Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Negócios jurídicos processuais e a fazenda pública

Exibindo página 1 de 2

INTRODUÇÃO

Durante a vigência do Código de Processo Civil (CPC) de 1939 e do CPC de 1973 a doutrina manteve-se, em sua grande parte, silente a respeito dos acordos processuais. Com o CPC de 1939 houve quem se pronunciasse, a exemplo de Pontes de Miranda, acerca da existência de negócios jurídicos processuais. Considerava os negócios processuais como manifestações de vontade formuladas no processo com o fim de ampliar, modificar ou extinguir a relação jurídica processual.

Já na chegada do CPC de 1973, denominado Código Buzaid, os debates sobre o tema mantiveram a relevância, muito embora uma parte da doutrina tenho discordado do instituto ou permanecido silente. No entanto, doutrinadores como Nelson NERY JÚNIOR, Araken de ASSIS, Carreira ALVIM e Barbosa MOREIRA concebiam a existência dos negócios processuais típicos, como por exemplo, a cláusula de eleição de foro.

Atualmente, encontra-se em vigor o CPC de 2015, que previu diversos princípios e garantias processuais, grande parte inspirados na Constituição Federal de 1988. Dentre os mais relevantes está o princípio da cooperação, expresso no texto do Código, bem como o princípio do autorregramento da vontade.

Diante disso, inaugurou-se um novo panorama no direito processual civil brasileiro, tendo como escopo oferecer aos sujeitos processuais a tutela tempestiva, adequada, justa e efetiva. Nesse prisma, é importante ressaltar inicialmente que o legislador adotou o modelo cooperativo de processo a partir dos princípios da cooperação e do autorregramento da vontade.

Ademais, incluiu expressamente como norma fundamental o incentivo à solução consensual dos conflitos, como meio alternativo ao litígio. Avança-se, assim, cada vez mais para reduzir a predominância da atividade jurisdicional estatal na solução do conflito de interesses. Tal fato abriu espaço para a maior participação dos sujeitos processuais na solução dos conflitos.

Além disso, o CPC tornou expressa a possibilidade de realização de negócios jurídicos entre os sujeitos processuais dentro e fora da demanda, bem como a já comentada resolução alternativa do conflito. Por derradeiro, acrescente-se, dentre os sujeitos processuais, pode figurar a Fazenda Pública.

Resta apurar, desse modo, a forma como os sujeitos processuais, em especial da Fazenda Pública, podem vir a celebrar negócios jurídicos dentro e fora do processo, sejam eles típicos, e, portanto, expressamente previstos no CPC, sejam atípicos, não positivados no código.

Assim, o objetivo geral do presente trabalho é analisar a Fazenda Pública em juízo e a possibilidade de celebrar negócios jurídicos processuais típicos e atípicos, e, além disso, como objetivos específicos conhecer os negócios jurídicos processuais, em especial os negócios atípicos, os sujeitos, momento de celebração, requisitos de validade, a posição do juiz acerca dos negócios, culminando na análise da celebração de negócios processuais atípicos pela Fazenda Pública no tocante às suas prerrogativas processuais.

Para atingir os objetivos propostos no presente trabalho optou-se pela pesquisa bibliográfica, desenvolvida em material já produzido, constituída principalmente por livros e monografias jurídicas, buscando fundamentação em diversos doutrinadores, como Leonardo CUNHA, Janaína Castelo BRANCO, Antônio do Passo CABRAL, Pedro NOGUEIRA, dentre outros.

Importante ressaltar que o presente estudo foi elaborado com enfoque no Código de Processo Civil e na Constituição Federal. Isto posto, o trabalho foi divido em 03 (três) capítulos, além da introdução e conclusão.

No primeiro capítulo, será abordado o tema da Fazenda Pública em juízo, mais precisamente do dever de cooperação atrelado ao ente público e das prerrogativas mais relevantes atribuídas ao Poder Público pelo legislador, especialmente sobre prazo diferenciado, intimação pessoal, pagamento por meio de precatório e remessa necessária.

No segundo capítulo, discorrer-se-á sobre os negócios jurídicos processuais em especial sobre o conceito, noções gerais, sujeitos do negócio, tipologia e por derradeiro sobre os negócios processuais atípicos.

No terceiro e último capítulo dissertar-se-á acerca dos negócios jurídicos processuais e a Fazenda Pública, com exposição das noções gerais sobre o negócio jurídico quando o Poder Público for parte, a celebração dos negócios jurídicos atípicos pela Fazenda Pública e a advocacia pública. Por fim, verificar-se-ão quais prerrogativas processuais podem ser objeto de negociação.

Isso posto, o presente trabalho tem por escopo a análise dos negócios jurídicos atípicos celebrados no âmbito da demanda pela Fazenda Pública, de acordo com o Código de Processo Civil. É o que se passa a fazer a partir daqui.

  1. A FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO

    1. DISPOSIÇÕES GERAIS

De início, cumpre mencionar que a expressão Administração Pública é utilizada para denominar as pessoas jurídicas pertencentes à administração direta, quais sejam a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e a administração indireta autarquias, fundações públicas, sociedade de economia mista e empresas públicas.

Além disso, historicamente o Poder Público se apresenta como um dos maiores litigantes do país, pois está presente em uma enorme quantidade de demandas. Para ilustrar, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou o Relatório Supremo em Ação no ano de 2017 em que informa que no ano de 2016 os maiores litigantes, tanto no polo ativo quanto no polo passivo, no acervo da Suprema Corte foram União, seguida por INSS, Ministério Público Federal e o Estado de São Paulo. O Estado do Rio de Janeiro, ressalve-se, apareceu como um dos maiores litigantes apenas no polo ativo1.

Neste contexto, é importante ressaltar que quando a Administração Pública está em juízo, a doutrina usa o termo “Fazenda Pública” para designar a atuação do Estado no âmbito processual.

Em outras palavras, a denominação “Fazenda Pública” serve para qualificar as pessoas jurídicas de direito público interno que figuram nas mais variadas ações judiciais, não apenas nas que versem sobre matéria econômica e fiscal2.

Ademais, convém informar que o rol de pessoas jurídicas de direito público que são abrangidas pela expressão acima referida é menos abrangente se comparado ao termo “Administração Pública”. Somente estão na denominação “Fazenda Pública” a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas. Estão, portanto, excluídas do conceito de Fazenda Pública as sociedades de economia mista e as empresas públicas.

Feitas tais considerações, ao falar de Fazenda Pública no processo é importante ressaltar ainda que sua representação é feita, em regra, por seus procuradores judiciais, que são titulares de cargos públicos privativos de advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Além do mais, a procuradoria judicial e os procuradores que a compõem constituem um órgão do ente que representam. Nas palavras de Leonardo CUNHA, “o órgão presenta a respectiva pessoa jurídica de cujo organismo faz parte” 3. Logo, a Fazenda Pública se faz presente em juízo por seus advogados públicos.

  1. DEVER DE COOPERAÇÃO E A FAZENDA PÚBLICA

O art. 6º do CPC consagrou expressamente o princípio da cooperação, ao determinar que “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Diante disso, é possível afirmar que o código tipificou o modelo cooperativo de processo. Entretanto, deve-se mencionar que há na doutrina brasileira quem discorde do referido modelo de processo.

Segundo Fredie DIDIER JÚNIOR, “Esse modelo caracteriza-se pelo redimensionamento do princípio do contraditório, com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual, e não mais como mero espectador do duelo das partes” 4. O contraditório, acrescente-se, é a principal forma de cooperação.

Nesse sentido, Janaína Castelo BRANCO entende que “o modelo cooperativo tem como foco uma maior participação das partes e do juiz para a solução mais legítima do litígio (intensificação do debate no âmbito judicial)” 5.

Busca-se, dessa forma, uma condução cooperativa do processo, sem protagonismos seja para as partes, seja para o juiz. Daí decorrem deveres de conduta ou deveres de cooperação para as partes e para o órgão jurisdicional.

Portanto, deve-se ter em mente que há no Código uma valorização da solução consensual e a preocupação de criar um ambiente favorável no Judiciário não apenas para o julgamento, mas também para a resolução de conflitos6.

O dever de cooperação das partes, que aqui interessa, está no fato de elas efetivamente participarem do processo e do diálogo processual. Nessa perspectiva, o CPC, em seu art. 6º, atribuiu ao Estado o dever de cooperação que se traduz na busca da consensualidade dentro do processo ou fora dele.

Além disso, dispõe o art. 3º, §2º do CPC o dever do Estado de promover sempre que possível a solução consensual dos conflitos7. Daí afirmar-se, tendo como premissa modelo cooperativo de processo, que o Estado deve ter uma atitude cooperativa quando integrante do conflito, principalmente quando atua como parte na demanda judicial8.

Isto posto, é importante ressaltar ainda que cabe ao ente público, por meio de sua advocacia pública, analisar, a partir de critérios realistas e razoáveis, sem, contudo, se desligar da busca do interesse público, quais os casos devem se submeter a solução consensual e quais exigem que sejam questionados na via judicial até as últimas instâncias.

E não só isso, caso se opte pela judicialização do conflito, nada impede que a Fazenda Pública escolha por seguir o curso processual nos moldes dos dispositivos do CPC ou realizar negócios jurídicos processuais com a parte contrária.

Isso porque o CPC, amparado no direito fundamental à liberdade previsto no artigo 5º da Constituição Federal, prestigiou a autonomia da vontade. Ademais, do direito à liberdade é possível se extrair o direito ao autorregramento, e nesse, se apoia o princípio ao autorregramento da vontade no processo9.

Desse modo, o autorregramento da vontade das partes, presente no ordenamento jurídico brasileiro, permite que elas negociem sobre o processo. Por essa razão, é permitida a celebração de convenções e negócios jurídicos processuais. Por fim, é oportuno pontuar ainda que ao se referir a Fazenda Pública, deve-se ter em mente que esta é guardiã do interesse público em juízo ou fora dele. Além disso, o interesse público é indisponível.

Sob a premissa do direito material, Eduardo TALAMINI afirma que

A indisponibilidade do interesse público é decorrência direta do princípio constitucional republicano: se os bens públicos pertencem a todos e a cada um dos cidadãos, a nenhum agente público é dado desfazer-se deles a seu bel-prazer, como se estivesse diante de um bem particular. Mais ainda: existem valores, atividades e bens públicos que, por sua imprescindibilidade para que o Estado exista e atue, são irrenunciáveis e inalienáveis. Vale dizer, no que tange ao núcleo fundamental das tarefas, funções e bens essencialmente públicos, não há espaço para atos de disposição10.

