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Da Imunidade tributária recíproca e da possibilidade ou impossibilidade de concessão à CDHU

Agenda 26/04/2024 às 17:36

1.Introdução

A Carta Magna de 1988, em seu Título VI aborda sobre a temática da tributação e do orçamento e em seu Capítulo I, mais precisamente em sua Seção II, acerca das limitações ao poder de tributar.

O presente artigo abordará acerca de uma destas limitações ao poder de tributar, qual seja, a chamada imunidade tributária recíproca, voltando-se mais precisamente acerca da concessão ou não de imunidade tributária recíproca às sociedades de economia mista e empresas públicas, em destaque, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo, conhecida como CDHU.

  1. Da Imunidade Tributária

Em primeiro, insta abordarmos acerca da conceituação da chamada imunidade tributária.

Segundo Hugo de Brito Machado:

Imunidade é o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas.1

Desta feita, constata-se que dispositivo constitucional excepciona a regra de lei ordinária de tributação, de modo que, em razão de certos fatos previstos expressamente, há exclusão da regra geral de tributação.

Com efeito, as regras de imunidade tributária são previstas em nossa Carta Magna, em seu artigo 150.

  1. Da Imunidade Tributária Recíproca

Acerca da chamada imunidade tributária recíproca, a Constituição Federal assim prevê:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

(...)

§ 2º A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo poder público e à empresa pública prestadora de serviço postal, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

(...)

Pois bem, o que diz respeito a temática deste artigo quanto a imunidade tributária recíproca, infere-se que a Carta Magna estabeleceu uma expressa vedação para que os entes União, Estados, Distrito Federal e Municípios não instituam impostos em desfavor do outro em relação ao seu patrimônio, renda ou serviços.

Importante atentar-se que referida limitação ao poder de tributar diz respeito tão somente a espécie tributária dos impostos, de modo que, quanto às demais espécies é possível a tributação de um ente em relação ao outro.

Cabe destacar, outrossim, que esta é uma imunidade tributária de natureza subjetiva, ou seja, alcança a natureza jurídica das pessoas ali indicadas, quais sejam, União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Outrossim, cabe mencionar que a regra da imunidade tributária recíproca é considerada cláusula pétrea em nosso ordenamento jurídico, de modo que, não pode ser alterada por projeto de lei ou de emenda constitucional, nos termos do art. 60, §4º, inciso I da Carta Magna.

Referida proteção visa impedir a ocorrência de interferência ou sujeição de um ente federativo em relação ao outro, protegendo-se, via de consequência, o pacto federativo.

Da análise do caput do art. 150 e seu inciso VI, infere-se que, a princípio, a imunidade recíproca ocorre entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Já o §2º, prevê expressamente que a vedação de instituição de cobrança de impostos entre si será extensiva às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo poder público, bem como, a empresa pública prestadora de serviço postal, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

Incumbe destacar que referido parágrafo sofreu recente alteração, mais precisamente pela Emenda Constitucional n.º 132 de 20 de dezembro de 2023, que acrescentou a previsão específica quanto “à empresa pública prestadora de serviço postal, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”.

Referida emenda constitucional foi promulgada para reforçar entendimento jurisprudencial que vinha sendo aplicado pelo C. Supremo Tribunal Federal, o qual julgara que à ECT deveria ser concedida a imunidade tributária recíproca, posto que, referida empresa pública exercia serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado.

Ricardo Alexandre, assim destaca:

A conclusão a que facilmente se chegaria em face dos dispositivos constitucionais citados seria que a ECT, por ser uma empresa pública (e não uma autarquia ou fundação pública) e por cobrar preços ou tarifas por seus serviços, não estaria protegida pela cláusula imunizante.

Todavia, o STF entendeu que a ECT, por prestar serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, goza da imunidade, pois, ainda no entender da Corte Suprema, a extensão prevista no citado §2º do art. 150 aplica-se às Empresas Públicas.

Daquele julgamento, colhe-se importante excerto, extraído do voto do Ministro Carlos Velloso, afirmando o seguinte (grifou-se):

“Visualizada a questão do modo acima – fazendo-se a distinção entre empresa pública como instrumento da participação do Estado na economia e empresa pública prestadora de serviço público - não tenho dúvida em afirmar que a ECT está abrangida pela imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a), ainda mais se considerarmos que presta ela serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, que é o serviço postal, CF, art. 21, X. (Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. Cit., p. 636)

Dir-se-á que a Constituição Federal, no §3º do art. 150, estabelecendo que a imunidade do art. 150, VI, a, não se aplica: a) ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados; b) ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário; c) nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel, à ECT não se aplicaria a imunidade mencionada, por isso que cobra ela preço ou tarifa do usuário.

