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Terceirização de serviços de transporte rodoviário de cargas: a incidência da lei 6.019/1974 e o aparente conflito com a lei 11.442/2007

Agenda 22/04/2024 às 12:52

TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS: a incidência da Lei 6.019/1974 e o aparente conflito com a Lei 11.442/2007

Rafael Brisque Neiva 1

O aparente conflito entre a Lei 11.442/2007, que dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração, e a Lei 6.019/1974, que dispõe sobre a prestação de serviços a terceiros (terceirização de serviços), ganhou protagonismo em decisões proferidas pelos mais diversos órgãos, singulares e colegiados, da Justiça do Trabalho. E, nestas decisões judiciais, revela-se um flagrante erro no que tange à interpretação e à aplicação dos referidos diplomas legais, com potencial de prejudicar inúmeros motoristas profissionais empregados por todo o Brasil.

Em muitas dessas ações trabalhistas, por meio das quais motoristas empregados buscam o reconhecimento de obrigações trabalhistas inadimplidas por parte da empresa transportadora empregadora, está presente uma típica relação de terceirização de serviços de transporte. Por esse motivo, na propositura da ação trabalhista o motorista-empregado indica a figurar no polo passivo da ação não apenas a sua própria empregadora (empresa transportadora) inadimplente, como também a contratante (tomadora dos serviços) por ser esta subsidiariamente responsável quanto àquelas obrigações, nos termos do item IV da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do art. 5º-A, § 5º, da Lei 6.019/1974.

No entanto, da análise das decisões judiciais proferidas nesses processos que envolvem a atividade de transporte de mercadorias ou cargas, ou seja, a contratação de pessoas jurídicas (terceiros) para prestação dos serviços de transporte, constata-se que, em grande parte delas, os eminentes julgadores desconsideram a aplicação da Lei 6.019/1974 por entender não se tratar de uma relação de terceirização de serviços, mas, sim, de uma relação eminentemente comercial, devendo-se aplicar, portanto, tão somente a Lei 11.442/2007.

Denota-se, por conseguinte, com base na interpretação legal predominante nesses casos, a existência de um possível conflito entre as Leis 11.442/2007 e 6.019/1974. Nesse sentido, tal linha interpretativa adotada pelos julgadores afasta a atividade de transporte rodoviário de cargas, definida como uma atividade econômica de natureza comercial pelo art. 2º da Lei 11.442/2007, daquelas atividades passíveis de terceirização pelas empresas contratantes previstas no art. 4º-A da Lei 6.019/1974.

Conforme será devidamente demonstrado neste texto, o pretenso conflito normativo definitivamente não se insurge nesses casos. Por possuírem finalidades distintas e regularem coisas e relações específicas distintas, ambas as leis, seguramente, devem ser observadas e aplicadas, no que couber, quando da contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços de transporte rodoviário de cargas.

A equivocada interpretação e aplicação da Lei 11.442/2007 em detrimento da Lei 6.019/1974, para além da possibilidade de frustrar o recebimento por motoristas empregados de verbas trabalhistas devidas e inadimplidas, tem o potencial de precarizar relações de trabalho que envolvam o transporte rodoviário de cargas realizado por motoristas empregados, notadamente no que tange à segurança e à saúde desses trabalhadores. Para mais, tem o potencial de consolidar uma jurisprudência que contrarie as finalidades e prejudique as eficácias jurídica e social daquelas leis.

Dito isso e, tendo em vista a relevância do tema e seu protagonismo nas reiteradas decisões judiciais envolvendo direitos trabalhistas afetos aos motoristas empregados, o presente texto, sem a pretensão de esgotar o debate acerca do tema, se propõe a enfrentar devidamente o imbróglio jurídico que se apresenta de forma a contribuir para a correta interpretação, incidência e aplicação das leis aqui trazidas e discutidas.

Para tanto, dentre outras abordagens importantes e necessárias a serem feitas para a compreensão do tema, faz-se imperioso explorar os principais artigos e regramentos das Leis 11.442/2007 e 6.019/1974, as características e as finalidades dessas normas, as circunstâncias para suas respectivas aplicações e a relação entre elas, com destaque nesta interação para os pontos que suscitam possíveis antinomias.

Por uma questão didática e, visando a um melhor entendimento do assunto, será abordada a Lei 11.442/2007 para, após, ser abordada a Lei 6.019/1974. Findadas as abordagens específicas, clarear-se-ão os equívocos interpretativos que afetam a compreensão dessas normas, possibilitando-se, assim, a partir das conclusões deste estudo, uma maior segurança jurídica na aplicação dos referidos dispositivos legais aos casos concretos analisados pela Justiça do Trabalho.

A Lei 11.442/2007 tem amparo nos arts. 730 a 733 do Código Civil, referentes a disposições gerais de transporte. É considerada uma lei especial para os contratos de transporte rodoviário de cargas por ela regulados, nos termos do art. 732 do Código Civil.