De fato, a Fazenda Pública tutela direitos indisponíveis, bem como direitos disponíveis. Isso é importante para, na perspectiva da celebração de negócios processuais pelo ente público, se questionar acerca da viabilidade desses acordos dentro do processo.

Isto posto, nada impede que a Fazenda Pública venha a se submeter à autocomposição e, portanto, celebrar negócios jurídicos processuais com a parte contrária, embora ela tenha uma certa margem de restrição para tal.

Isso porque, em regra, os direitos, inclusive indisponíveis, admitem autocomposição. O CPC veda, é bom que se diga, diante de negócios jurídicos processuais atípicos, a celebração de acordo processual cujo objeto sejam direitos que não admitam autocomposição, nos termos do art. 190 do CPC.

Diante disso, afirma-se que a indisponibilidade do interesse público não impede que os direitos protegidos pelo Poder Público sejam objeto de negócios jurídicos processuais.

No mesmo sentido, o enunciado 135 do FPPC aduz que “A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual”. Ante o exposto, há de se concluir, portanto, que a Fazenda Pública, enquanto parte no processo judicial, pode praticar atos processuais negociais.

  1. AS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA

Existem no CPC várias regras que contemplam o tratamento diferenciado no processo para a Fazenda Pública. Tais regras são denominadas prerrogativas processuais do Poder Público.

De fato, o legislador deu à Fazenda Pública tratamento diferenciado. Tal tratamento, é bom que se diga, tem fundamento no princípio da igualdade previsto no art. 5º da Constituição Federal11.

Isso porque, o princípio da igualdade além de conferir tratamento idêntico a todas as pessoas, entes, sujeitos e organismos, leva em consideração também as diferenças de cada um, tomando como base a lição de Aristóteles segundo a qual a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais12.

Vale mencionar que no processo civil, o princípio da igualdade está previsto no art. 7º do CPC13. Há, portanto, no processo a igualdade formal, assegurada através da paridade de armas e a igualdade material, através do equilíbrio processual. Além disso, o princípio é tão importante que o contraditório deve ser exercido pelas partes em igualdade de condições.

Como citado acima, portanto, o CPC traz regras diferenciadas quando a Fazenda Pública está em juízo, para alcançar o equilíbrio e adaptar-se às peculiaridades desta como parte. Assim, a primeira justificativa para o tratamento processual diferenciado do ente público é o princípio da igualdade.

Em sequência, é importante citar que as prerrogativas são dadas ao Poder Público quando atua em juízo em razão de sua função de tutelar o interesse público. Este, muito embora seja um conceito jurídico indeterminado, identifica-se com a ideia de bem comum e estará previsto em lei. Logo, a Fazenda Pública, como promotora do interesse público, deve atender à finalidade da lei de consecução do bem comum14.

Tudo isso justifica a concessão das prerrogativas processuais à Fazenda Pública. Assim, a partir desse momento serão apresentadas as principais prerrogativas que foram concedidas pelo legislador ao Poder Público quando este atua em juízo.

  1. Prazo em Dobro

A prerrogativa de prazo diferenciado da Fazenda Pública não é recente. Desde o CPC de 193915, possuía prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer. Tal regra foi repetida no CPC de 197316, porém alterada no CPC de 2015. Atualmente, o art. 183, caput do CPC concede à Fazenda Pública prazo em dobro para todas as suas manifestações dentro do processo.

Dito isso, deve-se ter em mente que a prerrogativa de diferenciação de prazo para o Poder Público não é irrazoável. Primeiro, em razão do princípio da isonomia, pois o legislador resolveu dar tratamento uniforme às funções essenciais à justiça: Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia Pública. Ademais, cite-se o enorme volume de trabalho, haja vista a Fazenda ser uma das maiores litigantes do país.

Por fim, é importante mencionar a complexidade da estrutura administrativa aliada à salvaguarda do interesse público. O fluxo de informações entre as repartições públicas, as manifestações administrativas, a comunicação dos atos administrativos é corriqueiramente lenta. Logo, para elaborar a defesa do Poder Público, a procuradoria jurídica encaminha pedido de informações a outros órgãos públicos e, naturalmente, há demora para a resposta.

Além disso, a Fazenda Pública tutela o interesse público. Portanto, deve-se concluir que o legislador acertou na prerrogativa de prazo diferenciado para as manifestações do Poder Público no processo.

  1. Intimação Pessoal

O art. 183, caput e §1º17 do CPC prevê que a intimação da Fazenda Pública deve ser pessoal. Salvo convenção processual por meio de negócio jurídico, não se permite utilização de meio de comunicação diverso. Além disso, o legislador detalhou quais meios de comunicação seriam considerados intimação pessoal.

Portanto, dá-se a intimação pessoal do Poder Público através de carga, remessa ou meio eletrônico. A intimação por meio eletrônico ocorre no caso de autos em processo eletrônico. Carga é a retirada dos autos da secretaria do juízo pela procuradoria judicial. Remessa é o envio dos autos pelo juízo às procuradorias.

De todo modo, em se tratando de autos físicos, deve haver o envio dos respectivos autos do processo à Fazenda Pública. Apenas desse modo a intimação pessoal será válida. Perceba, por exemplo, que não é pessoal a intimação do ente público através do Diário de Justiça Eletrônico (DJE).

  1. Pagamento de Dívidas por Meio de Precatório

A Fazenda Pública, quando o resultado da demanda lhe for desfavorável e a depender do objeto desta, pode ser condenada pelo Poder Judiciário em obrigação de pagar quantia certa, de fazer ou não fazer, ou de entrega de coisa.

Em vista disso, quando condenado, por exemplo, em obrigação de pagar quantia certa, nos termos do art. 100 da Constituição Federal (CF), ao Poder Público é aplicada a sistemática dos precatórios. Isso significa que o pagamento dos créditos obtidos em face da Fazenda Pública será realizado mediante expedição de precatórios ou requisição de pequeno valor (RPV). O objetivo principal do constituinte com essa regra foi proteger a coletividade dos credores judiciais do Poder Público.

Além disso, o regime de precatórios é atribuído à Fazenda Pública, porque, uma vez obtido o título executivo judicial ou extrajudicial, as regras gerais de execução previstas no CPC não podem ser aplicadas. Nesse caso, o Código previu a aplicação do disposto nos arts. 534, 535 e 910. Logo, uma vez executada, após a citação/intimação, deverá apresentar impugnação ou embargos à execução, jamais pagar de imediato, diferentemente de quando o particular é executado. Tal fato se dá em razão dos atributos de impenhorabilidade e inalienabilidade dos bens públicos18.

Note, diante do exposto, que o pagamento pelo ente público somente vai ser feito por precatório judicial ou requisição de pequeno valor. Isso ocorre não por mera vontade do constituinte e do legislador, mas para, principalmente, proteger toda a coletividade. Há, ademais, clara intenção do art. 100 da CF em proteger o interesse público no que tange à disponibilidade orçamentária para a realização de políticas públicas.

Por outro lado, o regime de precatórios traz regras objetivas que devem ser observadas pelas Fazendas Públicas, de forma a proteger também o credor judicial. Tal fato se dá porque o precatório é visto também como uma garantia dos credores do Poder Público contra possíveis violações aos princípios da impessoalidade e da igualdade19. Assim, por exemplo, a regra da ordem cronológica de apresentação dos precatórios faz com que haja uma fila de credores para receber o pagamento do ente público que deve a todos eles. Isso evita a preterição do pagamento dos credores mais antigos em detrimento dos mais recentes, fato que é vedado pela Constituição (art. 100, § 6º da CF).

Assim, resta mais que justificada a razoabilidade da referida prerrogativa atribuída à Fazenda Pública.

  1. Despesas Processuais e a Fazenda Pública

No tocante às despesas processuais, o art. 82 do CPC20 dispõe que a parte que requerer ou realizar determinados atos processuais deverá prover as despesas destes. As despesas processuais dividem-se em custas, emolumentos e despesas em sentido estrito.

A custas processuais destinam-se a remunerar a atividade jurisdicional desenvolvida pelo juízo através de suas serventias e cartórios. Já os emolumentos vão remunerar os serviços prestados pelas serventias ou cartórios não oficializados. Por fim, as despesas em sentido estrito são aquelas destinadas a remunerar terceiros que prestam serviços a pedido do juízo, por exemplo, honorários periciais e despesas de transporte do oficial de justiça21.

Vale ressaltar, além do mais, que o Supremo Tribunal Federal22 (STF) entendeu que as custas e emolumentos têm natureza jurídica de tributo, isto é, trata- se de taxas destinadas a remunerar um serviço público colocado à disposição dos jurisdicionados.

Com efeito, a Fazenda Pública na condição de parte, deve pagar as despesas processuais. Porém, quanto às custas e emolumentos, o CPC, em seu art. 9123, estabelece que essas somente serão pagas ao final, caso reste vencida na demanda. É o que se denomina diferimento do pagamento das despesas processuais, mais uma prerrogativa que foi atribuída pelo legislador à Fazenda Pública. Por outro lado, caso o ente público saia vencedor na demanda, ele estará isento do pagamento das citadas despesas.

Já quanto às despesas em sentido estrito, a Fazenda Pública não está dispensada de realizar o seu imediato pagamento. Nesse sentido, entende Leonardo CUNHA24 que “Significa, então, que a Fazenda Pública está dispensada do pagamento de custas e emolumentos, não estando liberada do dispêndio com as despesas em sentido estrito, de que são exemplos os honorários de perito, o transporte externo de oficial de justiça e a postagem de comunicações processuais”.

É necessário tratar neste ponto ainda sobre duas importantes custas processuais: o preparo e o depósito prévio para propositura da ação rescisória. Convém mencionar inicialmente que o art. 1007, §1º do CPC e o art. 1º-A da Lei 9.494/97 dispensam o Poder Público de depositar previamente o preparo recursal no momento de sua interposição.

Ademais, é importante citar que uma parte da doutrina entende que o ente público está isento do pagamento do preparo. Já outra parte, afirma que a Fazenda Pública está isenta caso seja vencedora da demanda, porém, caso seja vencida, haverá apenas o diferimento do pagamento da referida despesa para o final do processo. No presente trabalho, segue-se a segunda opinião.

Por fim, é importante indicar que o art. 968, §1º do CPC dispensa o Poder Público do pagamento de depósito prévio no momento da propositura da ação rescisória.

Dessa forma, apresentam-se mais duas importantes prerrogativas da Fazenda Pública conferidas pelo legislador para garantir a isonomia processual entre as partes quando aquela figurar no processo.

