USUCAPIÃO é um importante fenômeno reconhecido pela legislação brasileira com nítido escopo social. A Constituição Federal de 1988 estatuiu que a PROPRIEDADE deve atender à sua FUNÇÃO SOCIAL, nos exatos termos do inciso XXIII da referida Carta Social. Isso significa dizer que a propriedade não pode ser mais considerada apenas por seu caráter meramente patrimonial, mas deve sim cumprir a sua função social dentro da sociedade. Essa ideia pode ainda incomodar muitas pessoas, todavia está cristalizada na CRFB e todo o ordenamento inferior não pode desconsiderar a importância da função social da propriedade. É nesse aspecto que a Usucapião tem seu núcleo principal já que aparelha a função social da propriedade imobiliária. A respeito desse especial enfoque é a doutrina exarada pelo ilustre Professor e Ministro do STF, MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO (Constituição Federal Comentada. 2018):
"A função social da propriedade compromete o legislador, o juiz e o próprio proprietário (...). O primeiro deve evitar a edição de normas que afrontem a referida garantia, ao passo que o magistrado ostenta legitimidade para não aplicar leis que não realizem a devida ponderação entre a proteção da propriedade e a devida funcionalização do instituto, enquanto o descumprimento por parte do proprietário da inexcedível função social leva a que acabe por PERDER a garantia e o reconhecimento da própria propriedade. Assim é que ao proprietário, sobretudo, dos bens de produção, podem ser impostos deveres, sob ameaça de sanções, transformando-o em proprietário-empreendedor (...). Configura ilícito funcional, isto é, na modalidade do abuso do direito, ser titular de um bem de produção e não o tornar ÚTIL PARA A SOCIEDADE. Se o exercício do domínio pode trazer utilidade também para todos, seria eticamente reprovável deixar dada propriedade improdutiva (...)".
Na mesma Carta Magna pinçamos uma importante espécie de Usucapião: a USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA, que tem base legal em seu artigo 183:
"Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por CINCO ANOS, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural".
A mesma espécie é reprisada no artigo 1.240 do Código Civil da seguinte forma:
"Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por CINCO ANOS ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
É importante notar que essa espécie evidencia a necessidade da MORADIA estabelecida no imóvel - nítido caráter social - , razão pela qual não deve se aplicar a imóveis sem construção, como aponta o Professor CARLOS ROBERTO GONÇALVES (Direito Civil Brasileiro. 2019), destacando ainda que nessa modalidade não deve ser exigido do interessado nem JUSTO TÍTULO nem BOA-FÉ. Portanto, como se vê, para essa espécie deve o interessado comprovar cabalmente o seguinte:
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1. POSSE exercida pelo prazo de cinco anos, qualificada por ser ininterrupta e sem oposição, com ânimo de dono;
2. IMÓVEL edificado e localizado em área urbana do município, com EXTENSÃO DO IMÓVEL em até duzentos e cinquenta metros quadrados;
3. UTILIZAÇÃO como MORADIA própria do possuidor ou sua família;
4. COMPROVAÇÃO da inexistência de propriedade de outros imóveis - urbano ou rural - em nome do pretendente, durante o comprovado período prescricional.
Essa modalidade de Usucapião, relativamenta rápida considerando a exigência de APENAS CINCO ANOS de posse qualificada, pode ser reconhecida no âmbito dos Cartórios Extrajudiciais, nos termos do artigo 216-A da LEI DE REGISTROS PUBLICOS com regulamentação pelo artigo 398 e seguintes do PROVIMENTO CNJ 149/2023, tudo com assistência obrigatória de ADVOGADO. Cabe pontuar também que essa espécie de Usucapião só pode ser conferida uma única vez em favor do interessado (par.2º do art. 1.240 do CCB).
POR FIM, recente decisão do TJSP que confirma a lição de que nessa espécie de Usucapião é plenamente IRRELEVANTE a análise sobre existência de justo título ou ainda boa-fé para sua concessão:
USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. Procedência do pedido inicial. Insurgência recursal, sob o argumento de que o contrato para a aquisição do imóvel é nulo, por ilegitimidade dos vendedores. Impossibilidade. Usucapião especial urbana que NÃO DEPENDE de justo título e boa-fé, bastando o cumprimento dos requisitos previstos no art. art. 183, da CRFB/88 , e art. 1.240 , do Código Civil . Precedentes. Prova documental e testemunhal que atesta o exercício de posse mansa e pacífica sobre o bem, com animus domini. Reconhecimento da usucapião devido. Sentença mantida. RECURSO IMPROVIDO.
TJSP. 1097550-42.2018.8.26.0100 . J. em: 28/09/2022.