização de cirurgia para mudança de sexo.

Consoante a isso, o Dicionário Priberam traduz que transexual é a pessoa que não se identifica com o sexo que nasceu, ou seja, se identifica com o sexo oposto, e deseja possuir, ou já possui, mediante procedimentos cirúrgicos, as características físicas do sexo oposto. Já sobre transgênero, entende-se que são aqueles que se identificam de forma contraria ao sexo biológico, sendo assim ambos os termos são sinônimos.

3 CRIMES CONTRA OS TRANSEXUAIS

Em 2020 a ANTRA (2021, p. 31) realizou uma pesquisa e constatou que foram registrados 175 assassinatos contra travestis e transexuais. Já em 2021 (ANTRA, 2022, p. 30) foram registrados 140 assassinatos de pessoas transexuais e travestis, sendo 135 de mulheres transexuais e travestis, e 5 de homens transexuais, mesmo o número de mortes tendo caído em relação ao ano de 2021, a média de mortes continua sendo alta. Fazendo com que o Brasil seja um dos líderes de países onde mais matam pessoas transexuais no mundo.

Já entre os Estados brasileiros, São Paulo lidera o ranking, como sendo o Estado onde mais matam pessoas transexuais, constando, em 2021, 25 assassinatos, seguido da Bahia com 13 assassinatos, Rio de Janeiro com 12 casos, Ceará e Pernambuco com 11 casos, formando assim, o top 5 dos Estados que mais tiveram assassinatos contra pessoas transexuais.

Na época constatou-se que a maioria das vítimas tinha idades entre 13 e 29 anos e que a maioria, além de se encontrarem na pobreza, eram negras e como já dito, também se autodeclaravam e se reconheciam como pessoas do sexo feminino.

Foi apurado também que em 2021, 78% dos assassinatos cometidos contra travestis e transexuais, eram também motivados por serem profissionais do sexo. Também foi observado que de 140 assassinatos, 135 foram contra mulheres transexuais, deixando nítido que a escolha de uma vítima recai sobre o gênero, no caso, o gênero feminino, que representou 96% dos casos. Vale ressaltar que a pesquisa realizada pela ANTRA (2023, p. 26) demonstra que o número de transexuais do gênero feminino e travestis assassinados em 2017 foi de 169, em 2018 foi de 158, em 2019 foi de 121 e em 2020 175 casos.

A ANTRA (2023, p. 26), em 2022, fez uma pesquisa onde constou que houveram 131 casos de assassinatos de pessoas transexuais, sendo que desses 131 casos, 130, foram assassinatos de mulheres trans, sendo São Paulo o 2º estado a mais matar transexuais, Minas Gerais na 4ª posição e o Rio de Janeiro em 5º com 8 assassinatos.

Vale ressaltar que a ANTRA (2023, p. 26) faz a pesquisa sobre a morte de transexuais, desde 2017, e que de 2017 até o ano de 2022, foram registrados 912 assassinatos de pessoas transexuais e não binárias no Brasil.

4. FEMINICÍDIO CONTRA OS TRANSEXUAIS

Gustavo Junqueira (2010, p. 682), destacou existirem duas posições frente ao feminicídio, a primeira era a de que a vítima deveria ser, geneticamente, mulher, posição por ele defendida, pois segundo o autor, abranger vítimas que não sejam geneticamente mulheres, se trataria de analogia in malam partem. Segundo ele: “(...) a abrangência do sujeito passivo que seja – apenas – juridicamente mulher implicaria analogia in malam partem (aplicação das restrições da Lei n.º 11.340/06 a uma situação nela não contemplada), proscrita na seara penal por força do princípio da reserva legal”.

Pedro Rui da Fontoura Pinto (apud JUNQUEIRA, 2010), defende que o feminicídio deve ser aplicado apenas nos casos de homicídio contra a mulher biológica, pois, mesmo que incidisse sobre mulheres transexuais, ocorreria a analogia in malam partem, e que mesmo que uma pessoa alterasse seus órgãos para se assemelhar a uma mulher, a aplicação desta norma implicaria em desfavor ao réu. Conforme a transcrição literal de suas palavras:

(...) só se trata de violência doméstica aquela perpetrada contra o gênero feminino, pois, com efeito, tratando-se de homens, ainda que com funcionalidade feminina, como travestis e transexuais, a proteção especial da Lei n.º 11.340/06 importaria em analogia in malam partem, absolutamente vedada em Direito Penal.