Antes de explorar os principais artigos da Lei 11.442/2007, vale mencionar parte importante da justificação do Projeto de Lei (PL) 4358/2001 que deu origem àquela lei. Numa das partes desta justificação o legislador diz “Esta proposição visa criar mecanismos, disposições legais e regras sobre o transporte rodoviário de cargas, bem como, disposição das partes constitutivas de suas operações. O projeto de lei tem o cuidado de reservar a atividade do transporte rodoviário de carga faculdade regulamentadora da natureza comercial e econômica, exercida por pessoa física ou jurídica, em regime de livre concorrência, inclusive, fixando competência a Justiça Comum ao julgamento das ações provenientes dos contratos de transporte de cargas e decursivo da prestação de serviços, de profissional, que trabalha sem qualquer subordinação e com autonomia, inexistindo vínculo de emprego e sem controle de horário”.

Pela justificação, fica clara a intenção do legislador em criar regras para o transporte rodoviário de cargas e dispor acerca dos agentes envolvidos na operação dessa atividade. Ainda, a justificação mostra a preocupação do legislador em reservar à atividade de transporte de carga uma faculdade regulamentadora de natureza comercial e econômica, destacando a competência da Justiça Comum para o julgamento de ações oriundas de contratos de transporte firmados por profissionais na condição de autônomos, inexistindo subordinação e vínculo de emprego nessas relações comerciais.

Em resumo, na justificação, em um primeiro momento, o legislador objetiva um regramento para a atividade de transporte rodoviário de cargas, ou seja, tem como foco a própria atividade econômica em si. Num segundo momento, o legislador objetiva facultar o desempenho daquela atividade em caráter comercial e econômico, seja por pessoa física ou jurídica. Neste ponto, percebe-se a vontade do legislador em proporcionar liberdade ao motorista profissional pessoa física que trabalha com autonomia, garantindo-lhe, assim, a possibilidade de prestar serviços de transporte sem vínculo empregatício. Decerto, o legislador não teve a intenção de atacar o serviço prestado por pessoa jurídica, pois esta, em nenhuma hipótese, pode ser empregada (um dos requisitos da relação de emprego é o trabalho prestado por pessoa física).

Adentrando a análise das principais regras e definições contidas na Lei 11.442/2007, destaca-se, inicialmente, o art. 1º, que, em linha com o objeto legal, descreve as finalidades da Lei 11.442/2007, nos seguintes termos: “Esta Lei dispõe sobre o Transporte Rodoviário de Cargas – TRC realizado em vias públicas, no território nacional, por conta de terceiros e mediante remuneração, os mecanismos de sua operação e a responsabilidade do transportador”. Destarte, a lei regulamenta o transporte rodoviário de cargas realizado com onerosidade por terceiros, sua operação e a responsabilidade do transportador.

Uma análise mais atenta da descrição contida no seu art. 1ª já é capaz de revelar uma importante característica finalística da Lei 11.442/2007, qual seja, disciplinar o transporte rodoviário de cargas realizado por conta de pessoa física autônoma.

Nesse sentido, na descrição do art. 1º é fácil notar a utilização intencional pelo legislador das palavras ‘terceiros’ e ‘remuneração’. A palavra ‘terceiros’ remete a prestadores de serviços desvinculados e alheios ao proprietário da carga, o qual é o contratante do transporte. Logo, afasta-se a prestação de serviços por conta do próprio contratante, proprietário da carga, e de seus empregados. Já a palavra ‘remuneração’, por sua vez, remete a uma contraprestação de natureza pecuniária paga pelo contratante beneficiário a uma pessoa física, e não jurídica, prestadora dos serviços de transporte. Tanto na legislação trabalhista como na legislação civil, o termo ‘remuneração’ é amplamente utilizado como uma contraprestação paga por serviços prestados por pessoa física, ou seja, com uso da energia do trabalho humano, não se confundindo com o valor dos serviços como cláusula contratual avençada, e pago como contraprestação à pessoa jurídica prestadora de serviços.

O art. 2º dispõe o seguinte: “A atividade econômica de que trata o art. 1o desta Lei é de natureza comercial, exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concorrência, e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTR-C na Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, nas seguintes categorias: I - Transportador Autônomo de Cargas - TAC, pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional; II - Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas - ETC, pessoa jurídica constituída por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal; III - Cooperativa de Transporte Rodoviário de Cargas (CTC), sociedade cooperativa na forma da lei, constituída por pessoas físicas e/ou jurídicas, que exerce atividade econômica de transporte rodoviário de cargas”.

Neste artigo 2º, para uma análise correta acerca da natureza imposta à atividade de transporte rodoviário de cargas e dos interessados em sua exploração, faz-se imprescindível a devida remissão ao Direito de Empresa regulado pelo Código Civil.

O art. 966 do Código Civil define empresário como quem “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Já o parágrafo único daquele artigo exclui do conceito de empresário “quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. Dessa forma, a caracterização ou não do empresário está diretamente ligada à sua atividade e à forma de exercê-la: o exercício de atividade econômica organizada de forma profissional atrai a condição de empresário e o exercício pessoal de atividade intelectual, científica, literária ou artística afasta a condição de empresário. Ainda, o empresário pode ser pessoa física, definido como empresário individual, ou pessoa jurídica, neste caso definido como sociedade empresária.

