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A impossibilidade de perda do direito às férias pelo servidor público em virtude de licença para tratamento de saúde.

Agenda 03/01/2024 às 15:34

O presente estudo se trata da análise do Tema 221 da Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal e seus reflexos perante os servidores públicos, especialmente municipais, em razão de legislações locais que venham a limitar o gozo do direito de férias pelos servidores que tenham usufruído de licença para tratamento de saúde durante o período aquisitivo. 

Inicialmente, a União, os Estados e os Municípios são entes federativos, dotados de autonomia própria, materializada por sua capacidade de auto-organização, autogoverno, auto-administração e autolegislação. Vale anotar, contudo, que a autonomia dos entes federativos deve respeitar a competência constitucionalmente definida, delimitada e assegurada (LENZA, 2020, p. 351), ou seja, sua autonomia para legislar deve respeitar Constituição Federal. 

A Constituição Federal, em seu art. 7º, inc. XVII, confere aos trabalhadores urbanos e rurais o direito ao gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal, e, em seu art. 39, § 3º, fixa que tal direito será aplicado aos servidores ocupantes de cargo público. 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

(...).

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas

(…)

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. 

Conforme se observa, a CF, ao conferir o rol de direitos previstos em seu art. 39, § 3º, aos servidores públicos, apenas fez a ressalva de limitação por lei quanto aos requisitos de admissão dos servidores públicos, permitindo concluir que, em relação aos direitos, como é o caso do gozo de férias, houve um silêncio eloquente, de modo que tais direitos não poderão ser limitados por norma infraconstitucional

Em reforço, traz-se a baila a lição de José Afonso da Silva (2012, p. 187) acerca da efetividade normativa da Constituição quanto aos direitos sociais: 

A normatividade constitucional dos direitos sociais no Brasil, como dissemos acima, principiou com Constituição de 1934. Inicialmente, se tratava de normatividade essencialmente programática. A tendência é a de conferir a ela maior eficácia e da aplicabilidade das normas constitucionais reconhecedoras de direitos sociais é que se manifesta sua principal garantia. Assim, quando a Constituição diz que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais os expressamente indicados no art. 7º, e quando diz que a saúde ou a educação é direito de satisfação desses direitos, está preordenando situações jurídicas objetivas com vistas à aplicação desses direitos. 

E, também, o trecho do voto do Ministro Edson Fachin, Relator do Recurso Extraordinário nº 593.448/MG, que bem diferenciou a licença para tratamento de saúde – destinada à recuperação das condições físicas e mentais do servidor para voltar ao exercício – do gozo de férias – descanso remunerado: 

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Ressalte-se a natureza jurídica da licença para tratamento de saúde, que não se confunde com qualquer outra espécie de licença voluntária do servidor. Aqui se trata de período destinado ao restabelecimento das plenas condições físicas e mentais do servidor, assegurando-lhe o respeito à saúde, e que não pode ser confundido com pretensão a descanso remunerado, razão pela qual não há que se falar em perda do direito a férias. 

Além disso, o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.448/MG, fixou a seguinte tese (Tema 221): 

No exercício da autonomia legislativa municipal, não pode o Município, ao disciplinar o regime jurídico de seus servidores, restringir o direito de férias a servidor em licença saúde de maneira a inviabilizar o gozo de férias anuais previsto no art. 7º, XVII da Constituição Federal de 1988. (RE 593448, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 05/12/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-259  DIVULG 16-12-2022  PUBLIC 19-12-2022). 

Frisa-se que a tese acima foi definida por maioria de votos, pois os Ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques votaram pelo provimento ao RE, propondo a seguinte tese: 

O gozo de férias não configura direito absoluto e intangível dos servidores públicos, de forma que o Município, com amparo em sua autonomia para legislar sobre questões de interesse local (artigo 30, I, da Constituição Federal), pode limitar o direito aos servidores que não comparecerem ao trabalho por razões de licença médica por tempo superior a 60 (sessenta) dias, durante o período aquisitivo. 

Portanto, mesmo que o ente federado detenha competência legislativa para tratar de interesse local, conclui-se que o direito a férias do servidor público não poderá ser inviabilizado por norma infraconstitucional em razão de afastamento por licença para tratamento de saúde.  

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição Federal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Consulta em 06 Jan. 2023.

 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24 ed. São Paulo: Saraiva Educação.

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 187.

______, Supremo Tribunal Federal. RE 593448, Relator: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 05/12/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-259  DIVULG 16-12-2022  PUBLIC 19-12-2022. 

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