  1. Honorários Advocatícios em Percentuais Diferenciados

Além disso, convém mencionar ainda que o CPC conferiu à Fazenda Pública um regramento especial para honorários advocatícios nas causas em que esta seja parte. O art. 85, §3º25 do CPC fixou percentuais diferenciados de honorários advocatícios sobre o valor do proveito econômico ou valor da condenação caso o Poder Público seja parte, vencida ou vencedora.

Na prática, quando o valor da condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior a 200 (duzentos) salários-mínimos, o percentual de honorários advocatícios a serem fixados observará a faixa inicial de no mínimo 10% (dez por cento) e no máximo 20% (vinte por cento) e, no que exceder, a faixa subsequente, e assim por diante, conforme determina o art. 85, §5º do CPC.

Trata-se, portanto, de mais uma prerrogativa da Fazenda Pública fixada pelo legislador.

  1. Remessa Necessária

A remessa necessária já era prevista no CPC/73 e tinha a denominação de reexame necessário ou duplo grau de jurisdição obrigatório. Além disso, da mesma forma que o código anterior, o atual a inclui no capítulo XIII de “DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA”.

O referido instituto é prerrogativa conferida pelo legislador em favor da Fazenda Pública. Seu objetivo, é bom que se diga, é proteger o ente público de condenações indevidas principalmente em razão das peculiaridades da atividade estatal. A remessa necessária, acrescente-se, se aplica às sentenças proferidas contra o Poder Público no processo, conforme dispõe o art. 49626 do CPC. Entretanto, é adotada também às decisões interlocutórias de mérito proferidas contra os entes públicos.

Nesse sentido, Leonardo CUNHA leciona

Mesmo não sendo sentença, estará sujeita à remessa necessária. Isso porque ela se relaciona com as decisões de mérito proferidas contra a Fazenda Pública; a coisa julgada material somente pode ser produzida se houver remessa necessária. Se houve decisão de mérito contra o Poder Público, é preciso que haja seu reexame pelo tribunal respectivo; é preciso, enfim, que haja remessa necessária. Significa, então, que há remessa necessária de sentença, bem como decisão interlocutória que resolve parcialmente o mérito. Nesse sentido, o enunciado 17 do I Fórum Nacional do Poder Público – Brasília/DF: “A decisão parcial de mérito proferida contra a Fazenda Pública está sujeita ao regime da remessa necessária”. 27

Ademais, é razoável o entendimento de que o referido instituto não se trata de um recurso. Primeiro, porque não é um meio de revisão de decisões judiciais dotado de voluntariedade. Segundo, porque não está previsto no rol taxativo de recursos do art. 994 do CPC.

Nesse contexto, é importante citar que a doutrina brasileira majoritária entende que o instituto da remessa necessária tem natureza jurídica de condição de eficácia da sentença, pois enquanto não houver a remessa, na ausência de recurso interposto pelo Poder Público, a sentença não transitará em julgado.

Por outro lado, vale mencionar que outra parte da doutrina nacional entende que a natureza jurídica da remessa necessária é de recurso. Nessa toada, o recurso depende de provocação para o reexame da matéria e de impugnação da decisão recorrida, podendo essa última ser voluntária ou compulsória. A remessa necessária, desse modo, depende de provocação do juiz e a impugnação é compulsória, por força da lei.

Ocorre que, todavia, esse entendimento é equivocado. Isso porque, não obstante o que foi afirmado acima, recurso, nas lições de Barbosa Moreira apud Janaína Castelo BRANCO, é “o remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna” 28. Logo, para que a remessa necessária fosse entendida como recurso, no mínimo, a ela deveria ser atrelada a voluntariedade, o que não ocorre.

Ultrapassadas essas considerações e como já afirmado, o CPC tratou do tema no seu art. 496. Assim, dispõe o Código que estará sujeita ao duplo grau de jurisdição a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público ou que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. Além disso, o CPC dispôs em seus §§ 3º e 4º29 situações em que não se aplica a remessa necessária.

§ 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

O objetivo da remessa necessária, em conclusão, é proteger o ente público de condenações indevidas principalmente em razão das peculiaridades da atividade estatal. Daí mostrar-se extremamente razoável e necessária sua aplicação para a Fazenda Pública.

  1. - súmula de tribunal superior;

  2. - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

  3. - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

  4. - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa”.

  1. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

    1. NEGÓCIO JURÍDICO: BREVES CONSIDERAÇÕES

Tomando-se como base a Teoria Geral do Direito é possível afirmar que o negócio jurídico se apresenta como uma espécie de fato jurídico.

Várias foram as Teorias que buscaram conceituar o termo negócio jurídico. Aqui serão citadas 03 (três) delas. De início é importante mencionar a teoria subjetiva, desenvolvida pelos pandectistas no Século XIX, segundo a qual o negócio jurídico era visto como uma manifestação de vontade cuja finalidade imediata, visada pelo declarante, é constituir, modificar ou extinguir uma determinada relação jurídica.

Para essa Teoria o negócio jurídico, portanto, é considerado ato ou declaração de vontade destinada a produzir os efeitos jurídicos pretendidos pelo declarante. No Brasil, ela foi adotada por diversos autores de renome no âmbito do Direito Civil.

Contrapondo-se à teoria subjetivista, tem-se a teoria “preceptiva” ou normativista. Trata-se de uma concepção mais objetiva do negócio jurídico, para a qual este é considerado uma norma jurídica. No Brasil, ganhou a aceitação de outra parte da doutrina civilista.

Por fim, é preciso destacar a teoria da autonomia privada ou da autorregulação de interesses, segundo a qual o negócio jurídico seria um ato de autonomia privada que vincula o sujeito ou sujeitos que o praticaram a se comportarem de acordo com o regramento de interesses que traçaram.

Nesse sentido, Pedro NOGUEIRA conceitua negócio jurídico como “um ato pelo qual, em razão do autorregramento da vontade, o sujeito manifesta vontade visando à criação, modificação ou extinção de situações jurídicas previamente definidas no ordenamento jurídico” 30.

Por derradeiro, porém não menos importante, ao se referir a negócio jurídico, faz-se necessária a menção ao autorregramento da vontade ou autonomia privada. Nas lições de Antônio do Passo CABRAL “alguns autores têm defendido haver um novo princípio no ordenamento processual brasileiro, o princípio do respeito ao autorregramento da vontade, que compreenderia ‘um complexo de poderes que podem ser exercidos pelos sujeitos de direito, em níveis de amplitude variada’”31.

O autorregramento da vontade pode ser definido como um conjunto de poderes a serem exercidos pelos sujeitos da relação jurídica, em variados níveis de amplitude, e de acordo com o ordenamento jurídico. Do exercício desse poder, decorrem os atos negociais, que após a incidência da norma jurídica, resultam em relações jurídicas32.

Por fim, vale ressaltar que a expressão que mais se adequa aos negócios jurídicos, em especial quando se refere ao direito processual, - matéria de direito público-, é autorregramento da vontade. Isso porque quando se usa o termo “autonomia privada”, no sentido de autorregramento da vontade de direito privado, se afasta a possibilidade de autorregramento da vontade no âmbito do direito público, o que não seria correto33.

Como no presente trabalho o estudo se desenvolve em torno dos negócios jurídicos processuais, aqui se tratará da expressão como autorregramento da vontade.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos
  1. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL

    1. Conceito

Negócios jurídicos processuais são aqueles atos negociais que produzem efeitos processuais. Pode-se conceituar negócios processuais como atos de natureza negocial dentro ou fora do processo que constituem, extinguem ou modificam uma relação jurídica processual.

No mesmo sentindo, Pedro NOGUEIRA define negócio processual como “o fato jurídico voluntário em cujo suporte fático, descrito em norma processual, esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentre os limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais” 34.

Convém se valer ainda das lições de Antônio do Passo CABRAL, para quem, tomando-se em conta o critério dos efeitos do negócio jurídico, conceitua o que chama de convenção ou acordo processual como o “negócio jurídico plurilateral pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem necessidade da intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento”35.

  1. Noções Gerais

Definido o instituto, é importante situá-lo no ordenamento jurídico brasileiro. Antes de mais nada convém mencionar que a doutrina brasileira ou negava a existência de negócios jurídicos processuais ou simplesmente era silente em relação ao tema.

Contudo, desde o CPC de 1939 a doutrina se manifestava pela existência de negócios jurídicos processuais. Conceituavam os negócios processuais como manifestações de vontade formuladas no processo com o fim de ampliar, modificar ou extinguir a relação jurídica processual. Dentre os que assim entendiam cita-se Pontes de MIRANDA, Machado GUIMARÃES, dentre outros36.

Em seguida, na vigência do CPC de 1973, os debates sobre o tema não evoluíram, haja vista que parte da doutrina ou considerou apenas os negócios processuais típicos, ou discordou da existência dos acordos processuais. No entanto, nomes como Nelson NERY JÚNIOR, Araken de ASSIS e Carreira ALVIM concebiam a existência dos negócios processuais. Ademais, não se tratou sobre os negócios jurídicos processuais atípicos, muito menos estes estavam tipificados no código37.

Por fim, com a vigência do CPC de 2015 as discussões sobre a existência ou não do negócio jurídico findaram. Não é para menos, o CPC trouxe em seu texto inúmeros casos de negócios processuais típicos, bem como a possibilidade de as partes celebrarem negócios processuais atípicos com fundamento no art. 190 do Código.

  1. Sujeitos do Negócio Jurídico

Normalmente, os sujeitos do negócio processual se confundem com as partes do processo, autor e réu. Nada impede que terceiros interessados, estranhos ao processo, pratiquem atos negociais processuais. Por exemplo, o arrematante no processo de execução não é parte e quando oferece um lance para adquirir em hasta pública o bem penhorado está praticando negócio jurídico processual38.

Por fim, porém não menos importante, vale ressaltar que o juiz também pode celebrar negócio jurídico processual. O próprio CPC admite que o juiz celebre negócio jurídico típico como sujeito convenente, por exemplo, no art. 191, através do calendário processual.

Neste ponto, é necessário esclarecer que há divergência da doutrina acerca da calendarização processual. Há quem entenda, no mesmo sentido do presente trabalho, que o calendário processual é uma espécie de negócio jurídico processual típico plurilateral celebrado entre as partes e o juiz, cuja finalidade é a eficiência e celeridade procedimental39.

