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O Cartório pode exigir atestado médico para lavrar atos notariais por conta do usuário ser pessoa idosa?

Agenda 15/02/2024 às 11:01

A REALIZAÇÃO DE ATOS por pessoas idosas em Cartório não é novidade. Especialmente agora por conta da recentíssima decisão do STF acerca da possibilidade de casamento e união estável de maiores de 70 anos por regime outro que não a Separação Obrigatória de Bens ( ARE 1309642 - Tema 1236, julgado em 01/02/2024), parece muito evidente que a já conhecida frequencia de pessoas idosas na realização de atos notariais e registrais perante as Serventias possa até mesmo aumentar. Por conta disso inclusive, fica a pergunta: pode o Tabelião ou o Registrador (inclusive seus subalternos) exigirem ATESTADO MÉDICO do usuário por conta da sua idade?

A resposta é NEGATIVA como inclusive já tivemos oportunidade de esclarecer em passagens anteriores, com base em decisão da Egrégia CGJ/RJ (Processo ADM CGJ/RJ 2007-115496). Nenhum Código de Normas Extrajudiciais poderá exigir atestado médico para a realização de atos notariais e registrais simplesmente por conta de estar com isso discriminando, obstaculizando e subjulgando a pessoa humana simplesmente por conta da sua idade. Não restam dúvidas que esse tipo de conduta - muitas vezes justificada por alegada "proteção" do idoso na verdade termina por embaraçá-lo por discriminá-lo em razão da idade, lesando a pessoa idosa inclusive em sua DIGNIDADE e INDEPENDÊNCIA - conduta que na forma do Estatuto do Idoso deve ser rechaçada - inclusive quando partir de Cartórios Extrajudiciais.

A bem da verdade, é expresso no Estatuto da Pessoa Idosa que o Tabelião (e seus prepostos) devem ter especial atenção quanto a atos lavrados por pessoas idosas, todavia, em nenhum momento é autorizada a exigência de ATESTADO MÉDICO:

"Art. 108. Lavrar ato notarial que envolva pessoa idosa sem discernimento de seus atos, sem a devida representação legal:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos".

Para os que não estão ainda familiarizados com as rotinas extrajudiciais é preciso destacar que ao Notário e o Registrador é possibilitada a negativa de realização do ato, devidamente justificada, o que por sua vez pode ser desafiado mediante o procedimento de DÚVIDA, conforme previsto no artigo 198 da LRP. Especificamente no caso do Notário (que lavra Escrituras, Procurações e demais atos notariais)é plenamente possível a mesma sistemática da Dúvida, ainda que não se trate de ato registral mas sim ato notarial, mesmo que em alguns Estados possa não haver previsão para esse procedimento, diferentemente do que ocorre no Rio de Janeiro onde a DÚVIDA NOTARIAL existe e será julgada por Juiz de Direito em Matéria de Registro Público, com reexame obrigatório nos termos do inciso II e § 2º. do artigo 48 da LODJ. Deve-se ter em mente que ao Tabelião e o Registrador deve ser garantida a independência no exercício de suas atribuições (art. 28 da LNR), todavia, a mesma espada que lhes garante essa independência está sob suas cabeças a lhes exigir a estrita observação da Lei (art. 30 da LNR), de tal modo que devem primar pelo exercício de suas funções à frente da Serventia Extrajudicial de modo a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos mas sem VIOLAR os direitos de terceiros, principalmente as pessoas idosas.

Interessante notar o acerto da CGJ/RJ ao editar o atual Código de Normas Extrajudiciais já que em nenhum momento o artigo 320 do referido Código autoriza exigência de "ATESTADO MÉDICO":

"Art. 320. Antes de lavrar escrituras e procurações públicas, o tabelião deverá proceder ao seu exame e qualificação prévia, verificando a identidade, a CAPACIDADE e legitimação dos seus participantes, a higidez da documentação apresentada e o pagamento dos tributos devidos pela prática do ato notarial".

Nem mesmo quando intervirem no ato pessoas maiores de 80 (oitenta) anos a exigência de"ATESTADO MÉDICO" será possível. Nesse caso a única exigência da CGJ é pela gravação do ato em vídeo, dentre outros aspectos mas JAMAIS exigindo atestado médico, como assevera o artigo 317 do NCN:

"Art. 317. Sendo o estipulante, interveniente, contratante ou contratado, outorgante ou o outorgado ou de alguma outra forma terceiro interessado PESSOA FÍSICA E IDOSA MAIOR DE 80 (OITENTA) anos, deverá a realização do ato ser gravada em vídeo, com o registro em imagem da presença de, no mínimo, 2 (dois) integrantes da serventia ou, à critério do tabelião, precedida de videoconferência, com a presença obrigatória do tabelião ou seu substituto legal (art. 20, § 5º, da Lei nº 8.935/1994), realizada com antecedência máxima de 5 (cinco) dias da data que constar da lavratura do ato, a ser arquivada eletronicamente e mencionada no ato (...)"

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Ve-se, portanto, que na verdade deve o Tabelião e seus prepostos agirem tal como apregoa o artigo 328 do NCN/RJ, aferindo a capacidade das pessoas após"prudente verificação acerca do seu discernimento e aptidão para a prática do ato notarial pretendido"- sem que essa conduta viole a dignidade do usuário (especialmente as pessoas idosas), sendo proibida a exigência de Atestado Médico como inclusive referendou o recente PROCESSO ADMINISTRATIVO SEI 2023-06111296 (DO de 26/01/2024) em face de Cartório Extrajudicial no Rio de Janeiro que exigia"Atestado médico" para lavratura de Ato Notarial:

"Processo nº 2023-06111296 (processo SEI) – Assunto: Pedido de Providências (...) DECISÃO: Tratam-se os presentes autos de reclamação encaminhada a este 3º Núcleo Regional da CGJ pela Sra. Leila Maria Felix Pureza em face do Cartório do Ofício Único de Paraíba do Sul, informando que há dias solicitou gratuidade de Justiça em favor de Dilson Felix Porto, pessoa idosa, amputada e acamada com sequelas de AVC, mas não a Gestora do serviço extrajudicial vem dificultando o acesso à gratuidade. Informa a reclamante que todos os documentos foram apresentados. Porém exigiram laudo médico para atestar a lucidez do Sr. Dilson, o que foi cumprido pelo médico da família (SUS) - index 6652626. O serviço, então, agendou e desmarcou visita no imóvel, passando exigir que o laudo médico seja de um neurologista ou psiquiatra (index 6652588). (...) A análise do caso concreto demonstra IRREGULARIDADE na condução da verificação da capacidade do Sr. Dilson Felix Porto. (...) O que NÃO SE PODE ADMITIR é que a Gestora/tabeliã adote critérios prévios condicionantes SEM AMPARO NA LEI, exigindo especialidades médicas para conferir validade ao atestado sem que tenha realizada a verificação. Chamo a atenção de que há expresso comando da CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA para que os Cartórios NÃO EXIJAM ATESTADO MÉDICO dos outorgantes idosos, com fundamento no Estatuto do Idoso, para o caso de atos notariais (vide Processo ADM CGJ/RJ 2007-115496), buscando evitar a discriminação, entendimento que pode ser aplicado ao Estatuto da Pessoa com Deficiência".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

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