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Persuasão, fundamentação e precedentes: a influência da nova retórica de Chaim Perelman no direito brasileiro

Agenda 30/01/2024 às 18:37

Resumo: O artigo em questão explora a influência da Nova Retórica de Chaim Perelman no sistema de precedentes do Código Civil Brasileiro em três capítulos. No primeiro, apresenta-se a Nova Retórica como uma abordagem que valoriza a persuasão como componente fundamental no âmbito jurídico. No segundo capítulo, aborda-se o sistema de precedentes, evidenciando a vinculação das decisões judiciais a casos futuros. O terceiro capítulo estabelece a relação entre a Nova Retórica e os precedentes, destacando a necessidade de fundamentação retórica para justificar decisões e moldar a jurisprudência futura. A análise revela a importância da argumentação persuasiva na construção de precedentes, refletindo a busca pela equidade e razoabilidade no ordenamento jurídico.

Palavras-chave: Nova Retórica. Precedentes. Argumentação Jurídica.

Abstract: This article explores the influence of Chaim Perelman's New Rhetoric on the precedents system within the Brazilian Civil Code across three chapters. The first chapter introduces the New Rhetoric as an approach that values persuasion as a fundamental component within the legal sphere. The second chapter delves into the precedents system, highlighting the connection between judicial decisions and future cases. The third chapter establishes the relationship between the New Rhetoric and precedents, emphasizing the need for rhetorical justification to support decisions and shape future jurisprudence. The analysis reveals the significance of persuasive argumentation in constructing precedents, reflecting the pursuit of equity and reasonableness in the legal framework.

Keywords: New Rhetoric. Precedents. Legal Argumentation.

Sumário: O artigo em questão explora a influência da Nova Retórica de Chaim Perelman no sistema de precedentes do Código Civil Brasileiro em três capítulos. No primeiro, apresenta-se a Nova Retórica como uma abordagem que valoriza a persuasão como componente fundamental no âmbito jurídico. No segundo capítulo, aborda-se o sistema de precedentes, evidenciando a vinculação das decisões judiciais a casos futuros. O terceiro capítulo estabelece a relação entre a Nova Retórica e os precedentes, destacando a necessidade de fundamentação retórica para justificar decisões e moldar a jurisprudência futura. A análise revela a importância da argumentação persuasiva na construção de precedentes, refletindo a busca pela equidade e razoabilidade no ordenamento jurídico.

Introdução

A argumentação jurídica e o sistema de precedentes ocupam um papel central no funcionamento e na evolução do direito brasileiro. A capacidade de formular argumentos persuasivos e a consideração de decisões prévias como guias para novas situações são elementos fundamentais na prática jurídica contemporânea. Nesse contexto, a influência da teoria de Chaim Perelman se destaca como uma fonte significativa de reflexão e transformação no campo da argumentação jurídica.

Chaim Perelman, renomado filósofo do direito, concentrou-se na importância da retórica, persuasão e ética na formação de argumentos jurídicos. Sua obra, notadamente "Tratado da Argumentação: A Nova Retórica", desafiou concepções tradicionais que consideravam a lógica formal como o único critério para a validade dos argumentos legais. Perelman defendeu uma abordagem mais ampla e contextualizada, reconhecendo o papel da persuasão e da retórica na prática jurídica.

Este artigo busca explorar a intersecção entre a teoria da argumentação de Chaim Perelman e o sistema de precedentes no Código de Processo Civil brasileiro. Pretende-se analisar como a ênfase de Perelman na persuasão, na retórica e na ética na formulação de argumentos se relaciona com a utilização e aplicação dos precedentes no contexto jurídico brasileiro. Ao mergulhar na análise desses elementos, busca-se compreender melhor a influência e a relevância da teoria de Perelman na prática jurídica brasileira e como ela pode influenciar a evolução do sistema de precedentes no país.

Essa introdução estabelece a importância da argumentação jurídica e dos precedentes no direito brasileiro, introduzindo a relevância de Chaim Perelman como um pensador influente no campo da argumentação e da retórica jurídica. Essa base contextual será a base para explorar mais a fundo a relação entre a teoria de Perelman e o sistema de precedentes no decorrer do artigo.

Este artigo emprega uma abordagem de pesquisa que combina análise teórica com a aplicação prática. A análise teórica baseia-se na revisão aprofundada da obra de Chaim Perelman, explorando seus conceitos-chave relacionados à argumentação jurídica, retórica e ética. Além disso, busca-se uma abordagem prática ao analisar casos e jurisprudências que evidenciam a influência da teoria de Perelman no sistema de precedentes no contexto jurídico brasileiro.

Bem sabemos que o conhecimento é ilimitado, mas também sabemos que para alcançar nosso propósito é preciso delimitá-lo. Por essa razão, promovemos um corte metodológico no qual evitamos delongas doutrinárias. Fizemos as citações e referências necessárias para cumprir com a finalidade deste artigo.

1. Fundamentos da teoria da argumentação de Chaim Perelman

Chaim Perelman revolucionou a teoria da argumentação jurídica ao deslocar o foco tradicional da lógica formal para uma abordagem mais ampla, incorporando elementos da retórica, da persuasão e da ética no processo argumentativo e no processo de justificação das decisões judiciais.

