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Dano emocional

Agenda 03/01/2024 às 15:44

O presente estudo visa trazer esclarecimentos acerca do crime de dano emocional, sua grande importância para a defesa das vítimas de violência doméstica e familiar e a desnecessidade de prova pericial.

O crime de dano emocional foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro em 28.07.2021, pela Lei nº 14.188, que acrescentou o art. 147-B no Código Penal:

Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

O referido crime teve por objetivo principal trazer maior proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, não apenas pela criação de um novo crime, mas também ampliar o alcance das medidas protetivas, pois abarcou muitas condutas que se enquadravam dentre o conceito de sofrimento psicológico previstas no art. 7º da Lei Maria da Penha, mas que, até então, não tinham tipificação delitiva.

Em outras palavras, atualmente, com a vigência da Lei nº 14.550/2023, as medidas protetivas de urgência poderão ser deferidas a vítimas de violência doméstica e familiar, mesmo que a conduta do agressor não configure crime – conduta sem subsunção à figura típica (crime) –, bastando que se enquadre em alguma das formas de violência previstas no art. 7º da Lei nº 11.340/2006:

Art. 19. (...)

§ 5º As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.

Porém, até a Lei nº 14.550 entrar em vigência, no dia 19.04.2023, havia uma grande discussão acerca da possibilidade de deferir ou não medidas protetivas de urgência para vítimas de violência doméstica quando a conduta do agressor não configurasse um crime, propriamente dito.

Havia muitas condutas que configuravam violência doméstica, sobretudo a psicológica, mas não encontravam figura típica, o que gerava situações nas quais a vítima sofria violência, enquadrando-se no art. 7º, inc. II, da Lei Maria da Penha, mas as medidas protetivas eram indeferidas porque a violência não configurava um crime.

Nesse contexto, a Lei nº 14.188/2021 se mostrou extremamente importante, pois, ao introduzir o delito de dano emocional, criando uma figura típica que englobou o conceito de violência psicológica prevista no inc. II do art. 7º da Lei Maria da Penha, dirimiu os entraves então existentes quanto à possibilidade de deferimento de medidas protetivas de urgência.

Esclarecidos esses aspectos, tem-se que o tipo penal previsto no art. 147-B do Código Penal admite sua prática por meio de uma série de condutas que causem dano emocional à mulher, prejudicando-a ou perturbando seu pleno desenvolvimento, bem como com o objetivo de degradá-la ou controlá-la.

Nessa toada, a lição de Valéria Diez Scarance Fernandes, Thiago Pierobom de Ávila e Rogério Sanches Cunha (Meu Site Jurídico, 2021):

As condutas executivas vêm em seguida: mediante ameaça (promessa de mal injusto e grave), constrangimento (insistência importuna), humilhação (rebaixamento moral), manipulação (manobra para influenciar a vontade), isolamento (impedimento da convivência com outras pessoas), chantagem (pressão sob ameaça de utilização de fatos criminosos ou imorais, verdadeiros ou falsos), ridicularização (escarnecimento, zombaria, que não passa de uma forma de humilhação), limitação do direito de ir e vir (restrição da livre movimentação) ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação. Por esta última fórmula analógica estende-se o tipo a quaisquer outras condutas que possam interferir na saúde psicológica e no exercício de se decidir. Portanto, o rol de comportamentos é meramente exemplificativo . (grifou-se).

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Também não se faz necessário o elemento subjetivo especifico de querer causar dano emocional, mas sim que o agente pratique voluntaria e conscientemente alguma conduta apta a causar dano emocional à vítima.

Nesse sentido, a lição do Professor Marcio Andre Lopes Cavalcante (Dizer o Direito, 2021):

Elemento subjetivo

O crime é punido a título de dolo.

Vale ressaltar, contudo, que o dolo do agente está ligado às condutas (ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação etc.).

Em outras palavras, não se exige que o agente queira causar “dano emocional” à vítima. Exige-se que ele pratique alguma das condutas acima listadas com consciência e vontade .

Importante ressaltar ainda que o art. 147-B, ao contrário do feminicídio (art. 121, § 2º, VI) e da lesão corporal do § 13 do art. 129, não exige expressamente que o crime de violência psicológica tenha sido cometido “por razões da condição do sexo feminino”. (grifou-se).

E, novamente, de Valéria Diez Scarance Fernandes, Thiago Pierobom de Ávila e Rogério Sanches Cunha (Meu Site Jurídico, 2021):

Entendemos que, em relação ao resultado, este pode ocorrer tanto a título de dolo quanto de culpa . Na maioria das situações, os atos de violência psicológica serão praticados com a finalidade imediata de afirmar o autoritarismo masculino, por puro exercício de poder e suposta superioridade, de forma que o agente prevê o resultado (dano emocional) e lhe é indiferente, o que configura o dolo eventual . Sendo a violência psicológica um ilícito jurídico (desde 2006, com o advento da Lei Maria da Penha), o seu potencial de gerar dor, sofrimento e angústia à mulher, no contexto das relações domésticas, familiares e íntimas de afeto é um verdadeiro fato notório . Portanto, aquele que pratica dolosamente tais atos de ameaça, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação da liberdade ou similares, não poderá afirmar que não sabia que tais condutas tinham o potencial de causar danos emocionais . O contexto de abusividade relacional será indicativo posição de indiferença quanto ao resultado . Essa conclusão de dolo quanto à conduta e dolo/culpa quanto ao resultado não deve causar espécie. Já está presente em delitos diversos (mas semelhantes), como na lesão corporal. O ofensor responde pelo crime de lesão corporal de natureza grave quando da conduta resultar os eventos descritos nos §§1º e 2º do art. 129, em regra não importando se queridos ou não pelo agente, desde que previsível (que não se confunde com previsto). (grifou-se).

