A apropriação indébita é um crime mais frequente do que a maioria das pessoas pensa. Afinal, ele pode acontecer em contextos muito mais rotineiros do que boa parte das outras infrações legais.
É difícil imaginar, por exemplo, que uma pessoa seja acusada de roubo sem perceber. Já a apropriação indébita pode surgir como uma acusação surpresa, fruto de um desentendimento ou, mesmo, de uma falha de comunicação.
O conceito de apropriação indébita
A apropriação indébita é um crime previsto no Código Penal Brasileiro em seu artigo 168. Pode-se se ver a definição básica do crime no seguinte trecho:
Art. 168 – Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Trata-se, portanto, de uma definição curta, mas cheia de características escondidas no texto. A apropriação indébita consiste em tornar “sua”, alguma coisa que é de outra pessoa, mas que já está em sua posse.
Artigo 168, Código Penal/40
Não há nenhuma menção, na lei, em tomar a coisa para si contra a vontade de outra pessoa. É necessário que ela já esteja sob sua posse ou detenção no momento da apropriação. É o que veremos na próxima seção, ao tratar dos requisitos para que ocorra a apropriação indébita.
Os requisitos para que ocorra a apropriação indébita
No conceito da apropriação indébita é possível identificar três requisitos essenciais para que o crime aconteça. Eles são requisitos obrigatórios, ou seja, precisam acontecer simultaneamente para que se observe o crime. São eles:
1 - O bem apropriado de maneira indevida deve ter sido entregue de maneira voluntário por seu real proprietário. Em outras palavras, ele não foi tomado desta pessoa contra sua vontade. Pelo contrário: foi entregue em uma relação de confiança, com a expectativa de ter de volta o bem em determinado momento.
2 – A posse ou a detenção não pode ter sido vigiada. Significa dizer que se trata de um bem entregue a outra pessoa para fins privados. É diferente, por exemplo, de entregar o celular para uma pessoa assistir um vídeo e, enquanto seu proprietário está vendo aquela situação, essa pessoa colocar o bem no bolso e decidir não devolver.
3 – O possuidor ou detentor provisório deve passar a agir como se fosse proprietário verdadeiro do bem. Este é um requisito para que se complete a apropriação. É quando a pessoa adquire o ânimo de não devolver o bem – utilizando-o em definitivo ou o alienando em negócios não autorizados.
Sem que essas três situações ocorram, simplesmente não é possível apontar a existência de uma apropriação indébita.
Apropriação indébita, furto, estelionato e receptação: qual a diferença?
Dessa forma, a apropriação indébita consiste na conversão da posse provisória de algo, voluntariamente entregue por ser proprietário, em uma posse definitiva, em benefício do perpetrador do crime. Isso diferencia este crime de outros que também consistem em apossar-se de bem alheio, como veremos a seguir.
No caso do furto, por exemplo, não há uma entrega voluntária do bem por parte da vítima. O furto acontece quando, furtivamente, o criminoso toma para si algo que pertence a outra pessoa. Neste sentido, diferencia-se da apropriação porque não existe o elemento de voluntariedade da vítima, o que é essencial nesta.
No caso do estelionato, por sua vez, o criminoso induz a vítima em erro, ao convencê-la de que deve entregar para o criminoso o bem em questão. Neste caso, todo o crime é arquitetado com o objetivo de ter para si o bem, de forma ilícita. Não existe um motivo legítimo ou uma conversão da intenção de devolver o bem na intenção de apropriar-se dele.
Por fim, a receptação também se diferencia da apropriação, por incluir um elemento terceiro. O receptador recebe um bem que sabe ser de origem ilícita de quem o obteve desta forma. É o caso de alguém que adquira uma bicicleta roubada, por exemplo. Neste caso, a diferenciação entre um crime e outro se dá de maneira completa, desde a forma como o bem foi obtido. Muitas vezes, a receptação se dá em relação a um item obtido a partir de uma apropriação indébita.