A lógica formal tradicionalmente enfatizava a validade e a estrutura dos argumentos, muitas vezes deixando de lado elementos mais humanos, como o contexto, as emoções e a audiência, isto é, o destinatário do processo argumentativo. Perelman aduziu que a argumentação não poderia ser estritamente limitada a uma estrutura lógica, pois ela é usada por seres humanos com experiências, valores e perspectivas diferentes, de sorte ser ela incapaz para a solução de problemas, considerando a complexidade do corpo social na pós-modernidade, que não mais se compraz com a criação de sofismas, cuja validade é apenas aparente (REBOUL, 2004, p.100-103).

Assim, central para a teoria de Perelman é o reconhecimento da retórica como uma ferramenta essencial na construção de argumentos jurídicos. Ao contrário da visão restrita à lógica formal, ele enfatiza a habilidade de persuadir e influenciar audiências por meio de técnicas retóricas.

Para Perelman, a persuasão, longe de ser uma manipulação superficial, é uma característica intrínseca à prática jurídica, possibilitando a comunicação eficaz de argumentos complexos.

Enquanto a visão tradicional da argumentação jurídica se concentra predominantemente na lógica formal e na validade dos argumentos, Perelman, com a sua nova retórica, destaca que a persuasão desempenha um papel crucial na prática do direito. A persuasão, portanto, transcende a mera manipulação superficial, constituindo-se como uma faceta essencial e legítima da prática jurídica. Ela não se limita à simples tentativa de influenciar, mas representa uma ferramenta intrínseca e vital para a comunicação eficaz de argumentos complexos no âmbito jurídico. Nesse contexto, a persuasão assume um papel significativo, possibilitando não apenas a transmissão de ideias, mas também a construção de um diálogo argumentativo sólido e acessível.

Por exemplo, ele reconhece que, em um tribunal ou em qualquer contexto jurídico, o objetivo não é apenas apresentar argumentos logicamente válidos, mas também persuadir eticamente e influenciar aqueles que estão tomando decisões. E isso tem sua razão de ser, porque o raciocínio silogístico (lógica formal) não é isento de imperfeições, pois comumente é possível extrair conclusões falsos mesmo a partir de premissas verdadeiras.

Eis aí o ponto que fundamenta a superação da lógica formal proposta por Perelman. Assim, não se vê a persuasão como algo negativo, porque a ela se deve imprimir ética, não sendo ela instrumento de manipulação das consciências.

Na teoria da argumentação jurídica ora analisada, a persuasão consiste no uso de técnicas retóricas legítimas e aptas a transmitir informações e argumentos de forma compreensível e convincente, que se pretende válida para “todo ser dotado de razão” (ATIENZA, 2006, p. 63).

Disso decorre o outro ponto crucial na teoria da argumentação jurídica: a ética! Os argumentos devem ser avaliados por critérios éticos. Logo, fica assentado na teoria que os argumento legais não podem ser avaliados apenas por sua validade lógica. Os argumentos devem ser justos e como tais devem ser considerados aqueles que respeitam a equidade e a moralidade subjacente às questões jurídicas.

Dentro dessa perspectiva, portanto, um argumento legal deve ser mais do que tecnicamente correto. Isso implica que, no contexto jurídico, não é suficiente que um argumento seja estritamente válido do ponto de vista técnico ou legal. É crucial que ele seja comunicado e apresentado de maneira persuasiva, compreensível e convincente. Isso envolve não apenas seguir as regras e os preceitos legais, mas também considerar a audiência, a clareza na argumentação e a habilidade de transmitir a importância e a relevância do argumento dentro do contexto específico em que está sendo apresentado.

Com isso, podermos dizer que os fundamentos da teoria da argumentação jurídica de Chaim Perelman podem ser resumidos nos seguintes pontos: (i) ampliação da abordagem do fenômeno lógico, com a incorporação elementos da retórica, persuasão e ética no processo argumentativo; (ii) valorização da retórica como ferramenta essencial na construção do argumento jurídico; (iii) o papel central da persuasão, como característica intrínseca da prática jurídica, não como manipulação superficial da “verdade”, mas sim como instrumento eficaz na comunicação de argumentos complexos; (iv) a importância da ética na avaliação dos argumentos legais, que devem guardar compatibilidade com a equidade e moralidade, decorrentes das relações jurídicas; (vi) a contextualização da argumentação jurídica, já que as estruturas de lógica formal não são suficientes para resolver os problemas complexos da sociedade pós-moderna.

Esses fundamentos compõem a base da abordagem de Perelman, que busca uma compreensão mais ampla e contextualizada da argumentação jurídica, considerando não apenas a lógica formal, mas também aspectos éticos, retóricos e contextuais na prática do direito.

Na visão da Nova Retórica, o discurso jurídico passa a ser caracterizado pela primazia da razoabilidade. Surge um movimento contundente que rejeita a validade jurídica de dispositivos considerados sem lógica, incentivando a adoção de um direito mais equitativo, mesmo que isso contradiga o sistema legal estabelecido (GRAU, 2002, p. 139).

