RESUMO
Apesar de ser uma modalidade que já era informalmente adotada, no ano de 2022, o trabalho remoto passou a ser regulado formalmente pelo vigor da Lei n. 14.442. O objetivo desta pesquisa foi analisar o contexto do trabalho remoto com fulcro na manutenção dos direitos trabalhistas do empregado. Utilizou-se das metodologias de revisão bibliográfica e de análise documental. O trabalho remoto pode incorrer em sérios prejuízos para os direitos trabalhistas do empregado, com ênfase para as questões de carga elevada de trabalho, não pagamento de horas extras, gastos não ressarcidos pelo empregador, não fornecimento de auxílio alimentação, não respeito aos horários de descanso e repouso, assédio moral e outras que afetam inconstitucionalmente as previsões normativas de proteção ao empregado.
Palavras-chave: Empregado; Direitos trabalhistas; Trabalho remoto.
INTRODUÇÃO
O teletrabalho, também conhecido por trabalho remoto, foi formalmente aderido ao corpo da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), de 1943, por força normativa da Lei 14.442 de 2022 (BRASIL, 1943; 2022). Entende-se por trabalho remoto aquele realizado fora das dependências do empregador, mediante a utilização de recursos tecnológicos. Calvo (2020) informa que trata-se do trabalho realizado à distância e não nas dependências do empregador, ainda que se mantenha o contato mediante o uso de recursos da comunicação.
No campo fático, faz-se necessário que os direitos e garantias constitucionais sejam preservados pela relação trabalhista. Por isso, considerando a disseminação da adoção do trabalho remoto na atualidade, é preciso analisá-lo sob o ponto de vista da necessária preservação dos direitos e garantias do trabalhador. Para tal, o problema de pesquisa aqui investigado foi definido pela seguinte indagação científica: O trabalho remoto assiste de legalidade frente a necessária preservação dos direitos e garantias trabalhistas?
O objetivo geral da pesquisa foi analisar o contexto do trabalho remoto com fulcro analisar o contexto do trabalho remoto com fulcro na manutenção dos direitos trabalhistas do empregado. Para isso, subdividiu-se em objetivos específicos, sendo eles: a - conceituar o trabalho remoto com fulcro na doutrina e na legislação específica; b - discorrer sobre os direitos e garantias assegurados ao trabalhador; c - analisar se o trabalho remoto interfere de forma negativa sobre tais direitos e garantias, indicando a sua possível (i) legalidade constitucional.
Utilizou-se das metodologias de revisão bibliográfica e de análise documental para fundamentar a pesquisa com resultados extraídos de outros estudos científicos, doutrinas, legislações e jurisprudências. Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, de natureza básica, com objetivos descritivos e procedimento bibliográfico.
DO CONCEITO DE TRABALHO REMOTO
Até o ano de 2011 não existia nenhuma menção normativa com relação ao trabalho remoto, apesar de que, na prática, esta modalidade de prestação de serviço já existia (CALVO, 2020). O trabalho realizado no domicílio do empregado era abrangido por analogia pelos arts. 6 e 83 da CLT, com suporte de entendimentos jurisprudenciais da época (BRASIL, 1943). Foi no ano de 2011 que a Lei n. 12.551 foi promulgada e provocou alterações no art. 6, da CLT, passando a inserir, expressamente, a modalidade do trabalho remoto - teletrabalho -, passando a informar que "não se distingue o trabalho realizado no estabelecimento do empregado, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância" (BRASIL, 1943; 2011).
Com o advento da Reforma Trabalhista - Lei n. 13.467 de 2017 - o trabalho remoto, chamado de teletrabalho pela norma vinculada, ganhou corpo normativo no art. 75-B da CLT (BRASIL, 1943; 2017). No ano de 2022, o texto do art. 75-B foi alterado, deixando de citar apenas o teletrabalho, para mencionar ainda o trabalho remoto, equiparando tais modalidades ao mesmo conceito (BRASIL, 1943; 2022). De acordo com a previsão conferida ao art. 75-B, o legislador reafirma que o teletrabalho/trabalho remoto é o trabalho realizado "preponderantemente" fora das dependências do empregador, por meio do uso de recursos tecnológicos e, por sua natureza, não se constitui como trabalho externo, mas assemelha-se ao trabalho presencial. No parágrafo único deste artigo, o legislador destaca que, eventuais idas do empregado para as dependências do empregador não descaracteriza a modalidade do trabalho remoto (BRASIL, 2023).