Além disso, é bom que se diga que para se celebrar o calendário processual é essencial a manifestação de vontade das partes e do juiz. Ademais, acrescente-se que os sujeitos envolvidos no referido acordo estarão vinculados, nos termos do que explica Pedro NOGUEIRA

Celebrado o calendário a ele se vinculam as partes e o juiz. Por isso, regra, não cabe sua alteração. Os prazos e o cronograma para a prática de atos processuais somente serão modificados em situações excepcionais devidamente motivadas na decisão do juiz. Nessa hipótese, não cabe ao juiz, invocar a existência de situação excepcional, e alterar unilateralmente o cronograma fixando novo calendário40.

De fato, o juiz está vinculado ao calendário processual por ser parte, bem como por ser essencial a sua manifestação de vontade para firmar o referido acordo processual.

Todavia, em sentido contrário, Antônio do Passo CABRAL entende que o calendário processual envolvendo o juiz não tem natureza jurídica de negócio jurídico processual, por mais que o magistrado estimule a prática desse ato processual. Trata- se, continua, de ato negocial praticado pelas partes conjuntamente apresentado ao juiz para deferimento ou indeferimento. Por fim, conclui que o magistrado não negocia o calendário processual, logo, não pode ser considerado parte41.

No presente trabalho, não se concorda com a posição adotada pelo citado autor, pois, como afirmado, o juiz é parte do negócio jurídico, bem como em razão de ser indispensável a sua manifestação de vontade para firmar o referido acordo processual.

Ante o exposto, portanto, percebe-se que a todos os sujeitos processuais é dada a possibilidade de celebrar negócio jurídico no âmbito do processo.

  1. Tipos de Negócios Processuais

Nesse ponto, passa-se a tratar da tipologia dos negócios jurídicos processuais. Para isso, serão utilizadas como base as lições de Pedro NOGUEIRA sobre o tema42.

O primeiro critério para classificar os negócios processuais leva em consideração o lugar de sua celebração. Dessa forma, é possível dividi-los em negócios jurídicos processuais procedimentais e negócios jurídicos processuais extraprocedimentais. Os negócios procedimentais são aqueles que ocorrem no interior do processo e integram a sequência típica que o compõe. São exemplos a petição inicial, a sentença, os recursos. Já os negócios extraprocedimentais são aqueles que ocorrem fora do processo, muito embora sejam concomitantes a este. Como exemplos pode-se citar a transação, a convenção de arbitragem, e outros.

Ademais, quanto ao momento de sua produção, o negócio processual divide- se em negócios processuais preparatórios e negócios processuais interlocutórios ou incidentais. Os negócios preparatórios são aqueles concluídos antes da propositura da demanda, por exemplo, aqueles que tratam sobre competência. Em relação aos negócios interlocutórios ou incidentais, esses são concluídos no curso da ação, por exemplo, reconhecimento do pedido, transação, entre outros.

Além disso, quanto à extensão do efeito jurídico determinado pelo sujeito, os negócios jurídicos se classificam em negócios jurídicos processuais vinculativos e negócios jurídicos processuais discricionários. Os negócios são vinculativos quando o interessado pode fazer produzir ou não o efeito jurídico, porém não pode definir o seu alcance que já vem pré-determinado na lei. Já os negócios discricionários o próprio interessado determina a extensão dos seus efeitos jurídicos ou suas condições. Como exemplo cite-se a nomeação de procurador, a substituição de bem penhorado, dentre outros.

Cumpre ressaltar ainda que, quanto ao número de manifestações de vontade, o negócio jurídico processual se divide em unilateral ou bilateral. O negócio jurídico processual unilateral exige apenas uma manifestação de vontade e tem como exemplo a desistência do pedido. Quanto aos negócios jurídicos bilaterais, exige-se mais de uma manifestação de vontade. Como exemplo, tem-se a transação.

Antônio do Passo CABRAL apresenta ainda um segundo viés de classificação dos negócios jurídicos em unilaterais e bilaterais ou plurilaterais, tendo como critério os efeitos ou consequências que se produzem para as partes. Para o referido autor, são unilaterais aqueles que determinam normas e deveres atribuídos apenas a uma das partes. Já os bilaterais ou plurilaterais são aqueles cujos efeitos atingem todos os convenentes43.

Por fim, com o advento do CPC de 2015, importa acrescentar uma classificação muito importante para o presente trabalho. Utilizando-se a nomenclatura decorrente do Direito Civil que divide os contratos em típicos e atípicos, também se pode aplicá-la aos negócios processuais.

Assim, os negócios processuais dividem-se ainda em negócios jurídicos processuais típicos e negócios jurídicos processuais atípicos. Os negócios típicos são aqueles que estão previstos expressamente no Código de Processo Civil, como por exemplo, acordo para a suspensão do processo no art. 313, II do CPC44. Já os negócios atípicos são aqueles cujo modelo não se encontra previamente estabelecido no CPC, podendo resultar de novos arranjos negociais dentro do processo. Esses últimos foram introduzidos pela cláusula geral de negociação processual estabelecida no art. 190 do CPC.

  1. Negócio Jurídico Processual Atípico

    1. Noções Gerais

No tocante aos negócios jurídicos processuais, o CPC de 2015 foi responsável por um grande avanço. Principalmente em relação à expansão das possibilidades de negociação sobre o processo.

Isso porque além de terem sido incluídos diversos negócios jurídicos processuais típicos, o legislador previu a cláusula geral de negociação processual, que permite aos sujeitos do processo celebrarem convenções processuais atípicas. Essas estão previstas no art. 190 do CPC45.

O referido dispositivo foi incluído no CPC em razão de o legislador estimular a autocomposição através do seu art. 3º, §3º46. Esse dispositivo, é importante que se diga, traz em seu bojo um dever geral de estímulo à autocomposição.

Pedro NOGUEIRA afirma que a “negociação sobre o processo constitui uma das formas possíveis de solução consensual dos litígios, valorizando a possibilidade de acordo sobre o modo de resolver os conflitos, especialmente quando não seja possível a sua própria resolução por via amigável” 47.

Diante disso, as partes podem convencionar dentro do processo sobre procedimento, bem como sobre quaisquer faculdades, ônus, e direitos e deveres. No mesmo sentido, o enunciado 257 do FFPC: “O art. 190 autoriza que as partes tanto estipulem mudanças do procedimento quanto convencionem sobre os ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”.

Como afirmado, os sujeitos processuais podem firmar negócio jurídico processual sobre o procedimento. A escolha do procedimento pode ser unilateral ou bilateral. Será unilateral quando a parte puder escolher um dentre dois ou mais procedimentos admissíveis para a tutela do direito subjetivo material afirmado. Assim, por exemplo, é possível que se pleiteie o reconhecimento de um crédito fiscal por ação ordinária ou mandado de segurança.

Já o negócio jurídico processual sobre o procedimento será bilateral quando advir do consenso das partes. Trata-se, segundo Pedro NOGUEIRA, da denominada flexibilização procedimental voluntária48.

Cumpre ressaltar ainda que ao lado das convenções sobre o procedimento, o legislador permitiu a celebração de negócios jurídicos cujo objeto seja ônus, faculdade, poderes e deveres processuais, sem que desse ajuste, necessariamente, resultasse qualquer mudança procedimental. Como exemplo tem-se os ajustes para redução de prazos, acordo de não haver execução provisória.

No mesmo sentido, Pedro NOGUEIRA leciona o “CPC/2015 conferiu livre disponibilidade às partes nesse aspecto, que podem dispor conforme como lhes seja conveniente, das situações processuais de vantagem que lhe favoreçam, assim como disciplinar como serão cumpridos os respectivos deveres e como serão suportados os ônus no processo” 49.

  1. Requisitos de Validade do Negócio Jurídico Processual Atípico

Em continuidade, é importante tratar dos desdobramentos do art. 190 do CPC. Para tal, necessário se faz analisar os requisitos de validade dos negócios jurídicos processuais atípicos.

Com efeito, os requisitos de validade dos negócios jurídicos processuais atípicos dividem-se em gerais e específicos. Assim, para que o negócio processual seja válido é preciso cumprir os requisitos gerais, quais sejam: capacidade processual do sujeito; competência e imparcialidade do juiz, caso este seja sujeito do negócio; e ausência de manifesta vulnerabilidade da parte.

Ademais, da cláusula geral contida no CPC extraem-se os requisitos específicos de validade. Logo, os negócios processuais, para serem válidos, devem também observar as seguintes condições: a demanda deve versar sobre direitos que admitam autocomposição; respeito ao formalismo processual; e não inserção abusiva em contrato de adesão.

É fundamental que se aprofunde sobre alguns dos citados requisitos de validade. Dessa forma, como inicial exigência para que se firmem negócios jurídicos processuais, o legislador entendeu que é necessário que os direitos objeto da demanda admitam autocomposição.

Além do mais, deve-se ter em mente que a expressão “direitos que admitem autocomposição” é bem abrangente. Ela compreende os direitos disponíveis e indisponíveis. Assim, mesmo os direitos indisponíveis admitem autocomposição. Nesse sentido, o enunciado 135 do FPPC dispõe “A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócios jurídico processual”.

Portanto, dentre os direitos indisponíveis que admitem acordo processual é possível citar os direitos da Fazenda Pública, objeto do presente trabalho. No mesmo sentido, são valiosas as lições de Pedro NOGUEIRA

Não há assim, qualquer óbice a que a Fazenda Pública, em tese, participe de negócios processuais ou de convenções sobre o processo. A indisponibilidade do interesse público não é impedimento a isso, inclusive por ser possível a celebração de um negócio que fortaleça as situações processuais do ente público. Ademais, permite-se a autocomposição de direitos materiais da Fazenda Pública, pois a supremacia do interesse público não significa que os bens da Administração sejam indisponíveis, mas que o ato de disposição seja condicionado a certos requisitos. 50

O legislador expressamente expôs como requisito para a celebração de negócios jurídicos processuais que as partes fossem plenamente capazes. Seu intuito foi claramente proteger as partes absoluta e relativamente incapazes. Isso porque afastou os negócios processuais que contivessem partes absoluta ou relativamente incapazes sem representação ou assistência.

Em sequência, o parágrafo único do art. 190 do CPC exige que a convenção processual não possua parte em manifesta condição de vulnerabilidade. Necessário que se explique, a vulnerabilidade a que o Código se refere não é econômica. De fato, a interpretação mais adequada do termo se refere a vulnerabilidade técnica ou jurídica, pois até mesmo o beneficiário da justiça gratuita ou aquele em condição de pobreza pode celebrar negócio jurídico processual, basta que devidamente representado por advogado ou defensor público. Nesse sentido, o enunciado 18 do FPPC: “Há indícios de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica”.