Isso implica que a simples conformidade com o sistema legal estabelecido não é suficiente se certas leis ou dispositivos forem percebidos como injustos, ilógicos ou desprovidos de equidade.

Esse movimento instiga a adoção de um direito mais equitativo, priorizando a justiça e a equidade sobre a estrita adesão ao sistema legal existente. Em outras palavras, a razoabilidade e a equidade são consideradas como princípios que podem, em certos casos, sobrepor-se à rigidez do sistema legal estabelecido, quando este não é considerado justo ou lógico em determinadas situações.

Com isso, o discurso jurídico passa a ser fortemente influenciado pelo conceito de razoabilidade. Isso implica que há um movimento marcante de rejeição de certos elementos dentro da ordem jurídica estabelecida que são considerados sem lógica ou injustos. Esse movimento instiga a adoção de um tipo de direito mais justo e equitativo, mesmo que essa nova abordagem entre em conflito com as leis já estabelecidas.

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Em resumo, propõe-se uma mudança no sistema legal para priorizar a equidade, questionando e rejeitando aspectos que são considerados injustos ou sem razão aparente dentro do sistema jurídico existente.

Chaim Perelman, com sua Teoria da Argumentação, propôs uma abordagem revolucionária que vai além da estrutura tradicional do raciocínio jurídico. A necessidade de transcender a mera validade lógica dos argumentos se faz cada vez mais premente diante da complexidade das relações sociais e das questões éticas que permeiam o Direito.

A ênfase tradicional na lógica formal negligencia elementos humanos essenciais, como o contexto, as emoções e a audiência. Esses aspectos são cruciais na persuasão e na construção de argumentos eficazes no cenário jurídico. A visão restrita à lógica formal muitas vezes desconsidera a pluralidade de experiências, valores e perspectivas que permeiam as discussões jurídicas, tornando-se insuficiente diante das demandas de uma sociedade em constante transformação.

A retórica, outrora vista com desconfiança no âmbito jurídico, emerge como uma ferramenta crucial na elaboração de argumentos convincentes. A persuasão, longe de ser uma manipulação superficial, revela-se como um elemento intrínseco à prática jurídica, permitindo a transmissão eficaz de argumentos complexos.

Contudo, não se pode subestimar a ética nesse processo. A Teoria da Argumentação de Perelman destaca a necessidade de avaliar os argumentos não apenas por sua validade lógica, mas também por critérios éticos, como equidade e moralidade. O Direito não pode ser dissociado do senso de justiça e ética que permeia a sociedade.

Ao privilegiar a equidade e a razoabilidade, emerge no seio do arcabouço jurídico uma onda de indagações que desafia os preceitos sedimentados. Componentes normativos tidos como destituídos de coerência ou iníquos são submetidos a um escrutínio meticuloso, incitando a uma demanda por um corpo normativo mais consentâneo com a justiça e a equidade, mesmo que tal intento colida com a vigência formal das leis preexistentes. Este movimento reflexivo não apenas contesta a validade de certas disposições legais, mas também promove uma reavaliação dos alicerces do ordenamento jurídico, em busca de uma harmonização mais profunda entre as normas vigentes e os imperativos éticos e equitativos da sociedade contemporânea.

Portanto, a Teoria da Argumentação de Perelman não apenas amplia o escopo da argumentação jurídica, mas também nos convoca a repensar o papel do Direito na sociedade. É necessário ir além dos limites da lógica formal, incorporar elementos éticos e contextuais na prática jurídica e, sobretudo, buscar a justiça em suas diversas dimensões.

2. Sistema de precedentes no Código de Processo Civil Brasileiro

O sistema de precedentes no Código de Processo Civil brasileiro é um marco significativo que promove uma nova abordagem na condução e aplicação do direito no país. Em contraste com a prática anterior, baseada na decisão caso a caso, essa estrutura estabelece princípios, diretrizes e técnicas que visam garantir uma jurisprudência mais estável e previsível, influenciando diretamente a forma como as decisões judiciais são tomadas e aplicadas em diferentes instâncias.

Essa mudança paradigmática reflete uma preocupação em fortalecer a segurança jurídica, pois permite que decisões já consolidadas, especialmente aquelas proferidas por tribunais superiores, sirvam como guias vinculativos para casos similares. Dessa forma, a uniformização da interpretação do direito se torna um objetivo central, reduzindo a incerteza e promovendo uma aplicação mais consistente das normas jurídicas em todo o país.

Além disso, o sistema de precedentes também busca fomentar a racionalização do sistema judiciário, ao incentivar a seleção e julgamento de casos representativos, conhecidos como recursos repetitivos, e o reconhecimento da repercussão geral, que prioriza a análise de situações relevantes para a coletividade.

Essa abordagem estruturada não apenas promove a estabilidade jurídica, mas também contribui para a eficiência do sistema, ao reduzir litígios repetitivos e oferecer critérios mais claros para a tomada de decisões judiciais. Por meio da consolidação e aplicação de precedentes, busca-se garantir uma maior previsibilidade nas decisões judiciais, proporcionando orientação aos operadores do direito e aos jurisdicionados.

