Introdução
O advento da pandemia da COVID-19 impôs desafios sem precedentes ao direito do trabalho, especialmente no que tange à adaptação das relações laborais ao contexto de excepcionalidade sanitária. Um dos pontos cruciais dessa adaptação diz respeito à manutenção da remuneração dos trabalhadores submetidos a regimes de trabalho modificados, como o teletrabalho, em especial quando tal modificação incide sobre parcelas salariais atreladas a condições específicas de trabalho, tais como os adicionais de periculosidade e de turno. O julgamento proferido pela 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no recurso de revista nº TST- RR-.0641, divulgado no Informativo do TST n. 283 de 2024, traz à tona uma análise relevante sobre a matéria.
Contexto Fático e Jurídico
No caso em questão, trabalhadores pertencentes ao grupo de risco para COVID-19 foram realocados para o regime de teletrabalho como medida preventiva. Posteriormente, a empresa decidiu suspender o pagamento de adicionais de periculosidade e de turno, sob a justificativa da cessação temporária das condições que davam origem a tais adicionais. Tal decisão foi impugnada pelo sindicato representante dos trabalhadores, o qual arguiu a inadmissibilidade de redução salarial decorrente da pandemia, sobretudo considerando o princípio da irredutibilidade salarial.
Análise Jurídica
Princípio da Irredutibilidade Salarial
O princípio da irredutibilidade salarial está consagrado no artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal, representando uma garantia de estabilidade financeira ao trabalhador. Esse princípio impede a redução salarial, salvo em casos excepcionais previstos em lei ou mediante negociação coletiva. A irredutibilidade não se restringe ao salário base, abrangendo toda a remuneração do empregado, incluindo adicionais e outras parcelas de natureza salarial.
Salário Condição
Os adicionais de periculosidade e de turno são considerados salários condição, ou seja, são devidos enquanto persistirem as circunstâncias que os justificam. No entanto, a situação excepcional decorrente da pandemia da COVID-19, que impôs a adoção do teletrabalho para proteção da saúde dos trabalhadores, não pode ser equiparada a uma simples alteração das condições de trabalho justificadora da supressão desses adicionais.
Decisão do TST
O TST, ao analisar o recurso, reconheceu a transcendência jurídica da causa e a possibilidade de violação do artigo 7º, VI, da Constituição Federal. A Corte Superior decidiu que a pandemia, embora configure um evento de força maior, não autoriza a redução da remuneração dos empregados. Salientou-se a importância de preservar a estabilidade financeira dos trabalhadores, especialmente daqueles pertencentes ao grupo de risco. Assim, determinou-se o restabelecimento do pagamento dos adicionais de periculosidade e de turno durante o período de teletrabalho.
Conclusão
A decisão do TST reflete a necessidade de equilibrar a flexibilização das relações de trabalho, imposta por uma crise sanitária global, com a proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores, entre eles, a irredutibilidade salarial. Revela, ainda, a sensibilidade do Judiciário trabalhista às particularidades do momento vivido, reafirmando o compromisso com a dignidade da pessoa humana e com a valorização social do trabalho, princípios basilares da ordem jurídica brasileira.