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Sou filha única e meu falecido pai deixou tudo em Testamento para mim. Sou obrigada a fazer Inventário mesmo assim?

Agenda 12/03/2024 às 17:18

COM O FALECIMENTO da pessoa natural opera-se indistintamente a transmissão da sua herança em favor dos herdeiros legítimos e testamentários - ainda que esses desconheçam tanto a existência de eventual herança quanto a ocorrência do evento morte. Tal regra encontra-se expressamente estatuída no art. 1.784 do Código Civil que trata do "direito de Saisine". Exatamente por conta dessa importante regra - nítida ficção legal - se torna possível afirmar que com o falecimento, os bens do "de cujus" não ficarão um só momento vagando "sem dono". Também por conta dela é possível afirmar que a transmissão se dá por conta da Lei e não por conta da realização de um INVENTÁRIO, como explicaremos melhor adiante.

Como já dissemos em outras passagens, no sistema brasileiro existem duas formas de tratar a transmissão/sucessão dos bens deixados por quem falece: a sucessão legítima e a sucessão testamentária. Resumidamente a distinção dentre elas será que, basicamente, na forma testamentária a distribuição obedecerá ao que o titular deixou determinado numa cártula que deverá observar uma das formas estipuladas pelo Código Civil (arts. 1.862 ou 1.886) e por óbvio não pode infringir as limitações que o próprio Código impõe.

É sempre importante recordar que a realização de um Testamento (seja ele Público ou Particular, Ordinário ou Especial etc) não dispensa a realização de um Inventário. Ora, aparentemente temos aqui um conflito: como pode então a Lei afirmar que a transmissão da herança acontece automaticamente por causa do direito de saisine (art. 1.784 do CC) se há necessidade então da realização de um Inventário?

A bem da verdade a realização do Inventário dos bens deixados pela pessoa falecida buscará prioritariamente a quitação de todas as dívidas passivas e obrigações deixadas pelo falecido, conferindo também certeza do quinhão de cada beneficiário e também atributos de disponibilidade, oponibilidade e publicidade - tudo isso através do REGISTRO PÚBLICO respectivo. Assim reza a regra do art. 1.997 do CCB:

"Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube".

Só depois de efetivamente realizado o pagamento das dívidas do falecido é que deverão ser dividos os créditos/bens que sobejarem, tudo partilhado em quinhões observadas as disposições legais (art. 1.829 do CC, se for o caso).

Ve-se, dessa maneira, que independentemente do falecido ter deixado apenas um filho único (se for esse o caso) e ainda, um TESTAMENTO destinando todo o patrimônio para esse filho, haverá ainda assim a necessidade de realização de um Inventário que pode ser tanto aquele realizado pela via JUDICIAL (em qualquer das modalidades admitidas em Lei) quanto aquele pela via EXTRAJUDICIAL, com base na Lei 11.441/2007, sem necessidade de processo judicial mas com assistência obrigatória de ADVOGADO - sem o qual não terá o herdeiro, sem prejuízo da saisine, os poderes para disposição dos bens recebidos e muito menos regularização da transmissão patrimonial junto ao Cartório de Registros Públicos, por exemplo.

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Necessário é tambem esclarecer que diferentemente do que rezava a Lei 11.441/2007 já é possível atualmente a realização do Inventário em Cartório mesmo com Testamento. Muitos Estados como o Rio de Janeiro já disciplinam a questão, estabelecendo que será necessária a prévia autorização judicial a ser obtida no procedimento de Registro, Abertura e Cumprimento do Testamento (arts. 735 e 736 do CPC/2015). A regra do artigo 446 do Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro (Provimento CGJ/RJ 87/2022) estabelece:

"Art. 446. Diante da expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos da apresentação e cumprimento de testamento válido e eficaz, sendo todos os interessados capazes e concordes ou, havendo incapazes, observada seção seguinte, poderá realizar-se o INVENTÁRIO E PARTILHA POR ESCRITURA PÚBLICA".

POR FIM, decisão do TJRJ reformando decisão do juízo primevo que desacertadamente não autorizava a realização do Inventário Extrajudicial por conta da existência de testamento:

"TJRJ. 00706333620208190000. J. em: 11/03/2021. Agravo de instrumento. Direito Sucessório. Testamento. Partes maiores, capazes e concordes. Possibilidade de realização de inventário Extrajudicial. Medida que visa descongestionar o judicial e dar celeridade aos herdeiros e legatários na partilha dos bens havidos com a sucessão. 1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão proferida em inventario que inadmitiu a possibilidade de curso do mesmo pela via extrajudicial. 2. Malgrado disposição contida no art. 610 e § 1º do NCPC que impõe o processamento judicial em havendo testamento ainda que todos os herdeiros sejam maiores, capazes e concordes, a doutrina e jurisprudência já vem se posicionando no sentido da possibilidade da realização do inventário judicial em tal hipótese. 3. Neste sentido há que se observar no enunciado 600 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal ("Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interes-sados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflitos de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.") assim como o enunciado 16 do IBDFAM ("Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capa-zes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial."). 4. Neste esteira, a Consolidação Normativa da CGJ deste Tribunal, conforme alterações dadas pelos Provimentos CGJ nos 21 e 24/2017, na parte que trata dos serviços extrajudiciais, prevê em seu art. 286, § 1º, II, e no art. 297, § 1º, a possibilidade de realização do inventário e da partilha com testamento por escritura pública, após expressa autorização do juízo sucessório competente nos autos da apresentação e cumprimento de testamento, e desde que todos os interessados sejam capazes e estejam de acordo. 5. As circunstâncias narradas não mostram impeditivo a realização do inventário extrajudicial: as partes envolvidas (herdeiros e legatários) são todas civilmente capazes e concordes, sendo os termos do testamento perfeitamente claros de modo a que se possa dar cumprimento as disposições de última vontade do testador sem qualquer intercorrência que imponha o uso da via judicial. 6. Inovações que permitiram a realização de inventário extrajudicial que visam não somente" desafogar "o Judiciário como permitir aos herdeiros e legatários maior celeridade da partilha dos bens havidos com a sucessão. 7. Recurso provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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