Portanto, o sistema de precedentes no Código de Processo Civil brasileiro representa uma mudança estrutural crucial, estabelecendo diretrizes que influenciam diretamente a uniformidade, estabilidade e previsibilidade da jurisprudência, com impacto significativo na prática e no funcionamento do sistema judicial brasileiro.

A evolução do sistema de precedentes no Brasil foi marcada pela promulgação do Código de Processo Civil em 2015, representando um marco significativo na estruturação do sistema jurídico nacional. Este novo código não apenas revisou procedimentos processuais, mas também estabeleceu uma nova abordagem em relação aos precedentes, introduzindo princípios e diretrizes que visam fortalecer a coerência e a uniformidade na aplicação do direito.

Assim, podemos dizer que os precedentes vieram ao sistema para afirmar, de modo uniforme, o princípio constitucional da legalidade e não para construir uma legalidade paralela, oriunda do ativismo do Poder Judiciário, conducente à atividade legislativa. É por essa razão que o art. 926, caput, do CPC, impõe aos tribunais o dever de uniformizar sua jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente.

Dizer que a jurisprudência deve ser coerente é dizer que nela não deve conter contradições, isto é, os tribunais devem manter uma relação harmônica entre o que se decide e todo o processo (DONIZETTI, 2017, p.1466). Além disso, é preciso que a jurisprudência seja estável, vale dizer, a teses jurídicas consagradas pelos tribunais devem ser duradouras, garantindo a previsibilidade e, por consequência, segurança jurídica nas relações sociais.

A estabilização deve impedir a alteração desmedida de teses jurídicas, que descambam ao decisionismo circunstancial e, por isso mesmo, arbitrário. Por fim, a jurisprudência deve ser íntegra, isto é, deve guardar compatibilidade com o Direito, daí porque asseveramos que, em nosso modelo, a doutrina do precedente não cria o direito em abstrato, mas sim o uniformiza. É necessário que haja a convergência entre os modelos anglicano e romano-germânico.

Assim, é para essa finalidade que a doutrina brasileira de precedentes existe. Ela é o instrumento de ordenação de nossa jurisprudência. Essa uniformização é importante para garantir a segurança jurídica nas relações, posto que inconcebível a divergência de decisões judiciais que versem sobre a mesma matéria.

É preciso destacar que a norma contida no art. 926 do CPC é de natureza imperativa, vale dizer, os tribunais tem o dever inafastável de uniformizar sua jurisprudência garantindo sua estabilidade, coerência e integridade, sendo-lhe possibilitado (art. 926, § 1º), para tanto, a edição de enunciado sumular designando a tese dominante.

Sobre referida norma, temos os comentários de Streck e Abboud (2015, p. 179): “o processo civil quando observa a integridade e coerência no seu desenvolvimento, deve ser associado a um verdadeiro jogo limpo. Nessa perspectiva a “integridade quer dizer: tratar a todos do mesmo modo e fazer da aplicação do direito um “jogo limpo” (fairness – que também quer dizer tratar todos os casos equanimemente). Exigir coerência e integridade quer dizer que o aplicador não pode dar o drible da vaca hermenêutico na causa ou no recurso, do tipo “seguindo minha consciência, decido de outro modo”.

Essa uniformização, pela nova sistemática, será estimulada por precedentes obrigatórios, dispostos no art. 927, inciso I a V, do CPC, que passaremos a examinar.

2.1. Precedentes vinculantes

De acordo com a regular compreensão do assunto, a doutrina dos precedentes, na tradição da Common Law, é o meio pelo qual o sistema jurídico tem para produzir normas gerais e abstratas, a partir do reconhecimento atividades costumeiras uniformes. Nesse contexto, a doutrina referida se apresenta como fonte primária do Direito, conforme explicitado no capítulo anterior.

Entretanto, de acordo com o CPC/2015, essa ideia não se aplica integralmente, porque, segundo nos parece, a doutrina dos precedentes não será uma fonte primária do direito, afinal ainda vivemos sob o primado da lei. A ideia assumida pelo CPC/2015 é no sentido de cristalizar o direito de acordo com a decisão uniforme dos tribunais.

Para cumprir esse intento, o CPC/2015 adotou engenhosa fórmula, contida em seu art. 927. Por ela, os precedentes nascerão para o ordenamento jurídico a partir de seu reconhecimento pelos tribunais e, ainda assim, se produzimos em determinados instrumentos processuais e sob determinadas condições.

Vejamos as disposições do código: art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I- as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Com esse dispositivo, que trata do rol dos precedentes obrigatórios ou vinculante, o legislador tentou dar uniformidade à jurisprudência de todos os níveis jurisdicionais.

Entretanto, esse rol não é taxativo, já que, embora não conste de sua enumeração, é preciso ter em conta que os tribunais locais podem, de acordo com o art. 926 do CPC, cristalizar por súmula o entendimento uniformizado de sua jurisprudência, tornando-a pacífica e dominante, vinculando ao próprio colegiado e aos órgãos a ele vinculados.