Por diferenciar-se das demais modalidades de trabalho, sendo ele realizado a distância e sob o uso de tecnologias, pairam dúvidas quanto aos direitos e garantias assegurados ao trabalhador no trabalho remoto (LEITE, 2020). Martinez (2020) esclarece que o trabalhador em trabalho remoto possui todos os direitos e garantias que os demais empregados, sem exceção. Cabe aqui retomar justamente à menção normativa do art. 6, da CLT, que diz fala da "não distinção" entre o trabalho realizado na dependência do empregador e aquele realizado fora dela (BRASIL, 1943).
DOS DIREITOS E GARANTIAS ASSEGURADOS AO TRABALHADOR REMOTO
Por muitos anos, a relação de trabalho operou de forma desequilibrada, com a ausência de direitos e garantias em favor da proteção do trabalhador, a parte mais vulnerável desta relação e que, historicamente, foi amplamente violada e explorada (LEITE, 2020). Com o advento da CLT em 1943, as relações de trabalho ganharam um maior condão de disposição de direitos e garantias que serviriam de proteção ao trabalhador (BRASIL, 1943). Mas, como dito por Martinez (2020), seria em 1988 que todos estes direitos e garantias seriam valorados por força da norma constitucional vigente.
De modo geral, são direitos e garantias assegurados aos trabalhadores: a - a remuneração salarial; b - o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); c - férias; d - 13o salário; e - aviso prévio; f - seguro-desemprego; g - respeito ao tempo de trabalho (8h); h - intervalo de descanso; i - descanso semanal remunerado; e outros (RESENDE, 2020). De acordo com Garcia (2017) além dos direitos e garantias, os trabalhadores em modalidade de trabalho remoto são assistidos por todos os princípios gerais e específicos do Direito do Trabalho.
Apesar da adequação aos direitos e garantias assegurados ao trabalhador convencional, Martinez (2020) destaca que não há rigidez quanto ao horário de labor, não havendo taxação do regime da jornada de trabalho, o que significa que o trabalho remoto abre margem para que haja uma maior flexibilidade do horário laborativo. Tal flexibilidade emerge dos efeitos produzidos pela Lei n. 14.442 de 2022, que introduziu no corpo da CLT, em seu art. 62, o inciso III, o qual passou a disciplinar essa exclusão. De acordo com a doutrina de Martins (2022), tal menção normativa é uma mácula produzida pela política ultraneoliberalista que, aos poucos, vai minando os direitos e garantias do trabalhador, desrespeitando as premissas constitucionais.
DA INTERFERÊNCIA DO TRABALHO REMOTO NOS DIREITOS E GARANTIAS DO TRABALHADOR
Toda e qualquer norma jurídica deve ser avaliada em seu contexto fático, pois é na prática das relações jurídicas que operam legalidades ou ilegalidades que precisam ser revistas, em prol da manutenção da integridade da proteção conferida ao titular de direitos e garantias (MARTINEZ, 2020). Não pode ser diferente a análise dos efeitos produzidos pelo trabalho remoto aos direitos e garantias do trabalhador que, de acordo com Calvo (2020), trata-se de tutelas inegociáveis, uma vez que são fundamentais para manter o equilíbrio necessário para que não haja prejuízos nocivos à dignidade do trabalhador.
De acordo com Calvo (2020) não se pode olvidar que o trabalho remoto produz benefícios para ambas as partes de uma relação trabalhistas. Para o empregador, o trabalho remoto reduz custos e desoneram o ambiente físico de labor, dentre outras benesses (MARTINEZ, 2020). Já para o empregador, Oliveira e Tchakerian (2021) cita que o trabalho remoto produz os seguintes benefícios: a - aumento da autonomia e tranquilidade na execução do labor; b - maior tempo livro, pois evita o deslocamento; c - liberdade geográfica, para trabalhar de qualquer lugar onde esteja; d - possível redução do estresse ocupacional e aumento do bem-estar laborativo; e - flexibilidade do horário de labor; f - melhor conciliação entre vida pessoal e profissional; dentre outras.