Nessa perspectiva, Pedro NOGUEIRA afirma que

a acepção “técnica” ou jurídica da vulnerabilidade parece ser a mais adequada para desqualificar a validade do negócio jurídico sobre o processo. A vulnerabilidade econômica não pode, por si só, significar a impossibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais ou de convenções sobre o processo. Até mesmo o necessitado, merecedor dos benefícios de gratuidade da justiça, se devidamente acompanhado por defensor público ou advogado, pode validamente figurar como sujeito de negócio processual. A condição de pobreza da parte, isoladamente, não constitui empecilho à celebração de acordos processuais.51

Além do mais, consumidores, trabalhadores e demais sujeitos tidos como hipossuficientes ou em condição de vulnerabilidade não estão impedidos de celebrar convenções processuais. Tal se deve porque não se admite a vulnerabilidade por presunção. Ela deve ser compreendida a partir do caso concreto.

Cumpre mencionar, por derradeiro, segundo Antônio do Passo CABRAL que é “preciso, na verdade, verificar se os sujeitos estão em posição de desequilíbrio tal que tenha distorcido suas manifestações de vontade”. Por isso, a vulnerabilidade deve estar configurada no instante em que o negócio jurídico vier a ser celebrado.

Por fim, o art. 190 do CPC proíbe a inserção de convenções sobre o processo em contratos de adesão. Nessa toada, entende-se por contrato de adesão aquele cujas condições gerais já se encontram predispostas por uma das partes e passam a produzir efeitos independente da aceitação do outro sujeito. Assim, o que o legislador proibiu foi a celebração de acordos que tragam em seu bojo disposição ou restrição de relações jurídicas da parte convenente.

No mesmo sentido, Pedro NOGUEIRA entende

o texto do art. 190, parágrafo único, do CPC/2015 fala também em “inserção abusiva em contrato de adesão” para justificar a recusa à aplicação da convenção sobre o processo. Será abusiva a cláusula ou condição que restrinja, elimine ou dificulte o exercício de direitos ou faculdades processuais sem que esse ato dispositivo seja resultado da autonomia da vontade manifestada pela parte. Como bem destacado por Wambier e Talamini, o negócio jurídico será válido e eficaz, mesmo quando inserido em contrato de adesão, salvo se configurar “enfraquecimento processual da parte que adere”. 52

Ante o exposto, é importante explicar que os sujeitos negociais precisam cumprir os requisitos acima mencionados para que o negócio jurídico processual seja considerado válido.

  1. Momento da Celebração do Negócio Jurídico

Os negócios jurídicos processuais que digam respeito ao procedimento, ônus, direitos e deveres, e faculdades processuais das partes podem ser celebrados antes da propositura da demanda ou durante o processo.

Nesse sentido, Antônio do Passo CABRAL admite convenções ou acordos pré-processuais, pois

a autonomia das partes não existe somente dentro de um processo, e os indivíduos obviamente não estão condenados a aguardar o conflito e o processo para tentar resolvê-lo amigavelmente. Os próprios artigos 190 e 374 § 4º do CPC preveem convenções processuais prévias.

Em nossa opinião, não é só o litígio atual que pode ser objeto de convenções processuais. As partes podem desenhar o procedimento de um processo futuro, antes do nascimento do conflito.53

Além disso, quando o processo já está instaurado, as convenções processuais atuam como um instrumento de gestão em complemento aos poderes de condução do processo do juiz. Nesse caso, todavia, a liberdade dos convenentes é mais restrita, visto que se devem respeitar interesses públicos constituídos54.

Contudo, Pedro NOGUEIRA ressalva que

não se fala em negócio jurídico processual sem que haja um procedimento a que se refira. Negócios jurídicos que têm em mira futuras demandas não são adjetivados como “processuais”, falta-se a “processualidade” ínsita à existência concreta de um procedimento ao qual se refira, embora sejam negócios jurídicos sobre o processo (v.g. cláusula de eleição de foro, cláusula de honorários sucumbenciais). A distinção é relevante inclusive do ponto de vista do regime jurídico aplicável. 55

De fato, do disposto no art. 190, caput do CPC extrai-se a possiblidade de celebrar negócios jurídicos sobre o processo, quando anteriores à propositura da demanda, bem como negócios jurídicos processuais incidentais, quando se refiram a um procedimento no curso da ação.

  1. O Juiz e os Negócios Processuais Atípicos

Cumpre mencionar de início que negócio jurídico processual atípico não necessita de homologação judicial. Esta apenas se faz necessária caso expressamente estipulado pelas partes.

Dessa forma, é importante que se diga que, em regra, o juiz está diretamente vinculado aos negócios celebrados pelas partes do processo, cabendo a ele inclusive promover os meios necessários ao cumprimento do que foi estipulado entre as partes56.

Tanto é verdade que no art. 200 do CPC o legislador entendeu que os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem efeitos imediatamente. Portanto, os negócios jurídicos processuais atípicos, por serem manifestações de vontade dos sujeitos processuais, geralmente, independem de homologação judicial.

Contudo, isso não quer dizer que o juiz não exercerá qualquer espécie de controle sobre os negócios jurídicos celebrados pelos sujeitos processuais. O art. 190, parágrafo único do CPC determina que o magistrado de ofício ou a requerimento deverá controlar a validade das convenções processuais.

Nesse caso, o juiz recusará aplicação dos negócios celebrados nos casos de nulidade, inserção abusiva em contrato de adesão ou quando a parte se encontrar em manifesta situação de vulnerabilidade.

Por outro lado, Antônio do Passo CABRAL entende que o juiz deve inicialmente, para controlar o objeto dos negócios jurídicos processuais, identificar os direitos fundamentais envolvidos no ato de disposição. Posteriormente, deve verificar se há algum negócio processual típico similar que possa ser aplicado ao caso concreto. 57

Por fim, há de se verificar a margem de disponibilidade dos direitos fundamentais processuais, através do dever de respeito ao núcleo essencial dos direitos e garantias fundamentais processuais. Nesse sentido, Antônio do Passo CABRAL acrescenta nos acordos processuais, também se deve buscar a preservação de um núcleo elementar de garantias. Assim, como a simples invocação de direitos fundamentais processuais não pode reduzir a autonomia privada a nada – porque a liberdade também é um direito constitucional – de outro lado o procedimento convencional deve respeitar a ideia de garantias mínimas do devido processo.58

Diante disso, percebe-se que o CPC teve o cuidado de permitir o controle judicial sobre o negócio jurídico processual, a fim de que não haja prejuízos aos sujeitos do processo, muito embora a convenção firmada prescinda de homologação judicial para produzir efeitos.

  1. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS E A FAZENDA PÚBLICA

    1. NOÇÕES GERAIS

O CPC, em seu artigo 6º, adotou expressamente o modelo cooperativo de processo. Em razão disso, impõe a todos os sujeitos da demanda o dever de cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Trata-se da consolidação do cooperativismo processual no Brasil59.

O princípio da cooperação, portanto, passou a ser previsto expressamente no ordenamento jurídico processual brasileiro. Nessa linha, as partes, o juiz e os terceiros interessados passam a ter maior participação na solução do litígio.

Portanto, percebe-se que o CPC, amparado no direito fundamental à liberdade previsto no artigo 5º da Constituição Federal, prestigiou a autonomia da vontade. Ademais, do direito à liberdade é possível se extrair o direito ao autorregramento, e desse, se fundamenta o princípio ao autorregramento da vontade no processo60.

Desse modo, o autorregramento da vontade das partes, presente no ordenamento jurídico brasileiro, permite que elas negociem sobre o processo. Por essa razão, é permitida a celebração de convenções e negócios jurídicos processuais. Vale destacar, por oportuno, que apenas os negócios jurídicos processuais serão tratados no presente trabalho.

Por isso, é importante salientar que o CPC permite às partes celebrar negócios jurídicos processuais típicos, cujo modelo já se encontra previamente estabelecido na lei, por exemplo, acordo para a suspensão do processo (artigo 313, II do CPC), calendário processual (art. 191, CPC), dentre outros, e negócios processuais atípicos previstos no art. 190.

Deve-se ter em mente nesse ponto o grande avanço trazido pelo legislador ao prever e consagrar, com a inserção da cláusula geral de negociação positivada no citado art. 190, ampla liberdade às partes para firmar negócios jurídicos sobre o processo, tendo como fim a solução do conflito, para além daqueles já expressamente previstos. Para Pedro NOGUEIRA, as partes podem celebrar acordos processuais atípicos sobre o procedimento, bem como quaisquer ônus, faculdades, direitos e deveres no processo61.

Vale ressaltar, diante do exposto, que a Fazenda Pública, enquanto parte no processo judicial, pode praticar atos processuais negociais, apesar de haver opiniões contrárias. Segundo Janaína Castelo BRANCO, entretanto, “não há razão nenhuma para pôr em xeque a possibilidade de as pessoas de direito público celebrarem negócios processuais unilaterais ou bilaterais (convenções), cabendo, todavia, uma investigação sobre o que pode ser negociado (objeto) e quais os limites dessa negociação” 62.

No mesmo sentido, o enunciado 256 do FPPC: “A Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico processual”.

Ante o exposto, para os fins deste trabalho, é fundamental conhecer o desenvolvimento dos negócios jurídicos processuais pela Fazenda Pública em juízo.

  1. A CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS PELA FAZENDA PÚBLICA E ADVOCACIA PÚBLICA À LUZ DO ART. 190 DO CPC

Como já mencionado, a Fazenda Pública, enquanto parte, pode celebrar atos negociais no processo civil. Não há, é necessário que se diga, vedação legal à celebração de negócios processuais típicos ou atípicos pelo Poder Público em juízo. Nesse ponto serão tecidas considerações sobre os negócios processuais atípicos celebrados pela Fazenda Pública. É importante salientar, todavia, que não se trata de negócios sobre o direito material discutido, mas sobre o procedimento, bem como direitos, deveres, ônus e faculdades dos sujeitos do acordo.

O CPC, em seu art. 190, assim dispõe: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. O dispositivo faz referência à cláusula geral que traz em seu bojo os negócios processuais atípicos.

Diante do que foi apresentado cabe fazer alguns esclarecimentos. O primeiro deles refere-se aos “direitos que admitam autocomposição”, pois o legislador excluiu a possibilidade de celebrar negócios processuais sobre direitos que não admitem autocomposição. Permitiu, portanto, o código que as partes firmassem acordos atípicos apenas quando a demanda versar sobre direitos que admitem autocomposição.

Vale ressaltar, além disso, que os direitos que não admitem autocomposição não podem ser confundidos com direitos indisponíveis. Ademais, de fato, no geral, a Fazenda Pública, em razão do interesse público, atua em defesa de interesses e direitos indisponíveis63.