Em uma análise sistemática, o art. 955 do CPC corrobora referido entendimento, vez que permite, em conflito de competência, o julgamento monocrático, por parte do relator, desde que a decisão seja baseada em enunciado de súmula do próprio tribunal no qual ocorreu a divergência.

No mesmo sentido, podemos citar o art. 332 do CPC, que permite, em caráter liminar, a improcedência do pedido que contrariar súmula do tribunal de justiça sobre direito local.

Esta previsão, segundo nos parece, reflete a preocupação do legislador com os preceitos de segurança jurídica. Nesse ponto, trazemos à lume o entendimento de Viviane Lemos da Rosa (2016, p. 2015): “acredita-se que as novas hipóteses de julgamento liminar de improcedência refletem a preocupação do legislador com valores como a segurança jurídica, a isonomia, a eficiência, a duração razoável do processo e a coerência externa das decisões judiciais – além, é claro, do evidente intuito de diminuir as demandas em trâmite.”

Tendo isso em vista, podemos dizer que os precedentes, em nosso sistema, serão definidos a partir de provimentos judiciais vinculantes.

2.2. Técnicas de aplicação dos precedentes

Uma vez verificados os elementos centrais do sistema de precedentes previsto no Código de Processo Civil, necessário se faz analisar as técnicas de sua aplicação.

Tais técnicas são importantes já que o uso dos precedentes vai muito além do singelo critério de subsunção, porque, no âmbito da doutrina stare decisis, não há uma regra impositiva detectável de pronto, razão pela qual caberá ao intérprete determinar a ratio decidendi.

Nesse preciso sentido, temos o entendimento de Fernanda Néri Rosa (2016, p. 39): “Para se utilizar a forma correta o stare decisis é preciso valer-se de ferramentas hábeis para se aplicar um precedente, tais ferramentas nada mais são do que técnicas de confronto e de superação. Caberá ao julgador identificar a ratio decidendi do caso anterior e chegar a uma conclusão sobre sua vinculação ou não à situação em cotejo.”

Essas técnicas de aplicação dos precedentes são de duas naturezas. Nesse passo, temos as técnicas de confrontação e as técnicas de superação dos precedentes. No âmbito do primeiro grupo (técnica de confrontação), temos os seguintes critérios: Distinguishing, Restrictive Distinguishing e Ampliative Distinguishing. No âmbito do seguinte grupo (técnica de superação), temos os seguintes critérios: Overruling, Antecipatory Overruling e Overriding.

2.2.1. Técnicas de confrontação dos precedentes

As técnicas de confrontação dos precedentes serão usadas quando entre vários precedentes firmados houver, entre eles, a identidade da ratio decidendi. Assim, os critérios abaixo serão usados para definir qual dos precedentes será aplicado ao caso.

Tendo isso em vista, temos o distinguishing ou distinção. Trata-se de uma técnica consistente na não aplicação do precedente firmado nos casos em que houver uma dada circunstância particularizada que permita o afastamento da regra criada. A distinção, nesse ponto, é o reconhecimento de circunstância específica que torne o precedente inadequado ao caso.

É, pois, um método de comparação pelo qual o julgador faz a confrontação dos elementos objetivos do caso sub judice com os elementos dos casos anteriores, balizados pelos precedentes. Noutras palavras: o aplicador do Direito verifica se há ou não identidade entre o caso posto e o caso paradigma.

Para ilustrar essa ideia, temos o entendimento de Gustavo Santana Nogueira (2011, p. 200): “Quando um tribunal reconhece a existência do precedente, mas encontra significativas diferenças que justificam a não adesão ao caso anterior, ele está dizendo que, explícita ou implicitamente, que se não fossem essas diferenças, a solução do caso atual seria a mesma do precedente, posto que é reconhecido algum valor a esse precedente.”

Esse critério é importante ao sistema de precedentes, porque, ao conferir dinâmica ao sistema jurídico, garantindo a segurança jurídica, não permite o engessamento do direito.

A doutrina, em geral, estabelece que a distinção se apresenta sob duas formas, sendo, à primeira vista, o próprio método de comparação, que já explicitamos. A outra forma, está relacionada ao produto desse método, que pode sugerir três resultados: a não aplicação do precedente ou a aplicação, que poderá ser restritiva ou ampliativa.

Assim, surge-nos os conceitos de Restrictive Distinguishing e Ampliative Distinguishing.

A distinção restritiva ocorre quando o julgador dá ao precedente uma interpretação restritiva pela verificação da existência de diferenças entre o caso paradigma e o caso sub judice. A consequência da aplicação restritiva está no fato de que o juízo poderá julgar o caso concreto de forma independente, ressaltando o postulado do common Law de criação pretoriana do direito, que, no exemplo ora dado, irá confirmar uma nova criação do precedente, mesmo que seja pela renovação da ratio decidendi já reconhecida, porém agora mais restrita.

Entretanto, à luz do sistema brasileiro, tal situação vai de encontro ao paradigma da lei, pois não podemos esquecer que, com o CPC/2015, nosso ordenamento jurídico passou a contemplar um sistema misto, congregando elementos das tradições anglo-saxônica e romana. Assim, o uso de tal técnica não pode servir à arbitrariedade pretoriana, vez que não é dado ao Poder Judiciário empreender atividade legiferante, vez que, conforme já assentamos, o uso dos precedentes, na realidade brasileira, não se presta à suplantar o princípio da legalidade, mas sim à sua afirmação.

