O PROCEDIMENTO de Usucapião Extrajudicial deverá se desenvolver inteiramente sem a necessidade de intervenção judicial, nos moldes do art. 216-A da Lei de Registros Publicos e da atual regulamentação do procedimento (Provimento CNJ 149/2023), sendo necessária a remessa para um Magistrado tão-somente para dirimir "dúvidas" a teor do art. 198 da LRP (regra do art. 420 da regulamentação) e especialmente nos casos de rejeição do requerimento/pedido, cf. § 5º do art. 414 do CN/CNJ.
Como se sabe, mesmo em Cartório o procedimento é complexo e também oneroso, devendo ser mais célere que a via judicial, todavia na prática nem sempre é isso que acontece. O cliente precisa ter ciência desse panorama, com toda razão. Com muita recorrência observamos ser preciso esclarecer aos interessados que o procedimento não se resolve em "120 dias" como alguns desavisadamente propagam na internet: o fato de se resolver na via extrajudicial não é nenhuma garantia de procedimento simples e fácil - e muito menos rápido - bastando lembrar que mesmo na via Extrajudicial é necessária a participação das Fazendas Municipal, Estadual e da União no procedimento, como exige o art. 412 do referido Provimento:
"Art. 412. Estando o requerimento regularmente instruído com todos os documentos exigidos, o oficial de registro de imóveis dará ciência à UNIÃO, ao ESTADO, ao DISTRITO FEDERAL ou ao MUNICÍPIO pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestação sobre o pedido no prazo de 15 dias".
A fase da intimação se dá no bojo da tramitação que ocorre junto ao RGI - e isso pode levar muito tempo - sendo que tudo isso acontece posteriormente à fase inicial que se dá no Tabelionato de Notas onde, a teor do art. 402, será lavrada a ATA NOTARIAL contendo todos os requisitos exigidos pelas alíneas do inciso I do art. 401.
Não restam dúvidas que o procedimento de Usucapião Extrajudicial busca a mesma solução que se busca na via judicial, qual seja, o reconhecimento de direitos consagrados na constituição, com reflexos imediatos na DIGNIDADE da pessoa humana, sejam eles o DIREITO À PROPRIEDADE (inc. XXII, art. 5º), ou o DIREITO À MORADIA (art. 6º), por exemplo. Não por outra razão se mostra indefensável negar a USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL justamente para aqueles que não possam pagar os CAROS EMOLUMENTOS cobrados pelos Cartórios Extrajudiciais. A gratuidade para esse procedimento (assim como para todos os demais realizados pelos Cartórios Extrajudiciais) deverá obedecer a regulamentação presente em cada um dos Estados. No Rio de Janeiro a regulamentação está a cargo do ATO NORMATIVO CONJUNTO TJ/CGJ nº. 27/2013 que tem como objetivo "unificar e consolidar os procedimentos para concessão de isenção no pagamento do valor de emolumentos e acréscimos legais na prática de atos extrajudiciais, nas hipóteses autorizadas por lei".
Dois pontos importantes precisam ser sempre destacados na aplicação do referido ato normativo fluminese: por ocasião do PROVIMENTO CGJ/RJ 43/2023 a redação do art. 206 do NCN/2023 (Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro) foi modificada para se adaptar ao Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ nº. 27/2013 e NÃO MAIS autorizar a exigência de "documentos comprobatórios do fato" (ou seja, contracheques, declaração de imposto de renda, comprovantes de salário etc). Hoje o procedimento correto determina, para fins de gratuidade extrajudicial, no âmbito do Estado Rio de Janeiro:
"Art. 206. À solicitação de gratuidade para a prática de ato extrajudicial é necessária e suficiente a apresentação de declaração de hipossuficiência, formalizada por escrito e assinada pelo interessado, podendo ser utilizado formulário previamente impresso fornecido pela serventia.
§ 1º. Da declaração de hipossuficiência deve constar a afirmação do requerente de que não tem condições de efetuar o pagamento dos emolumentos e acréscimos legais sem prejuízo de seu próprio sustento ou de sua família.