Entretanto, é pacífico na doutrina processual brasileira que os direitos indisponíveis admitem autocomposição. O principal argumento para essa permissão é que as convenções processuais ocorrem sobre o processo e o procedimento e não sobre o direito material discutido.

No mesmo sentido, Antônio do Passo CABRAL afirma que

o critério do interesse público também parece ter ruído porque não se afigura como um parâmetro seguro para apontar a ilicitude do objeto de um acordo processual. Então, como já exposto à exaustão, não basta afirmar a presença de um “interesse público” para rejeitar a validade dos acordos processuais. Em qualquer processo há uma simbiose entre o público e o privado, que devem conviver equilibradamente. No processo cooperativo, supera-se a dicotomia publicismo-privatismo. 64

Consolidando o que foi afirmado, ademais, traz-se o enunciado nº 135 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “(art. 190) A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual”. Logo, pode-se concluir que, atendido o interesse público, é possível a negociação processual pelo Poder Público em juízo.

Além disso, tendo em mente o art. 190 do CPC citado acima, convém esclarecer ainda que, em se tratando de Fazenda Pública em juízo, sua representação é feita pela respectiva Procuradoria Judicial. Essa, juntamente com os procuradores que a compõem, constitui órgão da Fazenda Pública.

A esse respeito importa citar que a Constituição Federal, em seus artigos 131 e 132, atribuiu à Advocacia Pública a representação judicial e extrajudicial dos entes públicos. Em complemento, o art. 75 do CPC em seus incisos de I a III enumera os sujeitos que devem representar em juízo a União, os Estados e os Municípios.

Significa dizer, a esse respeito, nas palavras de Leonardo CUNHA, que

o advogado público quando atua perante os órgãos do Poder Judiciário é a Fazenda Pública presente em juízo. Em outras palavras, a Fazenda Pública se faz presente em juízo por seus procuradores. Segundo clássica distinção feia por Pontes de Miranda, os advogados públicos presentam a Fazenda Pública em juízo, não sendo correto aludir-se a representação. Com efeito, “o órgão torna presente, portanto, presenta a respectiva pessoa jurídica de cujo organismo faça parte. Esta é a razão pela qual não se haverá de exigir a outorga de mandato pela União e demais entidades de direito público a seus respectivos procuradores. 65

Desse modo, cabe ao advogado público, por força do art. 190 e de sua autonomia funcional, celebrar o negócio jurídico processual em nome da Fazenda Pública a qual esteja vinculado. Para Janaína Castelo BRANCO66, de forma acertada, “A cláusula geral do art. 190 é suficiente para respaldar a conduta negocial do advogado público”, pois este goza de independência funcional, além de lhe competir aplicar os princípios constitucionais, inclusive o da eficiência.

Contudo, há opinião contrária na doutrina brasileira que entende ser indispensável a instituição de ato normativo por cada ente federado para que os advogados públicos possam celebrar negócios processuais, visto que o art. 190 do CPC, por ser regra geral de celebração de convenções processuais, não traz autorização para que os procuradores possam celebrar tais negócios67.

Todavia, esse entendimento não merece acolhida, pois o CPC já autoriza a celebração pelo advogado público de negócios jurídicos processuais no caput do art.

190. O que pode e deve ser regulamentado pelas procuradorias é o objeto do negócio jurídico processual pela Fazenda Pública, bem como os limites objetivos e subjetivos de negociação, para garantir aos procuradores uma uniformidade de atuação e a impessoalidade no exercício da função.

  1. NEGÓCIOS PROCESSUAIS E AS PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA

Feitas considerações acerca da celebração de negócios jurídicos processuais pela Fazenda Pública é necessário que se analise agora se o Poder Público pode negociar sobre suas prerrogativas dentro do processo.

É preciso relembrar que o Poder Público atua de forma permanente na busca pelo interesse público no processo ou fora dele. Além disso, deve-se ter em mente que as prerrogativas, além de garantir o princípio da isonomia, são instrumentos de que dispõe a Fazenda Pública para o alcance do interesse público dentro do processo68.

Diante do exposto, mostra-se possível, portanto, no caso concreto, que o advogado público opte por realizar acordos sobre determinada prerrogativa processual, desde que o faça motivadamente e que seja vantajoso ao interesse público.

Cumpre mencionar, por fim, a existência de prerrogativas processuais que podem ser renunciáveis e, portanto, negociáveis, como por exemplo a prerrogativa de prazo diferenciado. Além disso, prerrogativas processuais irrenunciáveis, logo, inegociáveis, a exemplo da sistemática de precatórios judiciais.

  1. Negócio Sobre o Prazo Diferenciado

É certo que a Fazenda Pública possui a prerrogativa de prazo diferenciado não apenas quando atua como parte, mas também quando se apresenta em juízo como interveniente ou assistente. Além disso, essa diferenciação de prazo se dá através do prazo em dobro atribuído pelo CPC e de prazos próprios estabelecidos pelo próprio Código e pela legislação esparsa brasileira.

O art. 183 do CPC, por exemplo, determina que a Fazenda Pública, União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas possuem prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.

Por oportuno, o objetivo da prerrogativa de prazo diferenciado a favor do ente público no processo serve para garantir a isonomia entre as partes e evitar a perda do prazo para a prática de atos processuais diante do volume de demandas e da burocracia intrínseca ao serviço público no Brasil.

Com efeito, nada impede que a Fazenda Pública, por questões de estratégia processual e preservação do interesse público, em determinadas situações, observado o caso concreto, possa, a partir de um negócio jurídico processual firmado com a parte contrária, dispensar a prerrogativa de prazo para a prática de determinado ato, ou até mesmo durante todo o processo, por exemplo.

Nesse sentido, Janaína Castelo BRANCO afirma que a Fazenda,

caso esta entenda pela dispensabilidade do prazo diferenciado em determinado (s) processo (s), com vistas a acelerar o resultado da prestação jurisdicional, não haveria óbice a que negociasse o benefício. Se o próprio ente o entende desnecessário naquele contexto (inexistência, portanto, de ofensa ao interesse público), e se a parte contrária ou outros não estão sendo prejudicados pela negociação da prerrogativa, o negócio é possível sim. 69

Destarte, pode a Fazenda Pública, por exemplo, pactuar com a parte contrária que os recursos a serem interpostos por ambas no processo tenham prazos simples de interposição. É permitida também, como forma atípica de negociação processual, que seja celebrado acordo entre o Poder Público e a parte contrária para que a contagem dos prazos processuais dos negociantes se dê em dias corridos, muito embora o art. 219 do CPC preveja o prazo em dias úteis. No mesmo sentido o enunciado 579 do FPPC: “Admite-se negócio processual que estabeleça a contagem dos prazos processuais dos negociantes em dias corridos”.

Por fim, é importante ressaltar ainda que a referida negociação pode ser desfeita a qualquer tempo, não no mesmo processo, mas em causas semelhantes e posteriores, se em razão do interesse público o acordo processual não for mais estrategicamente relevante. Logo, caso o negócio jurídico celebrado não seja mais relevante ao ente público, seus procuradores podem optar por não o fazer em causas posteriores e que tenham o mesmo objeto.

Ante o exposto, em se tratando da prerrogativa de prazo diferenciado do Poder Público, é perfeitamente viável que seja celebrado negócio jurídico processual, desde que seja preservado o interesse público e não haja prejuízo a qualquer dos convenentes.

  1. Negócios Sobre Intimação Pessoal

O CPC expressamente menciona, no art. 183, caput, que a intimação da Fazenda Pública deve ser pessoal por carga, remessa ou meio eletrônico.

Trata-se de prerrogativa do Poder Público em qualquer processo, até mesmo no âmbito dos Juizados Especiais. Ademais, a Fazenda Pública se vale desse benefício quando participa do processo como parte, pessoa interessada ou amicus curiae70.

Entretanto, a depender do caso concreto, é possível que a intimação pessoal do Poder Público seja ineficiente, custosa, demorada ou até mesmo de impossível realização71. Feitas tais considerações, nada impede, mediante a análise de conveniência e oportunidade do advogado público, que o Poder Público celebre negócio processual com o objetivo de afastar a intimação por carga, remessa ou meio eletrônico.

Nessa linha, se a Fazenda Pública optar por celebrar o negócio com a parte adversa, pode estabelecer que sua intimação se dê por outra forma, a saber, por oficial de justiça, por via postal, ou outro meio eficiente. Entretanto, para que esse acordo seja válido, as partes devem assumir os custos processuais que dele decorrerem.

Logo, por exemplo, a Fazenda Pública e a parte contrária devem pagar as custas processuais relativas à intimação por oficial de justiça. Tal fato se deve, pois é vedada a transferência de externalidades negativas para o Judiciário em decorrência de negócios jurídicos processuais, de forma a onerá-lo substancialmente72.

Além disso, é importante que se diga que, da mesma forma como acontece na intimação pessoal, os autos devem ser disponibilizados ao advogado público no momento da intimação. Do contrário, dar-se-ia margem a prejuízos processuais ao Poder Público.

Isso posto, em relação à prerrogativa da intimação pessoal do Poder Público, é possível a celebração de negócio jurídico no processo, mediante análise de conveniência e oportunidade do advogado público, desde que não haja prejuízo processual à Fazenda Pública.

  1. Negócio Jurídico Sobre a Sistemática dos Precatórios

A Fazenda Pública, quando o resultado da demanda lhe for desfavorável e a depender do objeto respectivo, pode ser condenada pelo juízo em obrigação de pagar quantia certa, de fazer ou não fazer, ou de entrega de coisa. Nesse ponto, serão considerados os casos em que há condenação em obrigação de pagar.

Em vista disso, quando condenado em obrigação de pagar quantia certa, nos termos do art. 100 da CF, ao Poder Público é aplicada a sistemática dos precatórios. Isso significa que o pagamento dos créditos obtidos em face da Fazenda Pública será realizado mediante expedição de precatórios ou requisição de pequeno valor (RPV). O objetivo principal do constituinte com essa regra foi proteger a coletividade dos credores judiciais do Poder Público.

Além disso, o regime de precatórios é atribuído à Fazenda Pública, porque, uma vez obtido o título executivo judicial ou extrajudicial, as regras gerais de execução previstas no CPC não podem ser aplicadas. A ela, o Código previu a aplicação do disposto nos arts. 534, 535 e 910. Logo, uma vez executada, após a citação/intimação, deverá apresentar impugnação ou embargos à execução, jamais pagar imediatamente, tal como ocorre quando o particular é executado. Tal fato se dá em razão dos atributos de impenhorabilidade e inalienabilidade dos bens públicos73.