No que se refere ao Ampliative Distinguishing, podemos defini-lo como a modalidade técnica de confronto pela qual o juízo ou tribunal externa uma interpretação extensiva do precedente pela verificação de diferenças entre o caso paradigma e o caso sub judice.

Ao contrário do ocorre com a distinção restritiva, na ampliativa não há a margem para o juiz decidir livremente, porque esta técnica, no âmbito da doutrina dos precedentes, corresponde à analogia no âmbito da lei, de modo que o juiz não terá possibilidade ampla de criação da norma jurídica, pois terá que atuar nos limites da ratio decidendi, tal qual ocorre quando o julgador faz uso da analogia.

Assim entendemos, porque, como estamos a operar um sistema misto, conforme já assentamos, o julgador estará vinculado sempre ao princípio constitucional da legalidade, devendo usar a doutrina dos precedentes para afirmá-lo a todos os casos, garantindo segurança jurídica.

2.2.2. Técnicas de superação dos precedentes

Por meios das técnicas de superação dos precedentes, o Poder Judiciário reconhece não mais existirem condições fático-jurídicas para a aplicação da ratio decidendi, pondo fim, portanto, à aplicação da norma extraída de um precedente, substituindo-a por outra absolutamente diferente.

Conforme verificamos, temos como técnica de superação o overruling e o overiding, que são importantes instrumentos de oxigenação dos precedentes, pois impede o seu engessamento.

Nesse passo, o overruling é um método de superação do precedente pelo reconhecimento, por parte do Poder Judiciário, da perda de sua força vinculante, sendo novo precedente criado, de acordo com a nova feição social vigente. A perda dessa força vinculante se dá pela mudança das condições fático-jurídicas aludidas acima, que no dizer de Ataíde Júnior se expressa pela perda da congruência social ou surgimento de inconsistência no sistema jurídico.

Em suma, pelo overruling um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por outro precedente (ROSA; 2016, p. 44).

Tendo isso em vista, Fredie Didier nos explica como o overruling é feito (2013, p. 456): “trata-se de método em que os tribunais, depois da reavaliação dos fundamentos que levaram à formação de um precedente que ordinariamente se aplicaria ao caso em julgamento, decidem cancelar a fórmula anterior e atribuir uma interpretação, total ou parcialmente, diferente da antecedente.”

Se podemos comparar o Ampliative Distinguishing com a analogia, podemos também dizer que o Overruling, na doutrina dos precedentes, corresponde à revogação no âmbito das leis. É pois, espécie de revogação, mas que ocorre por meio de justificações no âmbito processual, conforme as disposições do CPC/2015.

Essas justificações, conforme vimos, deve demonstrar a superação do precedente notadamente em virtude da perda da congruência social. Nesse sentido, destaca-se o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni (2013, p.152): “há a perda da congruência social quando um precedente passa a negar as proposições morais, políticas e de experiência. As proposições morais determinam uma conduta como certa e errada a partir do consenso geral da comunidade, as políticas caracterizam uma situação como boa ou má em face do bem-estar geral e as de experiência dizem respeito ao modo como o mundo funciona.”

A superação pode ocorrer também por inconsistência no sistema jurídico, que ocorre quando o precedente judicial perde a coerência quando em comparação com outras decisões (jurisprudência), vale dizer, a ratio decidendi deixa de fazer sentido à luz da dogmática jurídica.

Como bem observa a doutrina, em sua generalidade, a superação de um precedente tem que ser absolutamente justificada (fundamentada), sob pena de perverter o compromisso com a estabilidade do sistema jurídico, proposto pela teoria dos precedentes.

Essa cuidadosa fundamentação é importante porque o overruling não promove somente uma “revogação” do precedente, mas impõe um novo entendimento sobre a matéria e tal entendimento deve guardar coerência com o sistema jurídico, pois, mais do que uma superação, o overruling acarretará paradoxos e incoerências no sistema jurídico.

É nesse sentido a advertência de Fernanda Néri Rosa (2016, p. 45): “desta monta, analisando os desdobramentos práticos de uma decisão que supera um precedente, é inegável que a mesma deverá ser extremamente motivada e fundamentada a fim de que opere uma justificativa para essa revogação. E essas razões ou circunstâncias condicionam a existência da regra de direito. Se as razões não mais existem, também não existirá a norma. Portanto, para que haja o overruling é preciso, repita-se, maior fundamentação, expondo as razões ainda não combatidas, além da justificativa para esta superação.”

A superação do precedente pode ocorrer de forma expressa (express overruling) ou tácita (implied overruling). Será expressa quando, no âmbito de um dado julgamento, o Poder Judiciário faz menção manifesta da superação do paradigma, passando a adotar outra orientação. De outro lado, a superação será implícita quando no julgamento for aplicado posicionamento diferente do que determinado pelo precedente, vale dizer, o Poder Judiciário aplica, justificadamente, posição nova em confronto à que foi estabelecida pelo precedente.