A questão não pode ser entendida dessa forma. É que o §3º do art. 150 tem como destinatário entidade estatal que explore atividade econômica regida pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. No caso, tem aplicação a hipótese inscrita no §2º do mesmo art. 150”. (STF, 2ª T., RE 407.099/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 22.06.2004, DJ 06.08.2004, p. 62) 2

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Nesse sentido, a Emenda Constitucional n.º 132 de 20 de dezembro de 2023 foi hábil a trazer ao texto constitucional entendimento que vinha sendo aplicado em solo nacional e afastou por completo novas discussões acerca do tema.

Com efeito, constata-se que a previsão constitucional é clara ao prever a concessão da imunidade tributária recíproca entre os entes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios e estendê-la às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo poder público, bem como, a empresa pública prestadora de serviço postal.

  1. Da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo

Nessa toada, infere-se que a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo não se enquadra na previsão contida na Carta Magna, senão vejamos.

Do conteúdo do sítio eletrônico da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo constata-se a informação de que a CDHU é “empresa do Governo Estadual, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, é o maior agente promotor de moradia popular no Brasil. Tem por finalidade executar programas habitacionais em todo o território do Estado, voltados para o atendimento exclusivo da população de baixa renda – atende famílias com renda na faixa de 1 a 10 salários mínimos”.

E no teor de seu Estatuto Social, em seu artigo 1º:

Art. 1º - A sociedade por ações denominada COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO HABITACIONAL E URBANO DO ESTADO DE SÃO PAULO – CDHU é uma empresa pública estadual, parte integrante da administração indireta do Estado de São Paulo, regendo-se pelo presente Estatuto, pelas Leis federais n.ºs 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e 13.303, de 30 de junho de 2016, e demais disposições legais aplicáveis.

Neste, constata-se que a CDHU é empresa pública estadual, sendo uma sociedade por ações, cujo maior acionista é o Estado de São Paulo.

Com efeito, incumbe destacar que as empresas públicas fazem parte da chamada Administração Pública Indireta, a qual se refere ao conjunto de pessoas jurídicas (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedade de economia mista) que, vinculadas à Administração Direta, exercem as atividades administrativas de forma descentralizada.

Neste ato importante destacar que as empresas públicas são consideradas pessoas jurídicas de direito privado, de modo que, não podem se comparar às pessoas jurídicas de direito público e receber benefícios que somente a esta são conferidos, senão vejamos.

Em primeiro, da análise do art. 150, caput, e inciso VI, cumulado com §2º, verifica-se que o benefício da imunidade tributária recíproca é destinado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como, é estendido às autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público e à empresa pública prestadora de serviço postal.

Nesse sentido, além dos entes da Administração Pública Direta - União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o benefício constitucional tão somente se estende às autarquias e fundações que fazem parte da Administração Pública Indireta, contudo, são pessoas jurídicas de direito público, ao contrário da natureza jurídica da CDHU, que é de direito privado. Bem como, à empresa pública prestadora de serviço postal, uma vez que, exerce atividade pública em regime de exclusividade.

Insta destacar, ainda, o contido no art. 173 da Carta Magna, que assim prevê:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

(...)

§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

Com efeito, o art. 173, em seu parágrafo 2º é cristalino ao prever que as empresas públicas e sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. Assim, possibilita-se a preservação do livre mercado e não se estabelece benefícios às pessoas jurídicas de direito privado que fazem parte da Administração Pública Indireta em detrimento de outras pessoas jurídicas de direito privado que não fazem.

Desta feita, considerando-se que a imunidade tributária recíproca tão somente é conferida à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, autarquias e fundações públicas e empresas públicas prestadoras de serviço postal, pela análise das previsões constitucionais sobre o tema, não há que se falar em sua extensão às empresas públicas, e via de consequência, à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo.