Note, diante do exposto, que o pagamento pelo ente público somente vai ser feito por precatório judicial ou requisição de pequeno valor. Isso ocorre não por mera vontade do constituinte e do legislador, mas para, principalmente, proteger toda a coletividade.

Contudo, o regime de precatórios previsto no art. 100 da CF traz regras objetivas que devem ser observadas pelas Fazendas Públicas, de forma a proteger também o credor judicial. Assim, por exemplo, a regra da ordem cronológica de apresentação dos precatórios faz com que haja uma fila de credores para receber o pagamento do ente público que deve a todos eles. Isso evita a preterição do pagamento dos credores mais antigos em detrimento dos mais recentes, fato que é vedado pela Constituição (art. 100, § 6º da CF).

Aqui se chega ao ponto de maior importância. Isso porque, diante de tudo que foi demonstrado, é relevante afirmar que não é possível a celebração de negócios jurídicos processuais sobre a sistemática de precatórios judiciais.

A despeito de não haver proibição expressa no ordenamento jurídico, à Fazenda Pública é vedado, ainda que haja concordância da parte, renunciar ou mesmo negociar o regime de pagamento de seus créditos por precatório judicial. É que, em determinado processo, caso seja celebrado acordo processual para que o Poder Público realize o pagamento imediato ao seu credor, haverá burla à ordem cronológica de apresentação dos precatórios anteriormente expedidos e não pagos. Haveria, desse modo, a preterição de credores judiciais que já se encontrassem em fila de espera para recebimento do que lhes é devido.

Nesse sentido, Janaína Castelo BRANCO afirma que

A justificativa, portanto, para a impossibilidade de renúncia ou negociação da sistemática de pagamento de dívidas judiciais do art. 100 da CF é a impossibilidade de negócio processual causar lesão direta a terceiros. Quando o art. 190 do CPC/15 autorizou que se negociassem ônus, poderes, deveres e faculdades, obviamente não autorizou ali a ofensa direta a garantias constitucionais de terceiros. Negócio com esse conteúdo seria claramente nulo. 74

Logo, é vedado o negócio processual celebrado sobre o regime de precatórios judiciais, em razão da possibilidade de causar prejuízo à coletividade e aos demais credores do ente público.

  1. Negócio Sobre a Dispensa do Preparo Recursal e Depósito na Ação Rescisória O CPC, em seu art. 1.00775, dispõe que o recorrente, no ato de interposição do recurso, deve comprovar o respectivo preparo, inclusive o porte de remessa e de retorno.

Todavia, o parágrafo 1º do referido artigo, em relação à Fazenda Pública, afirma que esta, por gozar de isenção legal, está dispensada da antecipação do preparo e do porte de remessa e retorno.

Além disso, o Poder Público em juízo está dispensado de depósito prévio, quando exigido, para a mesma finalidade. É o que determina o art.1º-A da Lei 9.494/97: “Estão dispensadas de depósito prévio, para interposição de recurso, as pessoas jurídicas de direito público federais, estaduais, distritais e municipais”.

Ademais, cumpre mencionar que o depósito prévio acima explicado não se confunde com o depósito para o ajuizamento da ação rescisória. Primeiro, porque ação rescisória, como o próprio nome já diz, não é recurso, mas ação autônoma de impugnação76. Depois, em razão de o art. 968, inciso II do CPC disciplinar que será depositada a importância de 5% (cinco por cento) do valor da causa no momento da propositura da referida ação a título de multa.

Dito isso, contudo, convém a ressalva de que o Código também dispensa a Fazenda Pública do pagamento de depósito para ajuizar ação rescisória. É o que estabelece o §1º do art. 968 do CPC: “Não se aplica o disposto no inciso II à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às suas respectivas autarquias e fundações de direito público, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e aos que tenham obtido o benefício de gratuidade da justiça”77.

Convém explicar, além do mais, que o preparo e o depósito em ação rescisória são custas processuais, que têm natureza jurídica de tributo, portanto, exigíveis desde logo do demandante. No entanto, como o ente público goza de dispensa legal, não são exigíveis deste previamente nos processos em que participe.

Assim, em razão do que foi afirmado acima, parte da doutrina entende que a Fazenda Pública goza de isenção tanto do preparo quanto do depósito de 5% (cinco por cento) do valor da causa no momento do ajuizamento da ação rescisória, com fundamento na literalidade do art. 1007, §1º do CPC e art. 1º-A da Lei 9.494/97.

Contudo, é necessário ressaltar que, com fundamento no art. 91, caput, do CPC, há na doutrina brasileira quem entenda que há o diferimento do pagamento do preparo pelo ente público para o final da ação, caso seja vencido, ou a sua isenção, caso seja vencedor da demanda. Nesse último caso, portanto, o pagamento do preparo não é realizado.

Feitas as considerações acima, passa-se à análise da possibilidade ou não de a Fazenda Pública celebrar negócio jurídico processual acerca da dispensa do preparo e do depósito de ação rescisória.

O negócio processual sobre o preparo e sobre depósito da ação rescisória não se mostra possível para a doutrina que afirma que a Fazenda Pública detém isenção legal do pagamento das referidas custas.

Para que assim entende, primeiro vale destacar que o princípio da legalidade, aplicável aos entes públicos determina que estes só podem agir caso a lei assim o determine. Logo, se o próprio legislador resolveu dispensar-lhes do pagamento de determinadas verbas em juízo e não fez qualquer menção sobre a disponibilidade dessa prerrogativa, há de se observar a legalidade.

Dessa forma, seria contrário ao determinado pela lei o pagamento ao Poder Judiciário de quantia não exigida.78 Nesse sentido, afirma Janaína Castelo BRANCO79: “não se mostra lícito que o ente público resolva pagar o que não é devido, situação totalmente diversa do reconhecimento de dívidas existentes”.

No entanto, para quem entende que há apenas o diferimento do pagamento preparo e do depósito da ação rescisória, caso o ente público seja vencido na demanda, o negócio jurídico processual é possível. Isso porque, como as referidas custas vão ser pagas ao final, nada impede que seja celebrado um acordo entre a Fazenda Pública e a parte contrária, desde que respeitado o interesse público. Por outro lado, caso o Poder Público se consagre vencedor da demanda, está isento do pagamento preparo e do depósito da ação rescisória. No presente trabalho, é bom que se mencione, se adota este último entendimento.

Ante o exposto, caso a Fazenda Pública seja vencida na demanda, o negócio jurídico processual sobre o preparo e sobre o depósito prévio exigido para a ação rescisória se mostra possível, desde que respeitado o interesse público. De outro lado, se vencedora, o negócio não vai ser possível, pois o Poder Público é isento do pagamento das referidas custas.

  1. Negócio Jurídico e o Percentual Diferenciado de Honorários nas Condenações do Ente Público

O art. 85, §3º do CPC fixou percentuais diferenciados de honorários advocatícios aplicáveis em todos os casos em que a Fazenda Pública atue como autora, ré ou interveniente, e se consagre vitoriosa ou seja vencida.

Nesse caso, por se tratar de percentuais que foram determinados pelo legislador, estende-se, com fundamento no princípio da legalidade, que o Poder Público não pode celebrar negócio jurídico de forma a aumentar ou reduzi-los, pois seria uma obrigação não prevista em lei. Além disso, não é válido negócio jurídico processual que tenha como objeto matéria de reserva legal, por exemplo, taxatividade dos recursos, percentuais de honorários advocatícios, dentre outros.

Todavia, há quem compreenda que é possível a celebração, em parte, de acordo processual sobre os honorários da Fazenda Pública. Para Janaína Castelo BRANCO80, é possível o negócio jurídico processual exclusivamente para diminuir os percentuais de honorários previstos em cada faixa do §3º do art. 85 do CPC, pois a parte contrária seria quem estaria dispondo de créditos e não o ente público, fato esse que não é vedado pela lei.

Contudo, é bom que se diga, esses argumentos são utilizados para o caso em que a Fazenda Pública seja vencida na demanda. Porém, não se aplica para os casos nos quais ela seja vencedora, haja vista o Poder Público não ter autorização legal para abrir mão de seus créditos nesse caso.

Vale ressaltar, por outro lado, que a referida autora compreende de forma acertada não ser possível negociação visando ao aumento dos percentuais previstos em lei, pois, ao celebrar esse negócio jurídico, o advogado público estaria impondo ao Poder Público uma obrigação não prevista em lei. O negócio, continua ela, se enquadraria como assunção espontânea de dívida pelo ente público sem qualquer respaldo legal.

Não obstante o posicionamento acima citado, continua-se a entender que não é possível negócio jurídico processual acerca dos percentuais diferenciados de honorários quando a Fazenda Pública for parte, pois não é lícito acordo processual que tenha por objeto matéria de reserva legal.

  1. Negócio Processual e a Remessa Necessária

A remessa necessária, que já era prevista no CPC/73, tinha a denominação de reexame necessário ou duplo grau de jurisdição obrigatório. Além disso, da mesma forma que o código anterior, o atual a inclui no capítulo XIII de “DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA”.

Tal fato não é coincidência. Quis o legislador que o referido instituto não fosse considerado recurso. Com efeito, não se trata de mecanismo de revisão de decisões judiciais dotado de voluntariedade, tampouco está previsto no rol taxativo de recursos do art. 994 do CPC.

Diante disso, a doutrina majoritária, e aqui cite-se Cassio Scarpinella BUENO81, dentre outros, entende que o instituto da remessa necessária tem natureza jurídica de condição de eficácia da sentença, pois enquanto não houver a remessa, na ausência de recurso interposto pelo Poder Público, a sentença não transitará em julgado.

Ademais, porque como bem conceitua Fernando CASTELO, “os recursos são instrumentos processuais voluntários, interpostos dentro da mesma relação processual, com a finalidade de reformar, anular ou integrar uma decisão judicial” 82. Em razão da ausência de voluntariedade, portanto, não há como se adequar a remessa necessária ao conceito de recurso.

Feitas essas ponderações, passa-se à análise da possibilidade de negociação processual acerca do reexame necessário. Prevalece na doutrina brasileira o entendimento de que é inadmissível o negócio jurídico processual que tenha como objeto o afastamento da remessa necessária. Tampouco se admite o acordo que vise à ampliação das hipóteses de remessa necessária ou das hipóteses de dispensa, pois se trata de matéria reservada à lei83.

No mesmo sentido, Leonardo CUNHA afirma

Os negócios processuais devem situar-se no espaço de disponibilidade outorgado pelo legislador, não podendo autorregular situações alcançadas por normas cogentes.