Com relação aos efeitos temporais, a superação dos precedentes pode se apresentar pelo aspecto retroativo (ex tunc) ou prospectivo (ex nunc). O aspecto temporal retroativo, conforme demonstração de Priscilla Silva de Jesus (2014, p. 16/17), pode se apresentar de dois modos, a saber: “o retrospective overruling ou revogação retrospectiva, pode ser puro ou clássico. No overruling retrospectivo puro, o novo precedente é aplicado aos fatos ocorridos tanto antes quanto depois de sua publicação, inclusive os que já foram objeto de sentença transitada em julgado e também os fatos do caso que os gerou.

No overruling retrospectivo clássico, o novo precedente se aplica aos fatos ocorridos antes e depois de sua publicação, excluindo aqueles que já forma objeto de sentença transitada em julgado e também aos fatos dos casos que o gerou. […] Significa que, ocorrendo mudança na valoração das circunstâncias relevantes de casos similares, o julgador está autorizado a adotar entendimento diverso, desde que assumida a devida carga de fundamentação.”

No âmbito dos efeitos prospectivos (ex nunc ou prospective overruling), a superação se aplica apenas para os casos futuros, isto é, casos advindos após a consolidação do julgado que impôs a superação. Esse é o efeito-regra em matéria de precedente, porque se coaduna com os preceitos de boa-fé e segurança jurídica, pois respeita situações firmadas à luz da norma superada.

Conforme nos lembra Priscilla Silva de Jesus (2014, p. 18), à luz da teoria dos precedentes, o efeito prospectivo da superação do precedente pode ser aplicado tanto a fatos que ocorreram após a publicação do precedente (regra geral), como a fatos que ocorreram antes da publicação do precedente, mas que ainda está pendente de análise do Poder Judiciário.

Entretanto, à luz da sistemática jurídica brasileira, tal orientação deve ser aplicada moderadamente e mediante minuciosa fundamentação, porque é necessário o respeito à regra tempus regit actum para a preservação da segurança jurídica. Dito de outro modo, a modulação de efeito deve ser vista como exceção plenamente justificada.

Convém, nesse ponto, a orientação de Marcelo Alves Dias de Souza (2006, p. 235): “A escolha pela aplicação retroativa ou prospectiva deve sopesar o fim almejado pela nova regra, qual tipo de aplicação se mostra mais correta e justa, como também o grau de confiança que o Estado e os cidadãos depositaram no precedente a ser superado.”

Na doutrina dos precedentes, encontramos uma outra espécie de superação, denominada Antecipatory Overruling, que é um tipo de não aplicação preventiva de um precedente, realizada por órgão judicial inferior, tendo em vista a constatação de que as Cortes Superiores irá declará-lo superado. Trata-se, portanto, de antecipar um posicionamento certo dos órgãos superiores.

Embora tal prática seja possível em tese, conforme explicado pela doutrina, entendemos que, no modelo instituído pelo CPC/2015, ela não tem aplicabilidade, porque, conforme veremos, os precedentes são instituídos a partir de decisões específicas de órgãos jurisdicionais superiores, não podendo o juízo de instância inferior antecipar uma decisão que não lhe compete.

Por fim, no campo da superação, existe a figura do Overriding, que é a técnica de superação parcial do precedente, pela restrição da incidência da ratio decidendi. É pois, uma limitação da norma jurídica em razão de nova regra de direito que dá novo contorno ao precedente.

No dizer de Fernanda Néri Rosa (2016, p. 49), o overriding consiste: “no ato da corte em restringir o âmbito de aplicação de determinada doutrina em decorrência de uma nova regra surgida após o estabelecimento da doutrina no precedente, tratando-se de uma espécie de revogação parcial. […] Trata de uma maneira de verificar, de forma independente, uma questão não tratada pelo precedente. Desta forma, leva-se em conta as condições sociais da doutrina do precedente, ainda que, na prática, às vezes a Corte supere parcialmente uma doutrina pelas mesmas razões que se encontrava o precedente.”

São esses os elementos teóricos e doutrinários básicos da matéria “precedente judicial”. Passemos agora ao estudo dos precedentes especificamente à luz do CPC/2015.

3. A Influência da Nova Retórica de Chaim Perelman no sistema de precedentes do Código Civil Brasileiro

Como vimos, a Nova Retórica concebida por Chaim Perelman consagra a persuasão como elemento essencial à prática jurídica, transcendendo a mera manipulação argumentativa para se constituir como um mecanismo intrínseco de comunicação eficaz no âmbito legal. Este paradigma redefine a fundamentação das decisões judiciais, endossando a premissa de que a persuasão é um componente crucial na construção de argumentos em contextos complexos.

Essa abordagem defende a necessidade premente de uma fundamentação robusta nas decisões, indo além da mera exposição dos dispositivos legais pertinentes. Essa amplitude implica na construção de argumentos não apenas lógicos, mas também socialmente eficazes, de modo a justificar as decisões de forma a torná-las não só compreensíveis e aceitáveis para as partes envolvidas no litígio, mas também a promover a finalidade da norma incidente ao caso concreto. Esses argumentos, ao serem formulados, devem não apenas refletir a lógica jurídica, mas também abordar os valores e as necessidades sociais, garantindo não apenas a coerência interna do ordenamento jurídico, mas também sua eficácia na sociedade em que se insere.