Acerca do tema, a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim tem decidido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução fiscal - IPTU dos exercícios de 2019 a 2021 - Exceção de pré-executividade rejeitada. 1) Pedido de suspensão do feito até o julgamento do ARE nº 1.289.782/SP (Tema 1.122) pelo STF - Descabimento - Ausência de determinação de suspensão nacional. 2) Imunidade tributária - Não gozam as empresas públicas e as sociedades de economia mista de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado, de sorte que, estando a CDHU inserida nessa condição, a sua natureza jurídica denuncia a sua condição de contribuinte, não podendo se utilizar da imunidade sob o argumento de ter a sua atividade vinculada ao Estado. 3) Ilegitimidade passiva - Compromisso de venda e compra do imóvel não registrado - Alegação de ilegitimidade passiva ad causam do promitente vendedor afastada - Possibilidade de manutenção no polo passivo da ação daquele cujo nome ainda ostenta, no Cartório de Registro de Imóveis, a condição de proprietário do imóvel quando do lançamento do tributo - Precedentes do STJ - Decisão mantida - Recurso improvido. (TJSP –Agravo de Instrumento n.º 2329491-42.2023.8.26.0000 - 15ª Câmara de Direito Público - Des. Relator Eutálio Porto – julgado em 18.04.2024)

AGRAVO DE INSTRUMENTO Execução fiscal Exceção de pré-executividade - IPTU do exercício de 2022 Município de Guarulhos Decisão que rejeitou o incidente e afastou a alegação de imunidade recíproca Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo CDHU - Ente privado do tipo sociedade de economia mista - Não existência de imunidade recíproca Precedentes do STJ e desta 15ª câmara de Direito Público - Decisão mantida Recurso não provido. (TJSP – Agravo de Instrumento n.º 2100845-69.2024.8.26.0000 - 15ª Câmara de Direito Público - Des. Relator Raul de Felice – julgado em 16.04.2024)

TRIBUTÁRIO APELAÇÃO EXECUÇÃO FISCAL IPTU EXERCÍCIOS DE 2012 A 2015 MUNICÍPIO DE FRANCISCO MORATO EXCEÇÃO DE PRÉEXECUTIVIDADE CDHU Sentença que acolheu a exceção de pré-executividade oposta pela executada e extinguiu a execução fiscal. Apelo do Município. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA INOCORRÊNCIA Nos termos do artigo 173 da Constituição da República, as empresas públicas e as sociedades de economia mista sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações tributários, não gozando, a princípio, da imunidade prevista no art. 150, VI, “a”, e § 2º da Constituição da República O C. Supremo Tribunal Federal, no entanto, tem entendido que quando forem prestadoras de serviço público com caráter de exclusividade estarão abarcadas pela imunidade tributária recíproca Precedentes do C. Supremo Tribunal Federal e deste E. Tribunal de Justiça. No caso dos autos, embora a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo CDHU tenha sido criada para o atendimento de projetos habitacionais populares e à promoção do desenvolvimento urbano no Estado, não há a prestação de serviço público essencial em regime de exclusividade A construção e comercialização de imóveis afetos a programas de habitação de interesse social não cuida de atividade exercida unicamente pela CDHU, existindo diversas construtoras e agentes financeiros que atuam nesse segmento e comercializam imóveis pelo sistema financeiro de habitação ou por programas como o “Minha Casa, Minha Vida”, que igualmente buscam efetivar o direito à moradia Precedentes do C. Supremo Tribunal Federal e desta C. Câmara em casos análogos, inclusive envolvendo a CDHU. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA EXCEÇÃO DE PRÉEXECUTIVIDADE DILAÇÃO PROBATÓRIA Impossibilidade Discussão referente à análise do atendimento ou não dos requisitos da isenção tributária prevista na Lei Municipal nº. 1.215/1990 Matéria que não pode ser conhecida de ofício e demanda dilação probatória no caso - Impossibilidade de dilação probatória em exceção de pré-executividade - Súmula nº 393 do C. Superior Tribunal de Justiça Precedentes desta C. Câmara em casos análogos. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA PENHORA DE BENS POSSIBILIDADE - Sujeição ao regime jurídico de direito privado (artigo 173, §1º, inciso II da Constituição Federal) Impenhorabilidade relativa apenas aos bens diretamente vinculados à prestação do serviço público - Precedentes do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e desse E. Tribunal. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS IMPOSSIBILIDADE Exceção de pré-executividade rejeitada neste grau Prosseguimento da execução A exceção de pré-executividade só acarreta a condenação em honorários advocatícios caso seja acolhida, integral ou parcialmente, pois desta forma há, em algum grau, a extinção da execução Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça e desta C. Câmara. Sentença reformada Recurso provido. (TJSP - Apelação n.º 1007638-05.2016.8.26.0197 - 15ª Câmara de Direito Público - Des. Relator Eurípedes Faim – julgado em 28.11.2023)

E no teor do v. acórdão:

Assim, as empresas públicas e as sociedades de economia mista são regidas por normas de direito privado, não gozando, a princípio, de imunidade.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, tem entendido que quando as empresas públicas e das sociedades de economia mista forem prestadoras de serviço público com caráter de exclusividade estarão abarcadas pela imunidade tributária recíproca, nos termos da alínea “a”, inciso VI, do artigo 150, da Constituição da República.