Mesmo um transexual que, cirurgicamente, logrou modificar sua genitália para assemelhar-se a uma mulher e, com isto, tenha alterado seu registro de nascimento, continua geneticamente a ser um homem e, salvo melhor juízo, equipará-lo a uma mulher importaria em analogia desfavorável ao réu, o que é vedado em Direito Penal em homenagem ao princípio da legalidade estrita.

Mas segundo Junqueira também há uma segunda corrente, onde se entende que basta apenas a pessoa ser juridicamente mulher. Essa corrente é pautada no trânsito em julgado da decisão judicial que permite que o registro de nascimento do transexual seja alterado, modificando assim o sexo ali constante, e essa conversão deve ser observada em todas as esferas do Direito, inclusive na esfera penal.

(...) a decisão judicial transitada em julgado que determina a modificação do registro de nascimento do transexual, alterando-lhe o sexo, deve ser observada em qualquer esfera, inclusive na penal, para efeito de implementar a qualidade especial do sujeito passivo da violência disciplinada na Lei n.º 11.340/06.

Rogério Greco (apud JUNQUEIRA, 2010) entendia que a modificação apenas no documento de identidade, para constar seu novo nome, não tornaria a pessoa mulher, devendo ainda ser considerada sendo do gênero masculino. Porém, caso houvesse a determinação judicial para que ocorresse a alteração do sexo biológico no registro de nascimento, esse fato deveria repercutir em todas as áreas, inclusive a penal. Segundo Greco, “(...) se a modificação se der tão somente no documento de identidade, com a simples retificação do nome, aquela pessoa ainda deverá ser considerada pertencente ao sexo masculino (...)”

Rogério Greco (2022, s.p) entendeu que a aplicação do feminicídio deveria ser entendido pelo método jurídico, ou seja, apenas a pessoa que em seu registro oficial (identidade, certidão de nascimento) é reconhecida como mulher, pode se fazer valer da norma que qualifica o feminicídio. Ele afirma que a pessoa transexual, poderá se utilizar do feminicídio, a partir do momento em que, em virtude de determinação do Poder Judiciário, houver a mudança de seu registro original, constando ser uma pessoa do sexo feminino. Assim, Greco manifestou o seu pensamento:

Com todo respeito às posições em contrário, entendemos que o único critério que nos traduz, com a segurança necessária exigida pelo Direito, e em especial o Direito Penal, é o critério que podemos denominar jurídico. Assim, somente aquele que for portador de um registro oficial (certidão de nascimento, documento de identidade) em que figure, expressamente, o seu sexo feminino, é que poderá ser considerado sujeito passivo do feminicídio. Aqui, pode ocorrer que a vítima tenha nascido com o sexo masculino, havendo tal fato constado expressamente de seu registro de nascimento. No entanto, posteriormente, ingressando com uma ação judicial, vê sua pretensão de mudança de sexo atendida, razão pela qual, por conta de uma determinação do Poder Judiciário, seu registro original vem a ser modificado, passando a constar, agora, como pessoa do sexo feminino. Somente a partir desse momento é que poderá, segundo nossa posição, ser considerada como sujeito passivo do feminicídio.

Em 2009, o Supremo Tribunal de Justiça avançou, ao reconhecer o direito de uma mulher transgênero, cirurgicamente operada, de alterar o gênero e o nome constantes na certidão de nascimento. Assim foi entendido:

Direito civil. Recurso especial. Transexual submetido à cirurgia de redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo. Princípio da dignidade da pessoa humana.

(...)

- Assegurar ao transexual o exercício pleno de sua verdadeira identidade sexual consolida, sobretudo, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade psicofísica. Poderá, dessa forma, o redesignado exercer, em amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em patamar de igualdade para com os demais integrantes da vida civil. A liberdade se refletirá na seara doméstica, profissional e social do recorrente, que terá, após longos anos de sofrimentos, constrangimentos, frustrações e dissabores, enfim, uma vida plena e digna.