Freitas e Parmegiane (2021) menciona ainda que, a própria exclusão aplicada ao trabalho remoto pelo inciso III, do art. 62, inserido na CLT pela Lei n. 14.442 de 2022, incorre em prejuízos sobre o denominado "direito de desconexão", ou seja, o direito que o trabalhador remoto tem de se eximir do contato virtual com o empregador em seus períodos de repouso intrajornada, semanal, de férias e outros. Isto porque, como dito por Oliveira e Tchakerian (2021), é muito comum que o trabalhador em modalidade de trabalho remoto seja constantemente importunado por seu empregador para responder à demandas de trabalho.
Outro direito que pode ser diretamente violado pelo trabalho remoto é o de recebimento de auxílio alimentação, uma vez que, por ser realizado na dependência do empregado, o empregador pode eximir-se ilegalmente da prestação deste suporte (MARTINS, 2022). Rabelo (2022) informa que o recebimento de horas extras também é outro direito que tem sido violado pelo trabalho remoto, uma vez que a computação e controle destas horas resta-se prejudicadas em ambiente remoto, contexto esse do qual o empregador pode aproveitar-se para não pagar as possíveis ultrapassagens do horário convencional de serviço, ou mesmo de turno, sustando eventuais adicionais noturnos devidos.
CONCLUSÃO
Todos os resultados encontrados pela pesquisa foram de extrema importância para elucidar o problema de investigação e, ao mesmo tempo, atender aos objetivos predefinidos. Pode-se aqui, de forma objetiva e com clareza de fundamentos, indicar que o trabalho remoto nas atuais condições contemporâneas não tem sido assistido de legalidade, uma vez que produz interferências graves para os direitos e garantias conferidos ao trabalhador, sendo este um cenário inconstitucional.
Em resposta ao primeiro objetivo de pesquisa, através dos resultados foi possível identificar que o trabalho remoto já era modalidade adotada anteriormente, mas, pela ausência de previsão normativa, era conduzido sob uma analogi legis, ou seja, por analogia de norma jurídica, a exemplo do art. 6 e 75-B com redação anterior, bem como por entendimentos da jurisprudência. Apenas no ano de 2011, o teletrabalho passou a ser disciplinado de forma expressa, mas, foi nos anos de 2017 e 2022 que deu-se robustez expressiva para o trabalho remoto no corpo da CLT. De forma suscinta, identificou-se que ele se configura pela modalidade de trabalho realizada fora da dependência do empregador, sob o uso de recursos tecnológicos, atendendo a todos os requisitos de uma relação de emprego, assemelhando-se ao teletrabalho, sem distinção para com o trabalho convencional.
No que diz respeito ao segundo objetivo de pesquisa, os resultados demonstraram que o trabalhador remoto faz jus a todos os direitos e garantias assegurados ao trabalhador convencional, uma vez que o teletrabalho preenche a todos os requisitos da relação de emprego (prestado por pessoa física, pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade. Deste modo, o trabalhador remoto deve usufruir dos direitos de remuneração, descanso, férias, FGTS, seguro-desemprego e todos os outros, nos moldes estabelecidos pela CF de 1988 e pela CLT. Todavia, identificou-se que o inciso III, do art. 62, da CLT, inserido pela Lei. 14.224 de 2022, flexibilizou o horário de execução do serviço no trabalho remoto, o que para a doutrina pátria e autores científicos, trata-se de uma mácula que abre margem para violações relativas aos períodos de repouso do trabalhador.
De certo, é preciso reconhecer que o trabalho remoto é uma modalidade que produz benesses ao trabalhador e empregador, mas, os prejuízos são auferidos de forma unânime pelo trabalhador, o que evidenciam um desequilíbrio extremo nesta modalidade de labor, que atribui mais vulnerabilidade ao empregado. Situação essa que é ilegal diante dos moldes constitucionais que prezam pela proteção integral do trabalhador, sendo ele a parte mais frágil da relação trabalhista. Por isso, a análise desta pesquisa evidencia a emergente necessidade de posicionamento do legislativo, do judiciário e dos seus órgãos fiscalizadores para que medidas mais eficazes sejam adotadas em prol de uma maior proteção do trabalhador nesta modalidade de prestação laborativa.
REFERÊNCIAS
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