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A interrupção da prescrição da pena restritiva de direitos

Agenda 03/01/2024 às 15:48

O presente estudo visa trazer esclarecimentos acerca da interrupção da prescrição da pretensão executória estatal na pena restritiva de direitos e seus reflexos no cômputo do prazo prescricional. 

De início, necessário esclarecer que o Estado é o titular exclusivo do direito de punir, cabendo a ele a imposição de pena ou de medida de segurança àquele que for responsável pela prática de uma infração penal (MASSON, 2019, p. 1.302). Todavia, o poder punitivo do Estado não é ilimitado, encontrando diversas limitações impostas pelo ordenamento jurídico, dentre elas, a prescrição. 

Em apertada síntese, a prescrição nada mais é do que a perda do direito de punir ou de executar a pena pelo Estado, lastreada em uma série de fundamentos (que não serão abordados neste artigo para não fugir ao tema). 

Apesar de os prazos prescricionais variarem de acordo com a gravidade da infração penal, uma vez operada a prescrição, seus efeitos serão permanentes e imutáveis, ou seja, o Estado não poderá punir o agente pela infração penal cujo prazo prescricional transcorreu. 

A prescrição, no ordenamento jurídico brasileiro, divide-se em dois grupos (MASSON, 2019, p. 1.309), o primeiro, da prescrição da pretensão punitiva, subdividido em outras três modalidades – prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, prescrição intercorrente e prescrição retroativa –, e a prescrição da pretensão executória

Além disso, há dois modos de cômputo da prescrição (NUCCI, 2020, p. 808): em abstrato – quanto inexiste condenação, nem mesmo provisória, sendo adotada como parâmetro a pena máxima em abstrato cominada para a infração penal (com as respectivas causas de aumento/diminuição) – e em concreto – quando há condenação, provisória ou definitiva, com trânsito em julgado para a acusação (não há mais como agravar/aumentar a pena), utilizando-se como parâmetro a pena imposta na sentença/acórdão. 

Os prazos prescricionais, em geral, estão fixados no art. 109 do Código Penal, porém há exceções, como no caso da aplicação isolada de pena de multa, do delito de posse de drogas e daqueles considerados imprescritíveis, e, além disso, contam com marcos interruptivos – que reiniciam a contagem do zero – e suspensivos – que interrompem a contagem por determinado lapso temporal (art. 110 a 117 do CP). 

Feitos os devidos esclarecimentos acerca da prescrição, passa-se ao outro ponto do estudo, a pena restritiva de direitos ou alternativa (PRD), a qual tem por objetivo evitar o encarceramento (pena privativa de liberdade – PPL), em situações legalmente previstas, para aqueles agentes que preencherem determinados requisitos e tenham cometido crimes considerados menos graves pelo legislador. 

Nesse contexto, o julgador, ao condenar o agente – impor a pena privativa de liberdade correspondente ao crime praticado –, deverá analisar a possibilidade de conversão da PPL em PRD, conforme o art. 44 e seguintes do Código Penal. 

Pois bem, realizada a necessária introdução ao tema, passa-se ao objeto da pesquisa. 

Em se tratando de uma pena privativa de liberdade, no caso de eventual interrupção no cumprimento – fuga, por exemplo –, o prazo da prescrição da pretensão executória será regulado pelo restante da pena (seu saldo – art. 113 do CP). 

Exemplificando, Fulaninho estava cumprindo uma pena de 14 anos de reclusão por homicídio – considerando a pena total, o prazo da prescrição da pretensão executória será de 20 anos (art. 109, inc. I, do CP), porém, quando já havia cumprido 08 anos de pena, foge da unidade prisional – causa interruptiva. Nesse caso, o prazo prescricional será calculado com base no tempo que restava de pena – 06 anos (14 anos de condenação – 08 anos cumpridos = 06 anos de pena a cumprir) –, assim, o prazo prescricional será de 12 anos (art. 109, inc. IV, do CP). 

Por outro lado, no caso de condenação à pena restritiva de direitos, há uma grande diferença, caso haja interrupção no seu cumprimento (art. 117 do CP): não haverá desconto no prazo prescricional proporcional à PRD cumprida. Em outras palavras, o prazo prescricional continuará sendo regulado pelo total da pena imposta, visto que não há previsão legal para efetuar-se qualquer desconto. 

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Nesse sentido, o entendimento do STJ: 

(...) O entendimento combatido se encontra em consonância com a jurisprudência desta Corte, pois, "se a pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária e o apenado iniciou o cumprimento das horas de trabalho exigidas, mas não adimpliu o valor estipulado no título judicial, incide a hipótese de interrupção prevista no art. 117, V, do CP, visto não ser possível considerar que o Estado estava inerte durante esse período, sem executar a condenação transitada em julgado" (AgRg no REsp n. 1.611.328/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 27/09/2017). (...). (AgRg no HC 654.229/MG, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 01/09/2021). 

