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A advocacia imobiliária extrajudicial.

Agenda 25/08/2024 às 18:55

A Lei 14.382/2022 viabiliza a resolução de questões imobiliárias que, até então, possuíam soluções monopolizadas pelo Poder Judiciário.

Estamos diante da nova era do Direito e da advocacia e eu posso provar! A Lei 14.382/2022 foi muito festejada e, não apenas pelos operadores do Direito, mas para diversos atores do mercado imobiliário. Falar desta lei é fácil, pois viabiliza a diversos sujeitos, oportunidade de resolver questões que, até então, possuíam competências monopolizadas pelo Poder Judiciário.

Neste artigo iremos tratar especificamente da Adjudicação Compulsória pela via Extrajudicial, mas a Lei 14.382/2022 trouxe diversas novidades, como por exemplo, a alteração de prenome e de sobrenomes que também passou a integrar esse mundo de possibilidades através da alteração dos artigos 56 e 57 da lei 6.015/731, mas isto poderá ser objeto de outro conteúdo.

A Lei foi editada num contexto social em que, segundo matéria da ANOREG/SP, no Brasil, isso em 2019 conforme dados do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, cerca de 50% dos imóveis do país, apresentavam algum tipo de irregularidade2.

E se um imóvel está irregular, nasce uma oportunidade no mercado e é aí que entra a advocacia extrajudicial, a nova era da advocacia imobiliária: a regularização de imóveis! Sendo a Adjudicação Compulsória importante ferramenta neste cenário.

Após a edição da Lei em comento, passou a ser possível realizar a Adjudicação Compulsória pela via extrajudicial, mais um caso de “extrajudicialização”, pois, a nosso ver, não seria bem o caso de “desjudicialização”, já que não foi retirado do judiciário sua competência originária, mas foi oportunizado ao interessado materializar seus interesses de forma alternativa pela via extrajudicial. Ampliando ainda mais a capilaridade cartorária.

A Lei 14.382/2022 incluiu na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) o artigo 216-B para tratar deste tema, mas embora a Lei crie a possibilidade de se realizar a Adjudicação Compulsória pela via extrajudicial, não a regulamenta, pois não trouxe um regramento procedimental, o que posteriormente foi editado pelo Órgão Corregedor de Justiça nacional e veremos adiante.

Cabe relembrar que o Código Civil disciplina os direitos do Promitente Comprador nos artigos 1.417 e 1.418 e, neste sentido, a premissa central seria a recusa injustificada/indevida do promitente vendedor em outorgar a competente escritura pública, transmitindo assim o domínio do bem. Provado isso, nasceria ao Promitente Comprador (ora Credor) a possibilidade de exigir tal direito pela via judicial.

Com a inserção na Lei 6.015/73 o artigo 216-B, passou-se a ser possível adotar a via extrajudicial e, analisando de forma mais detalhada o artigo, temos que o §1º vai dispor sobre quem pode requerer o direito, bem como que este deverá estar representado por advogado e ainda, com quais documentos o pedido deverá ser instruído. Ponto importantíssimo, pois tratou da legitimidade das partes, da obrigatoriedade de representação por profissional técnico e, os documentos que servirão de embasamento ao pedido.

Analisando mais detalhadamente, vemos que o título vem logo no início, seguido da prova de negativa em celebrar a Escritura Pública; depois, a famosa Ata Notarial (a ser lavrada por Tabelião de Notas com indicação do imóvel, nome e qualificação das partes, prova do pagamento do preço e do inadimplemento da obrigação de outorgar OU de receber o titulo); certidões dos distribuidores tanto da comarca do imóvel como da comarca do requerente; Comprovante de pagamento do ITBI e a procuração com poderes específicos.

Destaque acima se refere ao fato de que esta ferramenta tanto pode ser manejada pelo Promitente Comprador como pelo Vendedor, ou seja, nos casos em que o Comprador estiver se negando de forma injustificada ou indevida, a celebrar a Escritura Pública de Compra e Venda, pode o Promitente Vendedor, utilizar-se desta via.