Dito isso, denota-se que a classificação para o transporte rodoviário de cargas como atividade econômica de natureza comercial, bem como as definições das categorias que a exercem, contidas no caput e nos incisos I e II do art. 2º da Lei 11.442/2007, apenas têm o condão de atribuir ao TAC, pessoa física que exerce atividade econômica de transporte rodoviário de cargas de forma autônoma, a condição de empresário individual, e de atribuir ao ETC, pessoa jurídica que tem como atividade econômica principal o transporte rodoviário de cargas, a condição de sociedade empresária.

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Observe-se também que a definição legal da ETC, conforme delineada acima, possibilita sua constituição como pessoa jurídica sob qualquer forma prevista para as sociedades empresariais no Código Civil.

Ademais, o TAC, pessoa física e empresário individual, em consonância com o art. 4º, § 4º, da Lei 11.442/2007, é segurado obrigatório da Previdência Social como contribuinte individual, conforme a definição de autônomo pela Lei 8.212/1991 como “a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não” (art. 12, V, h, da Lei 8.212/1991).

Por último, finalizando a análise do art. 2º, da leitura de parte do caput percebe-se o intuito do legislador em controlar, fiscalizar e regular a atividade econômica de transporte rodoviário de cargas por meio da ANTT, exigindo-se do transportador a inscrição prévia no registro da agência reguladora competente. Mostra-se, assim, um regramento com vistas exclusivamente à operação da referida atividade.

Avançando nas principais regras contidas na Lei 11.442/2007, e que interessam à discussão proposta por este texto, o caput do art. 4º diz que “o contrato a ser celebrado entre a ETC e o TAC ou entre o dono ou embarcador da carga e o TAC definirá a forma de prestação de serviço desse último, como agregado ou independente”.

Destaca-se no caput deste art. 4º o direcionamento normativo para o TAC ao colocá-lo como figura central nas relações estabelecidas e que envolvem três atores: a ETC, o TAC e o dono ou embarcador da carga. Desse modo, o dispositivo legal trata apenas de contrato a ser celebrado entre a ETC e o TAC ou entre o dono ou embarcador da carga e o TAC. Não há menção a nenhum contrato a ser celebrado entre o dono ou embarcador da carga e a ETC, restringindo o dispositivo legal a serviços prestados exclusivamente pelo TAC.

Em sintonia com o caput, todas as regras dos quatro parágrafos do art. 4º concentram-se no TAC. Os §§ 1º e 2º trazem as definições de TAC-agregado e TAC-independente, o § 3º faculta ao TAC a cessão do veículo em regime de colaboração a outro profissional, denominado TAC – Auxiliar, não implicando tal cessão a configuração de vínculo de emprego, o § 4º, já mencionado anteriormente, obriga o TAC – Auxiliar a contribuir para a Previdência Social de forma idêntica à do TAC e, por fim, o § 5º afirma que as relações decorrentes dos contratos estabelecidos entre o TAC e o TAC – Auxiliar ou entre o TAC e o dono ou embarcador da carga não caracterizarão vínculo de emprego.

O caput do art. 5º, vinculando-se ao art. 4º, determina que “as relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4o desta Lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego”. O § 2º informa que a contratação direta do TAC pelo proprietário da mercadoria se dará nos termos da Lei 11.442/2007 e será considerada de natureza comercial, conforme o próprio caput. Já o § 3º estabelece ser da Justiça Comum o julgamento das ações oriundas dos contratos de transportes de cargas.

Pela relevância e por se tratarem de dispositivos legais fundamentais para as conclusões a que se pretende chegar o presente estudo, os artigos 4º e 5º da Lei 11.442/2007 acima descritos merecem uma análise pormenorizada quanto a seus principais comandos e finalidades.

Primeiramente, vislumbra-se a finalidade dos artigos em tratar, exclusivamente, de relações contratuais de transporte de cargas em que o Transportador Autônomo de Cargas (TAC) seja parte. Portanto, relações contratuais em que o TAC não figura como parte não foram objeto de intervenção normativa pelo legislador.

No tocante às relações contratuais decorrentes de contrato de transporte de cargas (ETC - TAC, dono/proprietário da carga/mercadoria – TAC e TAC – TAC Auxiliar), os dispositivos legais atinentes afirmam ser de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego.

Nesse ponto, ratificando o foco do legislador na figura do TAC, é evidente que os dispositivos legais tratam de serviços de transporte prestados por pessoas físicas, já que pessoa jurídica, em nenhuma hipótese, pode figurar como empregado ou possuir qualquer vínculo de emprego. Logo, no caso de serviços onerosos de transporte prestados por pessoas jurídicas (ETC), as relações contratuais serão sempre de natureza civil ou comercial/empresarial.