E, apesar de se tratar de crime material, a perícia é prescindível, podendo o julgador socorrer-se a outros elementos de prova, como a prova testemunhal e a palavra da vítima, por exemplo, forte no art. 167. do Código de Processo Penal.

Neste ponto, invocam-se novamente os ensinamentos do Professor Marcio André (Dizer o Direito, 2021):

Desnecessidade de perícia

A despeito de se tratar de crime material, penso que não é indispensável a realização de perícia, podendo o dano emocional ser comprovado por intermédio do depoimento da vítima e da prova testemunhal , além de eventuais relatórios médicos ou psicológicos. Vale ressaltar, ademais, que determinadas condutas praticadas, como constrangimentos intensos, humilhações públicas e ridicularizações reiteradas se devidamente comprovadas, acarretam, como fatos axiomáticos, danos emocionais, não sendo necessária perícia para atestar consequências que são intuitivas . (grifou-se).

E de Norberto Avena (2014, p. 608):

O art. 158. do CPP, como já dissemos, determina que, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Esta regra guarda simetria com o art. 564, III, b, do CPP, dispondo que constitui nulidade a falta do exame de corpo de delito, salvo o disposto no art. 167. do mesmo Código. Este, por sua vez, refere à possibilidade de suprimento do exame de corpo de delito pela prova testemunhal quando o vestígio houver desaparecido . (grifou-se).

Em reforço, frisa-se que não há necessidade de manifestação patológica decorrente da violência psicológica, pois esta não se confunde com violência psíquica.

Melhor explicando, a Professora Isadora Vier Machado (UFSC, 2013), esclarece que:

(...) a violência psíquica seria causadora de uma patologia médica; enquanto a psicológica não poderia gerar qualquer tipo de patologia somática, estando restrita ao campo do sofrimento não qualificável enquanto doença . (grifou-se).

No mesmo sentido, a Professora Carla Pinheiro (2019, p. 179):

(…) o dano psíquico implica a existência, nele mesmo, de um “transtorno mental”, como consta da classificação internacional de doenças (DSM, CID) (…) o dano psíquico distingue-se do sofrimento por inserir em seu conceito a noção de lesão às faculdades mentais, incluindo o afetivo, enquanto o dano moral não implica em conformação patológica . As vítimas de agressões crônicas, como é o caso da maioria das mulheres que sofre violência doméstica, apresentam níveis mais baixos de sintoma de Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT), em relação à violação sexual (sintoma agudo). (grifou-se).

Dessa forma, para configuração do crime de dano emocional, ainda que seja necessária a ocorrência do dano, não há necessidade de prova pericial, visto que o dano é de ordem emocional, o qual, embora possa causar graves prejuízos à vítima, não implica em manifestação patológica – apesar de haver a possibilidade –, e, não havendo manifestação patológica, a submissão da vítima a exame pericial será inócua, devendo o julgador socorrer-se de outros meio de prova em direito admitidos, sobretudo a testemunhal, incluindo a palavra da própria vítima.


Referências

BRASIL. Código Penal – Dec.Lei nº 2.848/1941. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 27 Mai. 2023.

BRASIL. Lei nº 11.340/2006. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 27 Mai. 2023.

BRASIL. Lei nº 14.188/2021. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14188.htm#art4>. Acesso em 27 Mai. 2023.

BRASIL. Lei nº 14.550/2023. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14550.htm#art1>. Acesso em 27 Mai. 2023.

BRASIL. Código de Processo Penal –DEC.LEI nº 3.689/1941. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em 27 Mai. 2023.

FERNANDES, Valéria Diez Scarance; ÁVILA, Thiago Pierobom de; CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Disponível em <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/>. Acesso em 27 Mai. 2023.

CAVALCANTE, Marcio André Lopes. Comentários à Lei 14.188/2021: crime de violência psicológica, nova qualificadora para lesão corporal por razões da condição do sexo feminino e programa Sinal Vermelho. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2021/07/comentarios-lei-141882021-crime-de.html>. Acesso em 27 Mai. 2023.

AVENA, Claudio Norberto Pâncaro. Processo Penal: esquematizado – 6ª ed. São Paulo: Método, 2014.

MACHADO, Isadora Vier. Da dor do corpo à dor da alma: uma leitura do conceito de violência psicológica da Lei Maria da Penha. 2013. Tese. Orientadora: Prof.ª Dr. ª Miriam Pillar Grossi. (Doutorado em Ciências Humanas) – Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/107617.

PINHEIRO, Carla. Manual de psicologia jurídica. 5a Ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

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