(...) 3. Nos termos do art. 117, V, do Estatuto Repressor, o curso da prescrição interrompe-se pelo início ou cumprimento da "pena". Não tendo o legislador infraconstitucional estabelecido distinção entre pena acessória e principal como marco interruptivo, não cabe ao intérprete fazê-lo ("ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus"). (...). (HC 398.587/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 26/02/2018). (grifou-se). 

Conforme exposto, o prazo prescricional deve ser calculado com base na pena efetivamente aplicada, não havendo falar em desconto para calculo sobre o restante da pena – o desconto somente será realizado para o cumprimento do restante da pena, não para fins de prescrição. 

Isso porque a regra do art. 113 do CP aplica-se exclusivamente aos casos de fuga ou revogação do livramento condicional, e não o mero descumprimento de uma PRD – inadimplemento de prestação pecuniária, ou abandono de cumprimento de prestação de serviços à comunidade, por exemplo. 

Em outras palavras, o legislador, quando estabeleceu que o cálculo da prescrição será realizado com base na pena restante, apenas previu as hipóteses de fuga ou revogação do livramento condicional, apresentando silêncio eloquente em relação às demais situações.  

Em reforço, o entendimento do STJ: 

(...) Note-se, portanto, que havendo efetivo cumprimento de parcela da pena, este período não pode simplesmente ser desprezado, como se virtualmente não existisse. Ao contrário, sua consideração decorre de expressa disposição legal. Outrossim, o art. 113 do Código Penal é categórico e dispõe que "no caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena" (art. 113). (...) a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que o cálculo da prescrição pela pena residual, conforme prevê o art. 113 do Código Penal, limita-se às hipóteses de evasão e de revogação do livramento condicional. Não é possível, portanto, a extensão dos efeitos da detração para fins de contagem do prazo prescricional, pois o citado dispositivo deve ser interpretado restritivamente (AgRg no AREsp n. 571.907/ES, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 4/3/2016  grifo nosso). No mesmo sentido, anoto: AgRg no AREsp n. 884.674/ES, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 3/6/2016 e RHC n. 64.322/RS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 19/04/2016. (...). (REsp n. 1.751.177/MS, Ministro Sebastião Reis Junior, Quinta Turma, DJe 5/11/2018). 

(...) A prescrição pela pena residual, conforme autoriza o art. 113 do Código Penal, somente é possível nos casos de evasão ou de revogação do livramento condicional. Dessarte, não há se falar em detração da pena para fins de cômputo da prescrição, porquanto ausente disciplina legal nesse sentido, devendo o lapso prescricional ser regulado de acordo com a pena total aplicada na sentença, sem desconto pela detração. (...). (HC 344.960/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 11/03/2016). 

(...) 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento pacífico de que o cálculo da prescrição pela pena residual, previsto no art. 113 do Código Penal, aplica-se somente às hipóteses de evasão do condenado e de revogação do livramento condicional, sendo inadmissível sua aplicação analógica. O período de prisão provisória do réu é levado em conta apenas para desconto da pena a ser cumprida (detração), sendo irrelevante para a contagem do prazo prescricional, o qual deve ser analisado a partir da pena concretamente imposta pelo julgador, não do restante da reprimenda a ser executada pelo Estado. Precedentes. (...). (AgRg no RHC 44.021/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, DJe 10/06/2015). (grifou-se). 

Exemplificando, Beltraninho foi condenado à pena de 03 anos de reclusão por furto qualificado, a qual foi convertida em duas PRDs – 03 anos de prestação de serviços à comunidade (01h por dia de condenação) e 01 salário mínimo nacional de prestação pecuniária – assim, o prazo prescricional será de 08 anos (art. 109, inc. IV, do CP). 

Contudo, o Beltraninho efetuou o pagamento da prestação pecuniária, mas cumpriu apenas 02 anos da prestação de serviços à comunidade, não apresentando qualquer justificativa para a descontinuidade. 

Nesse contexto, o prazo prescricional continuará sendo de 08 anos – pois a pena aplicada era de 03 anos –, pois não há previsão legal autorizando o desconto das penas restritivas de direitos cumpridas para fins do cálculo do prazo prescricional. 

Em suma: caso o apenado cumpra parcialmente sua pena restritiva de direitos, esse percentual cumprido não poderá ser utilizado para reduzir o prazo prescricional, visto que inexiste previsão legal autorizando. 

Referências: 

BRASIL. Código Penal – Dec.Lei nº 2.848/1941. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 10 Jun. 2023. 

MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120) – vol. 1. São Paulo: Método, 2019. 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal – 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 

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