No entanto, a despeito da natureza comercial das relações contratuais estabelecidas pelo TAC e da não caracterização de vínculo empregatício, por óbvio, na hipótese de ser detectada fraude no caso concreto (art. 9º da CLT) e estarem presentes os requisitos configuradores da relação de emprego (arts. 2º e 3º da CLT), a relação comercial deverá ser desconsiderada e o vínculo de emprego reconhecido (princípio da primazia da realidade). Nem poderia ser diferente, pois o ordenamento jurídico brasileiro não tolera nenhum tipo de fraude. Para mais, nessa hipótese de ocorrência de fraude, a competência da Justiça Comum prevista para o julgamento de ações que envolvam contratos de transportes de cargas passaria a ser da Justiça do Trabalho.

Ainda em relação à intenção do legislador em dar total autonomia para o TAC na prestação de seus serviços de transporte, vinculando-o a uma relação comercial, e não de emprego, o próprio art. 442-B da CLT ratifica a pertinência desses dispositivos legais ao legitimar a contratação de autônomo como terceiro para desempenhar quaisquer atividades do contratante, nos seguintes termos: “A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação”.

Finalizada a abordagem especifica dos artigos da Lei 11.442/2007 que se mostram mais relevantes para o propósito deste texto, faz-se necessária uma breve abordagem, mesmo que geral, dos demais artigos e conteúdos normativos constantes naquela lei, a fim de contribuir para a elucidação de suas reais finalidades e aplicações nas mais diversas relações decorrentes do contrato de transporte de cargas.

Os demais artigos da Lei 11.442/2007 tratam de questões atinentes a pagamentos e documentos obrigatórios para a prestação dos serviços de transporte, a responsabilidades por pagamentos e prejuízos às cargas, e à contratação obrigatória de seguros.

Em vista disso, alguns artigos contêm regras a serem seguidas para o pagamento de frete ao TAC, incluindo previsão de responsabilidade solidária do contratante e do subcontratante dos serviços de transporte, bem como do consignatário e do proprietário da carga, quanto àquele pagamento devido ao TAC.

Outros artigos obrigam a emissão de contrato ou conhecimento de transporte para o transporte rodoviário de cargas, com informações completas das partes, dos serviços e de natureza fiscal, e imputam responsabilidades à ETC e ao TAC. Assim, com a emissão desses documentos, a ETC e o TAC assumem perante o contratante a responsabilidade quanto à execução dos serviços de transporte de cargas e pelos prejuízos causados às cargas sob sua custódia, assim como os decorrentes de atraso em sua entrega com prazo pactuado.

Por derradeiro, alguns artigos regulam a contratação obrigatória de seguros pelos transportadores referentes a sua responsabilidade civil por roubo, furto e danos às cargas e a sua responsabilidade civil por danos a terceiros causados pelo uso do veículo no transporte das cargas.

Isso posto, a partir da análise detalhada dos seus principais artigos, ficam claras as reais finalidades normativas da Lei 11.442/2007, assim resumidas: I – regular as relações decorrentes do contrato de transporte de cargas exercido profissionalmente e com autonomia por pessoa física, de forma exclusiva ou não, atribuindo àquelas relações uma natureza comercial, de modo a não caracterizar vínculo de emprego entre o transportador autônomo de cargas e seu contratante ou subcontratante, seja este o proprietário das cargas ou uma empresa de transporte rodoviário de cargas; II – regular o transporte rodoviário de cargas como uma atividade econômica de natureza comercial, exigindo para sua exploração registro na ANTT, agência reguladora responsável pelo controle e fiscalização da referida atividade; III – regular a forma como se dará o pagamento ao transportador autônomo de cargas pelos serviços prestados, bem como os responsáveis por tal pagamento; IV - regular os documentos obrigatórios a serem emitidos e seus conteúdos, como condição para a prestação dos serviços de transporte rodoviário de cargas; e V – regular as responsabilidades, de natureza civil, imputadas ao transportador, pessoa física ou jurídica, pelos danos causados às cargas ou a terceiros durante a prestação do serviço de transporte rodoviário de cargas, como também os respectivos seguros de contratação obrigatória por esse transportador para cobertura desses eventos.

Diante de todo o exposto até aqui e, com base na integralidade da Lei 11.442/2007, verifica-se que esta lei não regula, e nem teve a pretensão de regular, relações decorrentes do contrato de transporte de cargas exercido por pessoa jurídica na condição de prestadora de serviços.

Por óbvio, essas relações envolvendo empresas que prestam serviços de transporte são, e sempre serão, de natureza civil ou comercial, seja a tomadora dos serviços pessoa física ou jurídica, pois não há que se falar em relação de trabalho envolvendo uma pessoa jurídica na condição de prestadora de serviços.

Ademais, não há no diploma legal nenhuma menção, expressa ou não, quanto à figura do motorista-empregado. Este é a pessoa física que mantém vínculo de emprego com a empresa transportadora pessoa jurídica, ou seja, o motorista-empregado é aquele que, por meio de um contrato de trabalho, executa a atividade de transporte em nome de sua empregadora, a empresa transportadora prestadora dos serviços.