- De posicionamentos herméticos, no sentido de não se tolerar “imperfeições” como a esterilidade ou uma genitália que não se conforma exatamente com os referenciais científicos, e, consequentemente, negar a pretensão do transexual de ter alterado o designativo de sexo e nome, subjaz o perigo de estímulo a uma nova prática de eugenia social, objeto de combate da Bioética, que deve ser igualmente combatida pelo Direito, não se olvidando os horrores provocados pelo holocausto no século passado. Recurso especial provido. RECURSO ESPECIAL Nº 1.008.398 - SP (2007/0273360-5)

O STJ em 2017, pela primeira vez no Brasil, reconheceu o direito aos transexuais não operados de terem tratamento social em concordância com a sua identidade de gênero, de serem reconhecidos perante à justiça e à lei, à igualdade e a não discriminação, dentre outros. Dessa forma:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO PARA A TROCA DE PRENOME E DO SEXO (GÊNERO) MASCULINO PARA O FEMININO. PESSOA TRANSEXUAL. DESNECESSIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO.

(...)

6. Nessa compreensão, o STJ, ao apreciar casos de transexuais submetidos a cirurgias de transgenitalização, já vinha permitindo a alteração do nome e do sexo/gênero no registro civil (REsp 1.008.398/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 18.11.2009; e REsp 737.993/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10.11.2009, DJe 18.12.2009).

7. A citada jurisprudência deve evoluir para alcançar também os transexuais não operados, conferindo-se, assim, a máxima efetividade ao princípio constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hodiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarredável de respeito às diferenças.

(...)

13. Recurso especial provido a fim de julgar integralmente procedente a pretensão deduzida na inicial, autorizando a retificação do registro civil da autora, no qual deve ser averbado, além do prenome indicado, o sexo/gênero feminino, assinalada a existência de determinação judicial, sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas, resguardando-se a publicidade dos registros e a intimidade da autora. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.626.739 - RS (2016/0245586-9)

Em 2018, foi julgado a ADI 4.275 reconheceu à pessoa transgênero o direito a ser reconhecida pelo nome que lhe deixar confortável, dando direito à mudança e de nome e prenome, caso deseje, independente de alteração hormonal, e nem mesmo da cirurgia para a mudança do sexo biológico. Podendo, pela sua livre escolha, ser reconhecido por todos como uma pessoa do sexo que entende ser, e não como uma pessoa do sexo biológico.

A mulher transexual, se entende dessa forma não apenas pelo seu biológico, mas pelo seu psicológico também, e por isso sente a necessidade de ser reconhecida socialmente como tal. A qualificadora do feminicídio, ampara o gênero feminino, portanto não há causa para ocorrer o desamparo de mulheres transexuais vítimas de feminicídio.

Já sobre a incidência do feminicídio em assassinatos de pessoas transexuais, o Habeas Corpus (HC) 541.237/DF, julgado em 2020 pelo Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, no STJ, decidiu que demonstrado os fatos que incorrem para a incidência da qualificadora do feminicídio, a sua efetiva aplicação deverá ser discutida pelos jurados presentes no Tribunal do Júri. Faz-se necessário a transcrição literal do julgado.

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DIREITO PENAL.
TRIBUNAL DO JÚRI. FEMINICÍDIO TENTADO. VÍTIMA TRANSEXUAL. PEDIDO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA. TESE A SER APRECIADA PELO CONSELHO DE SENTENÇA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA. IMPROCEDENTE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida. Porém, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
2. A sentença de pronuncia deve se ater aos limites estritos da acusação, na justa medida em que serão os jurados os verdadeiros juízes da causa, razão pela qual as qualificadoras somente devem ser afastadas quando evidentemente desalinhadas das provas carreadas e produzidas no processo.
3. No caso, havendo indicativo de prova e concatenada demonstração de possível ocorrência da qualificadora do feminicídio, o debate acerca da sua efetiva aplicação ao caso concreto é tarefa que incumbirá aos jurados na vindoura Sessão de Julgamento do Tribunal do Júri.
4. Habeas Corpus não conhecido. (HC 541237/DF HABEAS CORPUS 2019/0316671-1)

Anteriormente em 2016, o juiz Alberto Fraga, do I Juizado Especial Criminal e de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Nilópolis, permitiu que uma pessoa transexual se utilizasse das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). Para essa decisão, ele se pautou no fato de que a identidade de gênero deve ser compreendida como as experiências que um indivíduo pode ter, podendo ou não ser correspondente às experiências do sexo biológico. Segundo o juiz, o transexual não precisa de cirurgia para ser entendido, perante a sociedade e a justiça, como uma pessoa do sexo feminino, o qual ele já e identifica.