Constata-se que o C. Supremo Tribunal Federal firmou entendimento que, para que à sociedade de economia mista e empresas públicas seja conferido o benefício da imunidade tributária recíproca, criando-se exceção ao contido no art. 173, §2º da Carta Magna, o serviço deve ser público, indisponível e prestado em regime de exclusividade, o que não se aplicaria à CDHU, senão vejamos.

Com efeito, não se pode dizer que a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo atua em regime de exclusividade, uma vez que é inegável que diversas outras construtoras atuam no ramo de construção e comercialização de imóveis.

A título de exemplo pode-se citar que em programas como “Minha Casa, Minha Vida”, possibilita-se a contratação de diversas construtoras privadas, tal qual MRV Engenharia, Construtora Tenda, dentre outras.

Acerca do tema, o Ministro Edson Fachin, do C. Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Recurso Extraordinário n.º 1.094.036, assim decidiu:

Por conseguinte, verifica-se que a decisão recorrida diverge do entendimento jurisprudencial do STF é possível a extensão da imunidade tributária recíproca dos entes federativos às empresas públicas e à sociedades de economia mista cuja autorização de criação tenha emanado da Administração Pública Direta, desde que prestem serviço público em caráter monopolístico, não concorrencial e sem finalidades lucrativas.[...]. Sendo assim, verifica-se que sociedade de economia mista dedicada à construção de habitações populares não presta serviço público em caráter exclusivo, tendo em vista que programas de acesso à moradia de interesse social são abertos a diversas empreiteiras e agentes financeiros que atuam no segmento da construção civil. Logo, a parte Recorrida não faz jus à imunidade tributária recíproca ou qualquer outro favor fiscal não extensível aos agentes econômicos privados, nos termos do art. 173, §2º, da Constituição da República. [...]. Ante o exposto, conheço do recurso extraordinário a que se dá provimento, nos termos do art. 21, §2º, do RISTF, com a finalidade de dar seguimento à execução fiscal controvertida e rechaçar a exceção de pré-executividade oposta. (STF, Recurso Extraordinário nº. 1.094.036/SP, Rel. Ministro Edson Fachin, j.27/11/2017)

Contudo, importante se faz destacar que a temática ora em apreço não está pacificada em nossos tribunais. No Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pode-se constatar que também são proferidos acórdãos conferindo a imunidade tributária recíproca à CDHU, nos seguintes termos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO Execução Fiscal IPTU e Taxas de Coleta do Lixo e Emolumentos dos exercícios de 2018 a 2021 Municipalidade de Franco da Rocha Exceção de pré-executividade da CDHU acolhida integralmente pela decisão agravada Imunidade tributária Desempenho de função eminentemente estatal, em atuação deficitária e sem concorrência com entes privados Julgados do STF Reconhecimento da imunidade tributária em favor da agravante exclusivamente quanto ao IPTU Prosseguimento da execução quanto à Taxa de Coleta de Lixo Serviço específico e divisível de coleta e remoção de lixo domiciliar Cobrança possível (Súmulas Vinculantes de nº 19 e 29) Taxa de Emolumentos declarada inconstitucional pelo STF (tema 721) Recurso parcialmente provido. (TJSP – Agravo de Instrumento n.º 2000788-43.2024.8.26.0000 - 14ª Câmara de Direito Público - Des. Relatora Silvana Malandrino Mollo – julgado em 21.02.2024)

E no teor do v. acórdão:

De fato, não existe consenso, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, acerca da qualificação desses direitos como fundamentais, uma vez que eles envolvem prestações positivas por parte do Estado, as quais estão sempre sujeitas à disponibilidade de recursos para sua efetivação. Todavia, isso não impede reconhecer que uma sociedade de economia mista cuja atividade visa assegurar um direito previsto constitucionalmente desempenha uma função de natureza pública, substituindo-se à atuação direta do Estado.

E é justamente o caráter eminentemente público do serviço que a sociedade de economia mista presta que torna possível estender a ela a imunidade prevista constitucionalmente, desde que, é claro, outras condições sejam satisfeitas.