Assim sendo, é imperioso repisar e afirmar que a Lei 11.442/2007 não dispõe sobre as relações decorrentes da prestação de serviços por empresa de transporte rodoviário de cargas que se utiliza de motoristas próprios, na condição de empregados, para a execução das atividades de transporte. Portanto, não se pode estender o regramento contido na lei e exclusivo para as relações decorrentes do transporte realizado diretamente por motorista profissional, pessoa física, na condição de autônomo, para as relações decorrentes do transporte realizado por empresa transportadora, pessoa jurídica, por meio de motoristas profissionais subordinados e na condição de empregados.

Nessa linha, para a empresa transportadora pessoa jurídica são previstas outras regulações afetas somente ao transporte rodoviário de cargas em si, ou seja, ao exercício ou desempenho dessa atividade econômica de natureza comercial. Com efeito, para a empresa transportadora pessoa jurídica, a Lei 11.442/2007 apenas contempla regras acerca da exploração da atividade econômica de transporte rodoviário de cargas, sujeitando-a, inclusive, ao controle, à fiscalização e a sanções administrativas pela ANTT.

De forma diversa, verifica-se que a Lei 11.442/2007 regula as relações decorrentes do contrato de transporte de cargas exercido com autonomia por pessoa física e mediante remuneração na condição de prestadora de serviços, prevendo que tais relações são sempre de natureza comercial (art. 4º e parágrafos, e art. 5º e parágrafos), não caracterizando, em nenhuma hipótese, uma relação de emprego. O legislador, expressamente, afastou o reconhecimento de vínculo de emprego nos serviços prestados, com autonomia, por transportador pessoa física à empresa transportadora (subcontratação) e, diretamente, ao proprietário da carga (contratação).

Neste caso, sim, por ser pessoa física o motorista profissional que presta serviços de transporte poderia estar envolvido em relações trabalhistas, e não comerciais, com a possibilidade do reconhecimento de vínculos de emprego. Logicamente, por esse motivo, o legislador tratou de regular somente tais relações, afirmando a autonomia do transportador de cargas pessoa física e a natureza comercial das relações que estabelece com os contratantes beneficiários de seus serviços.

Finalizando a análise específica da Lei 11.442/2007, mostra-se imprescindível explorar os principais pontos da ADC 48 / DF e da ADI 3961 / DF, analisadas conjuntamente, por meio das quais foi discutida a constitucionalidade ou não daquela lei, restando-se declarada constitucional em sua integralidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano de 2020.

Ao encontro de toda a análise realizada até aqui, a ementa do acórdão proferido pelo STF nas mencionadas ações traz em seus itens algumas lições acerca das finalidades e da regulação contida na Lei 11.442/2007. O item 1 da ementa diz o seguinte: “A Lei nº 11.442/2007 (i) regulamentou a contratação de transportadores autônomos de carga por proprietários de carga e por empresas transportadoras de carga; (ii) autorizou a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras; e (iii) afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese”.

Com efeito, esse item da ementa resume o propósito da lei e o que ela, de fato, regulamenta: a contratação de transportadores autônomos de carga por proprietários de carga ou por empresas transportadoras de carga, autorizando-se a terceirização da atividade de transporte (atividade-fim) pelas empresas transportadoras e afastando-se a configuração de vínculo de emprego em quaisquer dessas hipóteses contratuais. Reitera-se, o acórdão do STF ratifica que a Lei 11.442/2007 regulamenta, especificamente, relações advindas da contratação de transportador autônomo de carga pessoa física, e não relações advindas da contratação de empresa transportadora de carga pessoa jurídica.

E, nos demais itens, o STF conclui pela constitucionalidade da regulamentação trazida pela Lei 11.442/2007 ao afirmar que é legítima a terceirização da atividade-fim de uma empresa e que, uma vez preenchidos os requisitos dispostos na referida lei, restará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista.

Ressalta-se que o acórdão do STF deixa claro que o transportador autônomo de cargas não se confunde com o motorista-empregado, e que este, por não ser regulado pela Lei 11.442/2007, também não foi objeto de análise. Embora possam prestar os serviços de transporte a uma mesma empresa transportadora ou proprietária das cargas, o primeiro o faz por meio de uma relação comercial e o segundo por meio de uma relação trabalhista, especificamente uma relação de emprego.

Nesse sentido, vale destacar trecho da antecipação do voto pela constitucionalidade da lei do Ministro Luís Roberto Barroso (Relator), que diz: “Entendo que é preciso ter em conta, relativamente a essa lei, que o mercado de transporte de carga convive com três figuras diferentes: a empresa de transporte de carga; o transportador autônomo de carga e o motorista empregado. Nós aqui não estamos tratando do motorista empregado”. Ainda, vale também mencionar parte de seu voto, nos seguintes termos: “Note-se, ademais, que as categorias previstas na Lei nº 11.442/2007 convivem com a figura do motorista profissional empregado, prevista no art. 235-A e seguintes da CLT. O TAC constitui apenas uma alternativa de estruturação do transporte de cargas. Não substitui ou frauda o contrato de emprego”.

Passa-se agora a abordagem da Lei 6.019/1974, com destaque para suas finalidades e principais regras acerca da terceirização de serviços nela contidas.