Prosseguindo, o §2º dispõe não ser obrigatório que o título (promessa ou cessão de direitos) esteja previamente registrado para ser efetivada a Adjudicação e, por fim, o §3º, dispõe sobre a conclusão favorável aos procedimentos conferida pelo Oficial do Registro de Imóveis. Logo, a efetivação da Adjudicação vai envolver tanto o Cartório de Notas para que Ata Notarial seja lavrada, como o Cartório de Registro de Imóveis.

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Uma observação que também não pode deixar de ser feita é que esse direito nasce através de uma recusa indevida ou injustificada, seja do vendedor, seja do comprador.

Portanto, o litígio é a razão de existir desta ferramenta.

Esse ponto confere ao Registrador de Imóveis uma análise subjetiva do caso, o que foi considerado uma inovação, já que poderá registrar a transferência do domínio por adjudicação compulsória (resistência indevida), mas também por compra e venda, pois e se, por fim, houver anuência daquele que estava negando-se à pratica do ato, poderá ser lavrada a Escritura de Compra e Venda.

Diante disto, o Registrador não poderia dar seguimento à adjudicação compulsória, tendo havido perda superveniente do objeto ou da premissa central, devendo seguir pela outorga da Escritura de Compra e Venda.

Uma última observação ainda sobre a Lei, para que você possa entender todo panorama da ferramenta, existe a discordância motivada, que pode ser invocada pela parte Notificada ao ser instada ao cumprimento da obrigação. Neste caso, o Registrador deverá analisar, em homenagem ao Princípio Constitucional do Contraditório, sua pertinência e, não sendo acolhida, a questão poderá ser apreciada pelo Judiciário ainda dentro da via administrativa, pois devido a ausência de jurisdição nas serventias extrajudiciais, a via judicial poderá ser necessária.

Prosseguindo e avançando para o ano seguinte, em 2023 a Corregedoria Nacional de Justiça, precisamente em 30/08/23, editou o Provimento 149, instituindo o Código Nacional de Normas, porém dias depois, editou o Provimento 150, que alterou o recentíssimo Código Nacional de Normas (Provimento 149) para inserir o Capítulo V, contendo artigos a partir do 440-A até o 440-Z e ainda, do 440-AA até o 440-AM, dispondo exatamente sobre a Adjudicação Compulsória de forma Extrajudicial.

Logo, ao pensar em Adjudicação Compulsória pela via Extrajudicial, pense no Capítulo V, do Código Nacional de Normas. Numa sucinta análise de seus artigos, percebemos que estes foram agrupados por temas: Disposições Gerais (do 440-A até o 440-J), do Procedimento (do 440-K até o 440-Q), da Notificação (do 440-R até o 440-X), da Anuência e da Impugnação (do 440-Y até o 440-AE), da Qualificação e do Registro (do 440-AF até o 440-AL) e, por fim, das Disposições Finais (440-AM).

Analisando por bloco, conforme temas citados, em “Disposições Gerais” (do 440-A até o 440-J) os assuntos tratados ampliam a competência do Registrador em relação à interpretação e aceite do documento firmado pelas partes, pois trata como “qualquer ato ou negócio jurídico” (440-B), desde que não haja direito de arrependimento.

Sendo certo que, nos termos do artigo 440-H, existindo processo judicial em curso, deverá ser deferida sua suspensão, por no mínimo, 90 dias úteis, para que possa ser utilizada a via extrajudicial. Condição ao trâmite do procedimento pela via extrajudicial.

Ainda neste bloco tratou-se sobre a legitimidade e obrigatoriedade de representação por advogado; a possibilidade de cumulação de pedidos referente a diversos imóveis, desde que todos na mesma circunscrição (RGI), sejam as mesmas partes e, não resulte em prejuízo.

Dispõe também sobre a atribuição do Registro de Imóvel ser o da situação atual do imóvel. No §2º, do artigo 440-E, explicitamente foi ampliada a competência do Oficial Registrador, pois se no entender deste, houver segurança jurídica quanto a identificação do imóvel e dos proprietários, o procedimento será admitido, mesmo se ausentes elementos objetivos e subjetivos.

Em relação lavratura da Ata Notarial, o Tabelião poderá ser de livre escolha, desde que não haja necessidade de visitas in loco, pois neste caso, deve ser o da circunscrição do imóvel (440-F).

