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Responsabilidade pelo ataque ao Fortaleza

Agenda 25/02/2024 às 17:11

Introdução

           “Ônibus do Fortaleza é atingido por bomba e jogadores são levados ao hospital” foi a notícia que chocou não apenas o meio futebolístico, mas também toda a sociedade.

           A dúvida é: quem são os responsáveis por esses atos de vandalismo?

        A resposta ao questionamento em questão é o que se pretende comprovar neste artigo por meio de uma metodologia descritiva e exploratória.

 

1.Da possível reponsabilidade dos praticantes do ato

            O presente tópico é o menos polêmico deste artigo: os “torcedores” responsáveis pelos ataques e que foram identificados devem ser responsabilizados tanto criminalmente como civilmente pelo lamentável ataque sofrido pelos jogadores do Fortaleza.

            No aspecto penal não há como não se pensar em uma tentativa de homicídio, tendo em vista o uso de pedras e bombas no ataque em testilha, sendo o caso de aplicação dos artigos 121 e 14 do Código Penal:

“Art. 121. Matar alguém:

        Pena - reclusão, de seis a vinte anos”.

“Art. 14 - Diz-se o crime:

  II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”.

            Além disso, tendo em vista as lesões sofridas pelos jogadores, também se aplica ao caso o crime de lesão corporal previsto no artigo 129 do Código Penal, senão vejamos:

 

Lesão corporal

        Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

        Pena - detenção, de três meses a um ano”.

 

Outrossim, além da esfera penal, os agressores devem indenizar tanto os jogadores como o time do Fortaleza, nos termos do Código Civil, que afirma: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Desse modo, dúvida não há: sendo identificados, as pessoas que atacaram os ônibus do Fortaleza devem se responsabilizarem pelo acontecido na esfera penal e cível.

 

2.Responsabilidade do Estado

A nossa Constituição atual, no parágrafo 6º do artigo 37, afirma:

“§6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.  

 

Assim, conforme o texto constitucional supra, as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos atos praticados pelos seus agentes no exercício da função, ao menos como regra, de forma objetiva, ou seja, independentemente da comprovação de dolo ou culpa. Entretanto, no caso em testilha não houve um ato praticado por um agente público e sim uma omissão em não evitar o acontecido.

Desse modo, estamos diante de uma responsabilidade do Poder Público em virtude de uma omissão em não evitar os ataques e quando falamos em responsabilidade objetiva da Administração Pública estamos querendo dizer responsabilidade pelos atos comissivos (decorrentes de uma ação) praticados por ela, pois em relação aos atos omissivos a doutrina e a jurisprudência entendem pela necessidade, como regra, da comprovação de dolo ou culpa, ou seja, podemos afirmar que a responsabilidade pelos danos decorrentes dos atos omissivos praticados pela Administração Pública é, como regra, subjetiva[1], sendo esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal-STF[2].

Em vista do aludido, não basta um dano decorrente de uma omissão estatal para se caracterizar o dever de indenizar, é necessário que a omissão seja culposa, ou seja, é necessário que a administração tivesse o dever de agir e tenha se omitido. Não podemos, por exemplo, culpar o ente público toda vez que formos assaltados na rua, alegando que o dano decorreu da falta de segurança que é dever do Estado, mas se ficar comprovado a prática de um assalto ao lado de uma viatura policial e que os policiais se omitiram de forma negligente, não impedindo o dano, apesar de ser possível evitá-lo, aí sim teremos a possibilidade de o Estado responder pelos atos praticados pelos seus agentes.

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Desse modo, no caso do ataque ao ônibus do Fortaleza, deverá ser analisado se o Poder Público poderia ter evitado os ataques e não o fez por culpa ou dolo dos seus agentes para que se possa analisar se há ou não responsabilidade do Poder Público.

 

3.Da possível responsabilidade do Sport

     Em relação ao clube Pernambuco, para que o Sport possa vir a ter qualquer responsabilidade no âmbito civil se faz necessário que haja o nexo causal, ou seja: o dano sofrido pelos jogadores e times do Fortaleza deve ter decorrido de uma ação ou omissão do Poder Público.

       Acontece que o ataque foi a 7 quilômetros do estádio onde ocorreu o jogo, não havendo como atribuir ao Sport Club do Recife qualquer responsabilidade pelo ocorrido, pois, ao se distanciar do estádio, toda a responsabilidade pela segurança dos jogadores e comissão técnica passou a ser do Poder Público, com a questão deixando de ser desportiva para se tornar um problema de segurança pública.