Poucos são os entendimentos firmados nesta área do Direito, contudo faz-se necessário a citação de um julgado de 2020, que discorreu sobre lesão corporal contra a mulher transexual no contexto doméstico e familiar:

E M E N T A APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DE GÊNERO. LEI 11.340/06. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. VÍTIMA MULHER TRANSEXUAL. CONDENAÇÃO. RECURSO DEFENSIVO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. MÉRITO. PEDIDOS: 1) ABSOLVIÇÃO POR FRAGILIDADE PROBATÓRIA; 2) REDUÇÃO DAS PENAS; 3) ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. I. Preliminar de incompetência que não merece prosperar. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Vítima mulher transexual, identificando-se e sendo reconhecida socialmente, inclusive nas relações afetivas, como pessoa do gênero feminino. O reconhecimento da identidade de gênero, como corolário do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade psicofísica, deve se dar perante todo o ordenamento jurídico, e não somente em parte dele, sendo adequada a aplicação da Lei "Maria da Penha" como instrumento de efetivação da justiça social. (Apelação Criminal n.º 0177625-86.2018.8.19.0001)

Se a mulher transexual pode se fazer valer da Lei Maria da Penha e de suas medidas protetivas, também pode estar amparada pela norma que incrimina o assassinato de mulheres. No caso, a pessoa que assassina, ou tenta assassinar, mulheres transexuais, podem ter suas penas qualificadas pelo feminicídio, desde que o Tribunal do Júri entenda cabível no caso em concreto.

5. FEMINICÍDIO E O HOMEM TRANSEXUAL

A puberdade em pessoas do sexo masculino pode variar entre 10 e 14 anos, podendo adiantar e começar aos 9 anos, e ir até os 16 anos. Nesse momento da puberdade, ocorre o aumento da produção da testosterona, que atua no aumento ósseo, no crescimento capilar, e no crescimento de pelos no corpo, e atua também no crescimento da massa muscular, o que gera aumento de força.

Em contrapartida, o Conselho Federal de Medicina (CFM), em 2020, redefiniu as regras para a mudança de sexo, reduzindo para 18 anos a idade mínima para ocorrer a cirurgia de redesignação sexual, para a retirada do falo, e aumenta para 18 anos para ser realizada a mastectomia (retirada total da mama). O CFM também redefiniu a regra para o tratamento hormonal que deverá ocorrer a partir dos 16 anos, e os menores de 16 anos que não se sentirem confortáveis com o seu sexo biológico, devem passar por atendimento psicológico e psiquiátrico.

O deputado Julio César Ribeiro, apresentou na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 204/23, que proíbe cirurgias de redesignação sexual para pessoas menores de 21 anos e tratamentos hormonais para menores de 18 anos. A PL tem a finalidade de fazer com os requisitos para os procedimentos de mudança de sexo, se tornem mais rigorosos, evitando assim os efeitos negativos que podem ocorrer, como a depressão. Segundo o deputado, a cirurgia de redefinição sexual, não isenta a pessoa transexual de passar por um quadro de depressão, e não é garantia de que não ocorrerá sofrimento psíquico.

Com isso, até obter a permissão para fazer a redesignação sexual, a pessoa irá sofrer todas as modificações corporais que o seu sexo biológico carrega. Partindo deste princípio, essas normas que incriminam a violência e morte de mulheres, se baseiam na vulnerabilidade trazida pelo sexo biológico feminino, sendo assim, uma mulher transexual, passou por toda a mudança corporal advinda da puberdade, bem como um homem transexual, passou por toda a mudança, antes da redesignação sexual. Nesse sentido, consegue-se perceber que por mais que uma mulher transexual seja vulnerável, ela não é vulnerável da mesma forma que uma mulher biológica.

Dessa forma, pode-se perceber pelo menos duas contradições de uma mulher transexual se utilizar de normas criadas em prol de mulheres biológicas. Como já mencionado, a mulher transexual, não tem a mesma vulnerabilidade física de uma mulher biológica. Atualmente entende-se que aquela que se entende como mulher, deve ser tratada como tal. Porém se utilizarmos o pensamento de Rogério Greco (apud JUNQUEIRA, 2010, s.p), anteriormente citado, pode se tornar um problema, pois a norma que incrimina a violência e o assassinato de mulheres, também poderia ser aplicado a pessoas que se identificam como homens transexuais, e que ainda não alteraram os seus registros oficiais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Transexual é aquele que, embora seja biologicamente de um determinado sexo, não se sente confortável com àquele, mas se sente pertencente a outro sexo. Por muito tempo a transexualidade, bem como as demais divergências de gênero, eram tratadas como uma patologia, uma doença. Porém, atualmente a transexualidade não é mais tratada como uma doença, e essa saída da transexualidade do rol de doenças foi um avanço aguardado por todo um grupo de pessoas. A despatologização da transexualidade é um grande progresso, pois evita o discurso e o entendimento de que existe uma cura e um tratamento para a transexualidade, dessa forma os direitos fundamentais desse grupo de pessoas, também é salvaguardado.