Até o ano de 2017 não havia lei regulamentando a terceirização de serviços, a qual era disciplinada unicamente pela Súmula 331 do TST. Com a promulgação das Leis 13.429/2017 e 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), ambas alteraram a Lei 6.019/1974 e esta passou a regulamentar também, além do trabalho temporário, a terceirização de serviços.

Posto isso, inicialmente, faz-se importante reproduzir o art. 4º-A da Lei 6.019/1974, que dispõe: “Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.

Este artigo, ao definir terceirização de serviços, não só traz as principais informações para a análise da abrangência e das características fundamentais desse instituto jurídico, como também as relações contratuais decorrentes de sua aplicação para os agentes envolvidos.

Com base na redação do art. 4º-A, a prestação de serviços a terceiros (terceirização de serviços) pode ser definida como a transferência da execução de atividades da empresa tomadora a empresas prestadoras de serviços especificados, constituindo-se, assim, numa relação trilateral entre o trabalhador empregado, a empresa prestadora de serviços (empregadora) e a empresa tomadora, que é a contratante dos serviços.

Assim, o trabalhador mantém vínculo de emprego com o prestador de serviços (terceiro contratado), mas disponibiliza o resultado de sua energia ou força de trabalho a um tomador de serviços (contratante) diverso do seu empregador. E, entre o prestador de serviços e o tomador de serviços, há uma relação comercial de natureza civil (contrato de prestação de serviços).

O art. 4º-A também ampliou o próprio objeto da terceirização de serviços, com a permissão para que a contratante (tomadora dos serviços) transfira a execução de quaisquer de suas atividades a empresa prestadora de serviços contratada, seja atividade-meio, seja atividade-fim, pondo fim à controversa dicotomia até então prevista na Súmula 331 do TST, e que orientava a licitude ou não da terceirização. Tal ampliação legal do objeto da terceirização de serviços foi considerada constitucional pelo STF por meio da ADPF 324 / DF e do RE 958252.

Nesse ponto, ao permitir a terceirização irrestrita de quaisquer atividades pela empresa tomadora de serviços, o legislador, em respeito ao princípio constitucional da livre iniciativa, garantiu liberdade aos agentes econômicos para traçar suas estratégias empresariais em busca de redução de custos e de serviços com maior eficiência, produtividade e competitividade.

Ainda, o art. 4º-A define que somente pessoa jurídica pode ser contratada mediante terceirização, o que significa que a prestadora de serviços contratada não pode ser pessoa física nem empresário individual. Observe-se que o empresário individual não detém a qualidade de pessoa jurídica, tratando-se de pessoa física que exerce profissionalmente atividade econômica organizada.

Por último, o artigo prescreve que a empresa prestadora de serviços deve ter capacidade econômica compatível com a execução do contrato.

Já o art. 4º-C assegura aos empregados da empresa prestadora de serviços as mesmas condições garantidas aos empregados da contratante quando os serviços forem executados nas dependências desta. São condições relativas à alimentação, a transporte, a atendimento médico ou ambulatorial e a treinamento adequado, e sanitárias, com medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho.

Ademais, o art. 5º-A tem grande importância, pois imputa duas responsabilidades à empresa contratante no que tange a direitos trabalhistas e de segurança e saúde no trabalho dos empregados da empresa prestadora de serviços no curso do contrato de terceirização.

Uma delas é a responsabilidade subsidiária da empresa contratante nos casos de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador contratado, que já estava prevista na Súmula 331, IV, do TST, e passou a estar prevista também no § 5º do art. 5º, nos seguintes termos: “A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991”.

A outra, constituindo uma inovação legal, é a responsabilidade direta da empresa contratante pela garantia das condições de segurança e saúde dos trabalhadores terceirizados prevista no § 3º do art. 5º-A, nos seguintes termos: “É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato”.

Percebe-se, assim, que, se por um lado o legislador autorizou a terceirização irrestrita para quaisquer atividades da empresa tomadora de serviços de forma a estimular cada vez mais a transferência das atividades empresariais para terceiros, por outro lado o legislador teve uma grande preocupação com a potencial precarização nas relações de trabalho advindas dessa terceirização irrestrita.

Nesse sentido, o legislador, em sintonia com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana trabalhadora e do valor social do trabalho, e em sintonia com os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores expressamente previstos no art. 7º da Constituição Federal, assegurou aos empregados terceirizados condições de trabalho idênticas às dos empregados da empresa contratante e previu responsabilidades às empresas contratantes em caso de descumprimento da legislação trabalhista pelas empresas prestadoras de serviços contratadas.

Destaca-se também que todos os dispositivos legais acerca da terceirização de serviços contidos na Lei 6.019/1974 e que garantem condições adequadas de trabalho e direitos trabalhistas são direcionados a trabalhadores empregados, ou seja, a trabalhadores que possuem vínculo de emprego e contrato de trabalho com a empresa prestadora de serviços. Portanto, tal lei não abrange trabalhadores autônomos, sem vínculo empregatício, porventura subcontratados pela empresa prestadora de serviços.

Finalizadas as análises das principais regras contidas na Lei 11.442/2007 (transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração) e na Lei 6.019/1974 (prestação de serviços a terceiros), importa agora, levando-se em consideração tudo o que foi explorado e afirmado até aqui, fazer a devida análise no que diz respeito à incidência, à aplicação, à correlação e a possível conflito dessas leis.