     No entanto, o Sport já recebeu uma medida cautelar da Justiça Desportiva determinando a impossibilidade de ter torcida nos estádios nos jogos realizados pela CBF-Confederação Brasileira de Futebol até ser julgado de forma definitiva. A referida decisão teve como fundamento os artigos nº211 e 213 do CBJD-Código Brasileiro de Justiça Desportiva e os artigos 146, 149 e 158 da Lei 14.597/2023, a Lei Geral dos Esportes [3].

           A referida medida cautelar, no entanto, não se sustenta, senão vejamos.

O CBJD-Código Brasileiro de Justiça Desportiva afirma que o clube poderá ser punido se:

“Art. 211. Deixar de manter o local que tenha indicado para realização do evento com infraestrutura necessária a assegurar plena garantia e segurança para sua realização” (Grifos do Autor).

“Art. 213. Deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir:

I - desordens em sua praça de desporto;

II - invasão do campo ou local da disputa do evento desportivo;

III - lançamento de objetos no campo ou local da disputa do evento desportivo. (Grifos do Autor).

A lei14.597/2023, por outro lado, prevê:

“Art. 146. O espectador tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das provas ou partidas”. (Grifos do Autor)

“Art. 149. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12, 13 e 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), a responsabilidade pela segurança do espectador em evento esportivo será da organização esportiva diretamente responsável pela realização do evento esportivo e de seus dirigentes, que deverão: (...) (Grifos do Autor)

Art. 158. São condições de acesso e de permanência do espectador no recinto esportivo, independentemente da forma de seu ingresso, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: (...). (Grifos do Autor)

 

Desse modo, conforme se percebe, toda a responsabilidade pela segurança do time mandante se dá no local de realização do jogo/do evento esportivo. Acontece que, conforme dito acima, o ataque ao ônibus do Fortaleza foi a 7 quilômetros do local da partida, fora da zona de responsabilidade do clube, sendo, assim, uma questão de segurança pública e não desportiva.

Punir o Sport pelo ataque ao ônibus do Fortaleza seria a mesma coisa que punir um clube porque um torcedor com a camisa de uma organizada assaltou uma loja, o que, evidentemente, não é o caso.

Desse modo, não há o que se falar de responsabilidade do clube por atos praticados fora do local da partida, sendo esse o entendimento do STJD-Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que, inclusive, em 2022 absolveu o Flamengo em face de um apedrejamento feito por sua torcida ao ônibus do Atlético-MG justamente por se tratar de um acontecido na área de externa de responsabilidade do Poder Público[4].

Conclusão

         O ataque ao ônibus do Fortaleza foi mais um fato lamentável na nossa história. Futebol é arte e entretenimento, nunca deveria ser fundamento para violência de qualquer tipo.

         Urge a necessidade de se descobrir os culpados e eles devem responder pelos seus atos na esfera cível e criminal.

       Quanto ao Poder Público, deve ser analisado se foram tomadas todas as medidas para evitar ocorrido, sob pena do Estado também vir a ser responsabilizado caso haja comprovação de dolo ou culpa.  

      Em relação ao Sport Club do Recife, no entanto, não há o que se falar em responsabilidade nem na esfera cível nem na esfera desportiva, o que naturalmente não lhe exime de ficar vigilante, como qualquer outro clube, para se evitar no futuro novos episódios lamentáveis como o referido ataque.

            No mais, espera-se que o futebol seja sempre palco para o espetáculo e não para a guerra de supostos torcedores.

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.585.

Recurso Extraordinário 237.561-RS.

https://netfla.com.br/noticias/stjd-absolve-flamengo-por-invasao-e-apedrejamento-a-onibus-do-atletico-mg

https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2024/02/23/stjd-atende-procuradoria-e-sport-jogara-sem-torcida-ate-julgamento.htm

 



[1]ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.585.

[2]Vide: Recurso Extraordinário 237.561-RS.

[3]Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2024/02/23/stjd-atende-procuradoria-e-sport-jogara-sem-torcida-ate-julgamento.htm

[4]Fonte: https://netfla.com.br/noticias/stjd-absolve-flamengo-por-invasao-e-apedrejamento-a-onibus-do-atletico-mg

Sobre o autor
Ricardo Russell Brandão Cavalcanti

Doutor em Ciências Jurídicas-Públicas pela Universidade do Minho, Braga, Portugal (subárea: Direito Administrativo) com título reconhecido no Brasil pela Universidade de Marília. Mestre em Direito, Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Ciência Política pela Faculdade Prominas. Especialista em Direito Administrativo, Constitucional e Tributário pela ESMAPE/FMN. Especialista em Filosofia e Sociologia pela FAVENI. Especialista em Educação Profissional e Tecnologia pela Faculdade Dom Alberto. Capacitado em Gestão Pública pela FAVENI. Defensor Público Federal. Professor efetivo de Ciências Jurídicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE.

Informações sobre o texto

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