Um dos principais direitos que essa população tem é a de ser entendido e de ser respeitado de acordo com o sexo que lhe deixa confortável. Porém, mesmo com os seus direitos garantidos, muitos deles são violados, por pessoas que não aceitam essa condição de vida que eles levam.

Essa não aceitação leva à ocorrência de ofensas e violência tipificadas como crimes, gerando a incidência de sanções. Contudo, existem as normas criadas para um grupo específico de pessoas, como o feminicídio que qualifica o homicídio cometido por razões do sexo feminino. Com isso gerou a discussão de até onde uma norma poderia e em quais casos ela poderia ser aplicada.

Com isso, percebe-se que a abrangência de uma norma tem uma linha tênue, pois a norma pode ser aplicada a um fato, e gerar a Justiça, e uma norma pode não ser aplicada em virtude fatos e entendimentos que impedem a incidência da norma no caso concreto, assim como a analogia in malam partem.

Após todas as pesquisas e estudos feitos, o entendimento de que a aplicação de normas que beneficiam mulheres biológicas, em favor de mulheres transexuais, não se trataria de analogia in malam partem, pois o agressor nesses casos aplica a violência contra a mulher transexual, exatamente pelo desprezo e discriminação da pessoa que se entende e quer ser vista como mulher, ou seja, o algoz é movido pelo preconceito de gênero.

Porém, por mais que não se trate de analogia in malam partem a incidência do feminicídio em assassinatos de pessoas transexuais, o ordenamento jurídico deveria acompanhar a evolução que a sociedade está vivendo, e se empenhar na criação de uma norma penal incriminadora que abranja os crimes cometidos contra todo o público LGBTQIAP+, pois como já citado, a ANTRA (2023, p. 26) contabilizou 131 assassinatos de pessoas transexuais, porém o O Globo (2023, s.p.) verificou que em 2022 foram registradas 242 mortes do público LGBTQIAP+. Dessa forma, o legislador deve compreender a necessidade de uma norma que englobe toda a violência e assassinato de gênero, que esse público minoritário possa estar suscetível de sofrer.

Sobre essa falta de norma que ampare esse público, a Associação de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), em 2019, impetrou um Mandado de Injunção (MI 4733), contendo o tema da criminalização da homotransfobia, a fim de satisfazer a omissão do Congresso Nacional, frente a uma norma que ampare condutas ameaçadoras em razão da identidade de gênero. Foi reconhecido o atraso constitucional para se ter uma norma que abrangesse a violência contra tal público, sendo decidido que, aos crimes cometidos contra esse público, deve ser aplicada Lei 7.716/89, que tipifica e pune os crimes que resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Também em 2019, o Partido Popular Socialista propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO n.º 26), tendo como tema a criminalização da homotransfobia, que ratificou o que foi decidido no Mandado de Injunção, devendo ser aplicado a condutas homotransfóbicas a Lei 7.716/89, no que couber, até que haja uma Lei própria para a criminalização dessas condutas.

Sobre essa questão, Cezar Roberto Bitencourt (2020, s.p.), segue a mesma linha de raciocínio de Rogério Greco e entende que àquele que for oficialmente reconhecido como mulher, ou seja, ao ter um documento civil que o identifique como mulher, esse indivíduo pode se tornar sujeito passivo da qualificadora do feminicídio.

Tem-se por certo a aplicação do feminicídio em assassinatos de mulheres transexuais, pois como aduz Cezar Roberto Bittencourt (2020, s.p.), no momento em que a pessoa foi reconhecida como sendo do sexo feminino no âmbito jurídico, ela pode se fazer valer das normas voltadas para o sexo feminino. Entretanto, isso não exclui a necessidade do ordenamento jurídico brasileiro criar uma norma voltada para todo o público LGBTQIAP+, até mesmo para que o homem transexual possa se fazer valer também.

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Sobre a autora
Ingrid de França de Assis

Bacharel em Direito. Formada em julho/2023, pela Universidade Iguaçu-UNIG.

Informações sobre o texto

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