Em primeiro lugar, cabe destacar que a atividade econômica de transporte rodoviário de cargas, objeto da Lei 11.442/2007 e definida em seus arts. 1º e 2º, sem nenhuma dúvida, integra o rol de atividades passíveis de terceirização nos termos do art. 4º-A da Lei 6.019/1974. A regulamentação legal da terceirização de serviços não prevê nenhuma exceção quanto à transferência da execução de atividades, pela empresa contratante ou tomadora de serviços, ao contrário, a lei determina que a execução, total ou parcial, de quaisquer atividades pode ser transferida pela empresa contratante ou tomadora de serviços a uma ou mais empresas prestadoras de serviços.

Portanto, os serviços de transporte rodoviário de cargas podem ser objeto de terceirização, não existindo qualquer incompatibilidade entre a regulamentação dessa atividade econômica pela Lei 11.442/2007 e a regulamentação da terceirização de serviços pela Lei 6.019/1974. Nesse sentido, aquela lei regula a atividade econômica de transporte rodoviário de cargas exercida por pessoa física ou jurídica, enquanto esta lei regula a transferência da execução dessa atividade econômica. Trata-se, assim, de leis com objetos e propósitos distintos, e, por inexistir conflito, os dispositivos legais de ambas devem ser observados.

A Lei 11.442/2007 regula as relações decorrentes do contrato de transporte de cargas nos casos em que esta atividade econômica seja exercida profissionalmente por pessoa física com autonomia, o transportador autônomo de cargas. Este pode prestar os serviços de transporte diretamente para o proprietário das cargas ou para uma empresa de transporte. E, em todos esses casos que o transportador autônomo de cargas figura como contratado, as relações contratuais são sempre de natureza comercial, de modo a não caracterizar vínculo de emprego com os contratantes dos serviços de transporte.

A despeito da Lei 11.442/2007 também prever a figura da empresa de transporte rodoviário de cargas, pessoa jurídica cuja atividade econômica principal é o transporte rodoviário de cargas, não tratou de regular as relações decorrentes do contrato de transporte de cargas nos casos em que a empresa transportadora seja a prestadora dos serviços. Tais relações envolvendo a contratação de uma pessoa jurídica como prestadora de serviços de transporte, por óbvio, são sempre comerciais e de natureza civil.

Como a regulação da terceirização de serviços pela Lei 6.019/1974 permite figurar como prestadora de serviços apenas a pessoa jurídica de direito privado que possua capacidade econômica, mostra-se irrelevante para a terceirização de serviços prevista naquela lei a figura do transportador autônomo de cargas como pessoa física. Logo, as relações decorrentes dos serviços prestados pelo transportador autônomo de cargas regulamentadas pela Lei 11.442/2007 não colidem, em nenhuma hipótese, com a regulamentação da terceirização de serviços pela Lei 6.019/1974, já que esta veda a prestação de serviços por pessoa física.

Sendo assim, pelo texto legal afasta-se a prestação de serviços por transportador autônomo de cargas numa relação de terceirização de serviços, e a análise deve concentrar-se na prestação de serviços por empresa de transporte rodoviário de cargas, que, nos termos do art. 2º, II, da Lei 11.442/2007, obrigatoriamente é uma pessoa jurídica.

A Lei 6.019/1974, em seu art. 4º-A, além de não restringir qualquer atividade ou serviço a ser terceirizado, também não restringe qualquer tipo de empresa como prestadora de serviços, desde que seja pessoa jurídica de direito privado e possua capacidade econômica compatível com a execução da atividade econômica transferida pela empresa tomadora de serviços. Por conseguinte, não há nenhum óbice para que a empresa de transporte rodoviário de cargas figure como prestadora de serviços numa relação de terceirização, visto que a definição trazida para essa empresa pela Lei 11.442/2007 é totalmente compatível com a definição de prestadora de serviços trazida pela Lei 6.019/1974.

Ainda, especificamente no tocante à exigência de capacidade econômica da pessoa jurídica prestadora de serviços compatível com a execução dos serviços, é prevista exigência similar no art. 2º, § 2º, IV, da Lei 11.442/2007 para o exercício da atividade econômica de transporte pela empresa de transporte rodoviário de cargas, a qual deverá, dentre outras exigências, “demonstrar capacidade financeira para o exercício da atividade (...)”. Em vista disso, denota-se uma convergência e harmonia entre as Leis 11.442/2007 e 6.019/1974, de modo a negar um possível conflito da empresa de transporte rodoviário de cargas no exercício de suas atividades como prestadora de serviços numa relação de terceirização.