§ 2º. Em caso de fundada suspeita ou dúvida acerca da declaração de hipossuficiência, o gestor do Serviço poderá no prazo de 72 (setenta e duas) horas da apresentação do requerimento, em petição fundamentada, suscitar dúvida quanto ao referido benefício ao Juízo competente.
§ 3º. Dentro do prazo de análise do requerimento da isenção, poderá o responsável se valer de pesquisas realizadas nas bases públicas dos governos federal, estadual ou municipal ou nas redes sociais, servindo o resultado como meio de prova para ratificar o pedido ou para fundamentar o procedimento de dúvida" .
Outro aspecto que merece destaque é o fato de que inclusive na via EXTRAJUDICIAL o fato de o interessado estar representado por ADVOGADO PARTICULAR não pode servir como argumento para lhe obstaculizar a gratuidade/isenção de custas e emolumentos já que o interessado não é e nem pode mesmo ser obrigado à buscar a DEFENSORIA PÚBLICA para que o benefício constitucional da gratuidade e acesso à justiça (inclusive à "justiça" alcançada extrajudicialmente) sejam deferidos. Não por outra razão temos no Estado do Rio de Janeiro consolidada a Súmula TJRJ 40, muito bem aplicada em caso concreto:
"TJRJ. 0062769-83.2016.8.19.0000. J. em: 07/12/2016. AGRAVO DE INSTRUMENTO. (...) GRATUIDADE DE JUSTIÇA. CONSTITUIÇÃO DE ADVOGADO PARTICULAR. POSSIBILIDADE. Recurso contra decisão que indeferiu a gratuidade de justiça requerida pelo autor ao argumento de que este constituíra patrono particular. É lícito ao hipossuficiente constituir advogado particular para representação judicial, não estando o patrono obrigado a firmar declaração de patrocínio gratuito. Súmula TJ nº. 40, in verbis: 'Não é obrigatória a atuação da Defensoria Pública em favor do beneficiário da gratuidade de justiça, facultada a escolha de advogado particular para representá-lo em Juízo, sem a obrigação de firmar declaração de que não cobra honorários'. RECURSO PROVIDO, NA FORMA DO ARTIGO 932, V, a DO NCPC/15".
Não se desconhece que os custos do Procedimento Extrajudicial de Usucapião são elevados (ATA NOTARIAL, REGISTRO, INTIMAÇÕES, NOTIFICAÇÕES, EDITAIS, AUTENTICAÇÕES, RECONHECIMENTOS DE FIRMA, DILIGÊNCIAS etc)- como igualmente o são os honorários advocatícios, como se observa das Tabelas editadas pela OAB mensalmente - todavia, a parte pode constituir Advogado particular para representar seus interesses perante as Serventias Extrajudiciais. PORTANTO, é direito consagrado dos interessados, na hipótese de preencherem os requisitos para a concessão da gratuidade, realizarem o procedimento de USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL com total isenção de custos e despesas, como reconheceu com todo acerto o TJRJ recentemente em caso concreto sob nosso patrocínio:
"TJRJ. 0001633-63.2022.8.19.0004. J. em: 22/02/2024. CONSELHO DA MAGISTRATURA. Apelação. Dúvida suscitada pelo Delegatário do Cartório do RCPN da 1ª Circunscrição do 4º Distrito de São Gonçalo. Pretensão de isenção do pagamento de emolumentos para a lavratura de ATA NOTARIAL de USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. Oficial suscitante aponta indícios de que os interessados não fazem jus ao benefício da GRATUIDADE. Sentença julgou IMPROCEDENTE a dúvida. Interposição de recurso de apelação pelo Oficial Suscitante. Parecer da Procuradoria opinando pelo não conhecimento do reexame necessário. Recurso conhecido. Existência de precedentes deste Conselho da Magistratura quanto à legitimidade do Oficial Registrador para recorrer em procedimentos de dúvida que tratem de Gratuidade de Justiça. Manutenção da IMPROCEDÊNCIA DA DÚVIDA. Hipossuficiência econômica devidamente comprovada nos autos. Recurso a que se nega provimento".