Logo não parece possível negócio que imponha remessa necessária. Esta depende de previsão em lei, pois se trata de matéria sujeita à reserva legal, estando afastada do âmbito de disponibilidade das partes.

De igual modo, não parece possível negócio processual que dispense reexame necessário, nas hipóteses em que não há dispensa legal. 84

Vale ressaltar, contudo, que Janaína Castelo BRANCO85, por considerar a remessa necessária como recurso de ofício, e, portanto, evidente a sua disponibilidade, pondera que é possível negócio processual para dispensa da remessa necessária. Afirma a autora que se a Fazenda Pública pode desistir do recurso, com a mesma razão pode desistir da remessa necessária.

Todavia, por razões já explicadas acima, quais sejam, ausência de voluntariedade, taxatividade recursal e princípio da legalidade, a posição da citada autora não merece acolhida.

Assim, ante o exposto, entende-se que não é possível que a Fazenda Pública celebre negócio jurídico processual sobre a remessa necessária.

CONCLUSÃO

Após todo o exposto no presente trabalho, é possível tecer algumas conclusões.

O CPC previu diversos princípios e garantias processuais, grande parte inspirados na Constituição Federal de 1988. Dentre os mais relevantes está o princípio da cooperação, expresso no texto do Código, bem como o princípio do autorregramento da vontade.

Diante disso, inaugurou-se um novo panorama no direito processual civil brasileiro, tendo como escopo oferecer aos sujeitos processuais a tutela tempestiva, adequada, justa e efetiva. Nesse prisma, é importante concluir que o legislador adotou o modelo cooperativo de processo a partir dos princípios da cooperação e do autorregramento da vontade.

Tal fato abriu espaço para a maior participação das partes, do juiz e de terceiros intervenientes na solução do conflito. Dentre as partes possíveis no processo civil está a Fazenda Pública. Atualmente, ela se apresenta como uma das maiores litigantes do país. Some-se a isso o fato de ela tutelar o interesse público. Portanto, deve-se concluir, que a Fazenda Pública ao atuar como parte, na perspectiva do CPC, ganhou protagonismo.

Desta feita, o legislador, de forma acertada, expressamente introduziu prerrogativas processuais em favor da Fazenda Pública para que possa se comportar dentro do processo em condição de igualdade com os demais sujeitos. Dentre as prerrogativas, foram citadas como as mais importantes, o prazo diferenciado, a intimação pessoal, o percentual diferenciado de honorários de sucumbência, o pagamento de dívidas por meio de precatórios e a remessa necessária.

Quanto a essa última, é necessário ressalvar que, apesar da divergência, prevalece que possui a natureza jurídica de condição de eficácia da sentença, pois em razão da ausência de voluntariedade e da não previsão expressa no rol taxativo do CPC, não pode ser denominada como recurso.

Ademais, na condição de parte no processo judicial, pode a Fazenda Pública, diante do dever de cooperação atribuído expressamente pelo art. 6º do CPC, celebrar negócios jurídicos processuais.

Acerca dos negócios jurídicos no âmbito do processo, deve-se ter em mente que na vigência dos Códigos de 1939 e 1973 a doutrina tratava apenas das convenções processuais típicas. Os negócios jurídicos processuais atípicos, acrescente-se, não tinham ganhado relevância e sequer foram tratados nos referidos diplomas legais.

Apenas com o advento do CPC de 2015, as discussões sobre a existência ou não do negócio jurídico atípico findaram. Não é para menos, o CPC trouxe em seu texto inúmeros casos de negócios processuais típicos, bem como a possibilidade de as partes celebrarem negócios processuais atípicos com fundamento no art. 190 do Código.

Nessa perspectiva, quanto aos negócios jurídicos processuais, esses podem ser conceituados como atos processuais de natureza negocial que constituem, extinguem ou modificam uma relação jurídica processual. Além disso, a todos os sujeitos processuais é dada a possibilidade de celebrar negócio jurídico no âmbito do processo.

Ademais, vale ressaltar, quanto a tipologia dos negócios jurídicos processuais, tomando como base o CPC, que esses se dividem em negócios jurídicos processuais típicos e negócios jurídicos processuais atípicos. Os negócios típicos são aqueles que estão previstos expressamente no Código de Processo Civil.

Já os negócios atípicos são aqueles cujo modelo não se encontra previamente estabelecido no CPC, podendo resultar de novos arranjos negociais dentro do processo. Esses últimos foram introduzidos pela cláusula geral de negociação processual estabelecida do art. 190 do CPC.

Em se tratando de negócio atípico, a cláusula geral do art. 190 autoriza que as partes tanto estipulem mudanças do procedimento, quanto convencionem sobre os ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.

Dando continuidade, é preciso compreender os requisitos de validade do referido negócio. Os requisitos de validade dos negócios jurídicos processuais atípicos dividem-se em gerais e específicos. Assim, os requisitos gerais são capacidade processual do sujeito, competência e imparcialidade do juiz, caso este seja sujeito do negócio, e ausência de manifesta vulnerabilidade da parte.

Já os requisitos específicos são direitos que admitem autocomposição, respeito ao formalismo processual e não inserção abusiva em contrato de adesão. Desses requisitos, podem ser extraídas importantes conclusões.

Primeiramente, o legislador entendeu que é necessário que os direitos objeto da demanda admitam autocomposição. Concluiu-se, em razão da abrangência da expressão “direitos que admitam autocomposição”, que essa se refere, tanto a direitos disponíveis quanto a direitos indisponíveis. Logo, dentre os direitos indisponíveis que admitem acordo processual é possível citar os direitos da Fazenda Pública, objeto do presente trabalho.

Posteriormente, o legislador expressamente expôs como requisito para a celebração de negócios jurídicos processuais que as partes fossem plenamente capazes. Seu intuito foi claramente proteger as partes absoluta e relativamente incapazes. Por fim, o parágrafo único do art. 190 do CPC exige que a convenção processual não possua parte em manifesta condição de vulnerabilidade. A referida vulnerabilidade não é econômica, mas técnica ou jurídica, no sentido de que a parte vulnerável deve estar devidamente representada por advogado ou defensor público no momento da celebração do negócio jurídico processual.

Além do mais, sobre os negócios jurídicos processuais atípicos se concluiu ainda que podem ser celebrados antes ou durante o processo. Por derradeiro, os negócios jurídicos processuais atípicos, por serem manifestações de vontade dos sujeitos processuais, geralmente, independem de homologação judicial, pois os atos negociais, na vigência do CPC de 2015, produzem efeitos imediatamente. A homologação do juiz só vai ser exigida quando assim for convencionado.

Chega-se neste ponto ao tema central do presente trabalho: a Fazenda Pública e os negócios jurídicos processuais. Como se notou, o Poder Público em juízo pode celebrar convenções processuais típicas ou atípicas, com fundamento no art. 190 do CPC.

Feitas essas considerações, foi analisada a possibilidade de a Fazenda Pública celebrar negócios processuais atípicos sobre as prerrogativas que lhe foram postas, já que algumas delas são renunciáveis e outras irrenunciáveis.

Em conclusão, quanto à prerrogativa de prazo diferenciado se concluiu pela possibilidade de a Fazenda Pública celebrar negócios jurídicos processuais, desde que preservado o interesse público e não haja prejuízo a qualquer dos convenentes.

Já quanto a intimação pessoal, também se admite a possibilidade de celebração de negócio jurídico processual, contanto que não haja prejuízo ao Poder Público em juízo, e que eventuais acréscimos ou ônus financeiros sejam repartidos entre as partes.

Ademais, quanto ao regime de precatórios não se mostra viável a celebração de negócios jurídicos processuais, pois tal regime se estabeleceu em razão da indisponibilidade dos bens públicos, veio para proteger toda a coletividade, bem como para evitar prejuízos aos demais credores do ente público. Já quanto à dispensa do pagamento de preparo recursal e do depósito de 5% (cinco por cento) para ajuizamento da ação rescisória, concluiu-se pela possibilidade de celebrar o negócio jurídico processual caso a Fazenda Pública seja vencida na demanda. Todavia, na hipótese de figurar como vencedora, em razão da isenção legal do pagamento das referidas custas, não é possível acordo processual sobre elas.

Por derradeiro, acerca da prerrogativa de percentuais diferenciados para honorários de sucumbência, concluiu-se que não é possível negócio jurídico processual acerca dos percentuais diferenciados de honorários quando a Fazenda Pública for parte, pois não é válido negócio jurídico processual que tenha por objeto matéria de reserva legal. Além disso, sobre a prerrogativa da remessa necessária, entendida como condição de eficácia da sentença, é inadmissível o negócio jurídico processual que tenha como objeto o afastamento da referida prerrogativa. Por fim, não é possível o acordo que vise a ampliação das hipóteses de remessa necessária e das hipóteses de dispensa, pois se trata de matéria reservada à lei.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder público em juízo para concursos. 7. ed., rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm. 2017.

BRANCO, Janaína Soares Noleto Castelo. Advocacia pública e solução consensual dos conflitos. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: volume único. 4. ed. São Paulo: Saraiva.

CABRAL, Antônio do Passo. Convenções Processuais. 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm. 2018.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 5.ed. São Paulo: Atlas. 2019.

CASTELO, Fernando Alcantara. Coisa julgada parcial e ação rescisória no código de processo civil de 2015. 2018. Tese (Mestrado em direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018.

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda pública em Juízo. 15. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: Ed. JusPodivm. 2017. v.1.

Fredie; Braga, Paula Sarno; Oliveira, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 13. ed. Salvador: Ed. JusPodivm. 2018. v.2.

Fredie; Cunha, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 14. ed. Salvador: Ed. JusPodivm. 2018. v.3.

MARINONI, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz; e Mitidiero, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. 3.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. v.1.

MEDINA, José Miguel Garcia. Direito Processual civil moderno. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2017.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973: arts. 476 a 565. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998,

v. 5, p. 207; apud BRANCO, Janaína Soares Noleto Castelo. Advocacia pública e solução consensual dos conflitos. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.

NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 3. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Ed. Juspodivm.

Supremo Tribunal Federal. Supremo em ação 2017: ano-base 2016. Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2017.

TALAMINI, Eduardo. A (in) disponibilidade do interesse público: consequências processuais (composições em juízo, prerrogativas processuais, arbitragem, negócios processuais e ação monitória). Revista de processo. vol. 264. ano 42. São Paulo: Editora RT, fev. 2017.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; e Talamini, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018. v.1.

Sobre os autores
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!