Já no artigo 440-G além de estar disposto o que deve constar da Ata Notarial, ainda restou ao Tabelião à tarefa de orientar sobre eventual inviabilidade da adjudicação pela via Extrajudicial (§1º) e, nos §§5º e 6º são citados como exemplos (rol exemplificativo) o que pode constar na Ata para efeito de prova, vejamos: imagens, documentos, gravações de sons, depoimentos de testemunhas, declarações diversas, mensagens, comprovantes bancários, recibos etc.

Restou permitida ao Tabelião a possibilidade da realização de conciliação ou mediação, desde que o requerente concorde. Ponto importantíssimo é que a inércia do Requerente, conforme artigo 440-J, após deixar decorrer in albis algum prazo, causará a extinção do procedimento.

Sobre o bloco “Do Procedimento” (do 440-K até o 440-Q), a competência exclusiva para protocolo de requerimento, físico ou eletrônico, será perante o Registrador de Imóveis e os requisitos deste pedido devem seguir o de uma petição inicial, inclusive, com pedido de notificação do requerido (similar a citação) com prazo de 15 dias úteis pra defesa e, por fim, de procedência do requerimento.

O requerimento deve vir instruído com a Ata Notarial, o Instrumento do ato ou negócio celebrado que embasa a adjudicação e demais documentos pertinentes.

Caso apresentado em meio físico, poderá o Oficial transformá-lo em eletrônico.

O §4º do artigo 440-M permite que, a pedido do requerente, o Tabelião de Notas possa estar encaminhando ao Oficial Registrador, preferencialmente por meio eletrônico, o procedimento.

Importantíssimo observar o que dispõe o artigo 440-O, pois trata dos casos de ENDEREÇO INCERTO ou DESCONHECIDO do Requerido e, nestes casos, sua notificação poderá ocorrer por EDITAL, mediante demonstração de se ter esgotado meios ordinários de localização.

Os cônjuges e companheiros devem ser notificados nos casos em que a lei exija o seu consentimento, visando a segurança jurídica (artigo 440-P) e, por fim, caso seja necessário emendar o requerimento, o requerente será notificado, por escrito e de forma fundamentada, para que o faça em 10 dias úteis. Contudo, caso não o faça, o processo será extinto e a prenotação cancelada.

Em relação ao bloco “Da Notificação” (do 440-R até o 440-X), não sendo o caso de emenda, o Oficial procederá à Notificação do Requerido, com as devidas instruções, conferindo prazo de 15 dias úteis para que concorde com o requerimento ou o impugne de forma fundamentada, inclusive, com documentos. O silêncio é similar a uma revelia, gerando efeitos de presunção de veracidade ao requerimento.

No que tange a forma da Notificação, esta poderá ser pelos Correios (com aviso de recebimento), pelo Cartório de Títulos e Documentos, mas havendo prova do endereço eletrônico, poderá ser enviada por mensagem eletrônica. Tudo pago pelo Requerente.

Importante a leitura dos artigos 440-U ao 440-W, por tratarem dos casos de validade da notificação de pessoas jurídicas (inclusive, no §2º do artigo 440-U é explicita a possibilidade de Notificação por Edital, nos casos do Requerido estar em local incerto e não sabido), sobre a validade da Notificação recebida em portarias com controle de acesso e, nos casos de Requerido falecido, caso em que o Espólio responde através da notificação dos herdeiros ou do inventariante, se for o caso. O óbito deve ter comprovação, todos os herdeiros devem ser qualificados.

E ainda, observadas todas as particularidades do Artigo 440-X, cabe notificação por Edital, uma vez improfícuas as tentativas anteriores.

Sobre o bloco “Da Anuência e da Impugnação” (do 440-Y até o 440-AE), no prazo de 15 dias úteis para resposta do Requerido, este pode concordar com o Requerimento ou Impugná-lo. Havendo anuência, haverá perda do objeto resistência injustificada e poderá ser lavrada a Escritura de Compra e Venda, já se houver Impugnação, existirá a oportunidade de manifestação do requerente (similar a réplica), igualmente no prazo de 15 dias úteis e, após, o Oficial terá 10 dias úteis para proferir sua Decisão, mas a seu critério, ou seja, um caráter subjetivo de avaliação, poderá antes de proferir decisão, instaurar conciliação ou mediação (parág. Único, artigo 440-AA).