Tipos de apropriação indébita
Agora que você já conhece a definição da apropriação indébita clássica na legislação, bem como sua diferença de outros crimes relacionados a tomar posse de bens alheios, é importante conhecer outros tipos de apropriação ilegal.
A apropriação indébita possui origem em situações cotidianas, mas podem ter consequências ainda mais grave que a definição padrão do crime:
Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza
Não é apenas no escopo de coisas colocadas sob a posse de alguém intencionalmente e depois apropriadas de má-fé que existem regras punitivas. O Código Penal também prevê, em seu artigo 169, outros cenários de apropriação indébita.
Começando pelo próprio Caput, pode-se encontrar uma definição clara:
Art. 169 – Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Artigo 169, Código Penal/40
A interpretação deste artigo é razoavelmente simples. Se algo passa a estar no seu poder por qualquer circunstância “acidental”, não significa que essa coisa passa a ser sua. Imagine que uma transportadora coloca, por erro, a encomenda de um vizinho na sua caixa de correio. Você não pode tomar a encomenda para si. O mesmo acontece com demais tipos de acaso, e até por questões naturais. Se uma ventania jogar um item que é do seu vizinho no seu quintal, este item não passa a ser seu, devendo ser devolvido.
Apropriação de tesouro
O artigo 169, em seu inciso I também prevê como crime a apropriação do chamado “tesouro”:
I – quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio;
Essa é uma situação muito mais incomum do que todos os outros exemplos trabalhados neste artigo. Afinal, a própria definição de tesouro não é clara na legislação – sendo pouco usual imaginarmos um cenário em que um indivíduo esbarre com um tesouro.
Artigo 169, Código Penal/40
O importante a compreender neste caso é que alguém que se depara diante de um tesouro, sem ter tido a intenção de procurá-lo, não pode se apropriar dele. Trata-se de uma lógica semelhante à de bens encontrados, que abordaremos no próximo tópico.
Apropriação de coisa achada
Sabe aquela história de que “achado não é roubado”? Se você considera essa afirmação verdadeira, é uma boa ideia conferir qual a posição do inciso II do artigo 169 do Código Penal Brasileiro:
II – quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias.
Fugindo dos termos técnicos, quem se apropria de coisa alheia perdida, sem devolver ao dono ou entregar a uma autoridade que possa fazê-lo também está incorrendo no crime previsto pelo artigo 169. A ideia de que “achado não é roubado” só é verdadeiro no sentido de que, de fato, não é um roubo. É uma apropriação indébita, por definição legal.
Apropriação indébita previdenciária
Além de todos os exemplos já apresentados, existe o artigo 168-A do Código Penal Brasileiro. Ele prevê um tipo de apropriação indébita que pode ocorrer em um cenário trabalhista. Veja o texto legal:
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
Artigo 168, Código Penal/40
A lógica para isso é razoavelmente simples. As contribuições previdenciárias são parcialmente do empregado, parcialmente do empregador. O empregador tem o dever legal de reter este valor e depositar junto à Previdência. Trata-se de uma relação de confiança. Se essa confiança é rompida, o empregador está pegando o bem que está sob sua posse para uma finalidade diversa e se apropriando dele.
Daí surge uma ocorrência de apropriação indébita que parte da relação de trabalho. Perceba que ela é mais grave que o crime previsto no artigo 168 comum do Código Penal. Essa gravidade decorre do fato de se tratar de um vínculo de trabalho no qual o empregador naturalmente possui mais poder que seu empregado.
O que fazer em caso de apropriação indébita? Qual especialidade de advogado buscar?
O primeiro passo, seja para quem foi vítima ou acusado de apropriação indébita, é buscar por um advogado especialista em direito penal. Ao realizar uma consulta, seu advogado explicará os próximos passos viáveis para resolver a situação da melhor maneira possível.