O presente estudo tem por finalidade esclarecer o instituto da estabilidade provisória para gestantes ocupantes de cargos públicos temporários e em comissão.
Primeiramente, cumpre esclarecer que a licença maternidade – direito social insculpido no art. 7º, inc. XVIII, da Constituição Federal – consiste no período de afastamento remunerado de 120 dias (no caso de serviço/emprego público) ou de 180 dias (no caso de Empresas Cidadãs) nos quais a servidora/empregada (ou servidor/empregado, no caso de entidade familiar monoparental) permanece afastada de seu cargo/emprego, a contar da apresentação de atestado médico ou do nascimento do bebê.
Trata-se de direito relativo à inatividade do trabalhador, que tem por finalidade proteger sua integridade física e psicológica[1], mas também se coaduna com o dever de especial proteção às crianças, imposto à sociedade e ao Estado (arts. 226 e 227 da Constituição Federal), e à concretização da igualdade material entre homens e mulheres no mercado de trabalho, público ou privado (art. 3º, inc. I e IV, da CF) – nesse ponto, destaca-se trecho da ementa do RE842844 do STF:
(...) tem por razão o reconhecimento das dificuldades fisiológicas e sociais das mulheres, dadas as circunstancias pós-parto, como a recuperação físico-psíquica da mãe e amamentação e cuidado do recém-nascido, além da possibilidade do convívio familiar nos primeiros meses de vida da criança.
Esclarecido isso, verifica-se que o art. 37 da Lei Fundamental impõe à Administração Pública o dever de observância a uma série de princípios, destacando-se os da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. E, em seu art. 39, § 3º, a aplicação de uma série de direitos a servidores públicos:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.
(...)
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
A par disso, o art. 10, inc. II, do ADCT estabelece a vedação de dispensa arbitrária ou sem justa causa de empregada gestante, desde a confirmação da gravidez, até 05 meses após o parto.
Com base na interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, tem-se que servidores públicos, independentemente do regime jurídico – efetivo, temporário ou cargo em comissão – têm direito à licença maternidade e não poderiam ser exonerados de forma arbitrária ou sem justa causa no período de gestação, nem nos 05 meses posteriores ao parto.
Inclusive, o Supremo Tribunal Federal, no ano de 2009, estabeleceu tal entendimento:
(...) O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que as servidoras públicas e empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos termos do art. 7º, XVIII, da Constituição do Brasil e do art. 10, II, "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600057 AgR, Relator(a): EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 29-09-2009, DJe-200 DIVULG 22-10-2009 PUBLIC 23-10-2009 EMENT VOL-02379-10 PP-02124). (grifou-se).
Posteriormente, em um caso versando sobre empregada da iniciativa privada, o STF, no julgamento do RE 629053 (sob repercussão geral - Tema 497), fixou o entendimento de que o direito à segurança no emprego (art. 7º, inc. I, da CF) compreende tanto a despedida arbitrária ou sem justa causa da gestante, bastando a presença do requisito biológico – gravidez preexistente à despedida:
(...) 3. A proteção constitucional somente exige a presença do requisito biológico: gravidez preexistente a dispensa arbitrária, independentemente de prévio conhecimento ou comprovação. 4. A proteção contra dispensa arbitrária da gestante caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, ao assegurar-lhe o gozo de outros preceitos constitucionais – licença maternidade remunerada, princípio da paternidade responsável –; quanto da criança, permitindo a efetiva e integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura – econômica e psicologicamente, em face da garantia de estabilidade no emprego –, consagrada com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade (empregador). 5. Recurso Extraordinário a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa. (RE 629053, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 10-10-2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-040 DIVULG 26-02-2019 PUBLIC 27-02-2019). (grifou-se).
E, recentemente, no julgamento do RE 845844, também sob repercussão geral (Tema 542), que versava sobre o caso de uma professora gestante exonerada em virtude do término da vigência de seu contrato temporário, fixou a seguinte tese:
A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado, nos termos dos arts. 7º, XVIII; 37, II; e 39, § 3º; da Constituição Federal, e 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (RE 842844, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 05-12-2023 PUBLIC 06-12-2023). (grifou-se).
Desse modo, ocupantes de cargo temporário (com prazo determinado) ou em comissão (livre exoneração) têm direito à estabilidade provisória, desde a gravidez, até 05 meses após o parto, ou seja, não poderão ser exoneradas até 05 meses após o parto.
Referências:
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html>. Acesso em 01 Jan. 2024.
______, STF. RE 600057 AgR, Relator(a): EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 29-09-2009, DJe-200 DIVULG 22-10-2009 PUBLIC 23-10-2009 EMENT VOL-02379-10 PP-02124.
______, STF. RE 629053, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 10-10-2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-040 DIVULG 26-02-2019 PUBLIC 27-02-2019.
______, STF. RE 842844, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 05-12-2023 PUBLIC 06-12-2023.
NOVELINO. Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: JusPodvim, 2023.
[1] NOVELINO. Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: JusPodvim, 2023. P. 557.