A Decisão poderá indeferir a Impugnação, indicando razões nos termos do artigo 440-AB, também com utilização de caráter subjetivo do Oficial em sua análise. Uma vez rejeitada, o Requerido poderá interpor Recurso no prazo de 10 dias úteis e, após o Requerente poderá também manifestar-se sobre o Recurso (440-AC).

Caso acolhida a Impugnação, da mesma forma o Requerente poderá manifestar-se em 10 dias úteis e caso não haja insurgência, o processo será extinto e a prenotação cancelada (440-AD).

Havendo insurgência do Requerente, assim como no caso de recurso do Requerido, o procedimento será encaminhado ao Juízo para decisão e, se este acolher a Impugnação, o procedimento será extinto e a prenotação cancelada, mas caso Rejeitada, o procedimento será retomado perante o Oficial Registrador (440-AE).

É preciso que fique claro: em qualquer das hipóteses, a decisão esgotará apenas a INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA de análise da Impugnação, que poderá ter seu objeto discutido pela via judicial (440-AE, §3º).

Sobre o bloco “Da Qualificação e do Registro” (do 440-AF até o 440-AL), depois de ultrapassadas as fases citadas, o Oficial possui o prazo de 10 dias úteis para 1) apresentar exigências através de Nota Devolutiva ou 2) Deferir ou Rejeitar o requerimento em Nota fundamentada (440-AF).

Interessante a leitura do §1º do artigo 440-AF, pois concede amplos poderes ao Oficial para proceder além da análise objetiva, a subjetiva em relação aos documentos, já que, desde que não alterem elementos essenciais do ato ou negócio jurídico, poderão ser complementados.

Frise-se que em caso de Exigência ou de rejeição do pedido, caberá o incidente de Dúvida.

Nos termos do Artigo 440-AG, direitos reais, ônus ou gravames que não impeçam atos de disposição voluntária, não obstarão o deferimento do procedimento. Contudo, as indisponibilidades embora não obstem o trâmite do processo, culminam em seu indeferimento, caso não sejam canceladas até a Decisão final do Oficial (440-AH).

A complementar esta informação, vale a leitura do REsp STJ: 1.216.568/M.

Sobre a quitação fiscal, não é uma condição ao deferimento do registro da Adjudicação Compulsória Extrajudicial (artigo 440-AI), igualmente, para unidades autônomas de condomínios Edilícios, também não é necessária prova da adimplência das cotas (440-AJ), possivelmente por serem de natureza propter rem.

Nos casos de massa falida, é possível realizar o procedimento pela via extrajudicial, desde que o ato ou negócio jurídico seja anterior ao reconhecimento judicial da falência ou da recuperação judicial (440-AK). No tocante ao ITBI, este sim deve ter seu pagamento até a lavratura do Registro (440-AL), mas poderá em caso de justo impedimento, ter seu prazo de pagamento sobrestado, do contrário, o não pagamento importará na extinção do processo (440-AL).

Por fim, temos o artigo 440-AM no bloco das “Disposições Finais” que orienta a aplicação do mesmo valor de custas e emolumentos da Usucapião extrajudicial, enquanto não houver legislação específica à Adjudicação Compulsória Extrajudicial.

Concluindo, mesmo sendo recente e ainda em fase de interpretação, temos que é uma poderosa ferramenta de regularização imobiliária, capaz não só de legalizar o bem, mas também de fazer justiça quanto ao seu valor mercadológico. Quanto mais imóveis regularizados, mais a advocacia e a corretagem imobiliária ganham!


Notas

1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6015consolidado.htm

2 https://www.anoregsp.org.br/noticias/81233/com-numeros-alarmantes-brasil-encontra-no-registro-de-imoveis-aliado-importante-no-caminho-da-regularizacao-fundiaria - em 02/08/2023

Sobre a autora
Eluar de Sá e Silva Sebould Marinho

Advogada, Corretora Imobiliária e Palestrante.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINHO, Eluar Sá Silva Sebould. A advocacia imobiliária extrajudicial.: Breves considerações sobre a Lei nº 14.382/2022. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7725, 25 ago. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108263. Acesso em: 22 nov. 2024.

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