Expondo o entendimento supra, a 14ª Câmara de Direito Público entendeu que a CDHU faria jus à imunidade tributária recíproca, posto atuar como longa manus do Estado, exercendo atividade eminentemente pública, para fins de instrumentalizar a política habitacional do Estado e visar garantir o direito constitucionalmente previsto de moradia a todos. Outrossim, ao exercer a sua atividade, a CDHU não visaria o lucro de suas atividades, de modo que, não poderia ser comparada às demais construtoras e empreiteiras

  1. Do Tema 1122

Diante de inegável divergência jurisprudencial e doutrinária, o C. Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral acerca do tema n.º 1122, ainda a ser julgado: “Tema 1122 – Imunidade tributária recíproca em favor de sociedade de economia mista prestadora de serviço público relativo à construção de moradias para famílias de baixa renda”

Os processos que tratam acerca de referido tema têm tido sua tramitação habitual, sendo sobrestados tão somente após a interposição de Recurso Extraordinário, nos termos do art. 1.030, inciso III do Código de Processo Civil.

  1. Conclusão

Há que se destacar que a imunidade tributária recíproca se refere a cláusula pétrea prevista na Constituição Federal, tamanha a sua magnitude e importância para a manutenção do pacto federativo e a independência entre os órgãos da Administração Pública.

Quanto a imunidade tributária recíproca ser ou não conferida as sociedades de economia mista, tendo em vista a inegável controvérsia jurisprudencial, a qual fora aqui destacada, a temática foi levada ao C. Supremo Tribunal Federal e devido a sua repercussão geral será analisada por meio do Tema 1122.

Com efeito, nos termos do já exposto no presente artigo, entendemos que o benefício não deve ser estendido às empresas públicas e sociedades de economia mista, uma vez que a Constituição Federal assim não o prevê, destacando, expressamente, em seu art. 173, em seu parágrafo 2º, que as empresas públicas e sociedades de economia mista não poderão gozar de benefício não extensivo ao setor privado.

Outrossim, conforme suscitado, em que pese exercer atividade de inegável importância, qual seja, a construção de moradias à população de baixa renda, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo não a exerce em regime de exclusividade, tal qual o serviço exercido pelos Correios, a título de exemplo, de modo que, conferir à CDHU referido benefício tributário importaria em desrespeito a livre concorrência.

Nesse sentido, considerando a possibilidade de prestação dos contratos exercidos pela CDHU por diversas outras empresas e empreiteiras do ramo, é notório que não exerce a prestação de serviços em caráter de monopólio.

Desta feita, não poderia ser concedido o benefício da imunidade tributária recíproca prevista na Carta Magna, tendo em vista a restrição prevista no art. 173, §2º, bem como, a ausência de prestação de serviço em exclusividade.

Contudo, nos termos do supra suscitado, após a análise do leading case e Tema 1122 pelo C. Supremo Tribunal Federal, enfim se sedimentará e pacificará a matéria e se esclarecerá se o benefício da imunidade tributária recíproca deve ser extensível às empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público relativo à construção de moradias para famílias de baixa renda, enquanto, por ora, a matéria segue controvertida.

Referências bibliográficas

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário – 11. Ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário – 41. Ed. – São Paulo: Malheiros, 2020.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, Disponível em: http: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 24/04/2024.

CDHU. Cdhu, 2024. Disponível em: <https://www.cdhu.sp.gov.br/web/guest/institucional/quem-somos>. Acesso em 24/04/2024.

TJSP –Agravo de Instrumento n.º 2329491-42.2023.8.26.0000 - 15ª Câmara de Direito Público - Des. Relator Eutálio Porto – julgado em 18.04.2024, publicado em 22/04/2024.

TJSP – Agravo de Instrumento n.º 2100845-69.2024.8.26.0000 - 15ª Câmara de Direito Público - Des. Relator Raul de Felice – julgado em 16.04.2024, publicado em 18/04/2024.

TJSP - Apelação n.º 1007638-05.2016.8.26.0197 - 15ª Câmara de Direito Público - Des. Relator Eurípedes Faim – julgado em 28.11.2023, publicado em 29/11/2023.

TJSP – Agravo de Instrumento n.º 2000788-43.2024.8.26.0000 - 14ª Câmara de Direito Público - Des. Relatora Silvana Malandrino Mollo – julgado em 21.02.2024, publicado em 23/02/2024.

STF, Recurso Extraordinário nº. 1.094.036/SP, Rel. Ministro Edson Fachin, j.27/11/2017, publicado em 29/11/2017.


  1. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário – 41. Ed. – São Paulo: Malheiros, 2020, p. 233.

  2. ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário – 11. Ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 211.

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