Do ponto de vista epistemológico, a Nova Retórica considera a argumentação como uma ferramenta central na construção do conhecimento jurídico. Aqui, a justificação das decisões judiciais não se limita à aplicação mecânica da lei, mas sim à formulação de argumentos sólidos e persuasivos que não apenas reflitam a normatividade legal, mas também abordem os valores, princípios e contextos que permeiam cada caso.

Essa abordagem epistemológica ressalta a necessidade de uma fundamentação substantiva, que transcende a simples exposição de normas legais, a fim de tornar as decisões compreensíveis e aceitáveis para as partes envolvidas no litígio e para a comunidade jurídica como um todo. Na Nova Retórica, a construção do conhecimento jurídico é vista como um processo dinâmico, permeado por argumentos que não apenas se apoiam na lógica formal, mas que também reconhecem a complexidade dos casos e buscam persuadir com base em valores compartilhados pela sociedade.

De seu lado, o sistema de precedentes, caracterizado pela vinculação de decisões anteriores a casos futuros, implica uma relação intrínseca com os fundamentos retóricos das decisões judiciais. A influência da Nova Retórica torna-se mais pronunciada neste contexto, uma vez que as decisões estabelecem padrões interpretativos que não apenas afetam o desfecho do caso em questão, mas também estabelecem diretrizes para casos posteriores.

É aqui que a interseção entre a Nova Retórica e o sistema de precedentes se torna evidente. A necessidade de fundamentação retórica ganha uma dimensão adicional, pois a persuasão e a construção argumentativa em um caso específico moldam diretamente a jurisprudência subsequente. Assim, a argumentação utilizada em uma decisão judicial não só serve para resolver o caso imediato, mas também molda um precedente que impactará futuras decisões.

Ao considerarmos que as decisões judiciais se transformam em precedentes que influenciam decisões futuras, torna-se incontestável a relevância da teoria de Chaim Perelman na fundamentação desses precedentes.

É que a teoria retórica proposta por Perelman impulsiona a necessidade de justificação persuasiva alinhada à busca pela equidade e razoabilidade, refletindo-se na construção de precedentes que não se restringem à mera aplicação de dispositivos legais, mas que se sustentam em argumentações persuasivas e sólidas.

Este paradigma redefine não apenas a natureza da argumentação jurídica, mas também o processo pelo qual as decisões judiciais se tornam fontes de influência no ordenamento jurídico.

A intersecção entre a Nova Retórica e a formação de precedentes destaca a indispensabilidade de uma fundamentação retórica sólida como sustentáculo central na construção de uma jurisprudência consistente, cuja base não se limita apenas aos preceitos legais, mas se estende à utilização de argumentos lógicos e persuasivos. No entanto, é imperativo observar que a adoção da Nova Retórica não pode ser instrumentalizada como um mecanismo de decisionismo solipsista, o que poderia culminar em um ativismo judicial indesejável, distanciando-se dos limites e da função do Judiciário na ordem jurídica.

Conclusão

A convergência entre a Nova Retórica, proposta por Chaim Perelman, e a estrutura de precedentes do Código Civil Brasileiro revela-se como uma área fecunda de estudo e aplicação jurídica. Os três capítulos analisados neste artigo empreendem uma investigação sobre a influência desta perspectiva retórica no arcabouço decisório e normativo do sistema jurídico.

A abordagem perelmaniana, consagrando a persuasão como um componente intrínseco à argumentação jurídica, transcende a mera aplicação das regras legais para englobar a fundamentação profunda e socialmente eficaz das decisões. Os capítulos exploraram a essência dessa abordagem, enfatizando não apenas a lógica formal, mas também a necessidade de uma fundamentação substantiva, capaz de refletir os valores e contextos intrínsecos a cada caso.

Todavia, é imperativo ressaltar um ponto de cautela. A utilização da Nova Retórica não pode transmutar-se em um instrumento de decisionismo solipsista. A interpretação flexível e a criação de argumentos persuasivos não devem desviar-se dos princípios norteadores do ordenamento jurídico, correndo o risco de desencadear um ativismo judicial inconveniente e prejudicial ao sistema.

Assim, a Nova Retórica de Perelman se erige como um pilar crucial na compreensão e na construção dos precedentes judiciais, consolidando uma abordagem mais holística e socialmente comprometida na fundamentação das decisões jurídicas.

Este encontro entre a retórica persuasiva e a estrutura de precedentes reafirma a necessidade de uma jurisprudência fundamentada não apenas em leis, mas também em argumentos lógicos, persuasivos e congruentes com os valores inerentes à sociedade, promovendo, consequentemente, um sistema jurídico mais resiliente e consentâneo com os anseios coletivos.

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Sobre o autor
Emílio Gutierrez

Bacharel em Direito; Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura; Curso de Extensão em Direito Constitucional Inglês pela Universidade de Londres.

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