Outrossim, a Lei 11.442/2007 não trata da figura do motorista-empregado, que é o motorista profissional que mantém vínculo de emprego com a empresa de transporte rodoviário de cargas. Nessa linha, diferentemente das relações envolvendo o transportador autônomo de cargas, as relações decorrentes de contrato de transporte cujos serviços são prestados pela empresa de transporte rodoviário de cargas por meio de motoristas empregados não foram reguladas pela Lei 11.442/2007. No entanto, tais relações de trabalho foram reguladas pela Lei 6.019/1974 na terceirização de serviços, pois todos os dispositivos legais que asseguram direitos trabalhistas e condições de segurança e saúde no trabalho são válidos apenas para os empregados da empresa prestadora de serviços, no caso para os motoristas profissionais empregados da empresa de transporte rodoviário de cargas prestadora de serviços.

Evidencia-se que, na ocorrência de terceirização de serviços, incide e deve ser aplicada a Lei 6.019/1974, já que apenas esta regula as relações de trabalho decorrentes dos serviços de transporte prestados por empresa transportadora por meio de motoristas empregados. A Lei 11.442/2007, por sua vez, incide e deve ser aplicada às relações comerciais decorrentes dos serviços de transporte prestados por transportador autônomo, sem vínculos de emprego, não se constituindo, por falta de previsão legal, em contratos de terceirização de serviços.

Conforme já explorado, importa observar que a Lei 11.442/2007 incide e deve ser aplicada também às empresas de transporte rodoviário de cargas no que tange à regulação prevista para o exercício da atividade econômica de transporte. Trata-se de regulação específica, sob controle e fiscalização da ANTT, para a atividade econômica de transporte rodoviário de cargas com regras sobre os mecanismos de sua operação e responsabilidades da empresa de transporte por danos às cargas ou a terceiros.

Destarte, na terceirização de serviços cuja prestadora seja uma empresa de transporte rodoviário de cargas, que se utiliza de motoristas empregados para o exercício das atividades de transporte, ambas as leis incidem e devem ser aplicadas. A Lei 6.019/1974 porque regula as relações de trabalho decorrentes da prestação de serviços a terceiros, envolvendo os motoristas empregados da empresa prestadora de serviços, e a Lei 11.442/2007 porque regula a atividade econômica de transporte exercida pela empresa prestadora de serviços. Percebe-se que as leis regulam coisas distintas e que se complementam, mas não se conflitam, sendo as duas de cumprimento obrigatório numa relação de terceirização de serviços de transporte rodoviário de cargas.

Diante de tudo o que foi exposto, após análise exaustiva das Leis 11.442/2007 e 6.019/1974, com o exame minucioso de suas finalidades e de seus conteúdos, das relações existentes e de possíveis conflitos ou antinomias entre elas, e de suas respectivas incidências e aplicabilidades, conclui-se pela adequação da atividade econômica de transporte rodoviário de cargas (definida e regulada pelos arts. 1º e 2º da Lei 11.442/2007) às atividades passíveis de transferência de execução (definidas e reguladas pelo art. 4º-A da Lei 6.019/1974), bem como pela adequação da empresa de transporte rodoviário de cargas (definida e regulada pelo art. 2º da Lei 11.442/2007) às empresas prestadoras de serviços (definidas e reguladas pelos arts. 4º-A e 4º-B da Lei 6.019/1974), podendo configurar, desde que cumpridos os demais requisitos legais, típica terceirização de serviços nos termos da Lei 6.019/1974.

Não há, portanto, diante de toda a análise realizada, nenhuma justificativa, jurídica ou até mesmo hermenêutica, para a não incidência e aplicação da Lei 6.019/1974 nos casos de terceirização de serviços cujo objeto seja o transporte rodoviário de cargas. Reitera-se, não há nenhum impedimento legal para a terceirização dos serviços de transporte rodoviário de cargas e para a prestação desses serviços por empresa de transporte rodoviário de cargas por meio de motoristas empregados, ou seja, que com ela mantenham relações ou vínculos de emprego.

Com efeito, não há que se falar em conflito ou antinomia entre as Leis 11.442/2007 e 6.019/1974, já que estas possuem finalidades e regulam coisas distintas. Ao contrário, tais leis se dialogam e se complementam, não havendo nenhuma razão para a incidência ou aplicação de uma em detrimento da outra.

Por fim, espera-se que o presente estudo tenha atingido seu real objetivo, qual seja, demonstrar a inexistência de um aparente conflito entre a Lei 11.442/2007 e a Lei 6.019/1974, de modo a jogar luz sobre o tema e a provocar o seu devido enfrentamento pela Justiça do Trabalho nas ações propostas por motoristas empregados, evitando-se, assim, a consolidação de uma jurisprudência contrária à lei, o inadimplemento de obrigações trabalhistas e a precarização das relações de trabalho envolvendo motoristas profissionais empregados e relações de terceirização de serviços de transporte.


  1. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Mackenzie. Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Digital do Trabalho, Compliance Trabalhista e LGPD pela Faculdade Verbo Educacional. Bacharel em Engenharia de Materiais pela Universidade Mackenzie. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Padre Anchieta. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Paulista. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Paulista. Auditor-Fiscal do Trabalho em São Paulo.

Sobre o autor
Rafael Brisque Neiva

Auditor-Fiscal do Trabalho em São Paulo. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie. Bacharel em Engenharia de Materiais pela Universidade Mackenzie. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Padre Anchieta. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Paulista. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Paulista.

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